Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

08
Set20

‘Lava Jato e Ministério Público Federal são responsáveis pela fragilidade das instituições’,

Talis Andrade

Para Wilson Rocha, lavajatismo alçou extrema direita ao poder e gerou desgaste da imagem do próprio MPF

 

Os excessos cometidos por operações como a Lava Jato minaram a credibilidade do Ministério Público Federal, o MPF, e colocam em xeque o modelo que a Constituição de 1988 definiu para a instituição, afirma o procurador da República Wilson Rocha em entrevista ao Intercept.

“Com a Lava Jato e a ascensão da extrema direita no Brasil, essa harmonia se perdeu. Várias instituições passaram a ter ressalvas em relação ao Ministério Público”, afirmou. “Organizações muito importantes da sociedade civil hoje olham para nós com desconfiança, especialmente as do campo da esquerda”.

“Isso demonstra a corrosão da legitimidade, do capital institucional enorme que o MPF ainda tem, acredito eu, junto à sociedade. Acho que a Lava Jato e esse modelo de combate à corrupção que a instituição promove hoje põem em risco esse capital”, me disse Rocha durante uma conversa de 50 minutos por telefone.

Os constituintes brasileiros projetaram o Ministério Público como um órgão garantidor de direitos, com atenção especial aos direitos difusos e coletivos – aqueles que pertencem à toda a sociedade, sem terem um dono específico, como por exemplos os do consumidor ou o direito à preservação do meio ambiente.

Progressivamente, porém, a instituição vem privilegiando sua face policial, óbvia em operações como a Lava Jato, que hoje são seu cartão de visitas. Um caminho errado, inclusive, para o combate à corrupção, acredita o procurador.

“Para quem tem um martelo na mão, tudo vira prego. O martelo na mão do MPF é a ação penal. E tem coisas que não se arrumam com ação penal”, argumentou. Entre elas, os crônicos problemas dos sistemas político e eleitoral brasileiros.

Para Rocha, a solução deles “passa por uma sociedade mais autônoma, inclusive em relação às instituições, com capacidade para reivindicar seus direitos de forma mais efetiva, controlar o gasto público de forma mais efetiva. O controle social da probidade administrativa é algo que se discute muito pouco no Brasil. É um caminho mais difícil, mais lento, que não dá protagonismo às instituições, que não transforma nenhum agente estatal em herói”.

Pior, a ânsia por protagonismo político personalizada em figuras como Deltan Dallagnol, Roberson Pozzobon, Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos – figuras mais vistosas e vaidosas da Lava Jato no MPF – coloca em xeque o próprio desenho institucional do órgão. O mesmo Ministério Público que persegue e expõe acusados em ações midiáticas é o responsável por garantir o acesso a todos os direitos previstos na Constituição. Como, por exemplo, à ampla defesa em processos criminais.

“Não há Ministério Público no mundo com esse perfil, o de uma instituição que é titular da ação penal e, ao mesmo tempo, tem instrumentos poderosos para a tutela de direitos difusos coletivos”, Rocha observou. “Eu acho que a Lava Jato e esse modelo de combate à corrupção mostram o colapso dessa arquitetura institucional. Eu particularmente hoje defenderia [a existência de] instituições diferentes, em que essas duas funções estivessem separadas”.

Talvez nada simbolize tão bem o desprezo da geração de procuradores e juízes alçada ao estrelato pela Lava Jato pelos direitos coletivos e difusos quanto o desdém demonstrado pelo então ministro Sergio Moro pela Funai. O retorno da subordinação da Funai ao Ministério da Justiça era reivindicação do movimento indígena – no governo Bolsonaro, a fundação fora colocada sob o ministério de Damares Alves. Ela acabou ocorrendo, mas sob protestos de Moro – como se coubesse a um servidor público escolher do que quer e do que não quer cuidar.

É justamente na defesa de indígenas, meio ambiente e direitos humanos que Wilson Rocha Fernandes Assis, 39 anos, especializou-se no Ministério Público Federal. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilha, Espanha, ele cursou especialização e mestrado em História na Federal de Goiás – chegou a lecionar a disciplina para alunos do ensino médio. Atualmente, ele é procurador da República em Itumbiara, interior do estado.

Rocha atuou em casos notórios, como o que garantiu a kayapós uma indenização pela queda de um avião da Gol na terra indígena Capoto Jarina, em 2006, e a força-tarefa Araguaia, que trabalhou no cumprimento da sentença emitida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund.

Representou o MPF no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais de 2011 a 2020 e ocupa o assento da instituição no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que regula o acesso a conhecimentos de povos tradicionais associados para pesquisa científica, bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico. Também é membro professo da Ordem Franciscana Secular.

Conversei com Wilson Rocha na véspera de mais um julgamento no Conselho Nacional do Ministério Público que Deltan Dallagnol conseguiu adiar (ele acabaria absolvido, em outro caso, na semana seguinte, graças a dezenas de postergações obtidas pela defesa). Rocha é, ele mesmo, processado no CNMP por uma postagem no Twitter, além de outras duas que curtiu e compartilhou, respectivamente, e que foram consideradas ofensivas ao presidente Jair Bolsonaro.

“A indignidade do presidente já é de conhecimento público. Resta-nos lembrar a indignidade dos que o apoiam, especialmente o alto oficialato das Forças Armadas que compõe seu governo e o séquito de @SF_Moro na Lava Jato”, escreveu, após Bolsonaro sugerir que sabia o que ocorrera com Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido na ditadura militar e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. O presidente, como de hábito, recuou sem se desculpar.

“Não espero ser absolvido por prescrição. Espero ser absolvido porque eu de fato não vejo nenhum problema naquilo que escrevi”, ele me disse. O julgamento está marcado para amanhã, 8 de setembro. (Continua)

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub