Ustra Vive
Ustra chefiou o DOI-CODI do II Exército (São Paulo), órgão encarregado da repressão a grupos de oposição à ditadura militar e aos grupos de esquerda que atuavam na região. No mesmo período, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo reuniu 502 denúncias de tortura no DOI-CODI paulista
Sabrina encontrava-se no chão úmido da cela. A atração exercida pela gravidade da terra colava seu corpo as pedras geladas e rudes daquele cubículo. Sem forças para levantar-se, apenas ouvia gritos, choros, lamentações.
Um dia antes encontrava-se em casa, com o esposo e os dois filhos. Hoje, entretanto, sentia dores atrozes em seu ventre, ora dilacerado pelos instrumentos utilizados para lhe violentar a intimidade sagrada.
O sangue escorria pelas coxas, formando uma poça sob o quadril, nu. Sabrina tinha a certeza de que, se sobrevivesse, jamais poderia gerar outra criança. Instrumentos que ela ignorava foram introduzidos em seu corpo infligindo graves lesões no colo do útero.
De inopino, ouviu os gritos lancinantes de outra mulher, sendo tão brutalizada quanto ela fora, instantes atrás. Pensava, de si para consigo: Meu Deus. Outra mulher inocente sendo torturada. Nem as mais criminosas criaturas do mundo merecem o tratamento que nos dispensam nesta prisão. Por que, mestre Jesus, criaturas tão malignas permutam-nos o mundo de paz pela dor de um mundo de ódio?
Em aposento contíguo, o torturador, Carlos Alberto Brilhante Ustra, introduzia um rato na vagina de uma jovem mulher, acusada de subversão. Tratava-se de Carolina, jovem universitária que, acreditando em uma sociedade melhor, filiou-se a um partido político que fazia oposição ao governo militar.
Ustra, encolerizado, gritava impropérios. Chamava-a pelos adjetivos mais pejorativos que se possa imaginar, enquanto lhe violava a intimidade da forma mais terrível e brutal. O torturador sentia o pico da libido ao ouvi-la gritar, nua e aterrorizada. Pudesse ele ser o rato, a invadiria por completo. Rasgando entranhas. Violentando a vida.
Terminado aquele dia de trabalho, o verdugo tomou longa ducha, ainda no quartel, onde sob o toque da água quente, tocou-se intimamente e gozou, rememorando as cenas daquele dia que lhe fora sublime. Logo chegaria em casa e teria de ajustar ao rosto a máscara das conveniências. Sua esposa sequer imaginava o que ele fazia com os inimigos do Estado.
Entrou em casa. O uniforme impecável. O semblante de homem sério e respeitoso. Indagado pela esposa, como teria sido o dia de trabalho, brandamente, respondeu:
- Fantástico, querida. Tenho servido a minha pátria com amor. Em um futuro próximo, serei, sem sombra de dúvidas, homenageado pelo trabalho que venho prestando ao nosso país.
Os anos se passaram...
O torturador envelheceu e escreveu dois livros. Nunca experimentou nenhum dissabor pelos atos de violência praticados. Faleceu em Brasília, certamente, levado pelo diabo, em 15 de outubro de 2015.
Sabrina e Carolina, que sobreviveram ao terror daqueles dias, nunca foram reparadas ou indenizadas. Acanhadas e com medo, com as marcas profundas cravadas no íntimo, ouvem pelas ruas: Ustra vive! Viva o Mito!
A semelhança de um espírito das sombras, daqueles, próprios de filmes de terror, o monstro pervive no inconsciente das vítimas quando ocorre a invocação de seu nome pela boca imprevidente de terceiros. Ustra pervive, sempre que aclamado pela boca dos tolos, dos maus e dos perversos. Ustra pervive pela boca do Presidente e pela militância de seus filhos. O torturador pervive no voto do cidadão que ouviu o discurso de ódio e o referendou.
Sim. Infelizmente, Ustra vive!