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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

17
Fev22

Tiro, porrada e bomba! O inferno do debate político nacional

Talis Andrade

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O ex-comentarista da Jovem Pan Adrilles Jorge 

 

por Wilson Gomes /Cult

Esta foi uma semana ruim para o radicalismo político na esfera pública. O mercado de Opiniões e Comportamentos Políticos Desagradáveis, Radicais, Levianos e Feitos para Lacrar, que vinha em alta desde 2013, teve um revés. Mas é claro que isso não vai alterar o seu modo de funcionamento, e na semana que vem voltará à programação original para melhor servir à sua ampla e ativa clientela.

Já faz tempo que a esfera pública política vem funcionando sob o imperativo da lacração e da necessidade cotidiana de alimentar uma guerra cultural com fogo e fúria. Tudo motivado pelas recompensas em forma de amor digital e em “monetização” – sim, likes pagam boletos – que são reservadas apenas a quem apresentar as posições mais extremadas e da forma mais afrontosa possível. É preciso “causar”.

A necessidade por tretas e radicalismo se generalizou. O BBB22, por exemplo, é considerado a edição mais chata da franquia em muitos anos pela falta das “problematizações” e barracos entre tribos identitárias que foram abundantes no ano passado. Da mesma forma, os ambientes de produção e distribuição de informação foram pelo mesmo caminho. Os jornais de referência, os produtos noticiosos hiperpartidários, os sites de notícia e o público que discute política nas plataformas digitais, todos gostam mesmo é de radicalismo, pé no peito, polêmica pela polêmica, não de quem hesita, faz distinção, argumenta e fala baixo. Basta que se vejam as métricas de seguidores, visualizações, engajamento e faturamento para se comprovar este ponto de vista.

Com esse padrão em vigor, como ficar chocando com a espiral ascendente de brutalidade, provocações, cancelamentos e ódio que infestam a vida pública brasileira?

 

A inovação “disruptiva” do mercado de razões

 

Os melhores atores no provimento desse tipo política são, naturalmente, os grupos mais novos e inovadores no ramo da militância (militância não, desculpe, agora se chama “ativismo”) e do comentário político. Penso sobretudo na nova extrema-direita, que já nasceu digital, na nebulosa hiperliberal que emergiu no Brasil desde o início da década passada (Ancaps, liberteens, libertários e assemelhados) e nos identitários de esquerda. Todos, ao meu ver, fornecendo padrões de militância e comentário político “inovadores” baseados em três lemas: a) ou tem treta ou tem tédio; b) quem não radicaliza não é notado; c) ou você é um floquinho de neve, cheio de frescuras e flopa, ou você pisa no dedão de alguém e bomba.

Muita gente teve uma ascensão meteórica, de nadinha para influencer bombado, em alguns anos. Nem todos tratavam de política institucional, mas lembrem-se que estamos na mais plena materialização da ideia de que tudo é política, do pessoal e íntimo até as causas mais universais e abstratas. Além disso, o jogo político passou a ser o principal entretenimento brasileiro desde 2013, ganhando da fofoca e da ficção. Era normal que mesmo quem se ocupava inicialmente de outras coisas convertesse para a política o seu arsenal de gracejos, performances e opinião.

O resultado é o que estamos vendo. Só isso explica fenômenos como o fato de o Flow Podcast ou ou PoadPah terem se tornado arenas centrais irrecusáveis para candidatos presidenciais. Só isso explica pessoas como Caio Coppolla e Adrilles Jorge se tornaram comentaristas de política na Jovem Pan. Ou como Kim Kataguiri, Fernando Holiday e outros fundadores de startups antipetistas, além de uma lista enorme de youtubers antipetistas ou libertarianistas, terem conseguido mandatos populares nos últimos ciclos eleitorais. Ou a ascensão de figuras como Rodrigo Constantino, Jones Manoel e Allan dos Santos, que transformaram o provimento de opinião política controversa, extremada e provocadora em sua atividade e fonte de remuneração principal.

Não chegaram aonde estão por uma inteligência notável ou por uma formação sólida e consistente, mas porque entenderam o momento, as demandas da nova clientela consumidora de informação política e conseguiram projetar um produto que atende tais demandas: inovador, provocador, controverso, lacrador e chocante.

E há ofertas para todos os gostos. Se você é um stalinista ou acabou de sair da Guerra Fria, nem por isso deixará de ter um podcast, um canal no YouToube, um programa de rádio ou audiovisual para mastigar e interpretar o mundo conforme as suas expectativas. Se você é um identitário de esquerda, um evangélico conservador ou um hiperliberal, idem, sempre haverá alguém para oferecer uma interpretação radical, “disruptiva” e provocadora do mundo conforme os seus desejos.

Disso tudo resulta uma esfera pública política polarizada, devotada à provocação e ao reforço de pontos de vistas radicalizados, parciais e, geralmente, furiosos. Ora, quem semeia tretas e radicalismo, como pode esperar colher moderação e disposição para construir cooperativamente alternativas políticas?

 

Semeando conflitos para colher engajamento

 

E foi o que vimos esta semana, mais uma vez. Embora, nos casos em tela, o radicalismo tenha custado caro a quase todos os radicais.

No sábado (5/2), um vereador do PT de Curitiba liderou uma multidão de manifestantes políticos num protesto contra o assassinato de um congolês no Rio. A inovação consistiu em fazer este protesto dentro de um templo religioso católico, que, segundo a Arquidiocese local, foi agressivamente invadido. Os fiéis podem esperar, o identitarismo tem as suas urgências e não pode esperar.

Isso tudo enquanto a direita conservadora está justamente escolhendo os temas para a sua estratégia de semear o pânico moral contra a esquerda. No exato momento em que começava a circular em suas redes de WhatsApp os temas “os petistas querem acabar com as igrejas” e “eles são cristofóbicos”, a esquerda vai lá e fornece personagens e imagens. A ideia de que “estamos sitiados e oprimidos pelo Mal” precisava de vídeos, não precisa mais: o movimento negro identitário acabou de fornecer-lhes material até outubro.

Isso impede a vitória de Lula? Provavelmente não. Mas basta um ato estúpido como esse para dar mais 3 vereadores, 5 deputados estaduais e 2 federais ao PP, PL ou Republicanos. Jogada genial. A centro-esquerda provavelmente reconquistará a presidência da República na eleição de outubro, mas não a presidência da Câmara nem a maioria nas casas legislativas. Quem quer que venha a ser o futuro presidente do Brasil vai ter que negociar qualquer coisa com as bancadas da Bíblia e do Boi, que, afinal de contas, continuarão mandando nesse país. Em outras palavras, o bolsonarismo poderá perder a hegemonia em outubro, mas o identitarismo evangélico ultraconservador consolidará o seu predomínio. Com a ajuda dos radicais do petismo.

Não bastasse isso, começou a circular no submundo da extrema-direita uma campanha de uma rede de academias de ginásticas em que se diz “todas as pessoas brancas reproduzem racismo”. A direita bolsonarista, claro, fez a festa, reiterando que se você é branco, cis e hétero não tem nada a ganhar votando numa esquerda que esfrega na sua cara “você é um racista, reconheça os seus pecados que temos uma penitência aqui para você pagar”. Independentemente de você efetivamente ser racista ou não. Mais uma vez a militância-de-problematização dos identitários de esquerda alimenta a militância-de-treta dos identitários de direita. Tem sido assim há muitos anos.

Uma campanha como essa, que distribui culpas e exige penitência, tem pouquíssima capacidade de mudar atitudes e comportamentos fora da bolha dos progressistas. Este é um dos grandes problemas das táticas “de problematização” identitária de esquerda. Eles estão tão acostumados a pisar nos pés dos progressistas e a contar com um rio perene de remorsos e complacência da esquerda que não sabe falar para um auditório universal. Então, é tiro no pé a toda hora.

 

O ancap e o nazismo

 

Na última segunda (7/2), os libertarianistas de direita começaram o seu momento de meter os pés pelas mãos. Os âncoras do Flow Podcast, Bruno Monteiro Aiub (vulgo Monark) e Igor Coelho, conversavam com os deputados Tabata Amaral e Kim Kataguiri, quando o próprio Monark defendeu com veemência que um partido nazista ou antijudaico deveria ter o direito de existir no Brasil. Posição confortavelmente em circulação nos ambientes hiperliberais, em que todos os desejos e caprichos devem ser desembestados (liberdade como um absoluto) e a vida social tem que ser darwinismo duro e puro (liberalismo austríaco). Só que desta vez foi notado. Kim Kataguiri assentia e, indagado sobre se concorda com a criminalização de partidos nazistas na Alemanha, disse que não. Tabata Amaral, por sua vez, expressou com firmeza uma posição contrária à opinião dominante na mesa.

Bem, o fato foi considerado chocante e intolerável e a condenação veio de todos os lados, forte, rápida e intensa.

O Flow Podcast, de propriedade dos dois âncoras mencionados, começou a perder patrocinadores e o próprio Monark, um dos mais populares influenciadores digitais do público jovem, foi afastado do programa que criou, depois de explicar que não pensava realmente assim e dizer que estava bêbado quando disse o que disse. Kim Kataguiri declarou que se equivocou na resposta, que estava pensando em outra coisa e se distraiu. Ambos pediram sentidas desculpas e juraram ser antinazistas desde criancinhas.ImageImage

 

As coisas nem chegaram a esfriar e já no dia seguinte circulava a imagem de Adrilles Jorge, comentarista de política da Jovem Pan, rádio que é a voz do bolsonarismo no noticiário brasileiro, fazendo a reconhecida “saudação nazista” no encerramento de um programa jornalístico. Foi um gesto nítido, acompanhado de um sorriso de galhofa e um olhar para o lado buscando cumplicidade, enquanto o âncora do programa deixava escapar, estupefato, que considerava aquele gracejo “surreal”. O liberteen radical não conhece limite.Image

Ou seja, um dia depois de um par de radicais do darwinismo social defender a liberdade de ser nazista, um imbecil, que se considera poeta, que foi chamado de “inteligentíssimo, cultíssimo” por Bial e elevado a comentarista político pela Jovem Pan, saúda o Führer na frente das câmeras como se tudo na vida fosse apenas brincadeira e provocação. Até o nazismo.

A revolta e a retaliação vieram em seguida, inclusive com Guilherme Boulos declarando em tweet, depois apagado, que quem faz um gesto desses mereceria o mesmo tratamento que os comunistas deram aos nazistas ao ocupar Berlim. Fuzilamento ou forca, deduzo.

Sim, parece que todos os envolvidos nessa rodada de radicalismo e provocações foram ou serão punidos, de uma forma ou de outra. Acontece que as circunstâncias não mudarão por causa disso. Pensemos no caso desse modelo de debate político promovido pela CNN Brasil ou pela Jovem Pan, determinado a explorar a polarização política e estimular o conflito entre as posições. O que pode derivar daí? Da próxima vez provavelmente vai aparecer alguém vestindo de uniforme da SA ou SS na bancada, que se despedirá do público ao brado de “Sieg, Heil!”

Adrilles não foi fuzilado, mas foi demitido. Monark também. Kim se retratou, como raramente o faz, apesar de useiro e vezeiro nesse tipo de desafio e combate. Isso, contudo, nada muda. Afinal, são só peões no projeto de incendiar a discussão política brasileira. Será muito fácil encontrar outros, de todos os lados do espectro político, pois a oferta de radicais e provocadores no mercado da opinião política no Brasil é abundante. O que falta aqui são pessoas dispostas a argumentar, dar razões das premissas que adota, e dar opiniões baseadas em estudo e em evidências.

A própria Tabata Amaral, a única voz argumentativa dentre os personagens do turbilhão da semana, foi extremamente criticada pela esquerda. Para uns, ela deveria ter-se recusado a conversar com nazistas, para outros deveria ter dado voz de prisão aos presentes. Em ambas as queixas, a demanda explícita é de que não argumentasse, não oferecesse razões de forma pública e explicações das premissas que adota. As pessoas não querem argumentos, querem atitude, tomada de posição, repúdio e justiçamento. O método predileto do participante da esfera política hoje, para resolver diferenças de opinião, envolve basicamente isso: chamar a polícia ou acionar a autoridade, levantar-se e ir embora ou insultar o adversário, sobretudo quando ele ultrapassar a linha da nossa tolerância moral.

Cancelar é preciso, argumentar não é preciso.

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15
Jan22

André Mendonça e o imperativo da ingratidão

Talis Andrade

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por Wilson Gomes

Ainda repercute a aprovação do nome de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, e houve muitas razões para tanto.

Antes de tudo, é justo duvidar das intenções de quem o indicou. O presidente deste país pode ser acusado de tudo, menos de ter qualquer convicção republicana. Sim, presidentes podem ter agendas ocultas na indicação de juízes da Suprema Corte, mas quer o bom comportamento democrático que intenções e apetites que não se harmonizem com o interesse geral da Nação sejam ao menos camuflados em princípios universais. “Servir à Constituição e à Justiça”, “proteger os valores liberal-democráticos que construíram este país” são em geral fórmulas que tranquilizam os cidadãos de que essa indicação levou em consideração o interesse de todos.

Da hipocrisia, diz-se que é a última homenagem que o vício presta à virtude. Afinal, só se obriga a alguma hipocrisia quem reconhece valor do bem, mesmo quando a intenção de praticar o mal. Com Bolsonaro, contudo, essa distinção se perdeu e os apetites e más intenções lhe escapam, sem dissimulação, pelos cantos da boca. Na sua compreensão, os ministros do STF por ele indicados antes de serem ministros do STF são seus ministros, seus subordinados, alinhados com seus interesses e projetos.

Não por acaso, gabava-se há pouco tempo o presidente de possuir 10% do STF, uma vez que lá tem assento Kássio Nunes Marques, por ele indicado. Isto posto, imagino que considere agora ser o feliz proprietário de ao menos 18% do Supremo, com a ascensão de André Mendonça.

Afinal, na mentalidade de Jair Bolsonaro, juízes da Suprema Corte não servem a princípios constitucionais, a valores da democracia liberal ou ao povo brasileiro, mas são servos ideológicos ou venais de projetos de poder. E se podem servir a outras potestades, também podem servir ao presidente, aos seus interesses e à sua visão de mundo. É simples assim o mundo bolsonarista.

Além disso, a candidatura de Mendonça à Suprema Corte foi diversas vezes vendida pelo presidente e pelos seus como uma representação dos evangélicos conservadores do país. E o lobby pró e contra a aprovação de Mendonça levou completamente a sério o fato de que não se tratava de uma mera indicação de um juiz para substituir o aposentado Marco Aurélio Mello, mas da elevação à cúpula do Poder Judiciário de um ministro “terrivelmente evangélico”.

Juiz evangélico no Supremo não é propriamente uma novidade. Já tivemos um diácono batista, Antonio Martins Vilas Boas, indicado por Juscelino Kubitschek, tão profundamente evangélico que criou uma Igreja em Brasília que até hoje lá está. Por outro lado, “juiz terrivelmente evangélico” é um conceito novo de conteúdo desconhecido e ameaçador. Não basta ser evangélico, por que precisa além disso ser terrível? Essa nota talvez explique por que razão Mendonça chega à Suprema Corte com a menor proporção de votos favoráveis da nossa história republicana.

Por fim, além de terrivelmente evangélico, André Mendonça, nos anos em que esteve a serviço de Bolsonaro, demonstrou que pode ser terrivelmente leal aos interesses da pessoa a quem serve, mesmo que estes colidam com a Constituição, a Democracia ou a ética. Enquanto tinha funções de ministro de Estado da Justiça, Mendonça não se furtou ao papel de cão de guarda de Jair Bolsonaro, desses que mordem ou ameaçam o incauto que se atrever a divergir, criticar o insultar o presidente. Abriu investigações contra ou ameaçou com inquéritos policiais jornalistas, colunistas e até cartunistas. Até os autores do outdoor que promoveram nacionalmente a expressão “pequi roído”, atribuída a Bolsonaro, foram ameaçados pelo feroz Mendonça.

Como se isso fosse pouco, Mendonça ainda assinou ADI contra os decretos estaduais de lockdown durante a pandemia, solicitou autorização ao STF para operações policiais nas universidades por presumida “carga ideológica” dos professores e, para coroar, o seu Ministério compôs um dossiê sigiloso com 579 perfis suspeitos de antifascismo e antibolsonarismo, um crime ainda não previsto no Código Penal. Assim, não se sabe até onde pode chegar o ministro André Mendonça do STF, mas o ministro André Mendonça de Bolsonaro certamente chegou longe demais na defesa do seu patrono.

É fato, portanto, que Bolsonaro não teve boas intenções republicanas ao indicar Mendonça e nem pretendeu disfarçar este fato. É também fato que Mendonça aceitou fazer tudo o que fosse necessário para garantir seja a sua indicação por Bolsonaro seja o apoio da parte efetivamente mais terrível e mais antidemocrática do lobby evangélico. De modo que chegar à cúpula do Poder Judiciário nos ombros de Jair Bolsonaro e de Silas Malafaia, isto é, do bolsonarismo e do setor pentecostal ultraconservador, não é certamente uma boa recomendação de que ali está uma alma republicana, um devoto da nossa Constituição liberal-democrática, um servo do Estado de Direito.

Por outro lado, sejamos realistas, não havia outro caminho para o STF enquanto Bolsonaro fosse presidente da República que não passasse por uma promessa de servidão voluntária ao seu projeto de poder e à sua visão de mundo. Sem mencionar a já comprovada Lei Bolsonaro de Indicação de Ministros que reza que “se sair esse, o próximo será pior”. Como Mendonça queria muito ser juiz do Supremo, precisava fazer promessas e juras de fidelidade ao bolsonarismo e ao malafaismo. Se foi sincero ou pragmático, veremos.

Isso quer dizer que lealdades aos padrinhos e patrocinadores e aos que têm o poder de indicação e de aprovação de juízes do STF não são (nem devem ser) matéria garantida. Juízes da Suprema Corte, ao contrário, deveriam cultivar o hábito da ingratidão, não para trocar os seus patronos por outros senhores, mas para não ter senhor algum além da Constituição. Para isso deveria servir o fato de que, uma vez eleito, os ministros da Suprema Corte não estão mais sob qualquer arbítrio dos presidentes que o indicaram. De modo que só nos resta, a este ponto, torcer para que, empossado ministro do STF, André Mendonça se revele republicanamente ingrato às forças sombrias e antidemocráticas que o conduziram até ali.

26
Dez21

O jornalismo e o terrivelmente cristão

Talis Andrade

 

 

 

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Por Juliana Rosas /objETHOS

“A palavra é problemática. Existem dois tipos de ‘deus’ no mundo e as pessoas tendem a misturá-los. Há um tipo de deus, o deus misterioso, sobre o qual nada sabemos. A principal característica desse deus é justamente que ele é misterioso e nós humanos não conseguimos compreendê-lo. Como começou o Big Bang ou como a vida começou, todas as coisas que a ciência não sabe. Estou perfeitamente satisfeito com este deus misterioso. Mas, há um tipo completamente oposto de deus, que se concretiza como deus legislador e sobre este deus se conhece muito. Sabe-se exatamente o que este deus pensa sobre a moda feminina, sobre a sexualidade, em quem você deve votar. De alguma forma, as pessoas trocam de deus e por causa disso as mulheres deveriam se cobrir, dois homens não deveriam fazer sexo um com o outro e você deveria votar neste ou naquele partido. Se há uma força responsável pelo grande mistério da vida no universo, pelos buracos negros e galáxias, não acho realmente que ele se preocupa com o código de vestimenta das mulheres.”

Este é um trecho de uma fala do historiador Yuval Noah Harari, autor do best seller “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, entre outros livros. O “terrivelmente evangélico” indicado a ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) usa este segundo tipo de deus em várias de suas declarações. “Os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, disse André Mendonça em abril deste ano. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, também teve sua cota extrapolada de decisões baseadas exclusivamente em sua religião e quando questionada sobre a laicidade do Estado, proferiu uma das suas mais famosas frases: “O Estado é laico, mas a ministra é terrivelmente cristã”.

Se as pessoas tendem a considerar sua fé como algo bom, usar o advérbio “terrivelmente” seguido de qualquer adjetivo deveria ser questionável. Mas como sempre foi comum no jornalismo, declarações são repetidas sem questionamento. Coloca-se aspas, cita-se o autor e tudo bem. A imprensa acredita que está sendo objetiva e imparcial. Frente à extrema polarização política que tomou o país há alguns anos, resvalando para outras áreas, como religião e comportamento, muitos se esquecem da história.

Numa época não tão longínqua assim, não havia Estado ou este era a Igreja. Não havia leis e pessoas inocentes foram queimadas vivas. A fogueira foi apenas uma das consequências de ter poderes religiosos governando a vida da população. Indivíduos mataram e morreram em nome de seu deus, fé ou religião. Esta nem sempre foi boa e pura. Foi corrompida pela humanidade por questões pessoais e mesquinhas. O jornalismo estaria sendo informativo, e também – por que não? – objetivo ao contextualizar declarações e notícias. De cunho religioso ou não.

Mas não é só do atual governo que o jornalismo extrai suas citações religiosas. Cristãs, para ser mais exata. Com a morte de mais de 600 mil brasileiros por covid-19 desde o início da pandemia, boa parte da população recorreu à fé para explicar a tragédia. Quando ela chegou a famosos, o jornalismo reverberou. Há quem tenha dito que a morte de Paulo Gustavo foi castigo ou “porque deus quis”. Outras prontamente esclareceram que o que o matou foi a doença, agravada pela falta de vacina e pelas inações governamentais.

Não ouvimos dos céus se alguém desceu para buscar o ator e comediante ou algum dos mais de 600 mil mortos, mas as ações desumanas do governo puderam ser vistas no dia a dia e compuseram o relatório da CPI da Covid. Os mais sensíveis certamente estarão esbravejando sobre a liberdade religiosa ou de expressão, citando até um dos mais ridículos conceitos que se ousou usar no país: cristofobia. Entretanto, em nome da democracia e dos valores jornalísticos, é um debate que necessita ser travado seriamente.

O jornalismo tradicional afirma ser plural, objetivo, apartidário. Sempre ouvindo todos os lados da história, não assumindo ideologias ou partidos. Se é uma terrível ofensa ao jornalismo dizer que ele estaria defendendo esta ou aquela ideologia, partido x ou y, por que não podemos dizer que sua tendência de comportamento e cobertura é cristã e que nesse campo deveria também ser objetivo e plural? Somente porque o cristianismo é a religião majoritária no país? Cristãos são maioria no Brasil mas maioria, ao contrário do que muitos pensam, não é sinônimo de democracia. É, entre outras definições, respeito às minorias. Mais do que antes, atualmente procura-se mais aceitação por diversos movimentos, minoritários ou não, como o negro, feminino, indígena, LGBTQIA+, etc. E tem se buscado também mais consideração pelas religiões de matriz africana.

Para quem também não sabe, o Brasil é um Estado laico, independentemente da religião da população. A Constituição assegura a liberdade de crença, mas também que alguém não pode justificar um crime pela religião e há leis e ações que coíbem a intolerância religiosa. A justiça é “cega” não para deixar de ver malfeitos, mas para que todos sejam iguais perante ela. A laicidade da justiça existe para que as leis estejam acima de fés individuais e garantir a equidade de todos perante a legislação. Religiões têm suas crenças e ações, individuais ou coletivas e o Estado não pode se guiar por algo que pode beneficiar uns e prejudicar outros.

Em uma tragédia e caso tornado midiático mais recente, a morte de Marília Mendonça, a religião no jornalismo esteve presente especialmente nas falas de amigos e familiares. Sobre discursos políticos, estudos e críticas jornalísticas afirmam que somente reproduzir tais falas, sem contexto e acriticamente, pode propagar notícias falsas e espalhar desinformação. Inúmeros casos aconteceram com atual presidente do Brasil e o ex-presidente americano. O presidente brasileiro se diz aliado da comunidade judaica, mas tem ações e aliados que exaltam a supremacia branca. Comporta-se em visitas a países árabes e muçulmanos, mas faz declarações islamofóbicas.

A fé acima de outros valores acaba fazendo com que pessoas tratem mal seu semelhante e justifiquem doenças ou desastres, algo que, por princípio moral, não deveriam fazê-lo. Por preconceito e comentários maldosos, muitos evitam declarar sua religião ou falta desta no ambiente de trabalho. O objETHOS observa a ética jornalística e nada mais antiético do que a intolerância religiosa. Quando esta resvala no fanatismo, já se torna criminosa.  O jornalismo pode, em vez de normalizar comportamentos antiéticos em nome da religião, expô-los, criticá-los e contextualizá-los à luz da democracia. Quando não o faz, deixa de cumprir seu dever ético, democrático e de serviço público.

Por séculos, religião e política andaram juntas e não foi fácil a separação. Nem na prática nem nas mentes. “O cristianismo na política deixou de ser sinônimo de justiça social e igualdade, nos anos 1970 e 1980, para ser agora sinônimo de aversão a direitos e liberdades. E a Bíblia deixou de ser sinônimo de libertação, para ser um chicote que se estala no lombo de minorias e meio de opressão”, afirmou o professor e pesquisador Wilson Gomes.

Muitas vezes, a cruz vira espada e políticos apelam “à radicalização religiosa para dividir o país e corroer ainda mais a democracia”. Muitos brasileiros são terrivelmente cristãos e não conseguem perceber que o Estado é melhor laico e certos tipos de fé fazem mal e não bem. Mas a sociedade brasileira não está preparada para esta discussão. E o jornalismo do país é receoso em iniciá-la.

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16
Nov21

O candidato a presidente que nunca imaginou que Bolsonaro pudesse ser assim

Talis Andrade

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por Wilson Gomes /Cult

Os papéis, escolhas e responsabilidades de cada um para nos levar a Bolsonaro serão certamente um tema da próxima campanha. Eduardo Leite, que desafia Doria nas prévias do PSDB, teve um teste esta semana com a pergunta que vai fustigar todos os candidatos presidenciais que aderiram ao bolsonarismo em 2018, e desfrutaram dele.

Leite, é bom que se diga, tem o physique du rôle, a aparência justa para o perfil do que vulgarmente se chama “o candidato da Globo”, mas que, na verdade, seria o de toda uma mentalidade da alta classe média das grandes metrópoles brasileiras, particularmente do Sudeste e Sul. É um rapaz de terno bem cortado, aparência civilizada, bem articulado na expressão e, sobretudo, liberal nas ideias e antiestatista na economia e na condução do Estado. O governador do Rio Grande Sul é liberal no estilo de vida, donde se infere que há de ser progressista também na visão de mundo, embora seja conveniente, para o papel, não exagerar no quesito.

Num debate promovido pelos jornais O Globo e Valor esta semana, várias vezes o jovem governador gaúcho foi indagado sobre o que sabemos que ele fez em 2018. Como também o foi Doria Jr., beneficiário do famoso voto Bolsodoria. Ocorre que Doria, sobretudo em virtude do seu comportamento durante a pandemia, virou o arqui-inimigo de Bolsonaro. E não é por declaração e propaganda não: o bolsonarismo o odeia em um nível Lula de ódio bolsonarista. O que quer dizer no grau máximo. E Doria não tem problema em declarar que se arrependeu daquele momento de amor, e que não foi colaboracionista, antes, sem a sua aposta em vacina o país inteiro estaria ainda mais dependente da política democida de Bolsonaro durante a pandemia.

Leite, por sua vez, não se saiu bem e é surpreendente que não tenha se preparado para explicar a sua adesão a Bolsonaro no passado, em um ambiente político crescentemente antibolsonarista. Foi tão ágil em surfar o antipetismo juntamente com o bolsonarismo, mas está levando um caldo, como se diz aqui no litoral, do antibolsonarismo.

Leite faz cara de quem não gosta da pergunta. O antipetismo que compartilha do seu ambiente social deve considerar uma afronta ser indagado assim, na lata, por que diabos preferiu o autocrata ao professor. “Como assim, não é óbvio?”, rumina enfezado. Parece que não, “o tempo passou na janela e só Carolina não viu”. Eduardo Leite não se dá conta de que o antipetismo que justificava qualquer coisa em 2018 não pode mais ser uma muleta confiável em 2021. Quanto mais em 2022. Mas ele não tem outro argumento, e fica bravo.

Então, insiste que segundo turno era opção binária mesmo, e que de um lado estava o candidato do PT que, como se sabe, não podia ser votado porque… bem, porque era do PT. As caracterizações das razões por que Haddad era um candidato tóxico enquanto o filofascista era aceitável não passam de genéricos argumentos de WhatsApp: Haddad representava “um projeto político que já tinha sido desastroso para o Brasil de eliminação de empregos, de recessão econômica”. A esse ponto, não tem distinção: o governo Dilma é o modelo para o governo Lula e para Haddad, tudo uma paçoca só de maldade e incompetência. Um argumento suficiente para se ganhar discussão no Uber ou no bar do clube, uma indigência intelectual para uma entrevista de um governo de Estado com pretensões presidenciais.

E o outro lado? Bem, do outro lado tinha Jair Bolsonaro, cujo passado Leite não nega que conhecia. Apesar disso, apertou o 17 porque, segundo ele, não se podia prever o que Bolsonaro faria nem antever os desafios que teria que enfrentar. “Mesmo assim não sabíamos que viria a pandemia, em que a falta de humanidade, de sensibilidade, custaria tantas vidas como estão custando, inclusive economicamente. Aí está o erro (da escolha em Bolsonaro). Mas era imprevisível o que viria pela frente.” Rá!

Ora, a pandemia era efetivamente imprevisível, mas estávamos no meio de uma terrível crise econômica em continuidade com uma tremenda crise política, que já se arrastavam desde 2014, e que prometiam destruir o país. Era bem evidente que era preciso colocar na presidência alguém capaz de pilotar o país para fora das crises, não para dentro delas. Previsível era que Bolsonaro levaria a nação, suas instituições e sua economia para o coração da tempestade. Ele disse o que faria, ele jurou que o faria, alegar surpresa com isso é desrespeitar a nossa inteligência. Leite não escolheu se juntar com Bolsonaro por não ter podido prever o furacão que teríamos pela frente e como ele se comportaria diante dele. Ele o abraçou porque lhe era conveniente ser beneficiado pela onda que nos país inteiro tirava o PT da hegemonia e varria os partidos tradicionais, mas estava sendo extremamente vantajosa para políticos novos que queriam uma subida rápida, como ele.

Em suma, no debate, Leite preferiu fingir ter sido o tolo, que não foi, do que parecer ter se beneficiado de forma oportunista do antipetismo e do bolsonarismo, o que efetivamente fez.

No dia seguinte, em entrevista ao colunista da UOL Tales Faria, que lhe fez a pergunta óbvia sobre se o PSDB não teria responsabilidade pela chegada de Bolsonaro ao poder, novamente Leite demonstrou que não está preparado para lidar com essa indagação.

Mais uma vez fez cara amuada e esgares de ultraje. O antipetismo ambiental, em que Leite parece ainda mergulhado, põe brumas na sua visão. Como se atrevem a me perguntar tal coisa, deve ruminar com os seus fantasmas. “Vão perguntar a isso a todos os que votaram em Bolsonaro?”, deixa escapar. Sim, claro. Na democracia, todos são responsáveis pelas consequências das suas decisões eleitorais e dos seus apoios políticos, ainda mais em um ambiente social em que não faltaram informações sobre o que estava em jogo naquela eleição e quem eram as pessoas envolvidas.

Quando se trata de dar uma resposta material, Leite ainda se sai com o argumento de tiozinho envergonhado do Zap, o clássico – e memético – o PT me obrigou a votar em Bolsonaro. Novamente apelou ao binarismo plebiscitário do segundo turno, de novo apresentou Haddad como uma impossibilidade eleitoral (por causa dos escândalos e dos milhões de desempregados) e disse que, do outro lado, estava “a expectativa de que fosse algo diferente”. Não é um argumento, são os velhos memes da direita antipetista de grupos de WhatsApp de 2018, enfileirados sem surpresa.

Chega a soar cândida a argumentação: “De um lado, nós tínhamos certeza de que a escolha pelo PT seria ruim para o país, de outro lado nós tínhamos a dúvida”, disse. De novo, o departamento de certezas e convicções de Leite parece não trabalhar com muita inteligência. Nem a sua certeza passava do antipetismo enunciado da forma mais vulgar nem a sua dúvida se justificava para qualquer brasileiro inteligente e capaz de ler jornais. Bolsonaro não era uma caixa vazia, um papel em branco, nunca foi. Essa dúvida aí ou é falsa ou prova de baixa inteligência de quem duvida.

No fim, Leite acaba confessando a sua “sofisticada” decisão política “no segundo turno eu busquei evitar o PT”. Sim, foi isso mesmo, foi só para “evitar o PT”, ainda que à custa de dar um cheque em branco a um sujeito cuja inépcia, incompetência e ignorância, cujo desprezo pelas mais elementares regras de civilidade e princípios da democracia, cujos planos de militarização da administração pública, perseguição a minorias, à cultura e à ciência, adesão a fake news, e governo moral da sociedade não foram escondidos de ninguém.

Se quiser ser presidente num ambiente eleitoral que será claramente antibolsonarista, Leite vai ter que ensaiar respostas melhores do que “eu pensei que ele fosse ser diferente”, como a moça ingênua do melodrama que se casou com o cafetão.

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11
Set21

O mundo paralelo do revolucionário bolsonarista e o golpe que flopou

Talis Andrade

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por Wilson Gomes

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Meus amigos, aconteceu tanta coisa na política nacional esta semana que seria preciso um seminário para que pudéssemos minimamente entender o sentido e o alcance de tudo o que esteve em jogo nesses dias. Mas vou tentar fazer caber em 5 minutinhos de leitura algumas ideias essenciais sobre esta louca semana brasileira.

É fundamental que vocês entendam que no Brasil estão funcionando, há um par de anos, alguns universos em paralelo. Tem esse mundo aí no qual estamos, vocês e eu, que soma as preocupações com a carestia, com o crescimento da miséria, com a pandemia que não acaba e o desemprego às aflições diante da iminência da perda da democracia: nunca estivemos tão perto de perdê-la para o governo populista autoritário e armado de Jair Bolsonaro como nesta semana.

E tem o outro mundo, o dos 12% de bolsonaristas talibãs, cada vez mais radicais, compactos e fanatizados, que foram convencidos de que é sua missão histórica atacar os principais inimigos do presidente, que são, pela ordem, o STF, a esquerda e a imprensa.

Esses dois mundos que, como disse, rodam em paralelo, entraram em rota de colisão esta semana. No nosso universo, consideramos ter mais uma vez resistido ao sistema de ameaças e pressões do bolsonarismo e do seu líder. Entretanto, quando houve a invasão da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na madrugada do dia 7 de setembro, com a cumplicidade da polícia militar do Distrito Federal, muitos temeram pelo pior. Foi uma noite tensa para quem acompanha e participa da política como há muito não se via. Hoje sabe-se que o presidente do STF precisou agir sobre os comandantes militares e o próprio governo para evitar que o pior pudesse acontecer.

No dia sete, contudo, as tantas promessas de Bolsonaro não se cumpriram, principalmente porque se prometera tanto que nada menos que uma insurreição definitiva, com Alexandre de Moraes arrastado pelas ruas de Brasília atado ao Rolls-Royce presidencial pilotado por Nelson Piquet, poderia dar conta da expectativa criada. Houve muita gente? Sim, mas uma ínfima proporção do esperado pelos organizadores, ainda mais em manifestações nitidamente produzidas e fartamente financiadas pelos empresários bolsonaristas.

Como diriam os jovens, flopou. Flopou, sim.

E todo o auê criado não produziu mais do que oportunidades de fotografia para serem distribuídas em mídias digitais e confirmar que, sim, o Sete de Setembro foi gigante, e só a desonesta mídia comunista é que não quer que você o constate. No fundo, toda a presepada foi para Bolsonaro ter uma plateia estendida para dizer exatamente o que diz todo dia no seu pocket show no cercadinho. Dezenas de milhares de crentes deslocados pelo país, alguns milhões de reais despendidos para produzir um evento simultâneo em todas as grandes praças de um país continental, angústia geral, jornalismo aflito, polícia em desespero, tudo para Bolsonaro subir em um caminhão e dizer que a partir de agora ele não obedece qualquer decisão judicial que venha de Alexandre de Moraes? Foi exatamente uma reedição do grito “Acabou, porra!”, de 28 de maio 2021, só que com mais figurantes, muito mais despesas e muito mais tensão envolvida.

Isso no nosso mundo. No universo dos militantes do movimento bolsonarista, foi tudo muito diferente. Inclusive, até esta quinta-feira, 9/9,  continuavam esperando a tomada da sua própria Bastilha, quer dizer, o STF. Na madrugada de quinta-feira, circulou pelas redes de comunicação paralela do movimento, via WhatsApp, uma fake news de que Bolsonaro teria destituído o Supremo Tribunal Federal. Isso chegou aos caminhoneiros que estão fechando estradas e foi recebido com entusiasmo. Vídeos documentaram o estado de êxtase da multidão.

O anúncio foi acompanhado de buzinas de caminhões, caminhoneiros se abraçando em lágrimas, clima de conquista de Copa do Mundo. Um dos tipos, emocionado, sintetizou assim a razão para tanta felicidade: “Meus amigos, minhas amigas de todo o Brasil, desculpem pela emoção, mas a nossa luta e a nossa garra valeram à pena, ficamos sabendo agora que o presidente da República, Jair Bolsonaro, resolveu que a partir de agora o Brasil está em estado de sítio”. A multidão exultava. Tanto sacrifício, tanta luta, tanto sofrimento, enfim, foram recompensados. Outro caminhoneiro passa para a frente das câmaras, que a felicidade é generosa, e continua: “Conseguimos o estado de sítio. Vamos tirar os vagabundos de lá. Conseguimos tirar os onze. Nós fizemos a nossa parte. Participamos da História do Brasil”.

O que é um estado de sítio e por quê ele teria o condão de fazer imediatamente desaparecer o STF do caminho do presidente, é pouco provável que soubessem. O fato, contudo, é que aquele conjunto imenso de homens embrutecidos, de rosto castigado e português sofrível, não saiu de casa, atendendo às convocações feitas, apenas para oferecer figurantes para Bolsonaro fazer um discurso exatamente idêntico ao que ele faz todos os dias no cercadinho do Alvorada. Foi-lhes prometido que entrariam para a História como protagonistas, que estavam fazendo a Revolução, removendo os obstáculos institucionais e pavimentando a estrada para Bolsonaro conduzi-los a um Novo Mundo.

E assim, estamos. No nosso mundo, o bolsonarismo é cada vez mais agressivo e perigoso, mas está minguando em grande velocidade. Bolsonaro sempre dobra as apostas na sua fúria populista e fascista contra a instituições da democracia liberal. A cada vez luta, rosna e mostra os dentes como nunca, embora tenha perdido como sempre. E a única coluna que o mantém em pé e impede um impeachment líquido e certo é um partido político, o Progressistas. Já no mundo paralelo do bolsonarismo, estamos quase lá, só um pouco mais de sacrifício pessoal de cada patriota e o Brasil será purificado de vez do pecado do comunismo que atinge todas as instituições, a começar pelo Supremo Tribunal Federal.

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Post Scriptum

Esta coluna já estava pronta quando, ante um iminente escalada nas retaliações institucionais ao balão de ensaio insurrecional de Bolsonaro, o valentão assinou uma carta de capitulação, escrita por nada menos que Michel Temer. Nela, em dez pontos o homem que gritava na terça-feira que Alexandre de Moraes era um canalha minimiza, na quinta-feira, as arruaças feitas, dizendo que “decorreram do calor do momento”. Declara, então, que aceita, sim, o Poder Republicano do Judiciário e, praticamente, mete um “desculpa aê por qualquer coisa” como se fosse só um garoto levado apanhado em flagrante.

Como ficam agora os revolucionários e celerados do universo paralelo do bolsonarismo, prontos a pegar em armas pelo seu mito? Teremos que aguardar os próximos capítulos dessa tragicomédia política chamada Brasil, mas, a se replicar o que aconteceu na última reviravolta importante nesse roteiro, a ruptura entre Bolsonaro e Moro, o mais provável é uma solução dessas previstas em boleros.

Primeiro, virá a mágoa: “pérfido, ingrato e falso, nunca foi amor, era cilada”. Mas logo depois, a saudade bate e aquela sensação de não ter para onde ir, porque só no mito há o amor que se deseja, começa a pesar no coração. Então, toca Gusttavo Lima: “Ainda não tive coragem de arrumar a cama em que a gente fez amor pela última vez. O seu cheiro está entre os nossos lençóis e, na memória, o calor do seu corpo debaixo do cobertor”. Para enfim, tudo se concluir com Roberto: “Não repare na desordem dessa casa quando entrar. Ela diz tudo o que eu sinto de tanto lhe esperar”.

Querem apostar? Entre o golpismo e o melodrama musical de traídos e reconciliados (música de corno), o bolsonarismo se explica.

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30
Ago21

O impeachment que Bolsonaro queria e Rodrigo Pacheco não deu

Talis Andrade

 

por Wilson Gomes /Cult

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, resolveu não seguir o exemplo de Arthur Lira e colocar para dormir, em uma de suas gavetas, o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, feito, com pompa e circunstância, pelo presidente da República. Não se passou nem uma semana e Pacheco veio a público nesta quarta-feira (25) para dizer que estava rejeitando a denúncia feita e determinando o arquivamento do processo.

Para não dar ares de decisão monocrática ou inteiramente política, Pacheco disse ter pedido um parecer jurídico à Advocacia Geral do Senado acerca do fundamento da denúncia, que teria como base a Lei nº 1.079. A AGS teria concluído, segundo ele, “que carece para o pedido a chamada justa causa”, não havendo correspondência entre as acusações feitas e as condições tipificadas na referida lei. “Consequentemente, a recomendação da AGS é pela rejeição dessa denúncia. Essa manifestação é pela Presidência e por mim acolhida”, disse ele.

Pacheco sabe de leis, foi uma carreira bem-sucedida como advogado criminalista que o levou à política. Por outro lado, foi apoiado por Bolsonaro na sua disputa ao Senado por Minas Gerais em 2018, surfando na onda da direita para enfrentar a competição com Dilma Rousseff. Além disso, sabe-se que faz parte do núcleo do DEM que se inclina mais fortemente para o bolsonarismo. Por fim, dá-se o fato de que o presidente alugou o apoio do condomínio dos partidos fisiológicos conhecidos como Centrão, do qual o DEM de Pacheco faz certamente parte, pagando muito caro para ser protegido. Alguma coisa ele esperava como recompensa por tão grande investimento.

Não era, portanto, um movimento fácil ter que lidar com esse pedido-bomba do presidente da República.

Pacheco também sabe de política e claramente entendeu o que estava em jogo. Bolsonaro simplesmente quer passar por cima de tudo e a simples admissão da denúncia já seria um desastre. Do lado de Bolsonaro hoje, na guerra declarada contra o Judiciário, só estão os mais fiéis membros da seita bolsonarista.

Por isso mesmo, não se fez de rogado. Sopesou perdas e ganhos, sentiu para onde sopra o vento, e resolveu apostar na sobrevivência das instituições e contra o furor absolutista do presidente. “Quero crer que esta decisão”, declarou suntuosamente em pronunciamento, “possa constituir um marco de reestabelecimento da relação entre os Poderes, da pacificação e da união nacional que tanto reclamamos.” Na verdade, deve ter pensado: Bolsonaro que resolva lá o seu B.O., não vou participar disso, prefiro ficar bem com o STF e garantir paz e tranquilidade para as minhas operações no mercado político.

Dá para entender por que Pacheco resolveu não ser acólito da loucura proposta, mas por que não empurrou o pedido de impeachment com a barriga, como o faz há meses o presidente da Câmara com as denúncias contra o próprio Bolsonaro?

Duas hipóteses.

Primeiro, porque Pacheco sente que não há mais como ignorar a escala autocrática de Bolsonaro, que, com o pedido de impeachment de um ministro do STF, esgotou todas as possibilidades de garroteamento do Judiciário ainda dentro do marco constitucional. O próximo passo, se houver um, teria que ser já fora das “quatro linhas da Constituição”. Cozinhar em fogo brando os desejos de Bolsonaro significava manter acesa dentro do próprio Senado uma bomba capaz de destruir a República. Melhor cortar logo o pavio e acabar de vez com essa agonia.

Segundo, porque Pacheco não é estúpido e sabe que a usina de dramaturgias de Bolsonaro simplesmente o havia incluído como personagem de um dos seus enredos, o drama A fantástica história de um ministro do STF que nem deixa o presidente governar nem os conservadores serem felizes. Ser envolvido nas narrativas do bolsonarismo pode ser bom negócio para os membros da seita, mas para a imagem do presidente do Senado seria um problemão. A aproximação com o presidente cobra hoje um custo altíssimo em termos de imagem pública, que só os incautos gostariam de pagar. Vejam quanto custou a Sérgio Reis, em termos de imagem e dinheiro, aquelas manifestações públicas de adesão incondicional a um Bolsonaro desprezado por quase todos.

Fanáticos pagam esse preço, pragmáticos, como Pacheco, querem distância disso. A proximidade de Bolsonaro é péssima para os negócios, para quem vive das operações de fisiologismo e clientelismo político, da troca de apoio legislativo por acesso às nomeações e aos cofres públicos. O PP, o PL e o DEM querem o dinheiro e os cargos que passam por Bolsonaro, não uma vida de casal e amor sincero. Querem uma distância prudente e um ambiente sem sustos institucionais para as operações políticas da vida como ela é. Nada de mãos dadas, nada de beijos em público e, sobretudo, nada de embarcar em aventuras e loucuras.

Bolsonaro é hoje um navio indo a pique, do qual certas agremiações de baixa convicção republicana vão retirar tudo o que puder ser aproveitado, mas só enquanto os botes salva-vidas estiverem ao alcance da vista e do braço.

14
Mai21

Médico não é cientista! A batalha da cloroquina chega à CPI

Talis Andrade

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por Wilson Gomes /Cult
 

A CPI da Pandemia começou a todo vapor esta semana e com grandes revelações. Mas, como se deve esperar, as diversas forças políticas no campo já estão disputando os temas a serem investigados, as interpretações a serem dadas aos fatos e as grandes narrativas que serão apresentadas aos cidadãos brasileiros nos telejornais da noite e nos jornais da manhã seguinte.

Nesse contexto, e torcendo por uma CPI realmente esclarecedora para a opinião pública, há um caminho já testado esta semana que particularmente me preocupa, e que envolve ciência e medicina, tudo misturado, infelizmente, com doses cavalares de ideologia. Trata-se do modo como será tratada a responsabilização do governo pelos seus investimentos na promoção de falsos medicamentos, ao mesmo tempo em que deixava de tomar as medidas sanitárias recomendadas com base no estado da questão na pesquisa científica. 

Descrita deste modo é uma questão clara e precisa, mas é óbvio que os partidários do governo querem tudo, menos este tipo de descrição. Começou, então, a “controversa da cloroquina”, um julgamento dentro do inquérito do Senado, que provavelmente se dará no Brasil e em nenhum outro lugar do mundo, pois expressa a nossa triste singularidade política. Consiste na tentativa dos governistas de fazer pensar que havias boas razões médicas e científicas em favor da cloroquina, da ivermectina e das outras drogas do engodo que o governo empacotou como “tratamento precoce” ou “kit covid”. 

Mas como um argumento desses pode prosperar se num dos raros consensos da comunidade científica internacional essas drogas foram consideradas inócuas ou claramente perigosas para a saúde dos que as tomaram? Para isso estão de plantão os médicos que foram capturados pela extrema-direita ou a ela servem voluntariamente, por afinidades eletivas. Segundo declaração do presidente da CPI, por exemplo, quando chegou ao seu gabinete na quinta-feira, dia 6 de maio, por volta das 8 da manhã, já era esperado por Nise Yamaguchi, a médica bolsonarista paulistana por antonomásia, que se ofereceu para vir defender a cloroquina no Senado Federal. Isso prova que não faltarão os chamados “doutores cloroquinas” escalados pelo bolsonarismo para a missão de, vejam só, enfrentar as conclusões e recomendações da OMS e da ponta de lança da ciência mundial em defesa da opinião de Bolsonaro.

Irão faturar sobre confusão dos que não conseguem distinguir entre médicos e cientistas da área de Saúde, ou entre o “doutor” como pronome de tratamento bordado nos jalecos, de lado, ou como título acadêmico reservado a quem conclui um doutorado. Inutilmente, muitos têm repetido desde o início de 2020 que médico não é cientista, médico é quem faz graduação em medicina, enquanto cientista é quem faz mestrado, doutorado, uns pós-docs, vive literalmente no laboratório, faz experimentos, publica papers em periódicos científicos competitivos, está sob crítica constante dos pares, vê experimentos fracassarem, tenta de novo. Médicos em consultórios e hospitais se ocupam de curar as pessoas ou de tratá-las, os cientistas em seus laboratórios se ocupam de pesquisar, experimentar, revisar as descobertas uns dos outros, formular e testar hipóteses, tudo isso em moto contínuo.

Neste momento da pandemia, milhares de laboratórios e centros de pesquisa, em universidades e na indústria, publicam outros milhares de trabalhos diários tentando fazer avançar lenta e cautelosamente a pesquisa em todas as áreas implicadas neste grande problema científico. É evidente que um médico na frente de batalha, com enormes jornadas de trabalho e no desespero por salvar vidas, não tem o menor tempo ou possibilidade de revisar uma quantia, por ínfima que seja, da pesquisa que está sendo feita. É por essa razão que não podem ser os médicos as autoridades para determinar se cloroquina serve ou não, são os cientistas os que podem fazê-lo. 

Não é um argumento para diminuir os médicos. Cientistas não são melhores do que quem trabalha todo dia para salvar vidas e aliviar o sofrimento dos que padecem. São apenas diferentes, exercem outras funções. Cada um cumpre o seu papel e não há necessidade social de que os médicos exorbitem a sua competência para usurpar uma autoridade, a autoridade científica, que, enquanto médicos, não têm. E isso só acontece quando, como agora, a versão mais feia da atividade política – a política suja, baseada em enganos e manipulação – invade a área de Saúde e captura uma parte dos seus agentes. 

Isso, obviamente, nada tem a ver com o campo científico da área de Saúde, que, aliás, no Brasil, é provida de cientistas de extrema competência, agora em desesperada e intensa dedicação em seus laboratórios para encontrar resposta para o problema da Covid-19. Os que realmente fazem ciência estão exaustos e ocupados demais para perseguir senadores em seus gabinetes e em seus telefones a fim de defender causas políticas. O campo científico sabe muito bem que é cientista e quanto ele vale relativamente dentro da sua especialidade. São a política e os jornalistas que não respeitam as hierarquias do campo científico, dando megafones a militantes de jalecos que os cientistas não consideram ou respeitam e tratando espertalhões como se fossem grandes autoridades. 

A coisa mais assombrosa desses dias de CPI da Pandemia foi ver se formar um consenso entre os senadores de que é preciso ouvir os “cientistas de um lado e do outro”. Falou-se até em ouvir médicos de direita e de esquerda, equitativamente, como se em questão não estivesse a verdade científica, mas a opinião política. Sim, há dois lados, como entre os que creem que a Terra é plana e que foram à escola aprender o básico de astronomia. No caso em tela, de um lado temos a OMS e a ciência de ponta, que nenhum país sério do mundo ousou desafiar, enquanto, do outro, médicos-ativistas bolsonaristas que foram artificialmente promovidos a “cientistas” por jornalistas, por políticos e militantes da facção a que eles pertencem. 

Assim, os governistas trabalharão na CPI para impor uma representação da ciência como uma mera questão de preferência e opinião. Como gosto e opinião, cada um pode ter o próprio, há que se tolerar as diferenças, dirão, há de chegar a um meio termo, respeitar as diversas posições. Isso é justamente o que não pode acontecer. A ciência é o contrário disso. Tratar a atividade científica como se fosse da mesma natureza da política é um erro brutal, pois a primeira necessariamente se move pelos ideais de certeza e verdade enquanto a política trabalha com negociação e acomodação de interesses. 

A ciência, claro, também comporta questões disputadas e busca por consensos, mas os consensos são entre cientistas, e baseados em provas e evidências. Não há que se buscar consenso entre cientistas e militantes, mesmo que os militantes sejam também médicos. Permitir o rebaixamento da ciência à opinião e à preferência política, assim como igualar cientistas e médicos-ativistas, é realizar a desqualificação da ciência e da política que interessa apenas ao bolsonarismo e que nos levou ao morticínio que testemunhamos. 

Em ciência, quando há dois lados, e frequentemente há muito mais que dois, do outro lado está outro cientista, não um militante. 

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03
Mar21

Percepção de risco e exposição ao vírus na pandemia

Talis Andrade

 

por Wilson Gomes /Cult
 
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Fevereiro de 2021 termina com grande parte do sistema de saúde dos estados e municípios brasileiros entrando em colapso diante da nova onda de Covid-19. Há pelo menos um mês a chamada média móvel está acima de mil mortes por dia. As novas e mais contagiosas variantes da doença saturam a capacidade dos hospitais ao mesmo tempo em que incapacitam os médicos e enfermeiros da linha de frente. 

Já completamos um ano convivendo com a tragédia, e a sensação que se tem é que voltamos ao pior patamar alcançado no ano de 2020, se é que não estamos em pior situação. Um pesadelo sem fim.

O bolsovírus

Sabemos, claro, que não estamos nesta situação por acaso. Os especialistas têm muita clareza de que muitas dessas 250 mil mortes teriam sido evitadas se não tivéssemos no comando do país Jair Bolsonaro, sua incapacidade de gestão, seu narcisismo de louco que não permite compartilhar poder e cercar-se de gente competente, suas convicções de fanático avesso a ciência e a conhecimento, sua paranoia política que lhe impede de escutar quem quer que não seja convertido às suas crenças ideológicas e pensar um país para todos. O fator Bolsonaro explica por que faltam vacinas, por que não há um cadastro de vacinados nem uma fila clara e indiscutível de vacinação, dentre outras tantas coisas que todo mundo sabe. 

Mas nem toda autoridade política no país é composta de gente de padrão moral tão vil a ponto de politizar ao extremo, e da forma mais amesquinhada, medidas sanitárias, de um lado, e a vacinação da população, do outro. Nem da combinação absolutamente letal de uma personalidade paranoica – que resolve ser presidente República e ministro da Saúde ao mesmo tempo por não confiar em mais ninguém – com um perfil de incompetência tão absoluto que nada que não possa ser realizado apenas com saliva, factoides, perdigotos, maldade e insultos é efetivamente feito pelo governo central do país.

Temos gestores dignos nos estados e municípios que tiveram respaldo da opinião pública e do STF para, na medida do possível, tomar medidas para minorar a pandemia para os seus governados. Além disso, tivemos um jornalismo que, em geral, foi responsável, consciencioso e corajoso ao ponto de enfrentar a insensatez mortal do presidente e dos seus seguidores do movimento bolsonarista. Sem mencionar os pesquisadores e divulgadores científico que foram aos meios tradicionais e aos meios digitais de comunicação para defender fatos e evidências e enfrentar as campanhas de fake news e narrativas de complôs da extrema-direita. 

Entretanto, apesar de tanta informação de qualidade e de tantos gestores que assumiram corajosamente todas as medidas possíveis para a evitar a disseminação acelerada da doença e a sobrecarga dos hospitais, uma parte da população desafiou as informações oferecidas, desobedeceu às determinações das autoridades para uso de máscara facial, isolamento e lockdown, e sabotou todas as medidas sanitárias consideradas essenciais para evitar o estado de coisa em que nos encontramos. 

Por que uma parte dos cidadãos insiste em se expor ao vírus? 

É da mentalidade dos brasileiros que as explicações preferidas para os problemas sociais coloquem a maior parte da responsabilidade nos ombros de quem governa. E Bolsonaro e Pazuello facilitam esse trabalho, tanto pelo que não fizeram quanto pelos seus feitos e malfeitos. Mas o fato da inépcia e da sabotagem das duas patéticas figuras não explicam, sozinhas, as festas clandestinas durante a pandemia; as aglomerações, a resistência ao uso de máscaras em lugares públicos, a recusa a cooperar com regras mínimas de isolamento social. 

 

E, é claro, não vamos nos iludir,
nem todos os que se entregaram
a este ano de desobediência civil
eram bolsonaristas, muito
embora inegavelmente parece
haver uma correlação entre a
ideologia bolsonarista e a
resistência às medidas sanitárias.

 

Existe uma área multidisciplinar de pesquisa desde os anos 1960 que estuda a chamada “percepção de risco”. Percepção é um julgamento subjetivo, uma opinião ou sentimento pessoal. A percepção de risco é a sensação ou julgamento subjetivo que as pessoas fazem sobre a gravidade envolvida em uma determinada situação. 

Muitas das atitudes e dos comportamentos adotados pelas pessoas nesta pandemia dependem da percepção do risco de se contaminar, do risco de morrer ou do risco de que outras pessoas morram e se contaminem por causa das minhas atitudes e comportamentos. É razoável supor que quanto maior a percepção de risco de morte ou doença, maiores os cuidados e precauções, e quanto menor a sensação de que se pode morrer ou adoecer gravemente, menor adesão às medidas de saúde recomendadas e menor colaboração com as autoridades. 

Muita gente não compreende como as pessoas continuam se expondo a todo tipo de risco nesta pandemia e apostam que isso decorre da falta de informação de qualidade. Mas o que menos faltou neste período foi um fluxo constante de informação correta, transparente e confiável, apesar das campanhas de desinformação do obscurantismo bolsonarista. Não é certo que todas as pessoas que se expuseram intensamente, de maneira constante ou eventual, à contaminação, eram todas mal informadas ou desinformadas, muito menos dogmáticos bolsonaristas.

Na verdade, a questão social mais relevante não é quanta informação exata as pessoas têm, mas como fazer com que as pessoas tenham percepções exatas sobre os fatores pessoais e sociais de risco, como aproximar a percepção de risco e o risco real e objetivo. O que, infelizmente, não são a mesma coisa. A sensação de risco não depende apenas de fatos, mas também da nossa mente e da nossa cultura, é uma construção psicológica subjetiva, influenciada pela variação cognitiva, emocional, social, cultural e individual que há entre pessoas diferentes e até mesmo entre sociedades distintas. 

Não conheço pesquisa sobre percepção de risco e a vontade do público de cooperar e adotar comportamentos para a proteção da saúde durante pandemias no Brasil, mas há alguns estudos internacionais já publicados, inclusive comparativos, que li esta semana. Há certas descobertas que talvez nos ajudem a compreender a resistência à cooperação neste país.

Tudo indica, por exemplo, que quanto mais a informação em circulação na sociedade é magnificada, ampliada, em ambientes familiares e amigos, maior a percepção de risco e maior a adesão às políticas de prevenção e isolamento. Ou seja, quanto maior a coesão familiar na convicção sobre o risco de morrer, maior a adesão do indivíduo a esta avaliação e maior a probabilidade de que adote comportamentos correspondentes. De colaboração ou de desobediência.

Outro fator importante tem a ver com mentalidade. Quem é mais pró-social, isto é, quem pensa que é importante fazer coisas em benefícios dos outros e da sociedade mesmo que isso lhe custe pessoalmente alguma coisa, tem mais percepção de risco e, portanto, expõe-se menos à contaminação. Por outro lado, quanto mais individualistas forem as suas visões de mundo, menos riscos as pessoas percebem. Aqui temos um componente interessante, onde a posição ideológica na polarização política é muito importante, mas também conta a diferença entre uma mentalidade mais e menos hedonista, voltada para a própria satisfação e prazer. Perspectivas individualistas e perspectivas pró-sociais são decisivas para a sensação de risco e, portanto, para a adoção ou rejeição deste ou daquele comportamento. 

Além disso, quem teve experiência direta e familiar com adoecimento grave e morte percebe, naturalmente, mais riscos em comparação com aquelas que não tiveram experiência direta. 

A confiança na ciência e no pessoal da saúde foi constante e positivamente correlacionadas com a percepção de risco. Assim como se descobriu que os homens têm percepções de riscos mais baixas do que as mulheres em muitos países. É de se esperar também, por observação, que jovens se sintam mais invulneráveis que velhos, que esportistas se considerem menos vulneráveis do que sedentários.  

A conclusão é que talvez as campanhas de comunicação nesta pandemia, as governamentais e as das empresas de jornalismo e de plataforma, não tenham entendido que comportamentos não são modificados apenas com base em informação ou dados exatos, confiáveis e atualizados. Que entre a informação, de um lado, e a atitude e o comportamento, do outro, estão os julgamentos subjetivo e intersubjetivo sobre riscos e sobre a própria imunidade. Que a sensação de risco é socialmente negociada com base nas experiências pessoais e sociais, nos valores e nas crenças na própria invulnerabilidade. Uma campanha de comunicação precisaria também ser uma campanha de comunicação de risco, para diferentes públicos, entendendo exatamente, portanto, como cada um deles avalia o próprio risco de se contaminar ou morrer. 

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14
Fev21

Parcerias indevidas e Estado totalitário: a Lava Jato na berlinda

Talis Andrade

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por Wilson Gomes /Cult

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Nesta semana, a segunda turma do STF rejeitou recurso dos procuradores da Lava Jato que tentaram impedir o acesso de Lula a conversas entre os membros do MP de Curitiba e o juiz Moro, e que diziam respeito, direta ou indiretamente, às investigações e ações penais contra o ex-presidente. O acesso havia sido liberado pelo ministro Ricardo Lewandowski há poucas semanas, depois de, por cerca de três anos, a defesa tê-lo inutilmente demandado a outras instâncias do Judiciário. Os procuradores recorreram então da decisão, o que gerou este julgamento, que não apenas confirmou o direito às mensagens como, de algum modo, representou um juízo oficial de membros da Corte sobre a natureza mesma da Operação Lava Jato, à luz do que andavam conversando entre si os procuradores e o juiz do caso.

O que resultou foi um juízo público severo e condenatório, que certamente reflete o ânimo atual da maioria do STF e da maior parte da sociedade sobre a Lava Jato, que, depois de encerrada, luta por seu legado. 

O ministro Lewandowski foi o primeiro a destacar que “a pequena amostra do material coligido até agora, já se afigura apta a evidenciar, ao menos em tese, uma parceria indevida entre o órgão julgador e a acusação (…)”. A gente pode não entender direito o juridiquês da frase, mas essa parceria indevida” entre Moro e os procuradores é um sinônimo do que chamamos ordinariamente de “conluio”, mas também de maquinação, trama, arranjo, complô, conchavo. 

Kassio Nunes Marques, o recém-indicado por Bolsonaro, limitou-se a votar contra o recurso, para a fúria dos bolsonaristas, mas a ministra Cármen Lúcia expressou a posição dos que não entraram no mérito das mensagens, mas reconheceram como certo o direito tantas vezes negado à defesa. “A polícia tem acesso a dados, o Ministério Público tem acesso a dados, o juiz tem acesso aos dados e a defesa não tem acesso aos dados? Mas isso não é direito fundamental constitucionalmente assegurado?“, indagou. 

Coube ao ministro Gilmar Mendes, por sua vez, enfrentar claramente o mérito das bizarras conversas em que foram flagrados juiz e procuradores do caso Lula. “Agora não é mais apenas o julgamento de um caso”, disse o ministro. “Nós seremos julgados pela história se nós formos cúmplices disto”.

O modo como o ministro foi descrevendo a imoralidade e a ilegalidade dos atos registrados nas conversas deu tintas trágicas ao que, na prática, foi a Lava Jato de Moro, Dallagnol e colegas do MP de Curitiba. Destaco três elementos do juízo de Gilmar Mendes sobre as conversas flagradas entre eles e que, segundo o ministro, ou são uma peça de ficção digna de um Nobel de Literatura ou transformam a Lava Jato naquilo que Gaspard Estrada, em artigo publicado nesta terça (9) no The New York Times, chamou de “maior escândalo judicial da história brasileira”.

Primeiro, houve a óbvia brutal violação do devido processo legal por meio de um inaceitável conluio entre quem julga e quem acusa. Segundo, a Lava Jato adotou como padrão de trabalho o desrespeito à Lei, e os envolvidos o fizeram com meticulosa consciência e sem sombra de escrúpulos, como se registram nos diálogos. Terceiro, sem usar os meios legalmente autorizados para tanto, o Complô de Curitiba manipulou placidamente metade do Estado (Polícia Federal, MP e até a Receita Federal) para conseguir os seus objetivos, como se isso tivesse cabimento em um Estado de direito. Quarto, as mensagens descreveram situações “chocantes, constrangedoras”, nas palavras do membro da Corte, em que o Conluio procurava manipular réus por meio de ameaças e medo. “Me digam que isso não é tortura, tortura feita por esta gente bonita de Curitiba? ”, indagou o ministro.  

A primeira circunstância criou uma situação bem descrita por Flávio Dino esta semana, a saber, que “Lula foi condenado em um processo em que não havia juiz”, uma vez que Moro de fato coordenava a acusação.

Mendes cita, além disso, conversa em que procuradores se referem irônica e cinicamente a um “CPP russo”, Código de Processo Penal ad hoc em que se pode fazer mesmo o que o CPP brasileiro não autoriza. Isso para dizer que Moro (cujo apelido é Russo) tinha um CPP peculiar e de caso pensado para Lula. “Nós montamos um modelo totalitário”, reagiu o ministro. “Ou alguém é capaz de dizer que há algo democrático nesse CPP russo?”. “Eles estavam fazendo um Código de Processo Penal. E não era de Curitiba: era da Rússia“, diz o ministro, estarrecido. 

As outras circunstâncias transformaram a Lava Jato, na comparação feita por Gilmar Mendes, em algo semelhante à polícia secreta da Alemanha Oriental, a temível Stasi. O ministro fez doutorado na Alemanha e estudou sistemas totalitários, sabe do que está falando em sua analogia. “A Receita Federal virou um braço da Stasi Brasileira”. “Nós replicamos a história da Stasi!”, reafirmou. “Isso envergonha os sistemas totalitários. É disso que nós estamos a falar”. “Eu quero que alguém diga honestamente que isso encontra abrigo na Constituição”.

Pronto, eis o que, do ponto de vista do respeito à Constituição, foi a operação Lava Jato, independentemente do juízo que se possa fazer sobre os seus efeitos e propósitos. O retrato é feio, como se temia e suspeitava. 

Isso demoverá o lavajatista e o morista das suas convicções? Não necessariamente. Mas nos dirá se o lavajatista, afinal, para usar uma expressão que eles adoravam, têm ou não corruptos e corruptores de estimação. Pois o que ficou claro para qualquer um que vê os registros das conversas é que se tratou de uma operação consistente e consciente de corrupção do devido processo legal. 

Pois desde o julgamento da 2ª turma do STF está oficialmente demonstrado que a crença na honestidade, neutralidade política, imparcialidade e justiça da Lava Jato só se sustenta em fideísmo. O fideísta, para quem não sabe, é o sujeito que acredita que por meio da razão não se alcançam certas Verdades, a que se chega somente pela fé. Como nem a razão nem os fatos dão respaldo ao que a Lava Jato dizia de si mesma, não resta que a crença. Mas como “o justo viverá pela fé” (Rom 1:17) isso, obviamente, não impedirá os crentes. 

Que, para não parecer justamente o que são, crentes dogmáticos, agarram-se ao último fiapo de argumento que encontram para justificar como racional um ato de pura fé: “Essas provas foram obtidas ilegalmente” ou, como diz Moro em sua defesa “foram obtidas por violação criminosa”. Rá! Meu amigo, quem se importa com legalidade de prova obtida é a Justiça; para a opinião pública e para o bom senso a questão decisiva é apenas se aquelas conversas escabrosas, e as coisas que elas revelam, aconteceram de fato. E aconteceram. Pronto. Acabou. 

Quando uma gangue de fatos feios e malvados assassinam uma convicção tão linda, há só duas coisas a fazer: quem confia na razão, muda de convicção e acompanha os fatos; o fideísta, por sua vez, refugia-se na crença. A honestidade da Lava Jato doravante será apenas uma questão de fé, os fatos já não a sustentam mais.  

02
Jan21

Por que quem é bolsonarista precisa ser contra vacina?

Talis Andrade

Por que quem é bolsonarista precisa ser contra vacina?

Por que um bolsonarista precisa negar o número de mortos da pandemia ou ser contra a vacina? (Foto: Govesp)
por Wilson Gomes /Cult
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Neste 17 de dezembro, a deputada Carla Zambelli despejou num tuíte a sua revolta contra quem defende alguma forma de obrigatoriedade da vacina. “Se as pessoas que defendem a vacina de fato acreditassem no poder que ela tem, não nos forçariam a vacinar nossos filhos, afinal se ela funciona, vocês estarão imunizados e não “pegarão” o vírus de quem não se vacinou”. Sim, 185 mil mortos depois, a deputada quer que os bolsonaristas tenham o direito de não vacinar os próprios filhos. 

Alguém sabe, por acaso, me explicar a razão pela qual se você é de extrema-direita e/ou bolsonarista precisa estar agora, ainda no meio de uma pandemia, em campanha para que as pessoas não se vacinem? Ou para que as autoridades não tenham o direito de vaciná-la? Alguém me diz por que um bolsonarista precisa negar o número de mortos da pandemia? Ou ser contra o uso de máscara? Ou atacar diuturnamente a credibilidade da Organização Mundial da Saúde, do jornalismo de qualidade, dos cientistas e até dos centros de pesquisa?

Alguém saberia me informar por que alguém de direita, ou conservador, ou patriota, ou cristão verdadeiro, ou pessoa de bem, ou qualquer das designações que queira utilizar para dar um verniz ao seu bolsonarismo, precisa continuar minimizando os efeitos da Covid-19? Qual é mesmo a correlação explícita entre a ideologia de direita e o ato de prescrever ou defender medicamentos contra vermes ou contra malária para curar uma doença que a pesquisa diz que não pode ser curada deste modo? 

No dia 15 de dezembro, Weintraub apareceu no Twitter para compartilhar com a malta uma deliciosa teoria da conspiração. “E se a pandemia foi artificial, feita em laboratório?”, sugeriu o nosso Dan Brown. “E se houve uma articulação para gerar enormes ganhos financeiros/políticos para alguns? E se os atuais ganhadores gostarem da “tese” e repetirem a experiência nos próximos anos?”. Alguém sabe me dizer por que ao ser bolsonarista você assume a obrigação de inventar e espalhar complôs sobre a pandemia? 

Sim, eu sei que Bolsonaro fez tudo errado nesta pandemia e um dia a conta chegará. Mas não é para construir um habeas corpus preventivo que ele age assim. Além da incompetência e da inépcia que lhe são próprias, acho que o fez por convicção. Provou-se parvo e insano o suficiente para acreditar nas próprias fake news e conduzir o país ao abismo. Contudo, resta ainda a pergunta: por que um governo e um movimento ideologicamente da direita ultraconservadora precisariam assumir, contra todas as evidências, as atitudes que tomaram? Se valores de direita estivessem minimamente implicados nas teses que defenderam, eu entenderia, mas o fato é que não há qualquer relação entre vermífugos e conservadorismo, pelo menos até onde a minha imaginação alcança. 

O problema, meus amigos, é que
quem olha para o bolsonarismo
e para a nova extrema-direita
apenas como ideologia, vê só
metade da questão. Trata-se de
um movimento identitário.
Neste caso, mais decisivo do
que estar certos é não estar sós.
Ou, invertendo, o importante é
estarmos juntos, não estarmos
certos.

Quem diz platitudes como, por exemplo, “fake news sempre houve e sempre haverá”, não entendeu da missa a metade. Fake news têm como propósito a manipulação política. Entendam de vez, fake news nada têm a ver com jornalismo, e sim com política. Por meio de fake news e de teorias da conspiração politiza-se tudo: questões sanitárias, ciência, economia, comportamento, jornalismo, decisões judiciais, futebol, religião, nada fica de fora. Mas não se falsificam fatos e notícias por esporte, mas para unir a facção, a seita, para demarcar a nossa posição ante os nossos adversários e para atacar os nossos inimigos. 

Se eles são pela ciência, admitem a pandemia e recomendam a vacina, já sabemos que nós seremos contra a ciência, negaremos a pandemia e atacaremos a vacina. É assim, didático e gráfico.

É por isso que fake news se explicam pelo surgimento da nova extrema-direita que a) é hiperidentitária (a identidade tribal é decisiva), b) baseada em conflito perpétuo e aguçado, c) está convencida de que tudo vale na disputa por narrativas e enquadramentos de fatos. 

Identidade é isso: fazemos um círculo ao nosso redor e cá estamos “nós” cercados por “eles” por todos os lados. Quem for bolsonarista tem que ser contra vacina (e inventar fatos que justifiquem essa posição), tem que ser contra urnas eletrônicas (e inventar teorias da conspiração que justifiquem isso), contra o comunismo que domina tudo, contra quem afirma que há uma pandemia mortal, contra o uso de máscaras etc. 

Por isso a necessidade de inimigos e da sensação de cerco e guerra: quem não está conosco está contra nós. Não há identitarismo sem vitimismo, sem um sentimento forte de perseguição, opressão e cerco. E sem a ideia de que os oprimidos e sitiados, enfim, vão começar a reagir contra o Mal. E absolutamente tudo vale na luta contra o Mal, até inventar histórias para disputar a interpretação dos fatos, para motivar a tribo e para aguçar a identidade tribal. 

A lista é incoerente e inconsistente, como disse, mas a mentalidade não. Os elementos todos estão aí:  identidade, conflito e vale-tudo

Muita gente implica por eu ser contra a guerra identitária da esquerda. Sou mesmo. A guerra identitária da extrema-direita ilustra muito bem o que significa um movimento baseado em identidade tribal, manutenção de inimizade e incentivo ao conflito, e vale-tudo no plano dos relatos e das narrativas. O resultado é isso, a insana tribalização que apaga a racionalidade e torna infernal a vida em sociedade. 

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