No balanço das Forças de Segurança que atuam no estado nordestino divulgado, foram presos 187 suspeitos pelas Operações Normandia e Sentinela
por Tainá Andrade /Correio Braziliense
Há dois dias, o governo do Rio Grande do Norte (RN) não registrou ataques de violência. Desde o dia 14, o estado enfrenta uma onda de rebelião de organizações criminosas que atuam na região. Ao todo, foram registrados 298 ataques de diversos tipos, a maioria incêndios a prédios públicos e meios de transporte.
No balanço das Forças de Segurança que atuam no estado nordestino divulgado, ontem, pela manhã, foram presos 187 suspeitos pelas Operações Normandia e Sentinela. Deles, foram seis adolescentes, 19 foragidos e três que possuíam tornozeleiras eletrônicas.
Além disso, foram apreendidos 148 explosivos, 33 galões de gasolina e 43 armas de fogo. Os agentes também levaram dinheiro — não foi informada quantias —, drogas, munições, objetos furtados, motos e carros.
"Dar as mãos"
Na sexta-feira (24), a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, se reuniu com a Federação dos Municípios do Estado do Rio Grande do Norte (Fenurm) para recolher as demandas das regiões afetadas pelos criminosos. "Este momento é de dar as mãos aos prefeitos e prefeitas para superarmos essa difícil crise! Daremos celeridade para recuperar os danos causados o mais rápido possível", escreveu nas redes sociais.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enviou o superintendente da Receita Federal, Darci Mendes, e outros representantes do órgão ao estado para recolher as demandas do governo para recuperar os serviços da região.
A onda de violência no RN foi responsável por incêndios, tiros contra prédios públicos, veículos, comércio e até residências. Um dia após o início dos ataques, um líder de facção suspeito de coordenar diversas ações criminosas foi transferido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para o presídio federal, no interior do estado. O reforço da segurança pública, com apoio da Força Nacional, tem feito o reforço do policiamento ostensivo no estado.
A deputada federal bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC), que postou uma foto com metralhadora e vestindo uma camiseta com a mão de Lula alvejada por tiros, na última sexta (17), foi alvo de denúncias no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF).
As reações começaram após a deputada divulgar postagem empunhando uma metralhadora, usando uma camiseta com a mão do presidente com tiros e afirmando que “com Lula no poder, deixamos um sonho de liberdade para passar para uma defesa única e exclusiva dos empregos, do pessoal que investiu no setor de armas”.
Ainda neste domingo (19), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), informou que denunciaria Zanatta no Conselho de Ética da Casa. “Esse tipo de conduta é crime e fere o decoro”, afirmou o líder petista.
Outros deputados do PT, o líder do partido na Câmara, Zeca Dirceu (PR), e o vice-líder do governo na Câmara, Alencar Santana (SP), também encaminharam representação contra a deputada bolsonarista ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Veja-se que a Representada ostenta na publicação, arma de grosso calibre e de alta letalidade, veste uma camiseta com frase que veicula ameaça subliminar (come and take it) de eventual resposta armada às ações do Presidente LULA e de seu Governo e, o que é mais estarrecedor, destaca na camiseta que veste, uma mão cravejada de tiros e com quatro dedos, numa alusão ostensiva à pessoa do Presidente da República.”
Os deputados pedem a instauração de uma investigação criminal e possível denúncia, além de medidas administrativas e civis contra Júlia Zanatta. Na peça, os parlamentares falam em “grave ameaça contra a vida do presidente”, em “conduta de extrema violência e intolerância democrática, convenientemente presente num ambiente de clube de tiro”.
Mas as atuações da deputada bolsonarista junto a clubes de tiro não se isolam no episódio da fotografia compartilhada.
Quem é Júlia Zanatta, a “Antifeminista do fuzil”
Júlia Zanatta foi eleita deputada federal por Santa Catarina, com ampla votação em seu estado (110 mil votos). Em 2020, concorreu à Prefeitura de Criciúma (SC), ficando em terceiro lugar na disputa. A bandeira armamentista de Zanatta já era exposta deliberadamente em sua campanha ao posto, apresentando-se como a “Antifeminista do fuzil”.
Amiga pessoal de Helosia Bolsonaro, esposa de Eduardo Bolsonaro (PL), Zanatta se considera amiga de toda a família. Foi nomeada Diretora da Embratur no Sul, pela relação com o núcleo Bolsonaro. No dia 7 de setembro de 2021, hospedada na casa de Eduardo Bolsonaro, apareceu em vídeo chamando bolsonaristas para “manifestações”.
Assim como a clã, anunciou não ter tomado vacina de Covid-19 e denunciou um professor de artes que exibiu uma música de Criolo que discute homofobia a alunos de 12 anos e acabou sendo demitido, mas sua principal bandeira polêmica é a armamentista.
A deputada é assídua frequentadora do Clube .38, o clube de tiro bolsonarista de Santa Catarina e um dos mais polêmicos do país – o mesmo que chegou a ser frequentado por Adélio Bispo de Oliveira, o autor da facada – e que era muito frequentado pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos Eduardo e Carlos.
Recentemente, reportagem de Vinícius Valfré, do Estadão, revelou que o Clube 38. continuou oferecendo experiências de tiro para pessoas sem registro de atiradores esportivos, afrontando o decreto assinado por Lula, no início do ano, que proíbe a prática.
O clube é do empresário Tony Eduardo, grande apologista das armas no Brasil e amigo de Eduardo Bolsonaro. Reportagem de Victor Farinelli para o especial Xadrez da Ultradireita, do GGN, detalhou como as relações de Eduardo Bolsonaro com Tony Eduardo alavancaram os interesses da indústria armamentista e da NRA (Associação Nacional do Rifle) durante o governo Bolsonaro.
Além do Clube .38, Tony Eduardo também é instrutor do polêmico clube de tiro estadunidense 88 Tactical, reconhecido por adotar referências nazistas. Frequentadora deste núcleo, com a camiseta com tiros contra Lula, Júlia Zanatta fez a recente postagem de incitação às armas, apesar dos decretos do presidente.
Como deputada federal, inclusive, ela assumiu o compromisso, no dia 6 de janeiro, em reunião com proprietários de clubes de tiro para derrubar o revogaço das armas de Lula, ao lado de outros parlamentares pró-armas e ruralistas.
Durante a campanha para deputada, ela afirmava que o estatuto do desamarmento era uma “lei genocida”. Quando Lula lançou o slogan “trocar arma por um livro”, ela lançou a resposta: “Quem quer trocar seu clube de tiro por um clube de leitura?”.
A fala de Zanatta foi feita no dia 9 de julho de 2022, no palco do terceiro encontro nacional do grupo Proarmas, ao lado de Eduardo Bolsonaro.
Momentos depois, o filho do então presidente vociferava: “a esquerdalha nunca imaginou que tantas pessoas pudessem vir às ruas para falar que, sim, eu quero estar armado porque eu prefiro um bandido embaixo da terra do que a minha esposa estuprada.” Naquele mesmo dia, Marcelo Arruda era assassinado, em seu aniversário, por um bolsonarista.
O trecho da fala de Eduardo Bolsonaro e a relação da família com a indústria armamentista é um dos principais capítulos do documentário Xadrez da ultradireita mundial à ameaça eleitoral, da TVGGN, lançado em setembro de 2022. Relembre:
Bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) é alvo de ações no Supremo após fazer postagem em que aparece segurando uma metralhadora e vestindo uma camiseta que faz referência ao presidente da República
A deputada federal bolsonarista Júlia Zanatta (PL), de Santa Catarina, deve se tornar alvo de investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) após postagem nas redes sociais em que incentiva a violência contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na última sexta-feira (17), a parlamentar publicou uma foto em que aparece segurando uma metralhadora e vestindo uma camiseta com a imagem de uma mão com quatro dedos, em referência a Lula, perfurada por três tiros.
“Não podemos baixar a guarda. Infelizmente a situação não é fácil. Com Lula no poder, deixamos um sonho de liberdade para passar para uma defesa única e exclusiva dos empregos, do pessoal que investiu no setor de armas. Estamos agora falando em socorrer empregos”, escreveu ela, junto à foto.
Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), a postagem de Júlia Zanatta é "apologia ao assassinato" de Lula. O parlamentar, através das redes sociais, anunciou que protocolou notícia-crime no STF contra a bolsonarista. "Fascismo precisa ser contido. Basta de violência", escreveu Valente.
"A liberdade de expressão e manifestação tem limites constitucionais, inclusive na imunidade parlamentar. Então, se você faz apologia ao crime ou a um ato criminoso, precisa ser investigado", declarou ainda o psolista.
O deputado federal Alencar Santana Braga (PT-SP) e o líder da bancada petista na Câmara, Zeca Dirceu (PR), também acionaram o STF contra Júlia Zanatta. Na representação, os parlamentares apontam que a publicação da bolsonarista configura "uma conduta que para além da prática criminosa de per si, reafirma, infelizmente, uma visão de mundo permeada pelo ódio e desinteligência democrática, que tragicamente tentou se implementar na sociedade brasileira no período de 2019/2022 e cujas raízes tóxicas ainda não foram totalmente extirpadas".
A Representada, com as ameaças perpetradas, busca a todo custo manter viva uma cultura armamentista já repudiada pela sociedade brasileira, estimula, sob um falso discurso de liberdade, a divisão maniqueísta da sociedade, fomentando, com o uso de armas de fogo, o ódio e a intimidação como instrumentos disputas democráticas", escrevem os parlamentares.
Além de pedirem para que o STF investigue a conduta de Júlia Zanatta, que segundo eles pode ser enquadrada nos crimes de ameaça, incitação e apologia ao crime, passíveis de pena de prisão, os deputados do PT solicitam, ainda, que a Corte adote "medidas legais pertinentes para se verificar as licenças que permitem à Representada a posse, porte ou utilização de armas de fogo, verificação da 9 regularidade das armas que detém e regularidade do clube de tiro que frequenta".
A deputada Júlia Zanatta mandou uma nota através de sua assessoria afirmando que “os ataques que tenho sofrido não se justificam. Não é razoável que minha honra e meu mandato sejam questionados pela interpretação de uma imagem. O correto é se ater aos fatos e o fato é que, na ânsia de me desqualificar, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, evocou algo muito grave ao me chamar de nazista. Isso reflete não só em mim, mas no estado que me elegeu.”
A Fórum, no entanto, reitera que a mensagem da camiseta da deputada é clara e sua justificativa para um erro na interpretação da imagem não faz o menor sentido. Ela está, sim, promovendo a violência contra Lula ao divulgar uma foto armada e com a camiseta fazendo alusão a tiros no presidente.
A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) publicou nesta sexta (17), no Twitter, a imagem em que aparece segurando uma arma. A deputada aparece na foto vestindo uma camiseta estampada uma mão com quatro dedos alvejada por três tiros, em uma referência ao presidente Lula
O Estado precisa combater brutais costumes brasileiros de matar, de torturar, de homenagear homicidas como acontece com a horrenda eleiçao de deputados serial killers
Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que a denúncia é o primeiro passo para combater a violência contra a mulher.
Canditados desumanos que praticaram o sadismo, a crueldade de matar mais de tres pessoas (serial killer), a malvadeza de matar nas chacinas dos favelados, dos sem terra, no genocidios dos povos indigenas, dos quilombolas, nao devem ser candidatos a cargos eletivos.
Quantos deputados celerados, maleficos, desumanos, que mataram mais de cem pessoas existem no Congresso Nacional?
Nao se pode combater o femicidio ao lado de malvados, malditos parlamentares que torturam e assassinaram mais de cem pessoas.
E' excentrica, estranbolica, a uniao de deputados com serial killers, aquele civil ou militar que matou mais de tres individuos. Vide tags
Escreve Tiago Pereira, na Rede Brasil Atual:Na véspera do Dia Internacional da Mulher, a ministra Cida Gonçalves antecipou algumas das medidas que o governo federal deve anunciar nesta quarta-feira (8) para combater o aumento da violência contra a mulher. Serão entregues, por exemplo, 270 viaturas da Patrulha Maria da Penha, serviço que acompanha as mulheres em situação de violência. Para a ministra, a patrulha é a política publica mais eficaz na prevenção ao feminicídio.
Ao lado da primeira-dama Janja da Silva e da atriz e apresentadora Luana Xavier, a ministra participou do programa especial Papo de Respeito: Enfrentamento à violência contra a Mulher, transmitido na TV Brasil e nas redes Sociais, nesta quarta-feira (7).
Ela prometeu fortalecer as Casas da Mulher Brasileira e as delegacias especializadas. Disse que a denúncia é o primeiro passo para combater a violência. Citou o Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher – como o mais importante serviço de informação e orientação à mulher vítima de violência. Mas para além do fortalecimento das políticas públicas, a ministra disse que a sociedade também precisa combater a violência machista.
Nesse sentido, Cida Gonçalves lembrou que qualquer pessoa pode denunciar casos de violência contra a mulher, e não apenas a vítima. “‘Ah, mas vou meter a colher em briga de marido e mulher?’ – comentou a ministra, citando o dito popular que deve ser abandonado. “Não, você vai pedir para que o Estado intervenha”, afirmou.
Para Janja, defender a mulher vítima de violência é responsabilidade de todo indivíduo. “Porque o Poder Público pode criar toda a rede de proteção, mas se você está ali do lado, vendo uma mulher sofrer em situação de violência, você tem, enquanto cidadão, a obrigação de acolher essa mulher e protegê-la”.
Discurso machista
Somente no primeiro semestre do ano passado, 700 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Em 2021, foram 1.341 casos, contra 1.229 registrados em 2018.
E como fica a danaçao de um parlamentar matar mais de cem brasileiros desarmados, e sempre, depois de torturados?
Para a ministra, também é preciso parar de “culpabilizar” a mulher. “Quando uma mulher é estuprada, fica aquela pergunta: ‘mas o que ela fez? que roupa você estava? 2h da manhã, o que estava fazendo na rua? Bêbada então, é pior ainda”. Esse tipo de “julgamento moral” não ajuda no combate à violência e provoca a “revitimização” da mulher agredida. Quando o agressor é o marido, Cida citou outra frase popular – “ele não sabe por que está batendo, mas ela sabe por que está apanhando” – que acaba “legitimando” esse tipo de violência.
Armas e racismo
Durante o governo Bolsonaro, a ministra ainda que aumentou o percentual de feminicídios executados por arma de fogo. Antes, os agressores preferiam facas e outras armas brancas. Para a ministra, isto se deve pela banalização do porte de armas na gestão anterior. “Hoje as armas estão dentro das casas das mulheres”, frisou Janja.
A primeira-dama também fez questão de lembrar que 67% dos feminicídios são praticados contra as mulheres negras. São “maiorias minorizadas”, frisou Luana Xavier. A atriz e apresentadora destacou o projeto, desenvolvido em Mato Grosso, chamado Mulheres de Terreiro, que capacita líderes religiosas a receberem mulheres vítimas de violência.
De acordo com o FBSP, 3% das vítimas procuram igrejas e outras instituições religiosas em busca de apoio. Entre as que procuraram ajuda, recorreram principalmente à família (17,3%) e amigos (15,6%). Somente depois, em terceiro lugar, que aparecem os serviços públicos de denúncia – como o 180, 190, delegacias convencionais ou especializadas. Amaior parte (45%)acaba não tomando nenhuma atitude frente a um episódio grave de agressão. Seja por não acreditar na polícia, por vergonha ou medo de represálias do agressor.
“Precisamos reforçar o serviço público, para ter credibilidade e a mulher ir até lá. Mas precisamos ter também a amiga, a mãe, o irmão, o pastor ou o padre do nosso lado. E dizer que é preciso dar um basta”, disse a ministra.
Camara dos Deputados, velhacouto de assassinos, de serial killers
O Senado Federal, a Camara dos Deputados, as Assembeias Legislativas, as Camaras Municipais precisam encerrar suas esquisitas, bizarras, estrambolicas convivencias, o coito, a proteçao de serial killers. Que entregue os assassinos em serie, os sanquinarios parlamentares, os sanguinarios ` a Justiça.
Que porrada! Poucas vezes na vida me senti tão arrasado ao terminar de ver um filme e, ao mesmo tempo, encantado com a excelência que atingiu o cinema brasileiro, após anos de destruição sistemática da nossa cultura.
No dilacerante filme-documentário "Quebrando Mitos" sobre a "masculinidade catastrófica" do governo de Jair Bolsonaro, de Fernando Grostein Andrade e Fernando Siqueira, lançado esta semana no país, o Brasil é um corpo estendido no chão, recolhido pelos dois jovens cineastas para fazer a mais completa autopsia da grande tragédia brasileira.
Partindo dos seus dramas pessoais, Andrade e Siqueira, homossexuais assumidos num país homofóbico, machista, misógino e violento, que glorifica a ignorância e a estupidez humana, tiveram que sair do Brasil para um autoexílio em Los Angeles, quando Bolsonaro assumiu o poder, para poder montar em paz e segurança o filme das suas vidas, ameaçadas pela intolerância galopante.
Como foi possível chegarmos a esse ponto de degradação humana, tão bem retratado no filme, com o país de cócoras, devastado por um exército de ocupação?
Bolsonaro seria incapaz de fazer isso sozinho. Foi preciso um trabalho coletivo, envolvendo muita gente de poder político, religioso e militar, amplos setores da elite nacional, e eu diria que até com a ajuda de forças de fora, para abalar os alicerces institucionais desta grande nação.
Essa gente agora não vai querer largar o osso. É tudo muito assustador. Vai levar décadas para apagarmos essa chaga da nossa história.
"Está tudo ali, a ponto de doer", escreve o amigo Fabio Altman, em sua brilhante resenha na revista Veja, sobre o "tempo da insensatez", onde recolhi esta síntese do que acabei de ver:
"A apologia do machismo. o ataque às políticas de proteção ao meio ambiente; a promoção das milícias; o descaso irresponsável com a pandemia; a transformação da fé dos evangélicos em massa de manobra e o culto às mentiras como atalho de ascensão nos corredores de Brasília, até a eleição de um deputado apagado como presidente da República".
O primeiro capítulo dessa tragédia, contado com grande destaque no filme, aconteceu na verdade antes da posse do inominável: o assassinato da vereadora Marielle Franco, até hoje não esclarecido, que revela as origens milicianas do grupo levado ao poder em Brasília nas ondas da Operação Lava Jato, numa joint venture com a polícia e a justiça americanas.
Está lá o cenário macabro das covas rasas abertas nos cemitérios da Amazônia, durante a pandemia, tendo ao fundo a floresta que arde em chamas com a cumplicidade do governo que liberou as boiadas, o garimpo ilegal e a pesca predatória, sem esquecer de falar no assassinato de Dom e Bruno, os esquartejados símbolos da resistência.
Estão lá as marchas dos fanáticos gritando "Mito!", as poças de sangue dos pobres lavadas nas favelas, os desafios à Justiça, a grosseria das declarações cafajestes do presidente, como se estivéssemos assistindo a um thriller de terror, mas é tudo real.
"Tem história que um dia dormirá nos livros e enciclopédias, mas tem também a sensibilidade de tocar no que sempre soou tabu, mas que não pode mais: a repressão, por vezes silenciosa, imposta ao grupo LGBT", assinala Fabio Altman. Na narração em primeira pessoa, Gostein conta ter sido estuprado duas vezes e forçado a perder a virgindade com uma coelhinha da Playboy aos 17 anos (seu pai, Mario de Andrade, foi editor da versão brasileira da revista).
Em meio a esse circo de horrores, tem espaço também para as belas cenas da história de amor de Grostein e Siqueira, em contraste com os gritos de "imbrochável" pronunciados por Bolsonaro e repetidos por seus devotos em Brasília, na pajelança cívico militar do último dia 7, em que até tratores e grupos religiosos desfilaram pela Esplanada dos Ministérios num espetáculo grotesco, que prosseguiu no Rio de Janeiro com exibições da Marinha e da Aeronáutica, motociatas e corridas de jet-sky, com a apoteoso sobre um trio elétrico de Silas Malafaia.
Nenhuma ficção de Glauber Rocha seria capaz de superar a realidade desta grande tragédia brasileira autopsiada pelos dois Fernandos nesse documentário que todos deveriam ver _ se possível, antes da eleição de 2 de outubro.
Mas, preparem-se: é uma porrada na boca do estômago.
A vitória de Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado
O atual presidente apresenta traços desvairados e tem feito constantes ameaças à normalidade democrática, caso venha perder as eleições. No primeiro turno em 2 de outubro recebeu 43,44% dos votos enquanto o ex-presidente Lula levou 48,5% dos votos. Há grande expectativa que Lula venha a ganhar a eleição, pois a superioridade sobre Jair Bolsonaro é notável.
Lula tem recebido o apoio de quase todos os partidos até dos mais distantes. Pois, perceberam que a democracia está em jogo e também o destino histórico de nosso país. A vitória de Jair Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado.
Precisamos tentar entender por que irrompeu esta onda de ódio, de mentiras como método de governo,fake news, calúnias e corrupção governamental impedida de ser investigada. Vieram-me à mente um artigo que publiquei tempos atrás e que aqui reformulo.
Duas categorias parecem esclarecedoras: uma da psicanálise junguiana, a dasombrae outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, okarma.
A categoria desombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente seja pessoal seja coletivo.
Efetivamente, cinco grandessombrasmarcam a história político-social de nosso país.
A primeira é o genocídio indígena, persistente até hoje, pois, suas reservas estão sendo invadidas e durante a pandemia foram praticamente abandonados pelas autoridades atuais. A segunda é a colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre, mas, ao contrário, sempre dependente de poderes estrangeiros de outrora e de hoje. Criou a síndrome do “vira-lata”.
A terceira é o escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar a pessoa escravizada como coisa, “peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata, ao desprezo e ao ódio.
A quarta é permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo, denominadas por Jessé Souza de “elites do atraso”. São profundamente egoístas a ponto de Noam Chomsky ter afirmado: “O Brasil é uma espécie de caso especial, pois, raramente vi um país onde elementos da elite tenham tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles e para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar propinas e fortunas nos projetos estatais.
A quinta sombra represeta a democracia de baixa intensidade entrecordada por golpes de Estado mas que sempre se refaz sem, entretanto, mudar de natureza. Perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade pelo grau dos representantes de direita ou extrema direita, com suas maracutaias como o orçamento secreto. Medida pelo respeito à constituição, pelos direitos humanos pessoais e sociais, pela justiça social e pelo nível de participação popular, comparece antes como uma contradição de si mesmo do que, realmente, uma democracia consolidada.
Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (2016) para garantir seus privilégios.
O desprezo e o ódio, outrora dirigido aos escravizados, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão.Estas sombras pairam sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.
Com o atual presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido, mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos, como nos costumes, até reacionária e por isso de fácil manipulação política. Dentro da alma de uma porção de brasileiros há um pequeno “bolsonaro” reacionário e odiento. O Jair Bolsonaro histórico deu corpo a esse “bolsonaro” escondido. O mesmo aconteceu com o “Hitler” escondido dentro de uma porção do povo alemão.
As cinco sombras referidas foram agravadas atualmente pela aquisição incentivada de armas na população, pela magnificação da violência até da tortura, pelo racismo cultural, pela misoginia, pelo ódio aos de outra opção sexual, pelo desprezo aos afrodescendentes, aos indígenas, aos quilombolas e aos pobres em geral. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, inclusive acadêmicos e gente da classe média, possam seguir uma figura tão destemperada, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores que perderam entes queridos pelo Covid-19.
Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da categoria dasombra que subjaz às várias crises político-sociais.
A outra categoria é a dokarma.Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas hermenêutico (esclarecedor da vida), valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livroElige la vida(Emecé). Okarmaé um termo sânscrito originalmente significandoforça e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.
Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa, mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista e espírita carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários renascimentos, possa zerar a conta negativa e entrar no nirvana ou no céu.
Para Arnold Toybee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo. As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.
Arnold Toynbee em sua grande obra em dez volumesUm estudo da história[A Study of History] trabalha a chave desafio-resposta (challange – response) e vê sentido na categoria dokarma.Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais, especialmente, da extrema direita brasileira e até internacional, sempre ligando-se à religião de versão moralista e fundamentalista que facilmente chega ao coração do povo, normalmente, religioso.
A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.
Tanto Arnold Toynbee quanto Daisaku Ikeda concordam nisso: “a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual e social começando no coração e na mente, na linha da justiça compensatória, de políticas sanadoras e instituições justas.
Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não desfarão as sombras e o karma negativo. Faz-se mister o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda “é a última realidade”. Algo semelhante diz James Watson, um dos descodificadores do código genético: o amor está em nosso DNA.
Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como em Jair Bolsonaro e em seus seguidores, alguns fanatizados, é incapaz de desconstruir uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Não se trata um veneno com mais veneno ainda. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente e de seus ministros.
Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem a sociedade da força das sombras tenebrosas e dos efeitos kármicos do mal como os grandes sábios da humanidade como o Dalai Lama e os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma o testemunham.
Se não derrotarmos eleitoralmente atual presidente neste segundo turno a realizar-se no dia 30 de outubro, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos, comprometendo o futuro de todos. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.
Estamos seguros de que serão elas que garantirão, assim esperamos, a vitória de Lula que não guarda rancor nem ódio no coração, mas se move pela amorosidade e pela política do cuidado do povo, especialmente dos empobrecidos e de suas necessidades.
A polícia cercou a casa do arruaceiro, que se negou a descer do primeiro andar, e do alto de alguma patente militar desacatou a soldadesca paralisada
Nesta sexta-feira (23), um homem ameaçou pessoas que estavam fazendo campanha para o Partido dos Trabalhadores (PT) nas ruas de Montes Claros, em Minas Gerais.
Segundo relatos, ele apontou uma arma para cima enquanto mostrava o pênis para mulheres que trabalhavam na panfletagem no Bairro São Geraldo, Minas Gerais, quando os militantes passaram por sua rua em frente à sua casa.
A Polícia Militar (PM) foi acionada e afirma que a ocorrência ainda está acontecendo e, por enquanto, não divulgará mais informações.
A esposa do homem saiu para conversar com os policiais, enquanto ele ficou em casa, e vestia uma camisa do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
O morador disse que “não aceita a campanha do PT” em sua rua. Segundo outros moradores, ele tem costume de ameaçar os vizinhos.
Passou o dia 23, 24, 25, 26, 27, e hoje 28, a polícia de Romeu Zema continua muda. Um disciplinado e recatado silêncio, depois que o arruaceiro afirmou que era imbrochável.
Mulheres que promoviam panfletagem, e passantes, não conseguiram ver a bananinha do pm.
Dora Longo Bahia. Senta, 1994 Óleo sobre tela 200 x 290 cm
No Brasil, o estado de exceção é a norma nos territórios precarizados e contra os corpos descartáveis da democracia
por Edson Teles /A Terra É Redonda
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Foi estarrecedor assistir e ouvir as narrativas sobre a morte de Marcelo Arruda. A violência da cena, o resultado dos discursos de ódio, a consideração do outro como inimigo. Ainda mais, o fato de que o criminoso era militante do bolsonarismo e replicava em seu ato o discurso de “guerra do bem contra o mal”, conforme seu líder havia anunciado um dia antes do crime.
A proposição do presidente tem razão em um aspecto: vivemos sob uma guerra! Infelizmente, dezenas de milhares de jovens morrem violentamente todos os anos. E a grande maioria é de pessoas negras. Esse dado se repete em outras esferas, com a aniquilação do acesso à saúde, ao emprego, à educação, ao direito sobre o próprio corpo, à liberdade de expressão, religião e organização.
A fome, a ausência de direito à existência e à vida, sobretudo para a população negra e periférica, é o resultado da guerra colonial ainda em prática no país. E essa guerra é política. Contra os corpos expostos ao sistema do capital, injusto, desigual e, no Brasil, operado por meio de uma lógica patriarcal e racista. Os alvos da escalada bélica são grupos específicos da população, demonstrando o caráter político e direcionado da violência.
Na cobertura jornalística do assassinato de Marcelo Arruda, um velho fantasma da política pós-ditadura foi renovado. Trata-se da ficção de que dois lados extremistas estariam em ação, o que gera a violência e demanda uma saída controlada e de “consenso”, sob o discurso da pacificação e da reconciliação. No programa de domingo da redeGlobo, “Fantástico”, o crime foi apresentado como resultado de extremos políticos. Diversos políticos e autoridades se apressaram em condenar os conflitos entre posições extremas.
Tenta-se igualar a oposição limitada por meio de partidos políticos com as manipulações e atos milicianos ligados às práticas da extrema direita brasileira.
Na passagem da ditadura para a democracia esse fantasma dos extremos chamava-se “teoria dos dois demônios” e justificava a saída controlada do regime civil-militar sem grandes rupturas. Na democracia, em muitas oportunidades se justificam atos de exceção de agentes públicos nas periferias alegando a violência do outro, sempre marginal, traficante, elemento com passagem na polícia, ligado ao crime organizado, entre outras definições do inimigo extremo que o faz suscetível a ser eliminado.
Há, do ponto de vista da política funcionando por meio da guerra, dois elementos que gostaríamos de comentar: as ações ilícitas e genocidas do Estado brasileiro e a produção do inimigo.
Podemos dizer que o crime político de Foz do Iguaçu está relacionado com a chacina da Vila Cruzeiro. Neste segundo caso, em uma ação policial típica na cidade do Rio de Janeiro, pelo menos 25 pessoas foram assassinadas no final do mês de maio, menos de dois meses atrás. O massacre ocorreu durante a vigência da “ADPF das Favelas” (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635), aceita pelo Supremo Tribunal Federal, e que determina, entre outras coisas, a limitação da atuação das polícias nesses territórios.
Quando as polícias, Civil e Rodoviária Federal, invadem o território e promovem o massacre, apesar de o Poder Judiciário ter imposto limites a esse tipo de ação, o Estado está agindo de maneira ilícita e, decorrente dessa situação, fazendo a escolha política pela guerra a determinados segmentos da população. Ao invés de cumprir a Constituição e garantir a esses territórios o acesso à saúde, à educação e a uma vida digna, os agentes públicos corroboram com a existência permanente de um estado de exceção.
Inicialmente viabilizado por mecanismos jurídicos, o estado de exceção tem sua força de lei, ao utilizar a violência do Estado, garantida por medidas legitimadas nas leis do próprio estado de direito. Matar sob forte emoção, legítima defesa dos agentes de segurança, excludente de ilicitude, autos de resistência, entre outros termos, são os nomes que se tem dado ao esforço de tornar lícito aquilo que já é prática ilícita cotidiana. A estratégia de incluir no ordenamento a licença para matar marca uma das facetas da exceção no país, visando produzir mecanismos que instituem a guerra como prática social.
No Brasil, o estado de exceção é a norma nos territórios precarizados e contra os corpos descartáveis da democracia. Entretanto, não necessariamente a norma inscrita na lei, mas a da atuação cotidiana e contínua. É o que demonstra a ação na Vila Cruzeiro, na qual o principal local da violência foi no alto do morro, conhecido comoTerra Prometida.
A exceção permanente e legitimada faz da militarização a autoridade de governo e dos grupos de direita e das milícias os despachantes da violência liberada. É dessa forma que o massacre “prometido” da Vila Cruzeiro se relaciona com o assassinato de Marcelo Arruda. Com a ascensão da extrema direita ao comando do poder Executivo, a prática da exceção e da violência de Estado, historicamente reforçada por seus despachantes, ganhou uma conotação de extrema gravidade.
E esse processo de exceção permanente e de autorização implícita ou explícita da violência só se faz viável por meio da produção do corpo indesejável.
O inimigo, segundo o discurso da violência e do ódio, é polimorfo e se encontra por toda parte, o que permite manter a existência de seu fantasma em qualquer espaço ou relação, pessoal, pública e, como vimos, mesmo entre pessoas que não se conhecem. Não importa quem é o outro, mas o que o outro representa na sociedade cindida pelo racismo, pelo fascismo e pelo patriarcalismo.
A violência de Estado se mostra inseparável de uma violência exercida contra o outro. Nesse sentido, não bastam mecanismos constitucionais de acionamento do estado de exceção, pois se trata da violência bélica anômica e liberada para qualquer esfera. Há que se produzir a sociedade permeada por corpos indesejáveis que supostamente representam um perigo à própria vida dos que se encontram no outro lado.
Se fôssemos fazer um inventário da democracia teríamos que falar sobre uma história de “duas faces”, como nos ensina o filósofo Achille Mbembe: uma “solar” e outra “noturna”. Na vertente “solar” poderíamos falar em uma Constituição cidadã, em consolidação dos valores democráticos, em Estado e políticas sociais, em alternância de poder etc. No vestígio “noturno” da democracia temos de encarar a face do racismo, da violência feminicida, do etnocídio contra os povos originários, da covardia miliciana da direita, do genocídio do povo preto e periférico.
Assim como as favelas do Rio de Janeiro nascem da promessa de uma outra vida que viria após o processo manipulado de abolição, no fim do século XIX, a democracia se viu gestada no país como a elaboração de uma sociedade da “mistura” e da miscigenação, na qual negros e brancos viveriam pacificamente, reconciliando suas feridas do passado. Na terra prometida das últimas décadas de democracia o povo preto e pobre das periferias seguiu experimentando a ditadura da violência e da precarização.
O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, e Jair Bolsonaro durante cerimônia do Dia da República da Índia. Foto: Alan Santos/PR
Em 20 anos, a Índia foi de promessa democrática ao um regime autoritário que proíbe dissidentes e trata minorias religiosas como cidadãos de segunda classe
NA VIRADA DO MILÊNIO,tendo a Índia como inspiração, o economista indiano e prêmio NobelAmartya Senescreveu umartigono prestigioso Journal of Democracy sobre como a democracia se tornava um valor universal. Era uma fase de otimismo, quando economias emergentes despontavam como grandes promessas democráticas.
Para Sen, junto com o consistente crescimento econômico, a Índia estava sabendo tratar as diferenças políticas dentro dos parâmetros constitucionais, e os pleitos eleitorais garantiam a alternância de poder. O país superava o enorme desafio de lidar com sua diversidade de linguagens e religiões. O problema da exploração da fé por políticos sectários estava sendo contornado. Mas Amartya Sen alertava que a prosperidade do país dependia da estabilidade religiosa – além de hindus, a Índia tem a terceira maior população islâmica do mundo, além de cristãos, budistas,siques,parsisejainistas. Touché.
Em 20 anos, o cenário mudou radicalmente. A Índia, assim como o Brasil, foi “da esperança ao ódio” em queda livre. Passou de grande potência democrática a um regime autoritário, que proíbe manifestações e persegue a imprensa livre – a imprensa é chamada de“presstitute”. O mesmo Journal of Democracy agora traz umartigoargumentando que, ainda que o país mantenha eleições regulares, todo o restante que constituiria uma “democracia liberal” se esvaeceu, como a garantia da liberdade ao debate e o funcionamento equilibrado das instituições. A professora Nikita Sud, da Universidade de Oxford, vai mais longe edizque os fatos recentes questionam o status democrático e acenam ao autoritarismo.
Vozes que contestam o regime do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, são chamadas de traidoras, inimigas da nação, anti-Índia. Mais grave ainda é o estado legitimar massacres de turbas nacionalistas contra minorias religiosas, especialmente muçulmanas. Em 72 anos de independência, o país vive uma de suas mais profundas crises. Só nos últimos dias, foram mais de40 mortos e milhares de feridos.
Em recente entrevista para a revista New Yorker, o próprio Sen realiza uma jornada autorreflexiva sobre as transformações da Índia e o que teria dado errado. Consternado, ele comenta que hoje a maioria de seus amigos tem medo de se comunicar pelas redes sociais por serem vigiados. Ainda sem respostas fechadas sobre a crise democrática, ele acredita ter subestimado a importância da secularização nas democracias.
Em uma reportagem doGuardiansobre como supremacistas hindus estão dividindo a Índia, a cientista política Niraja Jayal afirma que, como seria impossível expulsar milhões de pessoas do país, o governo agora tenta consolidar o papel de subordinação dos muçulmanos. Essa unificação imposta de cima para baixo não entrega o desenvolvimento econômico almejado por todos, mas responde ao ideal de uma comunidade hindu pura, limpa e paternal. O que está em jogo nessa arbitrariedade, em última instância, é o desejo de decidir quem pode e quem não pode ser indiano.
Foto: Jewel Samad/AFP via Getty Images
Modi e a pureza étnica
A violência religiosa não é nova na Índia. Massacres ocorreram em 1984 e 2002. No último, mais de 1 mil pessoas (800 muçulmanas) morreram. Na época, Modi era governador de Gujarat, no oeste da Índia, e éacusado de ter incentivadoos ataques. Como em 2002, a atual onda de violência também está sendo legitimada pelo governo, encabeçado por Modi, o que torna a situação atual grave e inédita.
A derrocada democrática na Índia começou em 2014, com a eleição de Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, o BJP, de orientação nacionalista hindu. Uma tese que avaliei na Universidade de Oxford (não citarei o autor por razões de segurança), feita com base em pesquisa etnográfica em uma sede do BJP, não deixa dúvidas que a Índia foi pioneira na instalação de um “gabinete do ódio”, especializado em espalhar notícias falsas e memes discriminatórios e que incitam a violência contra inimigos internos, principalmente esquerdistas e muçulmanos.
Como no Brasil, muitos se perguntam quem são os eleitores de Modi e do BJP e se surpreendem em ver o quanto de gente que saiu do armário e passou a falar sem medo sobre os “infiltrados da nação”. Assim como Bolsonaro, o primeiro-ministro ocupou o debate público, na primeira eleição, com um discurso contra a corrupção, tendo como alvo os escândalos da administração anterior. Comoanalisaa professora Nikita Sud, Modi é obcecado pela ideia de limpeza: das ruas da capital Délhi, da corrupção e da questão ética, reproduzindo o fanatismobrâmanepor pureza. Nada mais anti-Índia do que a era Modi: a “Nova Índia” é hindu, com religião e linguagem única e não celebra sua diversidade étnica e cultural.
Um parente de Rahul Thakur, 23 anos, que morreu nesta semana nos ataques de gangues extremistas na capital Nova Délhi, antes da cremação do jovem. Foto: Money Sharma/AFP via Getty Images
O estopim para o massacre
Em 2019, o parlamento indiano aprovou umaemendaà lei de 1955, que garantia cidadania a imigrantes de diversas minorias religiosas, sem discriminá-las – a lei significou um passo importante no sonho de construir uma Índia diversa e não dividida. A emenda deu um passo atrás ao excluir a cidadania a muçulmanos oriundos do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão.
Como resposta à emenda, a população reagiu. Foram mais de 70 dias de protestos pacíficos, em grande parteliderados por mulherese jovens indianas, quereinventam a cena da resistência no país. Mas a polícia reprimiu com violência: cortou sinal da internet nas ruas, prendeu e bateu nos manifestantes. O governador de Uttar Pradesh, Yogi Adityanath, pediu “revanche” contra quem foi às ruas.
De um lado, há protestos. De outro, há ataques brutais contra quem protesta. Mas, como é bem conhecido por nós brasileiros, a narrativa da mídia hegemônica nem sempre discute a assimetria. Há uma insistência emretrataros eventos como “confrontos” da “polarização”, enquanto acadêmicos e ativistas não têm dúvida de que se trata de um massacre unilateral de grupos supremacistas contra minorias. A leniência e incentivo do estado indiano a todo esse horror são um fato. Cotidianamente, autoridades dão depoimentos incendiários e já há infindáveis registros que mostram a polícia observando e sendo cúmplice dos massacres.
Os mais recentes, dos últimos dias, têm ocorrido em Délhi, que está com as emergências de hospitais lotadas. Encapuzados atacam homens e mulheres sozinhos. Colocam fogo em pessoas. Lincham-nas, quebram suas mãos e membros, chamam-nas de traidores e inimigos enquanto gritam “Jai Shri Ram”, slogan nacionalista. Também há muitos registros de linchamento de pessoas comendo carne de gado (já que a vaca é um animal sagrado para os hindus) e depredação de casas e mesquitas.
Sem entregar a promessa econômica, os supremacistas insistem em viver do ódio
Umataque emblemático ocorreu início de janeiro, na Jawaharlal Nehru University, a JNU, uma das mais tradicionais, críticas e progressistas universidades da Índia, que desperta o ressentimento dos nacionalistas. Cerca de 60 homens entraram encapuzados no campus, com pedaços de pau, gritando “atirem nos traidores”. As câmeras filmaram tudo, inclusive a polícia deixando os agressores agirem.
As turbas são milicianas. Seus sujeitos pertencem à organização não partidária nacionalista Rashtriya Swayamsevak Sangh, aRSS, que buscaarquitetar um estado-nação hindu. Fundada em 1925 por membros ligados ao fascista italiano Benito Mussolini, hoje, estima-se, tem 6 milhões de filiados.
Um aspecto que me chama atenção em particular, por minha própria trajetória de pesquisa sobre a juventude bolsonarista, é o apelo que a RSS tem entre os jovens. Como mostra a investigação do jornalista Samanth Subramanian, Akhil Bharatiya Vidyarth Parishad, a ABVP, é a ala jovem da RSS que atua perseguindo outros jovens. Interessante perceber que, por muito tempo, eles tinham vergonha de se mostrar e eram minoria na progressista JNU. Mas desde a virada do milênio, precisamente quando a extrema direita passa a se organizar no mundo e ganhar proeminência, eles começam a ganhar eleições em diretórios.
Os paralelos com minha pesquisa e de Lucia Scalco sobre juventude periférica em Porto Alegre são reveladores e merecem um futuro aprofundamento. Por ora, basta notar que tanto afigura empresarialde Modi quanto a organização miliciana têm atraído milhões de jovens homens desempregados por causa da recessão, um exército de frustrados sofrendo de uma dupla crise de provedor e masculinidade. Esses homens se aliam à milícia e se radicalizam como vingança ao sonho de futuro interrompido. No Brasil, vimos o germe dessa atitude entre jovens que se aliaram ao bolsonarismo.
Isso ocorre justamente em uma época de baixo crescimento econômico – estima-se uma taxa de 5% este ano, a taxa mais baixa em 11 anos – e aumento significativo da pobreza. Em plena recessão, sem sinais de recuperação, diversos analistas notam que, para o governo Modi, polarizar é justamente o objetivo para manter as bases mobilizadas na política da inimizade interna. Sem entregar a promessa econômica, os supremacistas insistem em viver do ódio – e qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Foto: Alan Santos/PR
Não é à toa que Bolsonaro foi oconvidadono Dia da República da Índia em 2020. Os dois líderes têm muito em comum no discurso vazio anticorrupção, na incompetência econômica na promoção de desenvolvimento, no desrespeito às liberdades políticas e civis, na forma como lidar e deslegitimar a imprensa e os fatos científicos e, principalmente, a simpatia por grupos milicianos e paramilitares. São autoritários que afundam seus países no obscurantismo e enterram o sonho de um mundo multipolar de economias emergentes e democráticas, as quais serviam de referência para o resto do mundo.
Num campo progressista que se pretende descolonial, discutir a situação do nossos irmãoBRICSdeve ser uma prioridade. Muitos fatos na Índia nos refletem como um espelho, outras nos ensinam importantes lições. Dentre as lições, destaco uma: a de que a reeleição de Modi em 2019 teve impacto direto na escalada da violência e a subsequente legitimação da sanha autoritária do estado indiano.
Nota: agradeço à ajuda dos colegas e amigos Nikita Sud, Tatiana Vargas Maia e Fabrício Pontin na apuração deste texto.