O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) proibiu a veiculação, na TV e nas redes sociais do trecho da entrevista de Jair Bolsonaro aoThe New York Timesem que e ele diz que, para saciar a sua curiosidade de ver um índio (ser humano, portanto) ser cozido, embora não o tenha feito porque seus companheiros de viagem (que ele chama de “comitiva”) recusaram-se pois, do contrário “comeria o índio, sem problema nenhum”.
Diz ele que “a reportagem se refere a uma experiência específica dentro de uma comunidade indígena, vivida de acordo com os valores e moralidade vigentes nessa sociedade”.
“Experiência específica”, ministro? Acaso estava Jair Bolsonaro perdido na selva e vivendo dentro de um comunidade indígena e, portanto, sendo levado, a partilhar “os valores e moralidade vigentes nessa sociedade”?
“Eu queria ver o índio sendo cozinhado”, a frase dita por Bolsonaro, não tem a ver com partilhar a cultura indígena, mas com a curiosidade mórbida do então deputado.
O vídeo não associa Bolsonaro à admissão da antropofagia, é o próprio ex-capitão quem o faz e com o objetivo nítido de arrogar-se “valentão”, alguém que “não corre da raia”.
Se é admissível ter “uma experiência específica” de ver uma pessoa sendo cozida e provar de sua carne, será legítimo, por exemplo, montar excursões para assistir isso? Quem sabe para dizer que estaria compartilhando “os valores e moralidade vigentes” de sociedades ancestrais?
Ou admitir que se fizessemtoursà Arábia Saudita para assistir decapitações ou ao Ísis, para assistir degolas e até experimentar como seria fazer isso?
E pior, dizer que não se pode falar que alguém desejou participar desta “experiência específica”, ainda mais alguém que é e pretende ser, por mais quatro (e sabemos, ainda por muitos mais) o dirigente máximo do país.
Vamos falar sério: o ministro proibiu a exibição da gravação – e não duvido que o plenário do TSE vá fazer o mesmo – porque é demolidora, e com razão, na demonstração dos desvios mentais de um psicopata.
Em uma entrevista de 2016 Bolsonaro aparece dizendo que comeria a carne de um indígena morto, mas que perdeu essa oportunidade. A conversa era com um jornalista do New York Times e, na época, o vídeo foi postado pelo próprio presidente. Isso significa que, por mais grotesca que seja a notícia, Bolsonaro não tem como negá-la.
Na ação de investigação judicial eleitoral movida pelo Partido Democrático Trabalhista contra Jair Messias Bolsonaro, o Tribunal Superior Eleitoral, em 30 de junho de 2023, concluiu o julgamento que decidiu, por maioria, condenar o ex-presidente "pela prática de abuso de poder político e pelo uso indevido de meios de comunicação nas Eleições 2022 e declarar sua inelegibilidade por 8 (oito) anos seguintes ao pleito de 2022"[1]. A síntese da causa de pedir foi a realização de reunião no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho de 2022, oportunidade na qual o investigado proferiu discurso que, na ótica do TSE, pretendia deslegitimar o processo eleitoral por meio da veiculação de desinformações.
Esses fatos e seu respectivo enquadramento jurídico precisam ficar muito claros para que se compreenda a dimensão do que foi considerado abuso de poder pela maior instituição da Justiça Eleitoral do país e que resultou na inédita decretação de inelegibilidade do antigo ocupante do mais importante cargo da República. Embora sejam corriqueiras as acusações de utilização da máquina pública em benefício de candidatos no âmbito municipal, estadual e mesmo federal, há um elemento na condenação de Bolsonaro que ultrapassa o patrimonialismo típico do desvio de finalidade que apropria indevidamente a estrutura estatal em prol de campanhas políticas.
Tradicionalmente, as espécies de abuso de poder imputadas a Bolsonaro se fundamentam na premissa da garantia à paridade de armas, segundo a qual deve ser assegurada a todos os candidatos uma disputa eleitoral com igualdade de oportunidades por meio da conquista legítima da preferência do eleitorado, a fim de mitigar as assimetrias decorrentes do uso indevido do poder econômico, político e dos meios de comunicação. Esse paradigma, que se preocupava antes em fiscalizar a instrumentalidade do processo eleitoral com o adequado uso dos recursos materiais e financeiros pelos candidatos, não parece ser mais o horizonte interpretativo suficiente para conferir a legitimidade da disputa política hodierna.
O elemento inovador que o julgamento de Bolsonaro suscita é o olhar da Justiça Eleitoral dirigido para a substância, para o conteúdo da plataforma eleitoral sustentada pelo candidato, que sobeja como fundamento decisivo para a caracterização do ato ilícito. Os rótulos das categorias de abuso de poder empregados pelo Tribunal Superior Eleitoral, na realidade, apenas expressam a exteriorização no mundo empírico quanto à utilização da estrutura do Palácio da Alvorada (abuso de poder político), da TV Brasil e da divulgação em redes sociais (uso indevido dos meios de comunicação social), mas cujo verdadeiro abuso se assenta mais em função do conteúdo de seu pronunciamento e menos no modo pelo qual ele foi transmitido.
Não que antes não se examinasse o teor das mensagens propagadas pelos candidatos para aferir a desvirtuação da máquina administrativa ou dos meios de comunicação social, sob a ótica da promoção pessoal, visando a auferir dividendos eleitorais, que, de maneira mais ou menos implícita, dissimulava a condição de candidato no exercício da função de gestor. Essa deformação passou a adquirir outra conotação quando o TSE decidiu, em 7 de dezembro de 2021, que "ataques ao sistema eletrônico de votação e à democracia, disseminando fatos inverídicos e gerando incertezas acerca da lisura do pleito, em benefício de candidato, podem configurar abuso de poder político ou de autoridade — quando utilizada essa prerrogativa para tal propósito — e/ou uso indevido dos meios de comunicação quando redes sociais são usadas para esse fim"[2], no caso que levou à cassação do deputado paranaense Fernando Francischini.
A teleologia dessa perspectiva do abuso de poder não se explica pela ruptura do princípio da impessoalidade na administração pública mediante o aparelhamento de sua estrutura para confundir o eleitorado entre o que seriam as ações do candidato e as ações do agente estatal. Aqui, não há elementos próprios da propaganda eleitoral no sentido de enaltecer as qualidades pessoais do candidato para incutir no eleitorado a ideia de que ele é o mais apto a exercer a função pública, tampouco pedido de voto ou apoio em seu favor. O benefício eleitoral, nesse contexto, advém da adesão angariada entre os cidadãos adeptos de teorias conspiracionistas, em princípio, contra o sistema eletrônico de votação, mas também da canalização de ideais contrárias à democracia. Não se alude à quebra de paridade de armas na acepção de que um candidato ostenta uma posição privilegiada no pleito decorrente da utilização abusiva de recursos públicos ou privados em detrimento de outras candidaturas, mas consiste, sobretudo, na ilegitimidade da preferência eleitoral inspirada por impulsos antidemocráticos.
Essa tênue distinção entre os dois paradigmas de abuso de poder acima expostos, inclusive, não escapou à sagacidade da defesa do investigado, Jair Messias Bolsonaro, que logo se ocupou de arguir a incompetência da Justiça Eleitoral, uma vez que a reunião com os embaixadores, em que foi questionada a confiabilidade das urnas eletrônicas, estaria despida de caráter eleitoral, por se tratar de típico ato de governo; tese que foi, contudo, refutada pelo Plenário da Corte. O precedente do final de 2021, que pavimentou o caminho para o julgamento de Bolsonaro, gerou desdobramentos que atestam a existência concreta de uma nova dimensão do abuso sobre o qual a Justiça Eleitoral agora é instada a enfrentar.
Em 16 de março de 2023, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, por maioria, condenou à inelegibilidade o deputado estadual, Delegado Cavalcante, então candidato a deputado federal, em virtude de discurso proferido em comício realizado em 7 de setembro de 2022 com o seguinte teor: "O presidente Bolsonaro é o mais querido, é o que a população está querendo. E não vamos aceitar que as urnas dê a vitória para quem não presta. E digo mais: se a gente não ganhar... se a gente não ganhar — eu vou repetir — se a gente não ganhar nas urnas, se eles roubarem nas urnas, nós vamos ganhar na bala. Na bala. Nós vamos ganhar na bala. Não tem nem por onde. Nós vamos ganhar na bala"[3]. O voto divergente que prevaleceu demonstrou a similaridade com o "Caso Francischini" e reputou presente o abuso de poder político, em função do suporte da estrutura político-partidária para o comício, além da condição de deputado estadual, e o uso indevido dos meios de comunicação, pois o candidato publicou sua fala em perfil de rede social.
Os julgamentos de Francischini e Cavalcante expõem como desinformação, incitação à violência e ameaça às instituições democráticas estão entrelaçadas enquanto formas de discurso destinadas à captura da preferência eleitoral e que, por isso, deslegitimam os mandatos eventualmente conquistados sob essa plataforma política, além de impor a decretação à inelegibilidade como medida de proteção do Estado Democrático de Direito em face daqueles que contra ele atentaram. A evolução da divulgação de informações inverídicas sobre urnas eletrônicas e o sistema eletrônico de votação até a pregação do recurso à insurreição armada contra o Estado de Direito não é uma mera contingência dessa expressão do abuso.
Trata-se de realidade presente a ascensão do populismo de caráter antidemocrático, que, segundo explica Jan Werner Müller [4], não representa uma face legítima da moderna política democrática, tampouco uma patologia decorrente de cidadãos irracionais. Esse fenômeno é a sombra permanente da política representativa, tendo em vista que os populistas não se opõem aos princípios dessa representatividade, mas apregoam a narrativa de que somente eles podem ser considerados os representantes legítimos do povo, isto é, são antipluralistas. Apenas eles representam o povo e todos os outros competidores políticos são ilegítimos. O povo, para eles, é uma entidade moral homogênea cuja vontade não erra. Por isso, argumenta Müller que populistas devem ser criticados não apenas como antiliberais, mas, sobretudo, como um real perigo para a democracia, de modo que sua participação no debate político seria condicionada a que se mantenham na legalidade e não incitem a violência.
Esse viés autoritário do populismo aposta em uma razão binária beligerante que reproduz uma lógica de ódios e afetos para legitimar todos aqueles que integrem a comunidade moral que detém o monopólio da condição de "povo" e, por conseguinte, deslegitimar os excluídos. Essa plataforma política que aposta na divisão no lugar do consenso e explora o preconceito em vez de combatê-lo, agrava a intolerância, que é crescente no Brasil e no mundo. No campo político, a intolerância consiste na tentativa de apagar ou não admitir pontos de vista diferentes daqueles do próprio indivíduo, enquanto a intolerância na esfera social se caracteriza pela falta de habilidade ou disposição em respeitar as diferenças de toda ordem entre as pessoas, que, conforme Lilia Schwarcz, se expressa na forma de "racismo, misoginia, antissemitismo, homofobia, pragmatismo religioso ou político, horror aos estrangeiros (...)"[5].
Contra essa ameaça à democracia ainda não há resposta institucional pronta e acabada. Muito se mencionou no debate público recente o paradoxo da tolerância de Karl Popper, abordado em sua obra A Sociedade Aberta e seus Inimigos, para propor uma explicação sobre limites da convivência com a intolerância no regime democrático. Não se atentou, contudo, que antecede o paradoxo da tolerância a referência de Popper ao paradoxo da liberdade formulado por Platão, que critica uma versão demasiadamente ingênua do liberalismo, da democracia, e do princípio majoritário, que propõe implicitamente a indagação: "E se for vontade do povo, não que ele próprio governe, e sim um tirano em seu lugar?"[6]. Nesse caso, o homem livre, no exercício de sua liberdade, desafia a própria liberdade e clama por um tirano.
Para se evadir dessa contradição, Karl Popper oferece uma compreensão do problema que não se baseia nas qualidades intrínsecas das virtudes do princípio majoritário, mas nos vícios da tirania e na adoção de mecanismos que lhe evitem e resistam. Segundo o filósofo, deve ser classificado como democracia o governo do qual se livra sem derramamento de sangue, por meio de eleições gerais e instituições sociais que assegurem a retirada pacífica dos governantes e que não sejam facilmente destruídas pelos detentores do poder, ao passo que tirania, ou ditadura, representam o contrário, isto é, os governados não conseguem expurgar os governantes a não ser por meio de revoluções vitoriosas. Daí por que Popper afirma que o princípio de uma política democrática deve ser agora uma proposta de criar, desenvolver e proteger as instituições políticas, para evitar a tirania, pois o princípio democrático significa aceitar que uma política má na democracia, desde que persista a possibilidade de mudança pacífica do governo, é preferível à subjugação por uma tirania, por mais sábia ou benévola que seja. A teoria da democracia não se baseia, assim, no princípio absoluto do governo da maioria, mas na existência de métodos igualitários para o controle democrático. O sufrágio e o governo representativo, mais do que fins em si mesmos, devem ser considerados, na realidade, eficazes instrumentos de salvaguarda institucional contra a tirania, passíveis de constante aperfeiçoamento.
Essa é a perspectiva que o conceito guarda-chuva do "abuso de poder" no Direito Eleitoral necessita incorporar. Até então, a ênfase no aspecto político, econômico ou no uso de meios de comunicação social restringe as ferramentas de proteção do regime democrático e nem sempre se mostra suficiente a coibir adequadamente discursos antidemocráticos patrocinados pelos candidatos. Na esteira dos precedentes que vem se formando sobre a matéria, o abuso de poder consistente em ataques ao sistema eletrônico de votação e à democracia depende da utilização da prerrogativa do poder político e/ou de sua veiculação nos meios de comunicação social, incluída a internet. Nos casos Francischini e Cavalcante, o exercício da função parlamentar foi considerado como elemento para caracterizar o abuso de poder como político ou de autoridade e a divulgação em suas redes sociais de suas falas foi enquadrada como uso indevido dos meios de comunicação.
Essas condicionantes excluem da incidência do campo do abuso de poder o candidato que não exerce mandato ou é agente público, em sentido estrito ou amplo, como também não alcança pronunciamentos que não sejam veiculados nos meios de comunicação social, como falas em reuniões particulares, visitas a eleitores e comunidades, entrevistas concedidas a rádios e televisões sobre os quais não detém gerência, discursos em comícios e espaços públicos ou qualquer modalidade de propagação de ideias antidemocráticas que se opere na clandestinidade. Se um candidato, nessa simples condição, atenta contra a democracia por meio da realização de discursos políticos incompatíveis com o Estado Democrático de Direito sem que isso seja veiculado em suas redes sociais ou algum veículo oficial de comunicação da campanha, uma visão estreita do abuso de poder o eximiria de vir a ser responsabilizado com a perda do mandato ou com a decretação de inelegibilidade.
Essa lacuna da doutrina do abuso de poder há de ser preenchida com a devida extensão que as ameaças à democracia exigem para que o ato ilícito contemple toda e qualquer manifestação de candidatos que pretendam captar a preferência eleitoral com base em plataformas políticas autoritárias, que incitem o ódio e a intolerância, com manifesto conteúdo desinformativo [7]. O julgamento de Bolsonaro é o convite urgente para que as instituições se aperfeiçoem e incrementem a sua grade de proteção e defesa da democracia pela Justiça Eleitoral.
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[1] TSE. Aije n. 0600814-85.2022.6.06.0000. Rel. min. Benedito Gonçalves. Julgado em 30/06/2023.
[2] TSE. Recurso Ordinário Eleitoral nº 0603975-98.2018.6.16.0000. Rel. min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 07/12/2021.
[3] TRE/CE. AIJE n. 0602936-06.2022.6.06.0000. Rel. Designado juiz George Marlmeinstein Lima. Julgado em 16/03/2023.
[4] MÜLLER, Jan-Werner. What is populism? Philadelphia, PA: University of Pennsylvania Press, 2016, p. 101.
[5] SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 214.
[6] POPPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e seus inimigos. Tradução de Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1987, p. 138.
[7] Essa proposta é defendida na obra A tolerância no processo eleitoral: contornos jurídicos e perspectivas, resultado da tese de doutorado defendida por este autor no Programa de Pós Graduação da Universidade de São Paulo, publicada pela editora Lumen Juris.
A inelegibilidade de Bolsonaro é importantíssima; fundamental. Qualquer decisão diferente do TSE representaria a morte da justiça e da legalidade.
A punição eleitoral de Bolsonaro é um requerimento democrático essencial devido aos ilícitos cometidos no encontro com missões diplomáticas estrangeiras no Palácio do Alvorada. Aliás, Bolsonaro coleciona outros crimes eleitorais, pelos quais ainda deverá responder.
Na realidade, o TSE já deveria ter tornado Bolsonaro inelegível em 19 de julho de 2022, dia seguinte ao do evento em que ele espezinhou a soberania popular perante o olhar estupefato de representantes de vários países do mundo.
À rigor, portanto, a chapa militar Bolsonaro/Braga Netto nem poderia ter sido registrada para concorrer na eleição de 2022, mas é bastante provável que o temor militar tenha desencorajado qualquer iniciativa da justiça eleitoral e do conjunto do judiciário no sentido de reconhecer a inelegibilidade de Bolsonaro já naquele momento.
Aliás, o ministro do TSE Benedito Gonçalves reconheceu isso. No seu voto no processo do TSE, o ministro explicou que não propôs a cassação do registro da chapa Bolsonaro/Braga Netto “exclusivamente em virtude de a chapa beneficiária das condutas abusivas não ter sido eleita”.
Ora, e se Bolsonaro tivesse sido reeleito, é possível se cravar com segurança que o TSE teria julgado e decidido impor a inelegibilidade a Bolsonaro com a mesma agilidade e por ampla maioria?
Muito provavelmente não, porque com Bolsonaro reeleito o Brasil já teria mergulhado no precipício fascista e as instituições civis e os poderes da República estariam subjugados à tutela militar.
E esta primeira condenação eleitoral de Bolsonaro também não pode ser usada para justificar uma “passada de pano” para livrá-lo de responder criminalmente pela conduta miliciana e por todos os crimes perpetrados contra a democracia, as instituições, a administração pública, a probidade administrativa e a vida humana.
Do ponto de vista da justiça e da democracia, a inelegibilidade do Bolsonaro é um passo fundamental, claro, mas o miliciano fascista ainda precisa ser julgado e condenado à prisão pelos inúmeros crimes cometidos.
Bolsonaro precisa sentar no banco dos réus nas instâncias judiciais brasileiras e, também, nos tribunais internacionais no concernente aos crimes de genocídio e contra a humanidade.
Na celebração da inelegibilidade do Bolsonaro a mídia apressada já começou especular sobre a sucessão da liderança bolsonarista, como se Bolsonaro fosse um cadáver político, o que está longe de ser realidade – inclusive porque o TSE só restringiu seus direitos eleitorais, mas manteve os direitos políticos dele.
Portanto, a “embriaguez democrática” com a primeira condenação do Bolsonaro no TSE não pode distrair a atenção e tirar do foco o central para a justiça e democracia do país, que é a exigência de que o miliciano genocida seja processado dentro do devido processo legal e condenado à prisão em regime fechado.
Dizem que estou comemorando a cassação de Deltan Dallagnol! Gente! Que é isso?
É claro que é verdade.Sempre fui critico da Lei da Ficha Limpa! Há aberrações lá. Tomei porrada do lavajatismo. Mas, se existe a lei, cumpra-se. Dallagnol esperneia por ser cassado por uma lei q ele defende. Aplaudo sua cassação por uma lei q ñ defendo. Sou, em suma, um legalista. E ele, um ilegalista
O registro de Deltan Dallagnol como deputado federal foi cassado ontem, por unanimidade, pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral. O relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, afirmou que Dallagnol cometeu uma "fraude" contra a Lei da Ficha Limpa ao pedir exoneração do Ministério Público Federal onze meses antes das eleições. Ele enfrentava processos internos no MPF que poderiam levar à sua demissão e, em consequência, à sua inelegibilidade.
Leia uma síntese das 37 páginas do voto que cassou o mandato de Dallagnol
Deltan Dallagnol sabe que seu mandato já era. É provável que recorra ao Supremo. Só não é perda de tempo porque aproveitará a oportunidade para produzir um tantinho mais de proselitismo contra os tribunais, alimentando o bramido da extrema-direita e das milícias digitais. O voto do ministro Benedito Gonçalves, corregedor do TSE, que cassou o registro de sua candidatura, é uma peça devastadora.
A ação originária que pedia o indeferimento da candidatura é de autoria da Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV) e do PMN. As duas alegações:
- o então candidato feriu a Lei da Ficha Limpa ao renunciar ao cargo de procurador da República quando estavam em curso diversos procedimentos contra ele, que poderiam resultar na sua inelegibilidade;
- as contas da Lava Jato haviam sido consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas União.
O Ministério Público Eleitoral defendeu o arquivamento do procedimento, com o que concordou o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Mas os autores da petição recorreram ao TSE. E o registro da candidatura do ex-procurador foi cassado por sete a zero — e, pois, o seu mandato. Votaram com Gonçalves os ministros Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Como se nota, não dá para acusar a existência de uma panelinha ideológica...
LEI DA FICHA LIMPA
Bem, para entender a decisão, e vou transcrever trechos do contundente voto do relator, seguido pelos demais, é preciso estampar o que define a alínea "q" do Inciso I do Artigo 1º da Lei Complementar 64:
"Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos"
A Lei Complementar 64, que é das inelegibilidades, é de 1990. Mas ela sofreu uma alteração importante em 2010, com a Lei Complementar 135, que é conhecida como "Lei da Ficha Limpa". O que vai acima é parte da dita-cuja. Em suma: é inútil renunciar para evitar a inelegibilidade se houver pendente um processo administrativo ou disciplinar.
O TRE do Paraná entendeu, em linha com o Ministério Público Eleitoral, que o então coordenador da Lava Jato ainda não respondia a processo administrativo "stricto sensu" e que as apurações contra ele estavam ainda em fase preliminar. E é justamente essa tese que Gonçalves demole de maneira implacável e, parece-me, irrespondível.
PILARES DO VOTO
O voto do relator tem em dois artigos do Código Civil os pilares da argumentação que conquistou a unanimidade no TSE. Prestem atenção:
"Na legislação vigente, verifica-se no art. 166, VI, do CC/2002 a previsão expressa de que é nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa."
E o ministro segue:
"A fraude à lei, de igual forma, guarda estreito liame com o disposto no art. 187 do CC/2002, segundo o qual 'também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Em suma, meus caros, não há direito no abuso de direito. Quando isso acontece, lembra Gonçalves, estamos diante do da "fraude à lei", com precisa definição de Pontes de Miranda, que o relator transcreve, a saber:
"Fraude à lei consiste, portanto, em ser aplicada outra regra jurídica e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada. Aquela não incidiu porque incidiu esta; a fraude à lei põe diante do juiz o suporte fáctico, de modo tal que pode o juiz errar. A fraude à lei é infração da lei, confiando o infrator em que o juiz erre."
Pois é. Mas se os processos não haviam ainda sido formalmente abertos, o que se passou? A síntese no voto do relator deixa poucas esperanças ao cassado — ou nenhuma — de que reverta o resultado no Supremo, livrando-se também da inelegibilidade oito anos. Vamos ver como, dados os pilares, foi construído o edifício argumentativo.
A SEQUÊNCIA
Gonçalves lembra o passado de procurador buliçoso:
"Em primeiro lugar, a partir de informações fornecidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), não refutadas, verifica-se que o recorrido, ao tempo em que exercia o cargo de procurador da República, sofreu duas penalidades em 2019 no âmbito de dois processos administrativos disciplinares (PADs 1.00898/2018-99 e 1.00982/2019-48; IDs 158.592.466 e 158.592.465)"
E o ministro destaca que ele foi punido com advertência e censura. Eventuais outras punições seriam certamente mais gravosas. Na sequência, segundo a lei, vêm suspensão, demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade.
E aí o ministro ressalta que estavam em curso, contra Dallagnol, nada menos de 15 procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público:
Escreve:
"Em segundo lugar, observa-se que, ao tempo do pedido de exoneração do cargo de procurador da República, em novembro de 2021, tramitavam contra o recorrido 15 procedimentos administrativos de natureza diversa no CNMP, sendo nove Reclamações Disciplinares, uma Sindicância, um Pedido de Providências, três Recursos Internos em Reclamações Disciplinares e, ainda, uma Revisão de Decisão Monocrática de Arquivamento em Reclamação Disciplinar."
Como o cara pediu pra sair, tudo, obviamente, se extinguiu.
Sem formar juízo de culpabilidade, aponta que alguns dos procedimentos versavam sobre coisas muito graves:
- três apurações de compartilhamento indevido de dados sigilosos decorrentes de sua função, inclusive com agências de investigação estrangeiras;
- improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos naquela tentativa burlesca de criar uma fundação com recursos oriundos de multa paga pela Petrobras;
- reclamações disciplinares por não se comportar de acordo com a exigência do cargo, inclusive no que respeita à sua relação com o Supremo.
Gonçalves aduz que Dallagnol tinha clareza de que era o alto o risco de novas punições, que implicariam a inelegibilidade. E evoca um terceiro fato, que se deu justamente com um subordinado seu na Lava Jato: o procurador Diogo Castor foi demitido em decorrência do tal outdoor exaltando a "República de Curitiba". Naquela imagem, adivinhem quem era a figura central... Dallagnol, no quarto item relacionado pelo relator, pede exoneração 16 dias depois.
Finalmente, nota que o agora deputado cassado poderia ter deixado o Ministério Público para se candidatar seis meses antes da eleição. Mas o fez 11 meses, de maneira aparentemente injustificada — a não ser em razão do risco de que uma punição levasse à inelegibilidade, o que, pois, o devolve para a alínea "q" do Inciso I do Artigo 1º da Lei Complementar 64.
Dado o conjunto da obra, o ministro transcreve o que dispõe o Artigo 23 da Lei:
"Acerca de todos esses cinco elementos, impende salientar que, nos termos do art. 23 da LC 64/90, "o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral"
E então conclui o relator:
"Constata-se, assim, que o recorrido agiu para fraudar a lei, uma vez que praticou, de forma capciosa e deliberada, uma série de atos para obstar processos administrativos disciplinares contra si e, portanto, elidir a inelegibilidade. Dito de outro modo, o candidato, para impedir a aplicação da inelegibilidade do art. 1º, I, q, da LC 64/90, antecipou sua exoneração em fraude à lei".
E mais adiante:
"Na verdade, o óbice incide porque o recorrido, em fraude à lei, utilizou-se de subterfúgio na tentativa de se esquivar dos termos da alínea q, vindo a se exonerar do cargo de procurador da República antes do início de processos administrativos envolvendo condutas na Operação Lava Jato."
Gonçalves ilustra seu voto com trecho de um outro, do ministro Luiz Fux:
"Ambas as previsões [alíneas k e q] configuram hipóteses em que se furta o acusado ao crivo de procedimento de controle de responsabilidade política ou disciplinar, por ato eminentemente voluntário. (...) Não poderia se beneficiar eternamente da presunção de inocência o cidadão que renuncia, já que fica prejudicado o procedimento de apuração de responsabilidade tendente à sua expulsão do quadro de agentes políticos. Mormente porque uma das consequências da procedência de sua exclusão seria a inelegibilidade prevista constitucionalmente".
TCU
Os partidos pediram também a cassação do registro da candidatura porque Dallagnol com base no Artig. 1º, I, g, da LC 64/90 porque, como coordenador da Lava Jato, teve contas públicas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União em tomada de contas especial, diante de irregularidades no pagamento de diárias e passagens a membros do Ministério Público Federal que atuaram na força-tarefa, o que teria ocasionado dano ao erário.
Nesse caso, o ministro afastou a causa de inelegibilidade porque "os efeitos desse pronunciamento foram suspensos mediante tutela de urgência concedida em 18/9/2022 nos autos de demanda proposta perante a 6ª Vara Federal de Curitiba".
CONCLUO
Voltemos aos pilares do voto:
- Art. 166, VI, do CC/2002: "é nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa."
- Art. 187 do CC/2002: "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Vale dizer: - não existe direito no abuso de direito;
- como queria Pontes de Miranda: "Fraude à lei consiste, portanto, em ser aplicada outra regra jurídica e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada.
ConJur - Cabe multa contra políticos que divulgam notícias sabidamente falsas contra candidatos. Com base nesse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, nesta quinta-feira (11/5), multar o empresário, coach e político Pablo Marçal por divulgar um vídeo relacionando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao "kit gay".
O conteúdo falso foi divulgado durante as disputas presidenciais de 2022. Marçal reproduziu um vídeo em que Jair Bolsonaro (PL), então presidente e candidato no pleito do ano passado, afirma que o Ministério da Educação distribuiu o chamado "kit gay" durante os governos do PT.
O relator do caso, ministro Sérgio Banhos, confirmou uma liminar que determinou a retirada do vídeo e entendeu que cabe a aplicação da multa prevista no artigo 57-D da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997). Ele foi seguido pelos demais integrantes da corte.
"Estou dando provimento ao recurso para confirmar a liminar, determinando a retirada definitiva da íntegra do conteúdo impugnado e para condenar Pablo Marçal ao pagamento de multa de R$ 5 mil, nos termos do parágrafo 2º do artigo 57-D da Lei 9.504", disse o relator.
A decisão ratifica entendimento firmado em julgamento de março deste ano, quando o tribunal ampliou a interpretação de uma regra da Lei das Eleições criada para vetar manifestações anônimas na internet durante a campanha eleitoral, de modo a fazê-la alcançar também os casos em que há disseminação de fake news.
Ao analisar caso envolvendo a divulgação de informação falsa pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), o TSE decidiu que o artigo 57-D não indica que o ilícito se restringe à hipótese de anonimato. Em vez disso, tutela outros tipos de abusos no exercício do direito fundamental à livre expressão, que é garantido na Constituição Federal, mas não é absoluto.
Na ocasião, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que a disseminação de fake news, mesmo quando feita por pessoa identificada, tem os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das eleições da manifestação feita por usuário anônimo.
Quando Eduardo Bolsonaro disse que bastaria um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, certamente não estava imaginando que seriam o cabo da PM Daniel (Lúcio) Silveira e o soldado Marcos do Val, do 38° Batalhão de Infantaria, hoje (ainda) senador, os personagens da comédia tosca que estão encenando para livrar Jair Bolsonaro do destino de punição que espera os golpistas fracassados.
Talvez se pudesse até acreditar, de tão toscos que são os Bolsonaro, que tudo que do Val relatou (e “desrelatou”, ao longo do dia) sobre a conversa que Daniel Silveira o teria levado a ter com Jair Bolsonaro, envolvendo uma armação para que o senador gravasse conversas em que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, eventualmente escorregasse, na intimidade, em declarações que o marcassem como suspeito na condução dos inquéritos que implica o ex-presidente em manobras golpistas.
Mas, para crê-lo, seria necessário um festival de ingenuidades.
Do Val apresenta-se como “próximo” de Moraes, – “com quem façouns trabalhos“- e se poderia dizer até íntimo do ministro, tal a facilidade com que marca encontros porZapa qualquer hora que queira, ou que se possa achar que Moraes, recebendo um senador sabida e abertamente integrante da “tropa de choque” bolsonarista para falar inconveniências e fazer rompantes.
Logo ele que, há quatro dias, gravou um vídeo (aqui, aos 10 min) dizendo que Moraes é uma “unanimidade” negativa entre os brasileiros e que “nem os ministros do Supremo estão aguentando mais ele”.Amigão, não é?
É evidente que se trata de uma manobra primária para desqualificar o presidente do TSE e tentar retirá-lo da relatoria dos inquéritos relativos à defesa da democracia contra o golpismo.
Esta é a “missão” que recebeu, agora que a vitória de Rodrigo Pacheco na eleição do Senado tornou impossível a “saída” de promover oimpeachmentde Moraes.
O senador nem precisa desistir da alegada renúncia que disse – e “desdisse” – iria apresentar. Vai perder o mandato e terá a honra de abrir a fila da Comissão de Ética nesta legislatura.
O cabo Silveira, em cana, vai ter de dar cambalhotas para justificar os R$ 270 mil achados em sua casa. O soldado do Val, já está levando tombos estrepitosos no primeiro dia de suas “denúncias”.
Mas estas suas manobras diversionistas para livrar Bolsonaro, tal como as declarações de Valdemar da Costa Neto de que “todo mundo tinha” minutas do decreto golpista para estabelecer “Estado de Defesa” e anular as eleições, só vão ajudando a transformar em comédia-pastelão as versões dos golpistas para escaparem às suas responsabilidades.
Até o final desta quinta-feira, depois do seu depoimento à PF, do Val estará completamente desmoralizado e de tudo só restará um Bolsonaro mais golpista e tosco, sem ter nem mesmo o um cabo e um soldado ao seu lado.
O ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), incluiu a minuta do decreto golpista nos autos de uma ação contra Jair Bolsonaro e deu o prazo de três dias para que o ex-presidente e seu vice na chapa, Walter Braga Netto, se manifestem sobre o conteúdo do documento.
Considerado institucional, a minuta foi encontrada pela Polícia Federal durante ação de busca e apreensão na residência do Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do DF.
“Ante o exposto, admito a juntada do documento e determino a abertura de vista aos réus [Jair Bolsonaro], pelo prazo de três dias, para que se manifestem sobre seu teor.”, diz o corregedor.
A decisão desta segunda-feira (16) atende a um pedido do PDT para que a minuta fosse anexada às investigações referentes à reunião que Bolsonaro fez com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, quando atacou, sem provas, o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.
A ação do PDT, oficializada em agosto do ano passado, defende a inelegibilidade de Bolsonaro pela prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. A reunião com os embaixadores teve transmissão da TV Brasil.
Bolsonaro foi também incluído pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na lista das pessoas investigadas pelos atos de 08 de janeiro, suspeito de incitar apoiadores instigador dos ataques feitos por extremistas aos prédios dos três poderes, em Brasília.
Ao todo, tramitam no TSE 16 ações que podem afastar Bolsonaro de disputar eleições pelos próximos oito anos. Todas elas estão sob a relatoria de Benedito Gonçalves, que tem sido considerado “linha dura” pelos bolsonaristas.
No dia 12 de dezembro de 2022, enquanto o presidente Lula era diplomado numa histórica sessão do Tribunal Superior Eleitoral, ouvindo um épico discurso do ministro Alexandre de Moraes, milicianos bolsonaristas atacaram a sede da Polícia Federal e incendiaram alguns veículos em Brasília. Era a nossa Cervejaria de Munich, um “putsch” para um golpe que faliu e um protesto pela sua derrota nas eleições presidenciais, onde toda sujeira que nela emergiu veio das suas estrebarias de “fake news”, dos órgãos de Estado aparelhados, das ações ilegais da Polícia Rodoviária Federal e dos escaninhos bandidos do orçamento secreto. Estas ações da direita bolsonarista mostram que a vitória de Lula e da democracia ainda pendem de um forte processo político de afastamento dos restos da tragédia ancorados no porto da nossa história recente.
Votado pela base do governo num gesto escandaloso que se tornou uma vergonha planetária da nossa decadência democrática, que se orgulhava do seu isolamento internacional, do negacionismo genocida e dos ataques sistemáticos às instituições da Constituição de 1988, este “orçamento” só poderia ser composto por uma aliança marginal das religiões do dinheiro com o que tem de pior no fisiologismo das elites empresariais do país. Foi a unidade da barbárie contra a democracia, do fisiologismo com o espírito miliciano, de grande parte das classes médias com as instituições “sacras” do espírito-santo monetarizado na corrupção política.
Assim ele foi votado, para arrasar a paridade de armas nas eleições, em que o surpreendente foi a vitória de um homem supostamente aniquilado por uma conspiração midiático-judicial, que voltou com coragem e energia moral para reerguer um país dilacerado pelo ódio, obra de arte do fascismo que já percorreu no mínimo dois séculos da história ocidental. Aqui ele assumiu abertamente – com Jair Bolsonaro – a paixão necrófila do negacionismo e a naturalização da dor alheia pelo deboche planejado. Milicianismo e grupos políticos, milicianos e religiões do dinheiro: armas e gestos, assassinatos e naturalização da morte, do racismo e da misoginia, compuseram o dicionário da enciclopédia fascista nacional que quase nos levou ao suicídio.
O fascismo e o nazismo são siameses, ora acolhidos pela maioria das classes dominantes e das classes populares manipuladas pela política da extrema direita. Ambos são anti-sistema, propõe revoluções “pelo alto e “por baixo”, que reconhecem na barbárie uma substância permanente contida no Humano: “não um acidente infeliz da história” (…), como disse Simone Weil, mas “o bárbaro lamaçal da alma”, “um caráter permanente e universal da natureza humana”, esperando as oportunidades críticas para se manifestarem pela violência e pela negação da solidariedade e da justiça. (A barbárie interior, Jean-François Mattei, Unesp).
O livroCasta – as origens do nosso mal-estar, de Isabel Wilkerson (Zahar), lança luzes potentes sobre a formação da sociedade americana e sobre a sua estrutura de poder institucionalizada a partir do século XIX. As castas organicamente montadas em torno das “plantations” e a criação da identidade “negra” – como coisa – em contraposição à identidade branca dos colonos europeus, liberaram uma épica forma de exploração do trabalho. Ali se formavam as novas bases de acumulação – material e cultural – especificidades de um novo sistema capitalista em expansão, cujas tendências hegemônicas em escala global já eram visíveis.
Modernização e barbárie, ciência e técnica, política e ideologia, assim estão harmonizadas: moldam o império que se torna – ao mesmo tempo – exemplo do liberalismo político e também exemplo de convívio das suas liberdades com a barbárie. O Século XX condensa e integra, promove cisões e repulsas, na nação em crescimento, que são vividas tanto nos “partidos” da barbárie como entre os “partidos” da democracia moderna, moderadores da violência, cuja tendência seria adjudicar ao Estado normas mínimas de civilidade, que realizadas bloqueariam os excessos impeditivos de formação da nação.
O impulso da democracia americana, todavia, permanece atado ao sistema de castas, já orgânicas nas classes sociais em renovação, cuja política – a partir do Estado – promoveu tanto a democracia como o martírio de milhões, para a glória da civilização ocidental. Este conflito entre barbárie e civilidade democrática está expresso, também, nas lutas de resistência – vitoriosas ou derrotadas – contra o nazismo e o fascismo. E na luta entre as ditaduras e os defensores das bases constitucionais das democracias na América Latina, hoje uniformemente assediadas pelo fascismo, que retorna com diversos modelos formais em escala planetária
Não é muito divulgado na historiografia do racismo e do “apartheid” americano, que os intelectuais e cientistas “sociais” do Partido Nazista estudaram com muito interesse as estratégias de purificação social e racial nos EUA, tais como as zonas proibidas para a comunidade negra – tanto no espaço social como geográfico – bem como a proibição dos casamentos entre brancos e negros, nas origens da formação democrática americana. A eleição do presidente Joe Biden, que é o oposto de Donald Trump e da Klan nesta matéria, permite uma reflexão mais ampla e profunda sobre este tema vital do futuro das Américas.
Na verdade, a afirmação do modelo americano dentro do sistema de poder mundial foi um gigantesco laboratório de conciliação entre barbárie e humanismo moderno, no qual a força da barbárie que está viva e forte, foi recentemente testada na tentativa de golpe do presidente Donald Trump no assalto ao Capitólio. A escolha do local ocupado pelos milicianos bem remunerados não foi gratuita, pois ali estava o símbolo da democracia liberal que incorporou, processualmente, a vasta comunidade negra do país nas proteções do Estado de direito que foram formalizadas nas leis, como ideia que a nação queria fazer de si mesma.
Comparar a situação de ascensão do fascismo, na Itália, com os episódios políticos nacionais que foram gradativamente dando forma política legítima ao bolsonarismo (protofascismo), que vai lentamente se unificando com estratos relevantes do capital financeiro e com os setores mais marginais da burguesia mais “aventureira”, faz sentido: trata-se de compreender o processo de sucessão, entre as suas “elites”, que refletirá tanto na estratégia política dos setores populares, como nas mudanças necessárias para adaptação do capitalismo a um novo ciclo de acumulação.
Antonio Gramsci no cárcere em 1926, quase dois anos depois de eleito deputado escreveu em plena era fascista que “os elementos da nova cultura e do novo modo de vida (…) são apenas as primeiras tentativas (…) iniciativa superficial e simiesca”, para interferir no que hoje “seria chamado de americanismo”: é crítica preventiva dos “velhos estratos que serão descartados” (…) “e que já estão tomados por uma onda de pânico social, reação inconsciente de quem é impotente” (Americanismo e fordismo”, Hedra), para alavancar – nos processos de mudança do sistema do capital – os aspectos que lhe interessam. O fascismo seria, assim, uma vitória reacionária com aparência de revolução.
A grande síntese histórica deste complicado processo político de formação do Estado americano, dentro dos parâmetros da modernidade liberal democrática – um Estado imperial e de ocupações militares no seu exterior “vital” – está refletida em dois fatos históricos exemplares na atualidade, que dizem respeito ao que ocorre em nosso país: de um lado, o Exército americano negando-se, formalmente, a participar de um golpe contra as instituições da democracia liberal; e de outra, seu ex-presidente tentando descaradamente este golpe, manipulando suas marionetes fascistas no Brasil, para comporem um arco de alianças na extrema direita dos EUA, que vitoriosa refletiria seu poder fascista e racista em toda a América Latina.
A diplomação do presidente Lula foi a vitória de uma ampla frente democrática, que tem demandas diferentes sobre o Estado e diversas pretensões de futuro. Ela encerra um ciclo heroico de resistência e ofensiva democrática, pautada pela unidade em torno do Estado de Direito. E ela não foi somente civil, pois a falta de apoio majoritário ao golpismo de Jair Bolsonaro dentro das nossas instituições armadas, pode estar indicando um novo ciclo virtuoso da nossa história republicana.
Sua confirmação só poderá ocorrer, todavia, se o peso da lei penal – dentro dos rituais democráticos do Estado de Direito – cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos e os seus dirigentes políticos, que ainda no dia de ontem mostraram que o terror e a barbárie são suas armas principais contra a República e a democracia. Quem viver verá: vivemos e veremos!
A luta antirracista é um tema urgente e universal que atravessa a pauta do Instituto Brasil-Israel (IBI) e remete a um diálogo entre judeus e negros que encontra raízes históricas, especialmente nos EUA. A noção de casta proposta por Isabel Wilkerson desnuda pontos de contato entre a escravidão norte-americana, o nazismo alemão e o sistema indiano, e como essas hierarquias rígidas e arbitrárias dividem grupos sociais ainda hoje. Apesar do livro focar nos EUA e nos afro-americanos, entendemos que sua leitura pode auxiliar na compreensão do racismo brasileiro, sempre negado, mas profundamente internalizado. E podemos também expandir o raciocínio para todos os grupos marginalizados e colocados como párias em uma sociedade, fazendo-se a crítica à “supremacia branca”. A proposta da mesa é promover uma conversa sobre as principais ideias presentes no livro, em especial a noção de casta como categoria para a compreensão e enfrentamento do racismo. Além disso, pretende-se estabelecer aproximações com o Brasil. PARTICIPANTES Lilia Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton. É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças (1993), As barbas do imperador (1998, prêmio Jabuti de Livro do Ano), Brasil: uma Biografia (com Heloisa Starling, 2015) e Lima Barreto: Triste visionário (2017, prêmio Jabuti de Biografia). Thiago Amparo, advogado, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste). Michel Gherman, professor de História na Universidade Federal Fluminense, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, pesquisador da Ben Gurion University e Diretor Acadêmico do Instituto Brasil-Israel.
Isso é falta de decoro. Um péssimo exemplo para os jovens. Lugar de arma não é na política. Quem pensa assim não acredita na Democracia, na Liberdade, na Igualdade, na Fraternidade.
O Roberto Jefferson do País da Geral
Sérgio A J Barretto
@SergioAJBarrett
E o Níkolas Ferreira também teve a conta excluída do Twitter. Quando é que terá o mandato cassado?
Revista Fórum
@revistaforum
Bolsonarista Nikolas Ferreira tem conta do Twitter suspensa por decisão judicial - Deputado eleito estava questionando o resultado das urnas e incentivou atos golpistas Saiba mais: http://tiny.cc/mqm0vz
Revista Fórum
@revistaforum
Nikolas Ferreira desafia TSE e tem mais contas derrubadas por espalhar desinformação Bolsonarista, que é deputado federal eleito, seguiu com suas acusações de fraude nas eleições e Justiça Eleitoral voltou a puni-lo Leia: https://tinyurl.com/2p8b96pv
Nunca trabalhou, nunca estudou. Corrigindo: Minas não é direita. Lula foi eleito presidente nos dois turnos em Minas Gerais e no Brasil
Por que o PL não remetia o conteúdo das propagandas às rádios, como as próprias emissoras já informaram ao tribunal?
por Moisés Mendes
Um ajudante de inspetor de filme policial de terceira categoria diria que mais um crime de amadores estava sendo planejado na eleição. Uma farsa para os tios do zap.
Seria um crime de amadores desesperados. Já existem evidências suficientes de que o TSE desmontou o plano que a extrema direita trouxe até as vésperas da eleição.
Com a ajuda de um servidor do próprio TSE, criou-se a história da não veiculação de propaganda de Bolsonaro em rádios do Nordeste.
Mas, além de Alexandre Gomes Machado, o servidor do TSE já exonerado pelo tribunal, quem mais fazia parte da armação?
Por que o partido de Bolsonaro, o PL, não remetia o conteúdo das propagandas às rádios, como as próprias emissoras já informaram ao tribunal?
Para forjar a suspeita de boicote? Não enviava as propagandas para poder dizer depois que as rádios não veiculavam os áudios?
Mais tarde, um servidor de dentro do TSE insinuaria que as rádios já estavam sob suspeita e surgiria então uma suspeita maior.
A suspeita mais grave, contida numa insinuação: a de que o TSE não enviava as gravações às rádios.
O tribunal já esclareceu que não faz nada disso, que não é tarefa sua enviar material de propaganda às rádios e TVs. É missão do pool de emissoras.
Mas não é disso que os tios do zap querem saber. Os tios querem as declarações do servidor exonerado à Polícia Federal, de que são antigas as falhas nos controles da veiculação das propagandas.
Querem disseminar o depoimento do sujeito à PF em que ele se apresenta como coordenador, indicado pelo tribunal, do pool de emissoras encarregado, dentro do TSE, de distribuir as propagandas. O que significa essa coordenação?
O que os tios querem, a partir das ‘denúncias’ feitas pelo PL, por ministros e por Bolsonaro, é espalhar que um servidor público sabe como funciona a sabotagem à propaganda do PL dentro do TSE.
O servidor sabido foi exonerado hoje porque, segundo o TSE, agia por motivação política e praticava assédio moral contra colegas. Foi exposto publicamente.
O tribunal diz na nota sobre a exoneração: “As alegações feitas pelo servidor em depoimento perante a Polícia Federal são falsas e criminosas e, igualmente, serão responsabilizadas”.
Como ele assediava colegas? Tentava cooptá-los para a tarefa de esculhambar com a eleição ao ajudar a fomentar a farsa da propaganda não veiculada?
Outras inconsistências nas alegações do PL e de Bolsonaro, com auditagens de uma Organização Tabajara, apenas reafirmam a farsa.
Mas o mais grave é a insinuação de que o TSE participou de um conluio com o PT e de que um servidor poderia atestar o que acontecia.
Não é mais possível prender mais ninguém antes da eleição, só os que forem flagrados praticando o crime. Esse servidor, pelo que diz o TSE sobre ele, escapou por pouco.
Estamos diante de mais um ensaio de facada que não vai dar certo. Mas quem são os outros envolvidos no que o TSE define como práticas com motivação política, numa situação que envolve crimes e falsidades?
A sindicância administrativa do TSE pode oferecer pistas para a investigação criminal. Precisamos saber da farsa completa e de seus autores, mesmo que seja depois da eleição.
[Alexandre o pequeno trabalhava para a madame Lídia Prates Ciabotti, dona de uma rádio tão pequena quanto ela, ou para os lá de cima o presidente da República dos marechais do contracheque ou o presidente do Partido do Laranjal (PL) ou um outsider
Os votos que eram de Jair Bolsonaro candidato a deputado federal foram transferidos para que chefe miliciano? Por que Queiroz tão leal ficou a ouvir balas perdidas? De Queiroz, de Roberto Jefferson, do vizinho Ronnie Lessa, de Alexandre Gomes Machado o destino do mesmo saco de lixo]