O jornalismo não pode se furtar à sua parcela de responsabilidade quanto à superação da herança colonial que perpetua violências - Foto: Manny Becerra/Unsplash
No relatório de 75 páginas, lançado no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, em 30 de agosto, a Artigo 19 busca expor o quanto o acesso aos arquivos nacionais públicos pode ser mais ou menos determinante para o reconhecimento e superação da ocorrência sistemática de violações dos direitos humanos no passado. O documento relaciona a questão à violência contra povos negros e indígenas no contexto brasileiro, mas também situa aspectos mais recentes, como a repressão durante a ditadura militar e o que chama de ‘violência embranquecedora’, que ainda é perpetrada contra as populações brasileiras não-brancas.
A Artigo 19 expressa no relatório que compreende o direito à informação como um direito humano fundamental, mas também de caráter instrumental, uma vez que passa por este a necessária efetivação de outros direitos. EmDireito à Informação: memória e verdade, a organização aponta a vinculação entre o direito à informação e o direito à verdade; sendo este entendido como a obrigação do Estado de publicizar informações sobre violações de direitos humanos ocorridas a qualquer tempo e que sejam relevantes para a reparação e o acesso à justiça.
Essa exposição da ‘verdade histórica’ teria, portanto, a pretensão de superar o negacionismo e o revisionismo, reclamando uma reescrita da história, mas também, reivindicando o redesenho de políticas públicas e superando a impunidade fincada no colonialismo e que ainda corrompe o sistema social, político e de justiça no Brasil.
Brasil profundo
E antes de ‘torcer o nariz’ para as questões aqui colocadas, carecemos de lembrar que há pouco tempo o país teve como mandatário da Presidência da República e representante da extrema direita e elites oligárquicas, um Jair Messias Bolsonaro que, sem qualquer pudor, cometeu o disparate de afirmar em rede nacional, duranteentrevista ao programaRoda Viva(TV Cultura), que “(…) se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, os próprios negros que entregavam os escravos”.
Tamanho despropósito, para se dizer o mínimo, em um país que ainda engatinha e esbarra em vários obstáculos para promover dispositivos como a Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira na escola, queencarcera a população negra em massa, e que também é vergonhosamente um país em quemais se mata negras e negros, algo assim não poderia jamais ocorrer sem reprimendas. Mas, no Brasil profundo e, ao mesmo tempo, ‘raso’, ainda há quem diga que não existe racismo no país.
Quando transpomos o olhar para a questão indígena, não se pode esquecer da reiterada afirmação da primeira ministra dos Povos Indígenas da história do país, Sônia Guajajara, que sempre faz questão de enfatizar que “sem território, não existem povos indígenas”.
Para a Artigo 19, a preservação e acesso a documentos públicos no Brasil é essencial para passar essa história a limpo, uma vez que isso permitiria constatar como o Estado brasileiro tem agido nestes mais de 500 anos para promover ou contribuir para o esbulho das terras indígenas e, portanto, para o apagamento dessas identidades e extermínio de sua população.
Informar para superar
Assim como versa oCódigo de Ética dos Jornalistas Brasileiros, profissionais do jornalismo, devidamente qualificados para o exercício da profissão com ética e compromisso social, devem atuar de maneira rigorosa na defesa dos direitos humanos e, por meio dessa, contribuir para o fortalecimento da democracia.
Dessa forma, considerando as 21 recomendações que a Artigo 19 faz a respeito do acesso às informações que se encontram em arquivos nacionais públicos, além de buscar esses dados para melhor contextualizar a oferta noticiosa à sociedade, o jornalismo pode e deve atuar para fortalecer esse sistema.
Uma atuação jornalística mais responsável e comprometida nesse sentido pode assegurar os meios para que as populações negras, quilombolas e indígenas possam reescrever suas histórias por si mesmas, mas também pode atuar: fiscalizando e vigiando o acesso aos arquivos públicos; divulgando a existência e o acesso a esses documentos; combatendo os obstáculos ao cumprimento da transparência no acesso a essas informações; cobrando medidas para promover a segurança informacional desses acervos; além de reivindicar a necessária redução da opacidade sobre os documentos de interesse público que se encontram em poder do Estado.
O jornalismo enquanto forma de conhecimento ancorada no presente e atravessada por contradições (GENRO FILHO, 1987), não pode se furtar à responsabilidade de lançar luz sobre o passado colonialista brasileiro e que, lamentavelmente, ainda chancela o silenciamento de vozes como a de Mãe Bernadete e, do grito sufocado dos nossos povos originários.
É preciso que se reconheça a violência historicamente praticada contra determinadas populações brasileiras, para que suas vítimas possam buscar e garantir a reparação destas, mas, principalmente, para que estas jamais voltem a se repetir.
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Referências:
CUNHA, Brenda. Et al.Direito à Informação:memória e verdade. 1ª Edição. São Paulo: Artigo 19, 2023.
GENRO FILHO, Adelmo.O segredo da pirâmide:para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Editora Tchê, 1987.
A líder do Quilombo Pitanga dos Palmares foi assassinada na noite desta quinta-feira (17). Em julho, Maria Bernadete Pacífico falou sobre a violência contra quilombolas em um encontro com a ministra do STF Rosa Weber.
Matriarca do samba de raíz em Boipeba, Jenice Santos pede muita cautela antes que moradores e autoridades públicas dêem sinal verde definitivo ao empreendimento. “Fica esperto, abre o olho e pare para analisar, que é para depois não chorar”, avisa.
“Eu sou nativa de Boipeba, vivi muitos anos pescando, tirando polvo, metendo o braço no buraco do caranguejo, pescando naquele rio do Catu. Então como é que hoje eu vou aceitar que as pessoas vêm de fora querer poluir um lugar tão bonito”, reclama.
Cata de caranguejo e pesca de polvo (abaixo), duas atividades tradicionais da ilha de Boipeba. Fotos: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil/ O Eco
Patrimônio federal
A licença do governo baiano ao projeto Ponta dos Castelhanos foi abalada no início de abril, quando a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) suspendeu a transferência de titularidade das terras federais à Mangaba Cultivo de Coco. O repasse ocorreu no governo de Jair Bolsonaro, em abril de 2022.
O bloqueio vale por 90 dias. Até lá, a empresa não pode realizar “qualquer obra ou benfeitoria” no “resort”,determinao governo federal, e a SPU emitirá um parecer definitivo sobre o imóvel. Se for confirmado como patrimônio da União, a licença do Inema pode ser derrubada.
“A licença perde completamente a validade. A partir de estudos, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União jáfizeramessa indicação. Infelizmente o Inema não seguiu essa orientação”, lamenta o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA).
Ao mesmo tempo, uma ação do MPF questiona os prejuízos do empreendimento às comunidades locais, que têm preferência no uso das terras da União. “A área não é propriedade particular, ela é pública. Ela é muito pública”, diz o procurador federal Ramiro Rockenbach.
“Não podemos permitir neste país nenhum tipo de fraude, nenhum tipo de grilagem de terra pública. É proibido que se faça um regime de ocupaçãoquandouma área tem interesse ambiental, quando uma área é ocupada por comunidades tradicionais”, salienta.
Professor de Direito na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e membro do Conselho Gestor daAPA Tinharé-Boipeba, Leonardo Fiusa denuncia que grandes empresas, latifundiários, especuladores de terras e até agentes de governos tomam terras públicas no litoral baiano.
“É uma avalanche de empreendimentos, de cercamentos e de desmatamentos afetando o modo de vida das famílias tradicionais e o meio ambiente”, destaca o pesquisador, também membro do Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL).
Vidas em jogo
Ao mesmo tempo em que ameaça distribuir prejuízos socioambientais, o Ponta dos Castelhanos é visto como uma possibilidade de mudança de vida por moradores de Boipeba, negligenciados por políticas públicas para geração de empregos e renda, de saúde e de educação.
A esperança é mais forte no povoado de São Sebastião, ou Cova da Onça, rodeado pela fazenda onde pode ser implantado o projeto. “Muitos alunos desistem de estudar porque não tem perspectiva de futuro”, lamenta a pedagoga Taiane Magalhães.
“As dificuldades que a gente vem enfrentando fizeram a gente acordar e correr atrás do empreendimento, mas ao mesmo tempo em que queremos o desenvolvimento para nossas comunidades, queremos que [o projeto] ocorra de forma sustentável e com nossos direitos respeitados”, diz.
O avanço de empreendimentos privados no litoral sul baiano ocorre também num cenário de criminalidade crescente. Narcotraficantes já monitoram a circulação de pessoas e veículos nas vias de terra e areia nas ilhas de Tinharé e de Boipeba.
Uma fonte que não será identificada para sua segurança confirmou a ((o))eco pressões crescentes de marginais sobre as populações tradicionais. “Isso já está acontecendo, já está muito forte, até impondo uma ‘lei do silêncio’ nas comunidades”, revela. A situação é assumida pelo poder público.
“Temos três polos empregatícios em Cairu. Primeiro é o turismo, graças ao Morro de São Paulo, segundo é a Prefeitura e o terceiro é o crime organizado”,reconheceuo vereador Vereador Diego Meireles (DEM), presidente da Câmara Municipal de Cairu, onde estão as ilhas.
Boipeba: a luta do povos contra os “barões do litoral” Projeto turístico-imobiliário José Marinho(globo) e Armínio Fraga(Gávea inv), q devastará paraíso baiano, pode ser apenas o começo. População denuncia q uma “corrida pela terra” começou na região — e ameaça ainda mais bioma e
As fontes desta reportagem foram ouvidas por ((o))eco, em parceria com Mongabay Brasil, em Boipeba e numa audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia, em18 de abril. José Roberto Marinho e Armínio Fraga não se pronunciaram. A posição da Mangaba Cultivo de Coco foi recebida por email e pode ser conferida abaixo.
O projeto atende a todos os requisitos legais e regulamentares, e o Inema definiu 59 condicionantes que buscam evitar qualquer inadequação ou prejuízo ambiental. Dentre elas, está previsto que, entre os 69 lotes do projeto, dois deles serão destinados à comunidade para a construção de um Centro de Cultura e Capacitação (CECC), campo de futebol, equipamento esportivo e estação de tratamento de resíduos. Tais condicionantes garantem ainda o livre acesso para atividades extrativistas, respeitando o limite do manguezal. Além disso, a comunidade terá ganhos imediatos, como um projeto integrado de saneamento básico e infraestrutura pública comunitária, preservação de fauna e flora, programas de educação ambiental, implementação de um programa de gerenciamento dos resíduos da comunidade de Cova da Onça, que contará com coleta seletiva e uma usina de tratamento de lixo. Isso sem falar em um programa de capacitação e na geração de empregos diretos para uma parte da população que, ao longo dos anos, permanece em situação vulnerável.
O projeto não prevê a construção de nenhum campo de golfe. As construções serão eventualmente realizadas em menos de 2% da área total, com supressão vegetal em apenas 0,17% (e sua devida compensação determinada pela Lei 11.428 de 2006) de 1.651 hectares adquiridos pelo grupo em 2008, o que garante a preservação naturalmente da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba. Para além do cumprimento das condicionantes e medidas compensatórias, o projeto ocupará uma área menor do que determinam as regras de zoneamento da APA Tinharé Boipeba, oferecendo poucos lotes, entre 20 e 80 mil metros quadrados cada, para evitar um alto adensamento. Ressalte-se que esses terrenos previstos para a construção são compostos essencialmente por coqueirais. Ao contrário do que tem sido também divulgado, será garantido o acesso das comunidades a todos os caminhos relacionados com a pesca e coleta de mangaba e mariscos. Esses caminhos serão inclusive melhorados, para que fique ainda mais fácil, por exemplo, alcançar o Rio Catu, os portos do Almendeiro Grande, da Ribanceira, do Coqueiro e do Campo do Jogador. Não haverá muros nem cercas.
Pelas nossas estimativas, considerando os ajustes realizados no projeto inicial, serão gerados aproximadamente 1500 empregos, na alta estação, e cerca de 700, na baixa estação.
A área está localizada em terreno de Marinha, que são considerados bens da União (Art. 20, VII, CRFB/88). Foi pleiteado, em 2007, pelo antigo proprietário, o aforamento gratuito, conforme Artigo 64 do Decreto-lei número 9760/1946, que trata as questões de transferência de domínio útil. Há, inclusive, documentação que considera essa área privada. Existe farto registro de sua cadeia sucessória. Compramos o terreno em 2008 e, como legítimos proprietários, ocupamos legalmente essa área e continuamos pagando a taxa de ocupação (Artigo 127 do Decreto-lei 9760/1946), que já vinha sendo paga regularmente há muitos anos. Diversos documentos asseguram a posse do imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos pelos sócios da Mangaba Cultivo de Coco LTDA. Inicialmente, adquiriu-se direito de ocupação do antigo titular ainda em 2008, conforme escritura pública de compra e venda devidamente registrada em Cartório de Registro de Imóveis de Taperoá (BA). Além disso, há, ainda, a adequada Certidão de Autorização para Transferência (CAT), documento expedido pela própria SPU. Acrescente-se que o pedido de transferência teve todos os seus trâmites administrativos encerrados em 2022, quando passou a constar como titular um dos sócios.
Constatamos, por meio de diálogos e escutas junto às comunidades locais, que uma ampla maioria da população da Ilha de Boipeba é favorável ao desenvolvimento sustentável da região. Essa posição foi inclusive referendada por uma abaixo assinado realizado pela comunidade de Cova da Onça em 2019, com mais de 300 assinaturas. O projeto vai promover uma importante transformação social, com melhoria da qualidade de vida em comunidades com as quais foi estabelecido um diálogo intenso. Desde o início das tratativas com o Inema, em 2010, a Mangaba participou de diversas audiências públicas com essas comunidades, visando esclarecer as informações do projeto e os impactos socioambientais positivos para a região, bem como assegurar a mitigação e a devida ação compensatória relativa a quaisquer intervenções no território, para implementação do projeto. Antes de ser aprovado pelo Inema, o projeto foi submetido à manifestação de diversos órgãos, como o IPHAN, Fundação Palmares, Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Prefeitura de Cairu e Ministério Público estadual. Além de todas as audiências públicas realizadas ao longo dos anos, ocorreram em 2014, por exemplo, sete reuniões com as comunidades: Barra dos Carvalhos (9/9); Fazenda Cova da Onça (10/9); Sede do município de Cairu (10/9, uma reunião; e em 16/9 outras duas reuniões); Cova da Onça (17/9); Barra dos Carvalhos (23/9).
A empresa Mangaba Cultivo de Coco sempre primou pelo cumprimento irrestrito da legislação e do devido processo legal em relação ao projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos. Com base nessas diretrizes a empresa buscará fazer os esclarecimentos necessários e demonstrar a regularidade da ocupação da área pela Mangaba, esperando que tudo seja resolvido o mais rápido possível, em observância ao direito de todos. Vamos aguardar o trâmite legal, fazendo todos os esclarecimentos necessários em audiências públicas, bem como aos órgãos fiscalizadores, às comunidades e aos poderes institucionais do governo federal, estadual e do município de Cairu.
Projeto turístico-imobiliário José Marinho e Armínio Fraga, que devastará paraíso baiano, pode ser apenas o início. População denuncia que uma “corrida pela terra” começou na região — e ameaça ainda mais bioma e territórios originários
Comunidades tradicionais e ambientes naturais em terra e mar podem ser os mais prejudicados pela construção de um projeto turístico-imobiliário privado na ilha de Boipeba. A empreitada pode azeitar a especulação de terras e a aprovação de licenças similares no litoral da Bahia.
O empreendimento Ponta dos Castelhanos foi licenciado em março pelo governo baiano numa fazenda que toma quase 20% de Boipeba, ou 1.651 hectares (ha). A ilha é uma das porções mais preservadas da Mata Atlântica e abriga povoados tradicionais de quilombolas, pescadores e extrativistas.
“Em mais de 500 anos de ocupação houve uma devastação sem precedentes da Mata Atlântica, mas ela foi mantida pela ocupação tradicional do litoral sul da Bahia”, afirma Eduardo Barcelos, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF Baiano), ligado ao Ministério da Educação.
Uma de suas guardiãs é Rosângela Maria da Paixão Santos, a Dolinha. Ela cresceu catando mariscos e pescando com a família, atividades mantidas pelos filhos e marido. Hoje todos manejam uma barraca na praia do Bainema, em Boipeba, buscada por turistas brasileiros e do exterior.
“Sempre sobrevivi do mangue. O mangue era a minha firma [empresa onde trabalhava], vive aqui no meu coração. Eu aprendi a respeitar o ser humano, aprendi a respeitar a natureza e a trazer para casa o alimento, tudo através do mangue. Ele é um ‘ser’ muito importante”, declara Dolinha.
As mãos de Dolinha já tiraram muito marisco dos mangues e peixes do mar, na ilha de Boipeba. Foto: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil / O Eco
As ilhas de Tinharé e Boipeba abrigam a maior faixa contínua de restinga arbórea do litoral do Baixo Sul baiano e cerca de 36 mil ha de manguezais, queprotegemo clima e garantem a renovação da vida marinha, mesmo de espécies que interessam à pesca comercial.
Todavia, a Bahia é um dos líderes nacionais em casos de violência no campo e no desmate da Mata Atlântica. Restam apenas 196 mil ha dos 770 mil ha originais no litoral do Baixo Sul do estado. A redução é superior a 70% na vegetação nativa da região. Os dados são do IF Baiano.
O governo da Bahia já prendeu os assassinos de mãe Bernadete Pacífico? Duvido prender os mandantes. Quanto mais sangue derramado mais propina ... mais des mata mento.
Remanescentes (verde claro) de Mata Atlântica no baixo litoral sul da Bahia, em 2021. Mapa: Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL)
Latifúndios costeiros
Barcelos, do IF Baiano, avalia que a decaída ecológica da região é ligada a uma “corrida pela terra” para a formação de “latifúndios costeiros”. Seus levantamentos apontam que 16 mil ha do território são concentrados em 18 imóveis. Isso ocorre muitas vezes pela privatização de terras públicas, conta.
“A experiência brasileira mostra que onde esses empreendimentos chegaram, o solo foi fatiado, a Mata Atlântica foi devastada, comunidades foram divididas, expulsas e submetidas à insegurança alimentar [pela privação de fontes de renda e alimentos]”, destaca o pesquisador.
O cenário que se acerca de Boipeba assusta quem tem a vida calejada pela discriminação histórica que o Brasil impõe a populações negras e indígenas, a quem não tem dinheiro ou padrinhos políticos para lhe proteger. É o caso do quilombola Benedito da Paixão Santos, o Bio.
“Fui escravo demais dos outros e hoje graças a Deus eu trabalho para mim mesmo, com a pesca e o turismo. Sempre estou aqui para apresentar o de melhor, tanto pra minha comunidades e pros amigos que visitam a nossa ilha”, ressalta. Mas as perspectivas para essas pessoas não são animadoras.
Os especialistas ouvidos por ((o))eco avaliam que uma consolidação do Ponta dos Castelhanos estimulará iniciativas semelhantes em outras áreas preservadas do litoral. O projeto foi licenciado em março deste ano pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) da Bahia.
Doutora em Biologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cacilda Rocha alerta que eliminar florestas, restingas e mangues da Mata Atlântica prejudicará ambientes preservados em terra, costa e mar, bem como as populações que deles sobrevivem.
“Isso agravará processos erosivos e das chuvas nesses terrenos arenosos. E isso tudo pode ser carreado para o ambiente marinho da ilha, onde temos recifes com 16 espécies de corais”, descreve a cientista e moradora da ilha de Boipeba.
Em vermelho (esquerda), a concentração de terras privadas em 100 km do litoral sul baiano, entre as praias do Garcez (Jaguaripe) e de Pratigi (Ituberá). Em laranja (direita), áreas que já estariam privatizadas nas ilhas baianas de Moreré (acima) e de Boipeba. No extremo sul da imagem, a área do projeto Ponta dos Castelhanos. Mapas: Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL)
Licença contestada
A licença inicial do Inema ao projeto prevê obras em menos de 2% da área da fazenda e desmate de 3 ha (0,17%) dos 1.651 hacompradosem 2008 pela Mangaba Cultivo de Coco. O grupo temsócioscomo José Roberto Marinho, herdeiro da Rede Globo, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.
Mas, cálculos do IF Baiano apontam que a ocupação será de ao menos 347 ha. Serão 201 ha de loteamentos, outros 88 ha para pousadas, 22 ha da pista de pouso e 36 ha para residências. O consumo de água das estruturas será cinco vezes maior que o da comunidade de Cova da Onça, no sul de Boipeba.
“O projeto impactará matas, restingas geológicas, áreas de recarga de água, campos de mangaba [fruta nativa], demussunungae manguezais”, avisa Eduardo Barcelos, do IF Baiano.
Conforme o cientista, a licença estadual dribla diretrizes federais para conservar a biodiversidade e não pesa impactos cumulativos de outros projetos na segurança alimentar das comunidades tradicionais, que pescam, catam alimentos eoperamturismo, inclusive na área do projeto.
Matriarca do samba de raíz em Boipeba, Jenice Santos pede muita cautela antes que moradores e autoridades públicas dêem sinal verde definitivo ao empreendimento. “Fica esperto, abre o olho e pare para analisar, que é para depois não chorar”, avisa.
“Eu sou nativa de Boipeba, vivi muitos anos pescando, tirando polvo, metendo o braço no buraco do caranguejo, pescando naquele rio do Catu. Então como é que hoje eu vou aceitar que as pessoas vêm de fora querer poluir um lugar tão bonito”, reclama. (continua)
A Ilha de Boipeba está ameaçada! Esse paraíso baiano, que já foi eleito a melhor ilha do Brasil, está ameaçado pela construção de um megaempreendimento imobiliário que vai ocupar cerca de 20% da ilha, o equivalente à aproximadamente 1700 campos de futebol. No dia 07 de março o INEMA, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, aprovou a licença para construção do empreendimento, mas no dia 06 abril o Ministério Público proibiu a intervenção no terreno até que seja analisado se o empreendimento possui a licença ambiental do INEMA e atende à legislação ambiental. Preciso acompanhar esse caso de perto e pressionar os poderes públicos para que esse empreendimento não vá à frente porque eles querem acabar com um dos lugares mais bonitos e paradisíacos do Brasil. (continua)
(Continuação) Em um grupo de WhatsApp chamado “Informação Projeto Castelhano”, que abriga os moradores das comunidades de Boipeba e do qual Siri não participa, as ameaças também aconteceram por escrito. Algumas mensagens atacam-o diretamente, chamando o pescador de “indigente”, “doença pra comunidade” e “o culpado de todas as coisas… de todas as desgraças que vem acontecendo” – em uma referência direta ao embargo da obra.
Na sequência, aparecem metáforas com referências alimentares para indicar uma possível intimidação. “A pipoca dele está esquentando”, “a pamonha dele tá esquentando”. Em uma gravação nesta mesma linha, um morador se dirige diretamente a Siri e diz que “sua batata tá cozinhando. Na hora vocês vão comer a batata cozidinha…”
Um outro morador, também em áudio, fala abertamente em mandar recado para o pescador por meio de outros membros do grupo do WhatsApp. “É a gente arrochar ele. A comunidade… Ou ele vai ceder ou ele sai fora de Cova da Onça. Nós temos que fazer isso. Eu nem vou tirar aqui do grupo, cheio de puxa-saco dele, para passar isso diretamente para ele. A gente não quer violência, não…”
Uma mulher, também em uma gravação, diz que “uma hora dessa agora, pegar uma lancha, botar Siri dentro, e levar uma canoa reboque a pano e deixar ele em alto-mar”.
Sem citar o nome da liderança de Boipeba, um outro chega a planejar uma emboscada. “O certo é marcar uma reunião aqui na ilha, quando eles vierem aqui para reunião, soltar quatro quinas nesses caras aí tudo, rapaz. Soltar o barrote em cima. Os caras só vêm para atrasar a ilha. Marcar uma reunião aí, meu irmão, e deixar gente roxa (risos)”.
Neste mesmo grupo, quem também faz parte é o arquiteto Manoel Altivo, um “ativista” ou “entusiasta” do projeto da Ponta dos Castelhanos, como ele mesmo se definiu durante entrevista. Ele já participou de palestras em Boipeba e até da audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia para divulgar o complexo hoteleiro.
Apesar das defesas constantes, Altivo diz não possuir qualquer tipo vínculo empregatício, temporário ou institucional com a empresa Mangaba e que age voluntariamente em favor o projeto por, como profissional liberal, liderar o comitê “Cairu 2030” – organizado pela sociedade civil e a prefeitura para desenvolver a cidade da qual Boipeba faz parte.
“Recentemente, eu nem estou acompanhando esse grupo direito. Esse grupo do WhatsApp foi criado por dois amigos de Boipeba no sentido de gerar esclarecimentos [aos moradores] antes da reunião com as Defensorias. Agora, deve ter tido algumas mensagens contra Siri, mas isso porque o nível de indignação contra ele lá [em Cova da Onça], aliás, não só lá, como em muitos lugares, é alto. E porque é alto? Porque ele usa da mentira. Ele se vitimiza, fala de invisibilidade, e tenta desestabilizar qualquer projeto, qualquer pessoa”, disse o arquiteto.
Outro que também está nesse grupo é Aurelino José dos Santos, assessor técnico da secretaria municipal de pesca de Cairu e que, desde 2000, está à frente da colônia de pesca do município, sendo inclusive o atual presidente.
‘Vamos comer siri assado na brasa. Quebrar as pernas do siri.’
Não há registros que nenhum dos dois tenha feito ameaças diretas a Siri dentro do grupo, mas questionei ambos por não terem repreendido esse tipo de conduta em um espaço que deveria ser de discussão de propostas. “Eu estou nesse grupo, mas não cheguei a ver os ataques contra Siri porque tem muita mensagem. Tem 194 pessoas inscritas lá. Em algum momento, eu cheguei a participar de forma ativa, mas depois me perdi. Eu, por sinal, admiro muito Siri pela forma que defende as posições dele e sou contra a violência. Não compactuo com isso”, pontuou Santos.
“Eu cheguei a ver alguns áudios falando dele [Siri], mas a minha leitura era de uma indignação do pessoal de Cova da Onça contra ele, diante do que ele estava fazendo”, disse Altivo.
Sobre as ameaças que Siri vem sofrendo, em nota, a Defensoria Pública da União afirmou que apenas informalmente tomou conhecimento das ameaças, uma vez que ele não as registrou oficialmente nos órgãos competentes. E também que repudia os “episódios de coação e ameaças sofridas por pessoas que se colocam contra o avanço de empreendimentos incompatíveis com o modo de vida de comunidades tradicionais”.
A Defensoria Pública do Estado disse que está acompanhando atentamente a situação no sul da Bahia e existe um grupo de trabalho “visando frear as violações de direitos e que está ciente das ameaças, que ocorrem há algum tempo”. A DPE disse ainda que “órgãos de segurança pública já estão a par do que ocorre com as lideranças e moradores de Cova da Onça, Boipeba entre outras comunidades”.
O órgão disse ainda que vai entrar em contato com o líder Raimundo Siri para “recepcionar as novas denúncias e tomar providências, com encaminhamentos aos responsáveis pela proteção e segurança da população local”. O Ministério Público Federal também foi procurado, mas não enviou uma resposta até o fechamento desta reportagem.
Um dos ataques mais diretos veio em forma de dois vídeos, um com sete e outro com 18 segundos de duração. Em ambas as imagens, que também circularam em grupos de WhatsApp, é possível ver carnes sendo assadas em uma churrasqueira e um pequeno siri, o animal, também na grelha em meio às brasas. “Hoje é dia de churrasco e seu sirigueijo está aqui na churrasqueira”, diz uma mulher, sem mostrar o rosto, no primeiro vídeo.
No segundo, um homem, sem também revelar a identidade, aponta a faca diretamente para o siri e bate no pescado repetidas vezes. “Aqui, óh. Depois de um dia de carne, vamos botar o sirigueijo para assar na churrasqueira. Vamos comer siri assado na brasa. Quebrar as pernas do siri”, diz. Ao fundo, um outro grita: “Siri, porra. Vamos comer siri”.
Embora as pessoas não mostrem os rostos, Raimundo Siri afirmou saber quem são os responsáveis pelas ameaças, tanto nesses dois vídeos, quanto nas mensagens de texto e na maioria dos áudios. Como as comunidades são pequenas – em Cova da Onça, por exemplo, vivem cerca de 700 habitantes – não é difícil identificar os autores pelas vozes.
“Eu sei quem são. Mas essas pessoas também sabem tudo sobre minha vida, onde moro, meus hábitos e o nome da minha esposa. Saí de Boipeba por isso. Mas, por outro lado, não posso ficar muito tempo longe porque vivo da pesca. Não tenho outro meio de sustento e preciso trabalhar para sobreviver”, disse.
Nós temos que esperar esse Siri aqui. Esse vagabundo. Temos que pegar esse descarado aqui, em cima da ponte, rapaz.’
Siri preferiu não registrar um boletim de ocorrência na polícia sobre as ameaças. Questionei a razão dessa escolha e ele me disse que estaria se “expondo mais” se assim o fizesse, além de que, segundo ele, “não daria a solução necessária”. Sua providência foi deixar a ilha o mais rápido possível.
Para Gabriel César, defensor regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, “os órgãos de segurança pública, historicamente, não atuam com o mesmo vigor quando as vítimas são pessoas hipervulneráveis, em decorrência do manifesto racismo estrutural que acomete as instituições brasileiras. Esse cenário de descrédito nas instituições pode ter desestimulado Raimundo Siri a registrar formalmente as ameaças e, em vez disso, fazer a opção por prover pessoalmente a sua proteção”.
Um dos integrantes do Conselho Pastoral dos Pescadores, Solano Miranda, contou que o grupo tem se organizado para tentar custear a permanência do pescador enquanto ele se mantém distante de Boipeba – por segurança, o Intercept optou por não revelar o local onde ele tem ficado para se manter longe de casa.
“Alguns companheiros de luta tem emprestado moradia, levantando dinheiro tanto para ele quanto para a esposa. A gente não quer que eles voltem agora porque o risco existe. Não vamos esperar acontecer o pior para tomar alguma providência”, afirmou Miranda (continua)
A Ilha de Boipeba está ameaçada! Esse paraíso baiano, que já foi eleito a melhor ilha do Brasil, está ameaçado pela construção de um megaempreendimento imobiliário que vai ocupar cerca de 20% da ilha, o equivalente à aproximadamente 1700 campos de futebol. No dia 07 de março o INEMA, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, aprovou a licença para construção do empreendimento, mas no dia 06 abril o Ministério Público proibiu a intervenção no terreno
Foto: Tunísia Cores. Os ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e Segurança desconhecem a violência e a injustiça contra pobres pescadores. O Governo da Bahia também faz que não sabe
Pescador Raimundo Siri precisou abandonar a comunidade de Cova da Onça após ser intimidado por mensagens, áudios e vídeos de José Roberto Marinho, Armínio Fraga e outros safados inimigos do povo
NO DIA 7 DE ABRIL,Raimundo Esmeraldino deixou a ilha de Boipeba, no litoral sul da Bahia. Foi a primeira vez em 60 anos que, mesmo considerando pequenos passeios ou visitas rápidas para resolver problemas pessoais, o pescador ficou tanto tempo longe do lugar onde nasceu. E diferente das outras saídas, dessa vez a motivação não alternou entre lazer ou adiantamento de tarefas cotidianas. Foi uma fuga durante a madrugada.
Siri, como é mais conhecido na comunidade tradicional Cova da Onça, é uma das principais lideranças populares em Boipeba e tem se posicionado abertamente contrário ao complexo hoteleiro Ponta dos Castelhanos. Em razão disso, tem sido ameaçado de morte em mensagens de texto, áudios e vídeos que circulam em grupos de WhatsApp dos moradores da ilha.
“Nós temos que esperar esse Siri aqui. Esse vagabundo. Temos que pegar esse descarado aqui, em cima da ponte, rapaz. Você é um canalha, um cachorro. Em Cova da Onça aqui, esse homem não tem valor nenhum. Meu cachorro rottweiler, Ave Maria, tem mais valor que esse homem mil vezes. Esse é um safado, descarado. Quando ele chegar aqui, [vou] jogar ele da ponte de baixo, porque ele não quer o bem da comunidade não. Esse canalha”, diz uma das gravações que tive acesso.
O empreendimento que Siri se opõe é a sociedade Mangaba Cultivo de Coco LTDA, formadapor empresários poderosos. Entre eles, estão José Roberto Marinho, dono da Rede Globo, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, além de outros quatro sócios endinheirados: Clóvis Macedo, Marcelo Stallone, Antonio Carlos de Freitas Valle e Arthur Baer Bahia.
A construção luxuosa vai ser levantada em uma Área de Proteção Ambiental e deve ocupar 1.651 hectares de extensão – o que corresponde a quase 20% de todo território da ilha. OInterceptmostrou que, emborao governo da Bahia tenha concedido uma licença para início das obras, o terreno é uma área pública federal e os sócios da Mangaba não detêm a posse definitiva desta enorme propriedade.
Para completar, a compra da área foi feita das mãos de um empresário, ex-prefeito de uma cidade vizinha, que responde a um processo na justiça baiana por tomada de terra (continua)
Desde 1998, o magistrado Luiz Beethoven Giffoni Ferreira já processou ao menos dois profissionais de comunicação – os apresentadores José Luiz Datena e Ratinho – e quatro veículos – IstoÉ, Record, Folha de S.Paulo e Jornal de Jundiaí. Os processos se devem aum mesmo caso: reportagens sobre um grupo de mães de Jundiaí, no interior de São Paulo, que acusavam o magistrado de facilitar adoções por casais estrangeiros.
À época, Ferreira era juiz titular da Vara da Infância e da Juventude da cidade e foi alvo daCPI do Judiciário, realizada em 1999. A investigação do Senado concluiu que havia indícios de irregularidades cometidas pelo magistrado, suspeito de mandar crianças para o exterior sem cumprir as regras definidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Várias decisões de Ferreira nos processos de adoção foram suspensas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ele foi transferido de Jundiaí para a capital e ao menosseis crianças voltaram para suas famíliasde origem. Contudo, o juiz nunca foi punido. Ao contrário, subiu na carreira eé desembargador desde 2012.
Nos processos, Ferreira reclamou aos colegas por ter sido ofendido e tido a honra maculada pela repercussão do caso na imprensa. Os julgadores de pronto concordaram que a imagem do magistrado foi exposta indevidamente. As indenizações determinadas tanto pelo Judiciário paulista quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ, variam entre R$ 60 mil e R$ 300 mil. Como boa parte dessas ações ainda não tiveram desfecho, os valores somados de todas as causas, incluindo juros e multas, poderão ser milionários.
Após acusar inocente de crime, Globo foi condenada em R$ 50 mil. Já a IstoÉ foi condenada a pagar R$ 300 mil a juiz por denunciar irregularidades em processos.
Em primeira instância, o Judiciário paulista calculou em R$ 800 mil a honra do colega juiz no processo movido por Ferreira contra a IstoÉ, em decisão de 2010. O valor foi reduzido para apenas R$ 15 mil na segunda instância, mas, quando o caso chegou ao STJ, o tribunal julgou que essa quantia era irrisória. Considerando a intensidade do dano provocado, o nível sócio-econômico do magistrado e o porte econômico da IstoÉ, a corte determinou, por fim, uma indenização de R$ 300 mil.
Para efeitos de comparação, em abril de 2021, a TV Globo foicondenada a indenizarum homem que teve uma foto sua divulgada no Jornal Hoje como suspeito de um crime que nunca cometeu. A reportagem o acusava de aliciar uma adolescente de 13 anos. Após ser comprovado que ele não tinha nada a ver com o caso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou a gigante da comunicação pagar R$ 50 mil como indenização por danos morais. O valor foi mantido pelo STJ, a quem a defesa da Globo recorreu. É uma quantia seis vezes menor do que a paga ao desembargador Ferreira, num caso que envolveu uma pessoa comprovadamente inocente. A ministra Maria Isabel Gallotti disseem seu votoque o valor estava “dentro dos padrões da razoabilidade e proporcionalidade, não se mostrando desproporcional à lesão”.
Sem o porte econômico da IstoÉ, o Jornal de Jundiaí, publicação do interior de São Paulo com tiragem de cerca de 18 mil exemplares diários, também descobriu quanto custava expor a má atuação de um juiz. O veículo teve que pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais, porque descreveu como “desastrosa” a atuação de Ferreira na Vara da Infância da cidade. E essa foi a penarecalculadapelo STJ. Na primeira instância, os colegas do juiz haviam determinado indenização em R$ 255 mil. Mas, dessa vez, o STJ julgou a quantia desproporcional à gravidade da ofensa e à condição econômica do jornal e a reduziu para R$100 mil.
Em 2011, foi a vez do apresentador Datenaperder um processocontra Ferreira. No STJ, ele foi condenado a pagar R$ 60 mil de indenização por comentários feitos em seu programa, à época na TV Record, sobre o caso das adoções irregulares. Para o desembargador Claudio Godoy, que julgou a ação, o apresentador imputou um crime ao magistrado ao dizer que “isso parece um caso claro de tráfico de menores” e que “crianças foram praticamente contrabandeadas para fora do País”.
O magistrado Ferreira, porém, não contou com a mesma benevolência quando processou por dano moral um colega de toga, o desembargador Enio Santarelli Zuliani. Ferreira havia sido denunciado à corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo porsuspeitas de favorecer empresas em processo de falência e não gostou do “excesso de linguagem” de Zuliani no voto favorável à investigação. O ministro do STJ Marco Buzzi, no entanto, decidiu que“o inconformismo não merece abrigo”enegou o direito à indenização. Já o processo administrativo contra Ferreira foi arquivado no Judiciário estadual e no Conselho Nacional de Justiça, o CNJ.
O magistrado foi procurado por meio da assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, que não respondeu aos questionamentos feitos. [Continua]
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Mas de 60 anos de jornalismo. Criei vários vocábulos, termos, palavras. Talvez assédio judicial, terrorismo judicial
Houve um tempo em que as campanhas publicitárias daFolha de S.Paulo diziam que o jornal só tinha “rabo preso com o leitor”, para marcar sua independência noticiosa.
É um bom mote para que oombudsmando jornal explique a razão do jornal ter dado com atraso de 24 horas a notícia de que o Comitê de Direitos Humanos da ONU ter dado ganho de causa ao e-presidente Lula e decidido que os processos movidos contra ele foram conduzidos com parcialidade e abusos.
Jamil Chade, correspondente do grupo (noUOL) deu a matéria ontem, por volta do meio-dia e diversos veículos,entre eles o Tijolaço, a replicaram (com créditos a ele, claro).
AFolhasó hoje publicou a informação, às 9 e meia da manhã e, depois, outro texto em que se descrevia a ação do governo brasileiro para que o julgamento do Comitê, apenas no site. No jornal impresso, nada.
Apesar de ter saído sem destaque, é a matéria mais lida da versãoonline.
E com mais de uma centena de assinantes a comentando, a grande maioria se queixando do tratamento do jornal à notícia.
Reproduzo o que dizem alguns:
Parei de assinar esse jornal por este comportamento, na condenação do Lula fez manchetes garrafais e agora dá noticia quase que escondida e ainda com título absurdo. Essa notícia é a número um no “mais lidas” da Folha, mesmo tendo uma manchete que esconde o verdadeiro conteúdo da notícia e sem receber o destaque que merece. Foi golpe, esse jornal foi cúmplice. Caros, caberia aos veículos de comunicação, incluindo a FOLHA, fazer uma reportagem de capa com esse julgamento da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Após anos atacando o presidente Lula, seria de bom tom dar visibilidade às ações que o inocentam e explicitam o Lawfare contra o mesmo, com ações ilegais do ex-ministro e ex-juiz. Merecia manchete. Todavia, como a FSP fez parte da perseguição e do linchamento político, abraçando o ex-juiz como um semideus, reduziram ao máximo a importância dessa notícia. E onde está a manchete, Folha? O Comitê de Direitos Humanos da ONU concluiu que Lula foi alvo de perseguição política! O comportamento da FSP neste momento confirma definitivamente que toda a parafernália referente a Lula nos últimos anos teve como objetivo único e principal a manipulação da opinião pública. Vou votar em Lula com a consciência leve e muito feliz. Qualquer reserva de minha parte ficou retirada.
Há dezenas de outros leitores puxando o “rabo da Folha”, e e o pior é que, no panorama da mídia brasileira, ainda temos de dar graça a Deus de que vira notícia, mesmo atrasada e sem destaque, porque a realidade dos meios de comunicação é o silêncio.
Ou até pior, como fez a Globonews, mal dando a informação, para depois abrir espaços para Sergio Moro dizer que a ONU foi “influenciada” pelo STF e que não o absolveu das acusações, o que, obviamente, não estava em discussão no Comitê, mas apenas a regularidade do processo.
Depois somos nós os “blogs sujos” e eles a “imprensa profissional”.
Aliás, também é “muito bonito” dizer que combatem as “fakenews” e tornam o acesso à informação cada vez mais restrita, com seuspaywallsintransponível, enquanto as mentiras circulam em milhões de disparos para os celulares do povão.
É importante entender a dimensão do jogo político envolvido nas próximas eleições.
O Brasil está no epicentro de uma disputa política mundial, conduzida, de um lado, por uma coalizão de oligarcas, que denominaremos aqui, genericamente, de globalismo; do outro, pelos instrumentos civilizatórios do período anterior, órgãos multilaterais, instituições de Estado e movimentos de direitos humanos que a ultradireita internacional batizou de globalismo de esquerda..
Vamos por partes.
Etapa 1 da financeirização
Iniciada nos anos 70, o longo período da financeirização mundial repetiu, com impressionante semelhança, o ocorrido um século antes.
Primeiro, houve o advento de novas teorias econômicas, propondo a desregulamentação de mercados e o livre fluxo de capitais. Em ambos os casos, a teoria vendia falsas promessas: a de que, tratando bem o capital, ele transbordaria dos grandes centros para a periferia, trazendo prosperidade geral.
Desde o início da financeirização – nos anos 70 -, desregulamentação de mercados, controle das autoridades monetárias pelo mercado, novas tecnologias, bolhas especulativas permitiram enorme concentração da riqueza e perspectivas de grandes negócios com serviços públicos.
No século 19, esses negócios se concentravam nas ferrovias, navegação, iluminação pública. No século 21, nas grandes privatizações e na exploração dos mercados de energia, saúde e seguridade. E, em ambos os casos, uma ampla corrupção dos atores públicos, partidos políticos, Executivo e Judiciário, como sucedeu com o próprio Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República.
Na primeira fase, o discurso neoliberal tornou-se hegemônico, facilitando o trabalho de desmonte dos Estados de bem estar social, e provocando a explosão de grandes bolhas especulativas.
O passo seguinte foi a aliança global das oligarquias de vários países, alavancadas pelo sistema financeiro internacional. E, internamente, os capitais nacionais associados às grandes bancas globais.
As pontas de lança do discurso neoliberal
Recomendo a leitura do livro “Democracia na Periferia Capitalista”, do cientista político Luiz Felipe Miguel. Ele traça um bom roteiro das diversas interpretações sobre a crise das democracias depois de 2008.
As ideologias se constroem assim:
De início, teorias destinadas a dar substância teórica aos interesses do capital. Esse movimento se dá cooptando acadêmicos e usando a mídia para invisibilizar a crítica.
A partir daí, um conjunto de bordões que entram no dia-a-dia da mídia e passam a ser utilizados corriqueiramente por jornalistas ou acadêmicos propagandistas, infiltrando-se por todos os poros da opinião pública.
Alguns deles:
A retirada de direitos tornará a economia mais eficiente e, com isso, todos ganham, inclusive os que perderam os direitos.
Em qualquer hipótese, uma empresa privada é superior à empresa pública. Nem se cuida de analisar características e objetivos de cada uma.
Toda medida que beneficia o mercado é virtuosa. Jamais analisam externalidades negativas ou positivas.
Qualquer medida em benefício da população é populismo ou é “medida eleitoreira”.
Há um desprezo por qualquer gestor que não pertença aos círculos do mercado, como se a política exigisse personagens iluminados e como se as medidas em favor do mercado obedecessem a princípios científicos.
A análise de desempenho de empresas públicas fica restrita à sua capacidade de distribuir dividendos aos acionistas, ignorando por completo seus compromissos sociais, de atendimento a metas, interesses nacionais e de reinvestimento.
Uma empresa que não reinveste lucro tem resultados melhores no balanço imediato, e compromete o futuro. Por aqui, quanto maior a distribuição de dividendos, menor a parcela de investimentos e maior o saque contra o futuro da própria empresa Mesmo assim, recebe os maiores elogios da mídia.
Se a “lição de casa” não produziu resultados, é porque foi insuficiente. Tem que radicalizar, inclusive para não jogar fora os sacrifícios já incorridos.
Etapa 2 da financeirização
A crise de 2008 representou o fim do modelo das democracias liberais com sua receita de bolo: um discurso ideológico consolidado, o desmonte dos Estados nacionais contra qualquer forma de direitos sociais. Com a crise, o jogo muda, cai o mote do eficientismo, deixando um legado de concentração de renda, de grandes tragédias migratórias.
E também oligarcas, os bilionários que passam a se articular para a preservação do seu poder mundial. No caso russo e ucraniano, bilionários mais rústicos; nos países ocidentais, bilionários mais refinados misturados com Véios da Havan da vida. Mas todos, igualmente, oligarcas.
Análise-se o caso brasileiro.
Jorge Paulo Lemann, dono de fundações de estímulo à educação e de renovação política. No governo FHC conseguiu o controle do mercado de cervejas, graças a um voto indecente de Gesner de Oliveira, presidente do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico). No primeiro governo Lula, assumiu a Cemar (Centrais Elétricas do Maranhão), em uma manobra que nada ficava a dever a um oligarca russo. Agora, atua para privatizar a Eletrobras por valor ínfimo. Não despendeu um tostão na capitalização da empresa. Mas a mera privatização multiplicará por várias vezes o valor da sua participação.
Em uma das eleições, colocou um economista de confiança como assessor econômico do candidato Ciro Gomes, como condição para dar seu apoio. Tempos depois, colocou o assessor trabalhando diretamente com Antonio Pallocci, no governo Lula.
Daniel Dantas –graças ao apoio do governo Fernando Henrique Cardoso e cooptação de dirigentes de fundos de pensão, logrou o controle de várias estatais de telefonia privatizadas, sem precisar aportar capital. Depois disso, investiu em serviços públicos no Rio de Janeiro, em clubes de futebol e em fazendas na Amazônia.
André Esteves– no período Lula, participou de inúmeros empreendimentos gigantescos, como o Sete Brasil. Recentemente, venceu uma licitação viciada para a Zona Azul de São Paulo, levando de graça uma base de dados de 3,5 milhões de cartões de crédito.
Colocou um homem seu no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outro no Ministério da Economia. Paulo Guedes foi flagrado em uma live com um terminal da Bloomberg em sua sala, próprio para operações no mercado.
Sem contar os fora de linha, como Luciano Hang, o dono do Madero e outros, associados ao submundo empresarial da China.
Desde a crise de 2008, essa articulação de bilionários passou a buscar novas formas de garantir politicamente seus ganhos.
Etapa 3 – os pactos antidemocráticos
A ofensiva antidemocrática juntou globalmente dois grupos distintos: os oligarcas e a ultradireita.
Do lado dos oligarcas, montou-se a aliança tradicional que inclui a OCDE e o Departamento de Estado americano e, internamente, grupos de mídia nacionais.
Em ambos os casos, houve uma orquestração de impeachment atendendo a interesses globalistas.
Os EUA já tinham utilizado o poder do dólar como ferramenta geoeconômica, quando conseguiu impor à OCDE o primado da jurisdição americana sobre qualquer ato de corrupção que, de alguma maneira, fosse em dólares.
Em seguida, a OCDE lançou a campanha “no corruption”, que influenciou imediatamente o Ministério Público Federal brasileiro e passou a montar parcerias com países emergentes, visando impor a lógica americana nos judiciários locais. Os episódios mais ostensivos foram a Lava Jato, no Brasil, e a intervenção na Ucrânia em 2014. No caso da Ucrânia, a OCDE e o Departamento de Justiça dos EUA garantiram até prerrogativa de nomear juízes e ministros.
Na Ucrânia, o golpe foi precipitado por decisões pró-Rússia de um governo eleito; no Brasil, pela resistência da presidente em aderir ao “Ponte para o Futuro”, uma pauta globalista.
Em ambos os países, a mobilização popular contra o governo ocorreu com a participação direta das maiores redes de televisão. No caso do Brasil, a parceria com os oligarcas da Globo. Em troca, a Globo garantiu blindagem nas investigações que aconteciam nos EUA sobre a corrupção na FIFA, que tinha sua participação direta na compra de campeonatos. Uma das delações-chave foi a de J.Hawilla, principal parceiro da emissora na corrupção da FIFA e da CBF. Mesmo assim, o grupo saiu ileso.
Na Ucrânia, o principal promotor das manifestações foi uma rede de emissoras do oligarca Ihor Kolomoisky.
Em ambos os países, na fase inicial a transição política foi conduzida por políticos impopulares e mal-afamados, Michel Temer no Brasil, Petro Poroshenko na Ucrânia.
No momento seguinte, houve um processo de construção de “mitos” – Zelensky na Ucrânia, através da rede de emissoras de Kolomoisky – que simultaneamente financiou o grupo neonazista Batalhão Azov. Bolsonaro no Brasil – valendo-se das redes formais e das redes sociais.
Do lado da ultra direita houve a utilização intensiva das redes sociais e a constituição de milícias armadas de apoio direto aos presidentes.
Nos dois casos – Ucrânia e Brasil – o legado ultraliberal resultou no desmonte dos estados nacionais, queda significativa do PIB, manutenção de níveis elevados de corrupção.
Etapa 4 – a volta dos pactos regionais
Nos últimos anos, dois grandes eventos expuseram definitivamente o legado deletério do globalismo neoliberal: a pandemia do Covid-19 e o conflito Rússia-OTAN, seguido das sanções econômicas adotadas pelos Estados Unidos contra a Rússia.
A pandemia acelerou a desestruturação das cadeias globais de produção, trouxe de volta o conceito de segurança econômica nacional e jogaram em primeiro plano a questão da fome e da miséria. Já as sanções econômicas trouxeram um risco adicional para a manutenção do dólar como moeda global.
Etapa 5 – Brasil no epicentro da maior batalha global
A partir de agora, desenrola-se a, provavelmente, mais importante batalha mundial do ultraliberalismo. De um lado o liberalismo destruidor de estados e de direito. Do outro, a social-democracia redesenhada – formada pela social-democracia europeia e países da América Latina – empenhada na reconstrução dos estados nacionais e das instituições multilaterais.
Eleito Lula, haverá a necessidade de um pacto nacional onde não mais haverá o ganha-ganha dos dois primeiros governos. Será uma batalha titânica, sem espaços de mediação.
Não há uma instituição em condições de ancorar a transição.
A cobertura da guerra mostrou uma mídia brasileira que não absorveu em nada as lições da cobertura da Lava Jato. O período do jornalismo de esgoto afetou radicalmente uma geração inteira de chefes de redação. A renovação será lenta – se houver.
No plano político-partidário, nem a criação do instituto da federação de partidos logrou homogeneizar os projetos de país.
Lava Jato e impeachment contaminaram todos os poderes nacionais. No Judiciário há até questionamento de decisões do STF por tribunais relevantes, como o Tribunal de Justiça de São Paulo. O modelo de indicação de desembargadores impede completamente a renovação nos principais tribunais, submetidos a cartas marcadas que eternizam estruturas herdadas do período ditatorial.
Nas Forças Armadas, currículos dos tempos da ditadura, e jamais renovados, eternizaram gerações de militares sem nenhuma informação sobre as mudanças globais, ainda presos à guerra fria e à noção de defesa do “mundo livre”. E, agora, parte deles contaminada pela possibilidade de negócios abertos pela invasão da área pública por militares negociantes.
Ao mesmo tempo, o vírus do ultraliberalismo continua arraigado na opinião pública.
Paradoxalmente, toda essa dificuldade será o fator de aglutinação da renovação. O que estará em jogo não será um provável terceiro governo Lula, mas o próprio desafio de manter o Brasil como nação.
247 –O jornalista Glenn Greenwald, um dos responsáveis pela Vaza Jato, série de reportagens jornalísticas que demonstraram a parcialidade do ex-juiz suspeito Sergio Moro, falou sobre o fiasco de sua candidatura, em entrevista concedida à TV 247. "A candidatura de Moro está morta", afirma. "Todo mundo sabe que ele é corrupto".
De fato, pesquisas qualitativas apontam que aimagem de "juiz ladrão" colou em Moro, que foi também responsável pela destruição de 4,4 milhões de empregos no Brasil, segundo o Dieese. Glenn Greenwald também falou sobre a Globo, que projetou no ex-juiz a imagem de herói. "A Globo é inimiga do Brasil", aponta.
Na percepção do jornalista, até março ou abril, Moro já terá desistido de disputar a presidência. "Além de corrupto, é incompetente, não sabe debater e não tem nenhum carisma".