Estimada leitora, ou estimado leitor, data vênia, eu estava completamente errado. Perdoe-me por levar 49 anos e oito meses para percebê-lo. Felizmente, não há mal que tanto perdure, haja vista o cultivo da ciência e da cultura favorecido pela evidente harmonia social que nos une – como se percebe no modo como cultivamos a democracia, a laicidade e o combate aos preconceitos, ainda que persistentes.
Desculpe-me por citar um livro meio antigo, mas Aristóteles ensinava, naPoética, que oethosdo herói se forja nos momentos de escolha. Eis, portanto, o relato da minha decisão, para registro e reconhecimento de firma: “A esta altura desta vida mirrada, frente a acontecimentos tão egrégios, rasgarei todas as camisetas e camisas-polo avermelhadas; farei a mochila vermelha em pedaços; depositarei o novo estojo de lápis vermelho na lixeira mais próxima (nunca se sabe a consequência de doá-lo para outra vítima)”.
Ficou bom assim? Digo mais. Felizmente, sempre achei cueca vermelha cafona e, por sorte, ou graça de deus, nunca recorri a meias vermelhas, pois não teria o que combinar com elas. Melhor ainda, tive três automóveis: um deles era cor de chumbo; o segundo, bordô; o terceiro, vermelho vivo (não por minha culpa, mas por recomendação da concessionária). Ainda bem que me desfiz de todos eles. Não haverá melhor ginástica que correr atrás do ônibus e trabalhar o peitoral, esmagado entre gentes, quando no metrô. Mas conversávamos sobre arrependimento contrito. Voltemos ao tema.
Ao me livrar do vermelho e dependurar a bandeira com as cores de Bragança no lustre, tento imitar um sujeito relativamente ilustre do século V. Quando se converteu ao cristianismo, Santo Agostinho gastou centenas de páginas para contar a sua infância e sua curiosa relação com os maniqueus. Se me permite o reparo, note como sou inovador. Levo sobre ele a vantagem de fazê-lo em cinco ou seis parágrafos, o que me aproxima de um Brás Cubas, mas também do Quincas Borba, quando escreve uma carta violenta (e que faz rir) ao futuro herdeiro Rubião.
Convenhamos: tão elevado poder de síntese só se explica de duas formas: (1) como não sei um milésimo do que o Bispo de Hipona sabia, nada mais justo que me limitar a um brevíssimo artigo de autocensura; (2) a tomada de consciência ufano-patriótica e moral teísta permitirá que eu transite pelas ruas da Pauliceia em segurança, evitando que os brutamontes, em bandos, convertam-me a votar em outro candidato a tapas.
Você não imagina como está sendo libertador subordinar-me compulsoriamente a um regime totalitário, destruidor, mitômano, sádico, piegas e negacionista. Mas, para isso, é preciso disciplina e coragem. Acima de tudo, será preciso abandonar qualquer espírito crítico; simultaneamente, evitar discutir a concepção unidimensional dos apologetas do neonazismo em São Paulo e no Brasil.
Nada será mais tranquilizante que trabalhar (se ainda houver emprego) até os estertores da morte: sensação quase eterna de produtividade. Puxa, somente agora ocorreu que preciso recusar o convite honroso a prefaciar livros; evitar a redação de artigos não lucrativos ou sem serventia; deixar de orientar alunos de iniciação científica, do mestrado e do doutorado (especialmente aqueles que levam a pesquisa tão a sério que não podem continuar a fazê-lo sem bolsa). A acusação de que sou desocupado por contar com duas “férias” por ano talvez faça sentido para um sujeito antiuspiano.
Mas, de volta à paleta de cores. Acabo de perceber que terei que destruir omousevermelho sangue, para que o próximo prestador de serviços que porventura vier não irradie misérias a esse respeito e despeje meu nome no cadastro dos inimigos doFührer– sujeito tão patriótico que deseja compartilhar o pouco que resta do território com os ricos irmãos do Norte. Puxa, agora lembrei que a sanduicheira tem coloração rubra. Deixe-me pegar o martelo novamente. Pronto. Nenhuma ameaça imediata. À vontade. Pode entrar. O apartamento é modesto. Vossa mercê não repare na bagunça. Aquela loucinha é de hoje cedo. Madruguei para vender aula… Ah, não lhe contei que sou profissional e não amador? Sabe o que é? Como não tenho patrocínio, por não ser tão bom esportista, preciso vender minha força de trabalho. Sim, leio e escrevo, basicamente.
Você viu como não sobrou qualquer eletrodoméstico, utensílio ou cartaz subversivo por aqui? Deve ter sido a intuição que mandou encomendar estantes e prateleiras brancas… Como é? Aquele livro lá em cima? Perdoe-me: como estou sem óculos não consigo discernir bem. Imagine se eu teria um nicho com obras de Friedrich Engels e Karl Marx na sala de visitas! Jamais… Coisas ultrapassadas e de mau-gosto. Ah, bem, não foram esses que você viu… Puxa, tem razão: ainda tenho uns treze livros de lombada vermelha, incluindoA Nova Razão do Mundo, de Dardot e Laval. De que ele trata? Como lhe respondo sem me comprometer? O senhor releve: mal me recordo do teor. Deve ser o cansaço diário, despendido em variadas formas de resistência.
Não, não. Não frequento terreiro. Mas, sua senhoria me perdoe: também passo longe dos templos. Igreja? Raro, raro: quando entrava em uma era mais por interesse histórico. Isso, isso: coisa de professor. Ultimamente, evito entrar, mesmo. É que, vez ou outra, aparecem sujeitos que gostam de ofender os padres. Não é crítica, não. Foi o que li em alguns jornais e escutei dos depoimentos. Nesse aspecto, estou mais tranquilo. Tento ser virtuoso, a despeito do ateísmo. Acho, inclusive, que meu CPF está limpinho. Oscorenão é tão alto porque estou pagando pelo novo financiamento habitacional. Sabe como é, né? Somos tão bem remunerados, tão bem reconhecidos pelo nosso ofício que mantenho conta em dois bancos para me distrair.
Ah, agora você está curioso por minha vida pessoal? Sem problema algum. O que quer saber? Mande lá… Sim, fui casado. Hoje só namoro, entende? Ah, estou em pecado? E rachadinha, também é errado? E sigilo secreto? Ah, não vem ao caso… compreendo: são os velhos-novos critérios do desgoverno. Puxa, então preciso correr. Longe de mim buscar encrenca com os cidadãos de bem.
Quero deixar minha vida em ordem, em perfeito acordo com os costumes da santa inquisição neopentecostal, também importada dos EUA, feito Coca-Cola, quadrinhos e pipoca de micro-ondas. Vai que vossa senhoria manda um emissário da ordem e dos bons costumes revistar o apartamento. Darei um basta exemplar nessa relação perniciosa com a guria, levando a ela não provas, mas convicções. Senão hoje, amanhã faço isso na primeira hora. Como? Convoco a sujeita para uma entrevista e digo que está tudo terminado. Você tem razão: preciso evitar que volte a pintar um clima.
Dom Odilo foi criticado por seguidores porque, em sua foto no Twitter, usa trajes religiosos vermelhos
por Edison Veiga /BBC News
O cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, figura aos 73 anos no alto da hierarquia católica. Com um currículo sólido, ele mantém um relacionamento muito próximo com os que vivem no Vaticano — papa Francisco, inclusive.
Scherer comanda a Arquidiocese de São Paulo desde 2007 e, no mesmo ano, foi feito cardeal — atualmente, há apenas oito brasileiros nesse seleto grupo da alta cúpula da Igreja. Em tempo de nomeação, só perde para o arcebispo-emérito de Salvador, dom Geraldo Majella Agnelo, que ascendeu ao colégio de purpurados em 2001.
No último domingo (16/10), Scherer foi alvo de ataques nas redes sociais motivados pelo atual clima político do país, em que a religião vem ganhando cada vez mais espaço na campanha eleitoral.
Ele foi criticado por seguidores porque, em sua foto no Twitter, usa trajes religiosos vermelhos. De acordo com os detratores, isso significaria um apoio ao Partido dos Trabalhadores (PT), do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, pela coincidência com a cor da legenda.
"Se alguém estranha minha roupa vermelha, saiba que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à Igreja e a prontidão ao martírio, se preciso for. Deus abençoe a todos", escreveu ele.
Ainda na rede social, Scherer demonstrou preocupação com o atual momento político. "Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!", postou no mesmo dia.
Em entrevista à BBC News Brasil na quarta-feira (19/10), dom Odilo explicou como vê a cena política atual. "Os ânimos estão muito acirrados. Há um envolvimento muito claro, eu diria assim, com as religiões. As igrejas, sobretudo as cristãs, foram arrastadas para dentro do debate. Não só do debate, o que seria legítimo, mas para a briga política."
Na visão do cardeal, há sinais de fascismo na cultura brasileira atual. "É uma doutrinação, eu diria até mesmo, de ideias fascistas ou fascistoides, que agora se expressam de alguma forma dentro dessa polarização política", afirma, citando o exemplo do debate político em que candidatos são retratados como "o bem" e "o mal".
"Existem claramente causas em que precisamos ter uma definição: não podemos ser mais ou menos a favor da vida, mais ou menos a favor da justiça; a gente precisa ser a favor. Porém, isso não nos deve levar a demonizar quem pensa diferente ou quem tenha argumentos diferentes".
Dom Odilo vê riscos para a democracia do Brasil, mas diz esperar que ela resista. "Tem havido manifestações, não agora simplesmente neste momento, mas de mais tempo para cá que apontam para esse risco. Por exemplo, o questionamento das instituições. Não um questionamento qualquer, mas uma forma de ameaça às instituições democráticas", afirma.
"Isso, sim, indica um risco, um risco para as instituições democráticas. Mas eu espero que isso não aconteça. O Brasil tem resistido a essas, digamos, ameaças. Creio que nossa democracia aguentou bastante e vai aguentar também essa. E vai se sair melhor."
Ao longo de toda a conversa, Scherer demonstrou um especial cuidado em não mencionar, nominalmente, nem o candidato a reeleição Jair Bolsonaro (PL), nem o seu oponente, Lula. "Os clérigos, aí me refiro aos diáconos, aos padres, aos bispos, eles devem se abster de expressar opção partidária e até mesmo por candidatos."
Edison Veiga entrevista dom Odilo Scherer
BBC News Brasil - Nos últimos dez dias, observamos uma série de acontecimentos de natureza político-partidária no meio da Igreja Católica. Houve a confusão quando a comitiva de Bolsonaro esteve na Basílica de Aparecida, no dia 12 de outubro, missas interrompidas por manifestações partidárias e, no último domingo, o senhor foi atacado porque demonstrou preocupação com acirramento dos ânimos no contexto eleitoral. O que está acontecendo com os cristãos brasileiros?
Dom Odilo Scherer -Estamos em campanha eleitoral, este é o contexto. E o que está acontecendo é que os cristãos acabaram sendo envolvidos na polarização político-ideológica que é geral, que não é só brasileira, e isso está se expressando agora de maneira toda especial na proximidade do segundo turno das eleições presidenciais. Os ânimos estão muito acirrados. Há um envolvimento muito claro, eu diria assim, com as religiões. As igrejas, sobretudo as cristãs, foram arrastadas para dentro do debate. Não só do debate, o que seria legítimo, mas para a briga política.
BBC News Brasil - No Twitter, o senhor citou uma preocupação como avanço do fascismo no Brasil. Que setores fascistas seriam esses? O que seria esse avanço?
Scherer -Existem sinais, que não são de agora, naturalmente, que vêm de mais tempo, de certa tendência fascista, sim, que está na cultura. É uma doutrinação, eu diria até mesmo, de ideias fascistas ou fascistoides, que agora se expressam de alguma forma dentro dessa polarização política. Isso se expressa de forma muito especial nessa absolutização de um pensamento sem permitir interlocução serena com quem pensa diferente. Essa absolutização é configurada como luta entre "o bem" e "o mal", de modo genérico, e como tal se apresenta alguém que é detentor ou identificado como aquele que é promotor "do bem" e outro identificado como o promotor "do mal". E quem adere politicamente ao que promove "o bem" é tido como "do bem". E quem é identificado como apoiador de quem supostamente promove "o mal" é tido como "do mal".
Isso é absurdo. O próprio papa Francisco tem dito que o bem não está todo de um lado nem o mal está todo de um lado. A coisa não é tão simples nem tão clara, tão preto no branco. Existem claramente causas em que precisamos ter uma definição: não podemos ser mais ou menos a favor da vida, mais ou menos a favor da justiça; a gente precisa ser a favor. Porém, isso não nos deve levar a demonizar quem pensa diferente ou quem tenha argumentos diferentes e levar à instrumentalização das massas em função do pensamento, digamos, ideológico e, claro, com o objetivo de alcançar o poder, tornar as massas irrefletidamente fanáticas em torno de uma proposta ou de um determinado projeto.
Isso claramente não está dentro do esquema democrático, está indicando mais para regimes totalitários do que para sistemas democráticos, abertos, que aceitam o contraditório e que aceitam conviver com o plural, sem a pretensão de eliminar, pelo menos culturalmente ou idealmente, quem pensa diferente. Nossa sociedade é pluralista em todos os aspectos, temos de reconhecer e aceitar. A manipulação da religião é o que está acontecendo muito fortemente. A meu ver este é um fator preocupante.
O que se queria evitar de nossa parte, pelo menos da parte da Igreja Católica, acabou acontecendo: o envolvimento mais explícito, até mesmo de clérigos, que devem se abster. Isso não significa que o povo católico não tenha posição política, partido, candidato… Claramente, é um direito do povo católico fazer isso. Mas os clérigos, aí me refiro aos diáconos, aos padres, aos bispos, eles devem se abster de expressar opção partidária e até mesmo por candidatos. Isso é da norma da Igreja, porque divide a comunidade. Temos de promover a comunhão da comunidade na sua pluralidade e não podemos pôr a perder valores maiores por causa de uma disputa política.
BBC News Brasil - A manifestação partidária de clérigos é inclusive proibida pelo Código de Direito Canônico, certo?
Scherer -Sim. É contrário às normas da Igreja.
BBC News Brasil - E o que vem sendo feito, no caso da sua arquidiocese, para coibir ou punir casos de padres e bispos que estejam se manifestando a favor de algum candidato?
Scherer -As coisas estão acontecendo. Depois de acontecidas, a gente vai resolver o que faz. Naturalmente, estamos no fervor dos fatos, mas isso merecerá claramente uma reflexão de nossa parte, na medida que estiver em nosso alcance. A gente está tentando justamente controlar isso, mas, claramente, fugiu do controle.
BBC News Brasil - Existe punição prevista para casos assim?
Scherer -O uso [político-partidário] da palavra na igreja, no púlpito, na hora da celebração é proibido, até pela lei [eleitoral] brasileira. E, portanto, tem sim, sanções canônicas que podem ser de uma censura até de uma suspensão se o caso for para tal.
BBC News Brasil - Os casos concretos ainda serão analisados?
Scherer -Claro, os canonistas precisam olhar claramente. Mas, no momento, não estamos, porque, claramente, o assunto ainda está acontecendo. Não tem como fazer isso agora… Esta iniciativa será tarefa para depois.
BBC News Brasil - No mês passado, o senhor esteve no Vaticano com o papa Francisco. Ele demonstrou alguma preocupação com o período eleitoral brasileiro?
Scherer -Certamente o papa está muito informado sobre o que vem acontecendo em todo o mundo e, portanto, antes que nós falássemos, ele já sabia. Está acompanhando o que está acontecendo com o Brasil. Isso foi assunto também de nossa conversa com o papa em nossa visita a ele.
BBC News Brasil - Algo de concreto dessa conversa pode ser tornado público?
Odilo Scherer -Não há nada de especial a não ser informações sobre o que se passa na campanha eleitoral, sobre as tendências que estão presentes e como o povo católico está se posicionando… Essas questões…
BBC News Brasil - Voltando à questão de que os padres não podem se manifestar partidariamente: em um contexto em que determinados religiosos estão pedindo votos abertamente, quem fica em silêncio não pode dar a entender que toda a Igreja está fechada com determinado candidato? Qual a postura mais adequada, então, nesse caso específico?
Scherer -Permanece válido o que a Igreja continua a dizer. Infelizmente, nem sempre isso é observado. No calor da campanha eleitoral, muitas vezes se esquece essa recomendação, que não é só uma recomendação, para os padres. Agora, a Igreja não deve ser identificada somente como os clérigos. A Igreja é o povo. E o povo tem o direito e até o dever de participação política, partidária, de se manifestar em favor de candidatos. Isso está no pleno direito do povo católico. São os clérigos — os diáconos, os padres e os bispos — que não devem, para não dividir a comunidade.
BBC News Brasil - Em períodos eleitorais, acabam sendo explorados com mais força alguns temas que são caros à doutrina católica, como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como tratar disso?
Scherer -Nas igrejas, essas temas são tratados como temas morais, e, naturalmente, a posição da Igreja em relação a eles é conhecida. E, mesmo em tempo de campanha eleitoral, nada impede que se trate e continue a tratar desses temas, que são temas morais, não são temas políticos em primeiro plano. Claro que, no tempo da campanha eleitoral, acabam sendo politizados, o que é uma pena. Pareceria que quem ganha a eleição então ganha a posição política em relação a determinado tema. Não, os valores morais são universais, não são valores de partido ou de governo. São valores universais que devem valer para todos os partidos, independentemente de quem ganha a eleição.
Por isso, é uma pena que se faça politização de valores morais. Esses deveriam valer para todos, e não simplesmente serem trazidos para a campanha político-partidária. Mas é inevitável que isso aconteça. Então, ao se falar de valores e posições da Igreja em relação a valores morais, nem por isso a Igreja está fazendo campanha partidária. Está falando de suas convicções e de sua doutrina, e isso vale tanto para clérigos quanto para leigos.
BBC News Brasil - Mas há alguma orientação aos católicos, no sentido dos valores morais, para ajudar a nortear a escolha dos candidatos?
Scherer -Como em tudo, a moral não se impõe. Ela se propõe. Como uma questão de princípio. E cada um deve escolher, em sua consciência, e aderir a esses valores em consciência e depois responder em consciência, diante de si, diante dos outros e diante de DEus.
BBC News Brasil - O posicionamento da Igreja é o mesmo quando a gente coloca a questão do armamentismo?
Scherer -Certamente. Esta também é uma questão moral, sim.
BBC News Brasil - Muitos cristãos que defendem o porte de armas acabam citando uma passagem do evangelho de Lucas, onde Jesus orienta seus seguidores a venderem suas capas e comprarem uma espada. Como explicar esta passagem à luz do atual debate?
Scherer -Tem que estudar melhor o significado dessa expressão no contexto do Evangelho. Jesus não justifica de forma nenhuma o armamentismo com isso. Jesus, naquele momento, fala da força interior que se deve ter para testemunhar em favor da fé, do Reino de Deus que ele está trazendo e convidando a aderir. Jesus não está convidando ninguém a fazer guerra contra os outros.
BBC News Brasil - Por que a pauta religiosa se tornou tão preponderante neste ano eleitoral?
Scherer -Na verdade, ela aparecia antes também. Mas acredito, interpretação minha, que é porque o uso da religião, do nome de Deus e assim por diante é muito frequente por parte de um dos candidatos. Isso é público e é conhecido. E isso se tornou argumento da campanha eleitoral.
BBC News Brasil - Este mesmo candidato, que o senhor não cita nominalmente, insiste que há uma perseguição a cristãos no Brasil. O senhor concorda?
Scherer -Existe, de fato, sim. Ultimamente, tem aparecido. Até na Basílica de Aparecida, houve uma forma de desrespeito ao momento religioso, ao momento de culto dentro da Basílica[aqui, Scherer se refere aos apoiadores do candidato à reeleição Jair Bolsonaro que causaram confusão durante as celebrações de Nossa Senhora Aparecida no feriado alusivo a ela, no último dia 12]. Há outros momentos em que pessoas interrompem missas para provocar ou, então, criar arruaça dentro da celebração. Isso são manifestações de intolerância, se não são de perseguição. São de intolerância. E a intolerância é muito preocupante. Por isso mesmo é perigoso tornar a religião de alguma forma instrumento de busca do poder e argumentar com base em argumentos religiosos para conseguir o voto das pessoas. Isso é perigoso e pode desencadear consequências incontroláveis depois.
BBC News Brasil - Consequências incontroláveis? O senhor enxerga algum risco para a democracia no Brasil?
Scherer -Tem havido manifestações, não agora simplesmente neste momento, mas de mais tempo para cá que apontam para esse risco. Por exemplo, o questionamento das instituições. Não um questionamento qualquer, mas uma forma de ameaça às instituições democráticas. Um poder contra outro poder. Ou até pretender ter um controle total sobre o Judiciário, por exemplo. Isso, sim, indica um risco para as instituições democráticas. Mas eu espero que não aconteça. O Brasil tem resistido a essas, digamos, ameaças. Creio que nossa democracia aguentou bastante e vai aguentar também essa. E vai se sair melhor.
BBC News Brasil - Qual o papel da Igreja Católica na contribuição ao fortalecimento desse processo democrático?
Scherer -Primeiramente, a Igreja tem um papel próprio. Não é um papel político-partidário. A Igreja, e aí também a Conferência dos Bispos [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB], não é um partido, não é uma facção a favor ou contra o governo. A Igreja é povo. E, na Igreja, existem pessoas de várias cores partidárias, legitimamente. A Igreja, por isso mesmo, é inclusiva. Não é seletiva de ideologias ou de partidos, de posições partidárias. A Igreja está no meio do povo, é o povo. É dos que aderem a ela e estão batizados, portanto, fazem parte dela. Por isso, a Igreja está na sociedade, é parte dela, e, através da ação da Igreja, ela procura educar — a palavra parece meio inadequada neste contexto, mas o trabalho de evangelização é, sim, um trabalho de formação das pessoas em função de valores, de reconhecimento do próximo e da dignidade humana, dos valores de justiça e retidão. Este é o papel formador que a Igreja tem na sociedade.
A Igreja, através de suas múltiplas formas de presença, está na sociedade como colaboração. Ela não substitui nem a sociedade nem o governo. A Igreja não é uma coisa separada da sociedade, está dentro da sociedade, com creches, hospitais, escolas, com inúmeras iniciativas de presença junto aos pobres, doentes, etc. Então, dessas formas, a Igreja está colaborando, contribuindo para uma vida melhor na sociedade. Com o governo, a Igreja está disponível para colaboração naquilo que é legítimo e possível. E aí não tem o governo A ou B. Com qualquer governo, quando isso seja possível e coerente com aquilo que é a sua convicção.
BBC News Brasil - E qual o papel da Igreja no período eleitoral?
Scherer -A Igreja tem dado orientações quanto a parâmetros, balizas que devem orientar a busca do voto, ou então a quem dar o voto. A escolha dos candidatos, quais os critérios que, segundo a convicção da Igreja, deveriam ser levados em consideração na escolha. Isso a Igreja faz, tem feito.
Damos, naturalmente, critérios que possam ajudar os cristãos que queiram ter referências. E o povo espera isso, pede, quer referências para a escolha dos candidatos. Claro que o povo queria muitas vezes ouvir "vote em A", "vote em B". Normalmente, não fazemos isso, porque a gente sabe que a nossa indicação já introduziria a divisão na comunidade. Oferecemos critérios pelos quais as pessoas devem se orientar. São aqueles que normalmente já são conhecidos. Primeiramente, olhar a capacidade, a idoneidade moral do candidato que se apresente. Depois a sua, diria assim, sua ficha, seu histórico, se ele merece a nossa confiança, se ele representa nossas convicções.
Depois, por outro lado, claro, aquele programa que ele tem ou defende, ele ou o partido ou o conjunto de partidos. Esse programa vai bem? Ele contraria nossas convicções? São essas coisas que a gente propõe normalmente. Além de ter oferecido critérios que, esperamos, tenham todos, agora a gente está fazendo o papel de acalmar os ânimos. Para evitar que, no calor da campanha, se produzam lacerações nas relações sociais, humanas e até mesmo dentro das famílias, comunidades cristãs que, depois, dificilmente serão superadas.
Entendemos que há valores que vão além de uma campanha eleitoral. Claro que, em uma campanha, temos muitas coisas em jogo e muitas coisas apreciáveis. Porém, depois da eleição, temos de continuar vivendo, temos de continuar a viver juntos. E só um pode ganhar. Quem ganha deve governar, e esperamos que governe bem. E quem perde vai para a oposição, que controle quem governa e faça seu papel. Por outro lado, é preciso compreender que, no Brasil, temos um regime democrático, republicano, presidencialista. Não somos parlamentaristas e muito menos imperial, portanto o presidente não pode tudo. O presidente não governa de maneira absoluta, e nem queremos que governe de maneira absoluta. Tem de levar em conta os outros dois poderes, o Congresso e o Judiciário. E levar em conta a população. O grande poder é o povo, e o próprio povo deve controlar quem governa, em todas as instâncias e acompanhar as ações do governo e ver se estão de acordo com aquilo que o povo pretende. Que o povo se manifeste também depois das eleições. Nosso voto é apenas uma parte do processo político. Nossa participação política não termina na urna. Ela continua depois, ao longo de todo o governo.
BBC News Brasil - Quando o senhor diz "nossa participação", inclui também a Igreja como instituição?
Scherer -Exatamente, o papel político dos organismos da Igreja é legítimo, não é negado. Ele é previsto e reconhecido pelas instituições da sociedade. Gostaria de acrescentar uma palavra que o papa Francisco tem usado e que se aplica bem ao período eleitoral: que os adversários não sejam considerados inimigos. Adversários políticos pensam diferentes. Mas não devem ser considerados inimigos, porque isso depois cria situações realmente não só constrangedoras, mas insuportáveis e insustentáveis. Deve prevalecer a amizade social, o respeito e a tolerância. E cada um que lute por aquilo que acredita. Esperamos que seja assim.
Bolsonaristas discutindo com jornalista da TV Aparecida, durante festividades no santuário
O homem manda que o cinegrafista o filme, enquanto outros apoiadores do presidente gritam "é Bolsonaro" ao fundo; apoiadores do presidente fizeram confusão no Santuário Nacional de Aparecida
Nesta quarta-feira (12), durante as celebrações no dia deNossa Senhora Aparecida, no Santuário Nacional de Aparecida, em São Paulo, apoiadores do presidenteJair Bolsonaro (PL)discutiram com jornalistas e fizeram confusõesdurante a celebração.
Em um momento, um homem quediscutia com jornalistas da TV Aparecida, canal de conteúdo religioso, mostrou umacaneca com a foto de Bolsonaroe gritou"Deus está aqui, olha!", apontando para a imagem do presidente.
O homem manda que o cinegrafista o filme, enquanto outros apoiadores do presidente gritam "é Bolsonaro" ao fundo.
Bolsonaristas hostilizam imprensa no Santuário Nacional de Aparecida -Reprodução / Twitter
CONFIRA VÍDEO DO MOMENTO EM QUE HOMEM DIZ QUE BOLSONARO É DEUS confira aqui
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Padres estão sendo hostilizados por apoiadores do presidente Bolsonaro após pregarem contra o ódio nas eleições Cardeal Dom Odilo teve que vir às redes sociais explicar que sua roupa vermelha não significava "comunismo" e sim uma roupa tradicionalmente usada por cardiais.
Histerismo fanatismo
Dom Odilo Scherer sofre ataques após reflexão sobre brigas políticas
Dom Odilo Scherer, cardeal e arcebispo metropolitano de São Paulo, usou o Twitter para publicar uma reflexão sobre conflitos políticos entre amigos e familiares nesse domingo (16), e foi alvo de críticas. Ele chegou a ser chamado de “comunista” por usar roupas vermelhas, e precisou explicar que trata-se da liturgia da Igreja Católica.
“A fé em Deus permanece depois das eleições; assim, os valores morais, a justiça, a fraternidade, a amizade, a família… vale a pena colocar tudo isso em risco no caldo da briga política?”, tuitou dom Odilo.
Após a declaração, o religioso foi alvo de ataques. Em menções à ditadura na Nicarágua, usuários da rede social o taxaram como “comunista”, ao ser associado ao candidato à Presidência Lula (PT). Ele também foi acusado de apoiar o aborto, prática repudiada pela Igreja Católica.
Em uma série de tuítes, Dom Odilo pediu “calma” e disse que apenas fez uma pergunta, sem motivo para tantos xingamentos. “Depois das eleições, todos precisam continuar a viver juntos!”, frisou.
Diante de comentários que mencionaram uma suposta “ditadura da esquerda”, o arcebispo fez um alerta: “Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!”
“Para ser mais claro: parece-me reviver os tempos da ascensão do fascismo ao poder. E sabemos as consequências…”, acrescentou.
Sobre as vestimentas, o religioso explicou que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), “simbolizando o amor à Igreja e prontidão ao martírio, se preciso for. Deus abençoe a todos. Mas… ninguém machuque ninguém!”.
Dom Odilo Scherer
@DomOdiloScherer
Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!
Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, celebra missa na Catedral da Sé — Foto: TV Globo
Arcebispo de São Paulo afirmou, neste domingo (16), que ‘fé em Deus permanece depois das eleições’. Ele chegou a ser chamado de 'comunista' por se vestir de vermelho, cor usada por cardeais da Igreja Católica
por G1
Dom Odilo Scherer, cardeal e arcebispo metropolitano deSão Paulo, usou o Twitter para publicar uma reflexão sobre “briga política” entre amigos e familiares neste domingo (16) e foi alvo de críticas. Usuários da rede social chegaram a chamá-lo de “comunista” por usar roupas vermelhas, e o religioso explicou se tratar de norma na Igreja Católica para cardeais, como ele.
“A fé em Deus permanece depois das eleições; assim, os valores morais, a justiça, a fraternidade, a amizade, a família… vale a pena colocar tudo isso em risco no caldo da briga política?”, tuitou dom Odilo.
A seguir, foi criticado e, além de ser chamado de “comunista”, internautas o acusaram de apoiar o aborto, que é repudiado pela igreja. Dom Odilo também foi associado ao ex-presidente Lula (PT) e a uma suposta “ditadura da esquerda”.
Em uma série de tuítes, o arcebispo pediu “calma”, disse que apenas colocou “uma pergunta” e falou que “não era preciso xingar tanto quem fez a pergunta”. “Depois das eleições, todos precisam continuar a viver juntos!”, lembrou.
“Alguém tem dúvidas? Creio em Deus, em JCristo Salvador, amo a Palavra de Deus e da Igreja. Sou a favor da família, contra o aborto e toda violência contra a pessoa; não aprovo comunismo nem o fascismo; sou a favor da moral dos mandamentos de Deus. Estou em comunhão com o Papa…”, disse o cardeal sobre suas crenças.
Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!”
Sobre a cor de suas roupas, dom Odilo explicou: “Se alguém estranha minha roupa vermelha (perfil), saiba que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à Igreja e prontidão ao martírio, se preciso for. Deus abençoe a todos. Mas… ninguém machuque ninguém!”
Leia abaixo a sequência de tuítes do arcebispo de São Paulo:
“A fé em Deus permanece depois das eleições; assim, os valores morais, a justiça, a fraternidade, a amizade, a família… vale a pena colocar tudo isso em risco no caldo da briga política?
Olá, gente boa: eu só coloquei uma questão e fiz uma pergunta: vale a pena? Está bem, o debate de poucas horas já deu matéria para escrever um livro… Mas não era preciso xingar tanto quem fez a pergunta. Calma, povo! Depois das eleições, todos precisam continuar a viver juntos!
Alguém tem dúvidas? Creio em Deus, em JCristo Salvador, amo a Palavra de Deus e da Igreja. Sou a favor da família, contra o aborto e toda violência contra a pessoa; não aprovo comunismo nem o fascismo; sou a favor da moral dos mandamentos de Deus. Estou em comunhão com o Papa…
Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!
Se alguém estranha minha roupa vermelha (perfil), saiba que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à Igreja e prontidão ao martírio, se preciso for. Deus abençoe a todos. Mas… ninguém machuque ninguém!
Escrevi muitos artigos contra o aborto, colocando claramente minha posição. Escrevo toda semana um artigo no Jornal O São Paulo. Ver no Portal http://arquisp.org desafio alguém encontrar pauta a favor do aborto! Envio muita mensagem p/Twitter. Alguém quer conhecer? Olhe lá.
Para ser mais claro: parece-me reviver os tempos da ascensão do fascismo ao poder. E sabemos as consequências…”
Um jovem que vestia camiseta vermelha foi alvo de uma multidão enfurecida que gritava “mito” enquanto a comitiva do presidente Jair Bolsonaro (PL) estava em uma tenda de peregrinos, em frente à basílica de Nossa Senhora Aparecida, na tarde desta quarta (12), quando é celebrado o dia da padroeira do país.
Primeiro ele ficou encurralado em um círculo e, depois, quando tentou fugir foi perseguido pela multidão aos gritos de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão” e “a nossa bandeira jamais será vermelha”.
A perseguição só acabou quando o homem de vermelho sumiu entre os corredores da igreja, sem ser agredido fisicamente.
A comitiva do Bolsonaro não viu a cena. O homem com a camisa vermelha passou entre os carros de polícia antes e entrar na igreja, mas nenhum PM abordou o rapaz ou a multidão.
“E pensar que aqui é a casa de Deus”, falou uma mulher assustada, com uma camisa de romaria de São José dos Campos.
Antes, o presidente foi recebido no Santuário Nacional sob vaias e aplausos e participou de missa.
Uma parte aplaudiu e chamou o presidente de Mito. “Silêncio na basílica. Prepare o seu coração, viemos aqui para rezar”, afirmou o padre.
As declarações de Jair Bolsonaro dadas durante visita oficial de três dias aos EUA estão ainda ecoando pelo mundo, e muitos brasileiros não estão nem um pouco satisfeitos com os passos dados pelo presidente em uma só viagem.
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O presidente do Brasil passou três dias nos Estados Unidos, onde deu entrevista para Fox News e se encontrou com homólogo norte-americano, Donald Trump.
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Bolsonaro, ou "Trump dos Trópicos" de acordo com a Fox News, afirmou em entrevista exclusiva à emissora que sua família não possui nenhuma ligação com o assassinato da vereadora Marielle Franco e demonstrou pleno apoio à política anti-imigração dos EUA. As respostas do presidente do Brasil, em especial se tratando de imigrantes, foram recebidas de braços fechados por muitos brasileiros.
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Para refrescar a memória, Jair Bolsonaro disse que "a maioria dos imigrantes não tem boas intenções". Já depois da coletiva de imprensa conjunta com Trump, o presidente do Brasil voltou atrás: "Foi um equívoco meu. Boa parte tem boas intenções, a menor parte, não. Peço desculpas aí."
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O "equívoco" de Jair e as outras medidas tomadas pelo presidente brasileiro ganharam força nas redes sociais, e os internautas passaram a chamá-lo de "Capitão Pateta".
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O presente dado por Bolsonaro e o presente dado por Lula.
Vai rolar mesmo um "vermelho" na bandeira do Brasil?
A tropa.
Na tarde da terça-feira (19), quando Bolsonaro foi recebido na Casa Branca, o presidente do Brasil se mostrou entusiasmado e deixou bem claro que o que ele quer é se aproximar dos Estados Unidos: "Ele [Trump] quer uma América grande, e eu quero um Brasil grande. A partir deste momento, o Brasil estará cada vez mais engajado com o nosso Estados Unidos."
O jornal Le Monde que chegou às bancas nesta segunda-feira (7) trouxe em sua capa uma foto do novo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que oscila entre iniciativas radicais e hesitações políticas, segundo o diário. "O início tumultuoso de Bolsonaro", diz o título da matéria de capa, que fala "do ataque aos direitos dos povos indígenas e da comunidade LGBT".
Enquanto alguns veem apenas um detalhe, outros enxergam um verdadeiro símbolo da obsessão de um governo dedicado a procurar "inimigos imaginários", no lugar de propor um verdadeiro programa político, ressalta Le Monde. A marca de Bolsonaro, para o jornal, é a de um poder “que mistura agressividade e improvisação”.
Uma inauguração de governo fracassada, segundo análise do professor de ciência política Carlos Melo, entrevistado pelo Le Monde. "Mesmo os mais tolerantes dirão que, até agora, só tivemos momentos vazios de sentido. Isso não dá uma boa imagem", diz o especialista. "Do discurso do próprio presidente ao de seus ministros, as mídias brasileiras tiveram a impressão de que o governo ainda estava em sua campanha, com um chefe de extrema direita pronto a criticar sua oposição e ministros prometendo combater os ‘inimigos da pátria’, atacando o ‘socialismo’ e desprezando o ‘globalismo’", afirma o jornal francês.
Le Monde também destacou o fato de que, apenas algumas horas após a posse, o ex-militar assinou uma medida provisória para transferir a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura, cumprindo a promessa de Bolsonaro de que, após sua eleição, "nem mais um centímetro de terra seria dado aos índios".
Novo governo prioriza questões menores e se esquece de verdadeiros problemas
Outra decisão feita às pressas pelo novo governo abordada pelo Le Monde é a retirada das questões LGBT da lista de políticas de Direitos Humanos, o que, segundo o jornal, demonstra a intenção de reduzir ou mesmo acabar com as subvenções destinadas a essas pessoas, vítimas de discriminação. “De acordo com o grupo Gay da Bahia, uma pessoa LGBT morre assassinada a cada 19 horas no Brasil”, diz a publicação.
"O governo de Bolsonaro demonstrou sua vontade de desmantelar trinta anos de políticas públicas brasileiras, atacando a comunidade LGBT e os indígenas, sem propor soluções positivas", declarou ao jornal o cientista político Ruda Ricci, dizendo-se "horrorizado" com os primeiros passos do presidente.
O vídeo que viralizou nas redes sociais no fim-de-semana no Brasil também aparece na matéria do jornal. Nele, vemos a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, dizer que na "nova era" de Bolsonaro os meninos vestirão azul e as meninas ficarão com o rosa. Já o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, prometeu lutar contra o pseudomarxismo nas escolas, lembrou Le Monde.
Por fim, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, confirmou em seu discurso sua política fundada no nacional-populismo, focando nos Estados Unidos, escreve a jornalista Claire Gatinois. A repórter conclui afirmando que Bolsonaro privilegiou outros temas no lugar dos problemas mais graves do país, a economia e a corrupção, pontos fortes de sua campanha.
Não vale um médico cubano, um venezuelano da fronteira, falo do comunismo que assombra a família brasileira no WhatsApp
por Xico Sá
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Procura-se um comunista, no desespero do momento histórico. Sério. Procura-se um comunista para uma cerveja, um vinho, um rabo-de-galo, uma pinga, uma catuaba, o que vale é comoção do encontro. A legenda da foto do Instagram está pronta: um brinde ao lado do último comunista brasileiro. O problema é achar o personagem.
Procura-se esse comunista e esse comunismo que tanto assombra a família brasileira nas correntes de WhatsApp - sejam nos grupos amadores e espontâneos ou nas milícias virtuais do caixa 2 do Bolsonaro, conforme reportagem da “Folha”.
Não vale esse suposto, teórico e pseudo-comunismozinho do PT, partido nascido nos sindicatos e nas comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, uma legenda carola por excelência, democrata-cristã demais da conta, papa-hóstia. Muito capitalista e burguês para o meu gosto.
Religião e política, nunca discutimos tanto. Tem uma lorota dessa natureza que circula desde as eleições de 1989: os comunas irão pintar a estátua do padre Cícero, no meu Cariri natal, de vermelho. A fake news “de raiz” faz sucesso até hoje.
Cada vez que vejo essa paranoia do comunismo renovada, tento achar pelo menos um velho amigo dessa turma. Impossível tomar uma carraspana com um autêntico comunista. Nem mesmo no Maranhão, onde o PC do B faz um governo de grande aceitação popular e derrotou o império do Sarney, existe mais esse personagem folclórico. Hei de encontrar algum lá no Chico Discos, o bar e sebo dos vinis e livros mais incríveis de São Luís. Que São José do Ribamar me ajude.
Procura-se um comuna para uma cuba-libre, para uma vodka ainda nesse outubro do aniversário da Revolução Russa. Risos. Mais risos. Quem disse que eu encontro? Quem sabe no Bip Bip do Alfredinho, o botequim de resistência carioca, ai de nós, Copacabana, nesse perigo da hora.
Ah, já sei, talvez encontre uma alma perdida em Jaboatão dos Guararapes, a “Moscouzinho” pernambucana, cidade que elegeu o primeiro prefeito vermelho do Brasil, o médico Manoel Calheiros, em 1947. Quem sabe, quem dera, caríssimo Gilvan Barreto.
Por favor, me ajude, amigo leitor, nessa busca. Falo de um comuna roots, um comuna-jurubeba, não vale um socialistazinho de araque, não vale o que sobrou da esquerda clássica das boas e humaníssimas causas, quero um comunistão digno da paranoia das fake news, um monstro devorador de criancinhas, não vale um psolista do socialismo moreno, sem essa, desejo um papa-figo que assombra a família brasileira. Desculpe, leitor, mas essa paranoia do comunismo, é uma comédia, me divirto em um momento grave, digo, só rindo para aguentar a barra e não deprimir mais ainda.
Comunista de raiz mesmo, só nas vilas do Alentejo, em Portugal, para onde os brasileiros endinheirados fogem com medo do falso comunismo tupiniquim. Ah, essa terra ainda vai cumprir seu ideal, xará Buarque.
Na sua derradeira coluna no jornal “Letras & Artes”, de Lisboa, o escritor Valter Hugo Mãe também se diverte: a brava gente brasileira irá fugir agora com medo do fascismo, mas essa turma tem menos grana para entrar na especulação imobiliária lisboeta. Todo santo dia entopem a caixa postal do autor com ofertas para comprar o seu apartamento, ave palavra suada, sagrado imóvel. Ô Valtinho, és incrível e a ti reservo todo o meu complexo de Édipo.
Opa, havia esquecido, mas o Marechal - Álvaro Costa e Silva para os leitores da 'Folha' e amantes dos livros - lembrou recentemente no seu twitter do último comunista que conheceu: o escriba Fausto Wolff, que se foi deste Brasilzão em 2008. Que inveja, amigo de alta patente. A foto é lirismo só, vocês ali no bar da Maria, delirando sobre Rosa de Luxemburgo, sob um calor carioca de fazer os pinguins fugirem dos cascos de Antarctica.
Pela última vez, apelo, procura-se um comunista, não vale a turma cubana do programa “Mais Médicos”, não vale os venezuelanos de Roraima, exijo um comuna-raiz, não apenas um desses vermelhos que o Bolsonaro prometeu eliminar ou prender na sua fala pública do último domingo - para gozo da plateia na avenida Paulista.