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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

17
Set22

O fascismo no Brasil destes dias

Talis Andrade

 

A extrema direita, que depois do fim à brasileira da ditadura, se envergonhava ou permanecia em silêncio, agora está com os demônios soltos

 

12
Ago22

Michelle Bolsonaro comentou post de Glória Perez homenageando Daniella 4 dias depois de almoçar com o assassino da filha o psicopata Guilherme de Pádua

Talis Andrade

www.brasil247.com - Michelle Bolsonaro e Juliana Lacerda

 

 

Pacto Brutal. Após o almoço com direitos a selfies com o assassino de Daniella Perez, primeira-dama comentou com emojis post de Glória
 
 
 
Após vir à tona através da jornalista Fábia Oliveira, em sua coluna no portal OFF, que “Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, não apenas visitaram a igreja onde Guilherme de Pádua é pastor, em Belo Horizonte, no último domingo (7), como também participaram de um almoço na companhia do assassino de Daniella Perez e da mulher dele, Juliana Lacerda”, viralizou nas redes sociais um comentário feito pela primeira-dama apenas 4 dias após o almoço na capital mineira.
 
Glória Perez usou sua conta no Instagram para fazer uma homenagem à filha falecida há 30 anos e Michelle usou um emoji de choro para lamentar o fato, nos comentários da postagem em questão. 
 
 
 
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Recentemente, Michelle virou notícia ao atacar Lula usando o preconceito contra religiões de matrizes indígenas e afro-brasileiras. Ela compartilhou um vídeo de Lula recebendo um banho de pipoca de uma mãe de santo, na Assembleia Legislativa da Bahia, e classificou tal encontro como um “pacto com o diabo”.
 
 

 
A ignorância é a mãe de todos os males. Primeiro, o negro africano, o branco europeu não conheciam o milho, planta nativa das Américas. Portanto, não conheciam a pipoca, comida de índio. 
 

Em algumas culturas americanas, o milho era uma fonte de alimento tão importante que acreditavam que esse alimento teria uma forte vinculação às divindades que organizavam o seu mundo. De acordo com antigas tradições, o grão de milho armazenava um espírito dentro de si. Com isso, assim que o grão era aquecido no fogo, esse espírito se irritava até estourar. Essa seria uma explicação mítica para o processo de transformação do milho em pipoca.

 Veja comentário da pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião:

 

 

Conheça as redes de interesses e o que fez do golpe de 2016 uma das manobras políticas mais torpes da história do Brasil, evidenciando os mecanismos que permitiram às elites manipular a população em benefício próprio

 

 

Pouquíssimos intelectuais e comentaristas políticos tinham tanta certeza quanto Jessé Souza de que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff se tratava da fachada perfeita para um típico golpe de Estado à moda brasileira. Naquele momento alarmante da política nacional, Jessé Souza cumpriu uma difícil tarefa: explicar como a “cultura de golpes de Estado”, promovida historicamente pela elite contra as políticas públicas de inclusão dos mais pobres – como aconteceu com Getúlio Vargas e João Goulart -, estava em franca atuação sem que a população se desse conta disso.

O golpe de 2016 recolocou em cena o falso moralismo da classe média indignada, que se valeu do argumento do “combate à corrupção” para, na prática, manter seus privilégios diante dos mais pobres e a exclusividade da primeira fila de sustentação da elite. Essa indignação se descolou dos grandes protestos de 2013 para ganhar a representação, manipulada e inflada pela mídia, da “vontade popular” que tomou as ruas nos atos pró-impeachment, anos depois. A associação imediata desse descontentamento ao aparato jurídico-policial do Estado – que tinha a força-tarefa da Operação Lava Jato como testa de ferro e Sergio Moro como uma espécie de super-herói anticorrupção – devastou nossa jovem democracia e gerou um fenômeno reacionário e popular nunca antes visto na história da vida pública brasileira.

A herança do golpe, portanto, não é o governo Michel Temer, como primeiramente se poderia crer. A herança do golpe é o bolsonarismo, um conjunto de manipulações cognitivas e emocionais que explora a fragilidade das pessoas que não conhecem as razões de sua pobreza e humilhação. É justamente essa estratégia de dominação – fruto de uma ideologia racista, excludente e autoritária – que Jessé Souza objetiva desarmar neste livro. Uma contribuição imperiosa para entender o Brasil contemporâneo e seus desafios sociais mais emergentes.

 

Fica registrado o racismo religioso da primeira-dama. O preconceito, o fanatismo, a demonização das religiões indígenas. 
 

 
Finalmente, quem é o diabo: a negra mãe de santo ou o branco pastor assassino Guilherme de Pádua?
 
Essa estória de "pacto com o diabo" foi estória contada em livro por Rosane Malta sobre o ex-marido Fernando Collor. 
 
Rosane revela que Collor fazia rituais de magia negra. Leia aqui.
 
Collor, parceiro e amigo, é o dono dos votos que Bolsonaro pode receber nas Alagoas. 
oli ♡
@povader
Simplesmente Michelle Bolsonaro comentando o post da Glória Perez, feito para homenagear o dia do aniversário de sua filha Daniella Perez que foi assassinada por Paula Thomaz e Guilherme de Pádua, momentos depois a mesma posando ao lado da atual mulher do assassino… como pode?
Imagem
fer
@delegadagioanto
tua esposa ta perdida na persona
Blog do Noblat
@BlogdoNoblat
Jair e Michelle Bolsonaro almoçaram com Guilherme de Pádua e mulher em BH. Assassino de Daniella Perez e Juliana Lacerda estavam no encontro para convidados restritos (IG)
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Depois do almoço na casa de Guilherme de Pádua, Michelle foi consagrada "rainha".
Letícia Arsenio
@leticiaarsenio
Por que Bolsonaro está almoçando com Guilherme de Pádua, assassino da atriz Daniella Pérez?Image
Revista Fórum
@revistaforum
URGENTE: Bolsonaro e Michelle almoçam com Guilherme de Pádua, assassino de Daniela Perez Estava presente também a esposa do assassino de Daniela Perez, que fez uma selfie com a primeira-dama; veja aqui
 
 

Mauricio Mattar foi assediado por Guilherme de Pádua: “Ele pedia para eu mostrar meu pênis”

Mauricio Mattar fala dos bastidores da peça "Blue Jeans" em que atuou com Guilherme de Pádua

por Roberto Rodrigues /Observatório dos Famosos /UOL

Os atores decidiram tirar os fantasmas do armário e falar sobre Guilherme de Pádua, assassino da atriz Daniela Perez. O crime que aconteceu há 30 anos se transformou na série “Pacto Brutal”, lançada no streaming e com isso novas revelações sobre o estranho do ator pelos seus colegas de trabalho.

O ator e cantor Maurício Mattar que trabalhou com Guilherme no musical “Blue Jeans” de Wolf Maya, conta que o ator era “desagradável” e “compulsivo” e que quando trocava de roupas no camarim se incomodava com os olhares de desejo do assassino:

“Sempre que eu ia trocar de roupa, o Guilherme colava em mim, ficava olhando de banda e até mesmo pedia para eu mostrar meu pênis. Na época do ‘Blue Jeans’ ele vivia assediando homens, como se fosse doença, compulsivamente. Era muito desagradável. Ele contou que transava com homens desde que chegou ao Rio de Janeiro, onde acontecia a apresentação da peça. Pelo visto era bi. Ele dizia que para subir na vida transaria com quem fosse preciso”, declara o ator.

Antes de entrar no elenco da TV Globo e do teatro, Guilherme de Pádua integrou o elenco do musical “A noite dos leopardos” na Galeria Alaska no Rio de Janeiro, onde dançava e se apresentava nu para o público, na maioria gays, além da peça gay “Querelle” em que interpretava um assassino gay. Hoje é pastor evangélico, defensor do Presidente Jair Bolsonaro e tenta apagar suas manchas no passado.

Veja também:

10
Ago22

Trevas é Bolsonaro

Talis Andrade

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O racismo religioso de Michelle Bolsonaro lembra os tempos da escravidão, quando os cultos afro-brasileiros eram proibidos, e a polícia prendia e fichava pais e mães santo. 

Nada mais parecido com uma pomba-gira que uma evangélica em transe, falando a língua dos anjos. 

Escreve Mariliz Pereira que Michele Bolsonaro "relacionou um ritual de candomblé a trevas".

Que Deus é esse? Trevas é rachadinha, amizade com miliciano, gente com fome, briga que acaba em morte, orçamento secreto, quase 700 mil mortos pela Covid, exaltação ao jet ski, motociata, ataques ao sistema eleitoral, piada homofóbica. Trevas é ter que escrever carta contra golpista em 2022. Trevas é o delinquente do Bolsonaro como presidente. Que a democracia nos ilumine"

 
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12
Jul22

Vídeo mostra momento em que anestesista Giovanni Quintella estupra grávida no RJ

Talis Andrade

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Imagens feitas por funcionárias que estavam dentro do centro cirúrgico do Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, Baixada Fluminense, mostram o momento em que o anestesista Giovanni Quintella Bezerra, 31 anos, estupra a grávida que estava na sala de parto.

Enfermeiras e técnicas de enfermagem da unidade pública de saúde teriam desconfiado do comportamento e da quantidade de sedativo que o médico deu para grávidas em duas outras cirurgias, realizadas no domingo (10/7). Na terceira operação, ele foi flagrado.

Nas imagens, é possível observar que Giovanni está posicionado do outro lado de um pano, que cobre a vítima dos ombros para cima. O médico coloca o pênis na boca da vítima e comete o estupro.

www.brasil247.com - Câmeras no centro cirúrgico flagraram o momento em que Giovanni Quintella Bezerra coloca pênis na boca de mulher durante cesariana

 

ExtraMeia HoraFolha de Pernambucowww.brasil247.com - { imgCaption }}

 

04
Set21

Nazistas, fascistas e tanques não impedirão a chegada da primavera

Talis Andrade

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por Abdael Ambruster

O mundo assiste perplexo o que se passa no Brasil, mais de meio milhão de mortos pelo COVID-19, a fome que volta a assolar os lares dos brasileiros, o desemprego aumentando e, enquanto isso, a Republica é corroída pela ferrugem não só dos tanques que “desfilaram em Brasília, mas pela ferrugem do autoritarismo, incompetência, corrupção, negacionismo, fundamentalismo e, NAZISMO. Sim isso mesmo, o presidente da república não é mais um fascistóide, que faz do apito de cachorro um aceno para a sua turba ensandecida, é um admirador do nazismo já devidamente identificado graças aos esforços de uma mulher de coragem, Dra Adriana Dias professora da UNICAMP, que há décadas se dedicada a identificação e desmantelamento de células nazistas no Brasil.

Eis que o que há de pior da humanidade se faz presente na representação do mandatário da nação, uma pessoa com profundas ligações com o nazismo, não bastava ser homofóbico, preconceituoso, intolerante, misógino, sim, tinha que ser nazista.

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Um pouco de história nunca é demais, não podemos esquecer que o Brasil tinha a segunda maior célula nazista fora da Alemanha nazista nos anos 30 do século passado, não podemos esquecer que o país tinha o partido Integralista com quase um milhão de filiados, uma cópia tupiniquim do fascismo de Mussolini, também nos anos 30 do século passado.

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A semente do mal não desapareceu com a morte de Hitler e Mussolini, canalhas também envelhecem, aqueles jovens que faziam parte destes dois partidos do ódio no Brasil, se transformaram em “respeitáveis” senhores de “certa tradicional família brasileira” e o ódio foi passado de geração pra geração.

Importante ressaltar que a semente da nossa polícia e política de segurança pública, além de ter sido regada pelos 400 anos de política escravocrata com o racismo ainda hoje pulsante, também foi regada pelo esgoto do nazismo, Filinto Muller, chefe da polícia política de Getúlio Vargas foi pra Alemanha Nazista se encontrar com Heinrich Himmler, chefe da Gestapo e da SS para trazer ao Brasil, as dicas odiosas para que pudesse adotar em sua polícia política.

Jair Bolsonaro jamais disfarçou a sua admiração por Hitler, não foi a toa que Roberto Alvim, que foi receber unção na Igreja Bola de Neve em dezembro de 2019, e o seu ministro da cultura, decidiu fazer aquele famoso vídeo imitando o Goebbls, não é a toa que as células nazistas no Brasil aumentaram muito em comparação com os anos anteriores. Hoje, segundo Adriana Dias, a corajosa brasileira que desnudou a face nazista de Bolsonaro, já foram identificadas 530 células, sendo que em 2020 eram 441 e em 2018 eram apenas 89.

O que leva pastores, apóstolos e bispos de igrejas como Renascer, Bola de Neve, Universal, Igreja Mundial, Igreja Internacional e outras denominações, apoiarem um governo que nunca disfarçou o seu tom autoritário e preconceituoso? Será que não é a toa,  ai vamos a mais uma aula de história, que a maioria dos evangélicos na Alemanha apoiaram a ascensão do nazismo e, levaram a prisão e morte de outros evangélicos que se opunham a política de Adolf Hitler. Fica o alerta.

No dia de ontem, 10/08, quando tanques desfilaram sobre Brasília, não foi apenas em cima do asfalto que desfilaram suas enferrujadas esteiras, foi em cima da República, sobre as instituições, STF,  Congresso e nas próprias forças armadas e,  no luto de mais de meio milhão de famílias que perderam o seus entes queridos sob a égide de um governo fadado ao fracasso. Estas esteiras também passaram por cima  do luto de milhares de famílias vítimas de décadas de uma política militarizada e ultrapassada de segurança pública que vitimou corpos pobres, pretos, periféricos, femininos, LGBTQIA+ e originários da nossa nação.

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Mas a República haverá de resistir ao assalto de fascistas, nazistas e fundamentalistas, o povo brasileiro e o Partido dos Trabalhadores resistirão firmes. Para tentar destruir o PT, arruinaram  o país, impitimaram uma mulher honesta, prenderam um homem inocente  e, levaram o país a uma era de trevas, fome e morte.

No entanto, o alvorecer da esperança está chegando, os tanques podem passar por cima de duas ou três flores, mas jamais impedirão a chegada do alvorecer da nova  primavera, os seus dias como presidente estão acabando Bolsonaro, os dias de terror que você, seus filhos e toda sua súcia impuseram a nação, ao meio ambiente e em razão disso, ao mundo de um modo geral, estão com os dias contados.

10
Ago21

Religião e terror

Talis Andrade

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O poder da religião vem de algo bem mais simples, de suas verdades inabaláveis

 

por Marilia Pacheco Fiorillo

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Se tomarmos o termo “imaginação” em sua acepção primeira – fantasia, originalidade – ele é quase sinônimo de poesia: daquela linguagem, mais que narrativa, na qual dúvidas, hesitações, incongruências e incoerências, oxímoros, enfim, são virtudes, mais que vícios.[i] A imaginação coloca em movimento, inesperado, imprevisível, o sujeito. Ela é inseparável do indivíduo, do singular, da criatura se afirmando, condensando seu potencial, cintilando, única, assertiva e inconfundível. Nesta perspectiva, a imaginação é um insulto às religiões.

Assim vistas, são praticamente antitéticas. Religiões podem ser fortemente emocionais, em seu apelo e ritos, mas a ênfase na emoção (pessoal ou coletiva, catártica ou silenciosamente íntima), para que esta corresponda aos rituais e padrões devocionais, e, sobretudo, aos dogmas e fundamentos, esta especifica emoção catalisada nas religiões não admite a intervenção anárquica da imaginação. Neste ensaio, desenvolveremos reflexões e recorreremos a exemplos históricos que possam ilustrar esta hipótese.

Defenderemos que a imaginação coabita muito mal com as religiões institucionalizadas, pois é outra a natureza da emoção que estas demandam, do sentimento tão frequentemente convocado, tão diligentemente insuflado nos corações e preces: a emoção vertiginosa que as religiões exigem e despertam é o medo. Seja para justificar os males do mundo, acomodando-os a uma qualquer teodiceia,[ii] seja para confortar, é no medo (como prudência, cautela extrema ou terror, puro e simples), que repousa o inabalável poder das religiões.

Nesse sentido, a imaginação é sua antítese, uma real abominação para a forma mentis religiosa; é, na melhor das hipóteses, sinônimo de heresia.[iii]

A fantasia mais comumente evocada nas religiões é a que recorre ao tremendum, resultado do numinoso[iv]: fenômeno que provoca assombro, temor, terror, o ‘sentimento de estado de criatura’ mencionado por Rudolf Otto, em que esta se abisma no próprio nada diante da terrível transcendência, da inacessibilidade absoluta da divindade, e se anula, esmagada, pulverizando-se aterrorizada perante o que está acima (do pó ao pó). Daí a verdadeira vocação da emoção religiosa: a de ser, não a promessa do maravilhamento, (a promessa de felicidade da arte[v]), mas o aviso recriminador, o alerta continuo e contínua vigilância, o trombetear sobre o final dos tempos – a escatologia é a emoção religiosa por excelência, e cumpre à perfeição seu papel, o de suscitar medo e assegurar-se da disciplina dos fiéis.

Inabalável poder

O poder da religião não está nos fundamentalismos (que tanto engajam) nem em seu considerável papel temporal. Não está na pompa e nepotismo dos papas da Renascença, aquele poder de cometer excessos que fez do pontífice Alexandre VI – pai de Cesare e Lucrezia Borgia – o político mais importante, e letal, de seu tempo. Nem nos feitos de Salâh Al Din Yusef ibn Ayyub, ou Saladino o Grande, líder muçulmano curdo (curiosamente, o maior herói do Islã não era árabe) cuja diplomacia, mesclada à arte da guerra, minou a empreitada das Cruzadas (outro típico exemplo da aliança pleonástica poder & religião). O poder da religião não está nas jihads ou guerras santas que ela patrocina, nos monumentos que ergue para se eternizar, pirâmides ou catedrais, nem nas fortunas que as Igrejas amealham ou dissipam, ou na capacidade que elas têm de transtornar o destino de povos inteiros, confortar as pessoas (com dádivas deste mundo e promessas para o outro, eventualmente negociando à vista indulgências) ou arruiná-las feio (hereges ao fogo).

O poder da religião vem de algo bem mais simples, em sua entranha – de suas verdades inabaláveis.

Todo o resto é mera consequência. Ouro, incenso e mirra, glória, magnificência, influencia, longevidade e também a habilidade de converter gente simples em fanáticos (ou, como disse o prêmio Nobel de física Steven Weinberg, de “fazer com que gente boa pratique más ações”) são o resultado desta altiva segurança de si, que não admite réplica e que está no fulcro mesmo das religiões. Em religiões que se prezam não cabem hesitações (divagações, digressões, oximoros), nem em suas doutrinas, nem da parte de seus seguidores.

O resto, isto é, a extraordinária potência política, financeira ou bélica, a autoridade moral, a capacidade de persuasão e, finalmente, a infinita resiliência das religiões – elas sobreviveram intatas ao ataque dos iluministas no século XVIII, à declaração apressada de Nietzsche (“Deus está morto”) na virada para o XX e à concorrência das religiões laicas de esquerda e direita, e seus profetas milenaristas Stalin e Hitler –, enfim, a perenidade e a incolumidade das religiões devem-se ao singelo motivo de que elas nunca precisam prestar contas.

Não está na natureza das religiões ter que se explicar. “Creio porque absurdo”, já dizia no século II um dos primeiros teólogos cristãos, o genial Tertuliano de Cartago.

Ao contrário da ciência, cujo motor é a dúvida – perguntas, discórdia, desconfianças e rompimentos foram o oxigênio de Galileu, Newton e Einstein – a religião nasce, cresce, vive e se reproduz no dogma.[vi] E dogmas são incontestáveis exatamente na medida em que significam, literalmente, mistérios.

Mistérios não estão por aí para ser escarafunchados – como os átomos, o genoma humano, ou a superfície de Marte. Qualquer tentativa de analisá-los ou dar-lhes coerência seria uma ingerência indevida, além de tola e inútil, do ponto de vista religioso.

Pretender destrinchar o sentido de um dogma, ou mistério religioso, é sinal de total despreparo espiritual do intrometido. Um mistério só é mistério porque absolutamente impenetrável, imune a qualquer lógica, e, sobretudo, terreno proibido para questionamentos ou contestações. De que maneira se poderia discordar do inefável? Com qual argumento, se a fé, quando legítima, prescinde de frivolidades como justificativas ou arrazoados? Estamos precisamente na terra do “assim é, porque é assim”, palácio dos truísmos em que os curiosos ou muito inquietos não pisam. Aliás, sabe-se que quanto mais implausível, obscuro ou abstruso for o dogma, melhor.

Mistérios seduzem porque operam como os milagres: tanto mais poderosos quanto mais inacreditáveis e, acima de tudo, insondáveis (fato curioso no capítulo dos milagres é porque, em geral, eles nunca acontecem onde mais se precisa deles, como em Auschwitz ou na África de 2009, mas em Fátima, e seus beneficiados parecerem escolhidos meio randomicamente, além de seus benefícios soarem um tanto avoados; afinal, não haveria nada mais premente que fazer uma estátua chorar sangue?).[vii]

Há quem contradiga isso tudo, e defenda que o supremo poder da religião é o de elevar-nos às alturas, direto aos céus de pura beleza e transcendência: as epifanias emanadas da Paixão segundo São Mateus de Bach, do Réquiem de Mozart, da Pietá de Michelangelo, da Divina Comédia, dos azuis vaporosos e macios de Giotto ou do azul cobalto, desbotado, da capelinha esquecida numa estrada de terra. Mas este é tão somente o poder da arte, que está no mundo há tanto tempo quanto a religião, mas teve desde sempre outro endereço, o da promessa de felicidade aqui e agora. A arte, fruto da graça, nos é dada de graça, também. È celebração desinteressada.

Nada mais distante da imaginação artística, do ímpeto gracioso, que o rígido e calculado sistema de punição e recompensa, pecado e perdão, condenação e salvação, desta contabilidade impiedosa que está na base de todas as religiões.

A verdadeira vocação do poder religioso não é despertar o sublime, mas suscitar o inominável. Esta é a definição do “numinoso”,[viii] conceito-chave nos estudos da religião: mais um “oh!” aterrorizado que um “ah”! deliciado. Prova disso é que as verdades religiosas (cada credo com as respectivas), geralmente sisudas, não admitem ser contrariadas. No território dos mistérios inefáveis, ouve-se pouco a música dos anjos (como em Bach) e muito, muito mais, o clamor dos chamados de ordem e disciplina. Religiões não se deixam abalar por seus descontentes – livram-se deles, e pronto. Hesitações na fé só são admitidas como testes de resistência da fidelidade do fiel, acossado pela tentação da dúvida.

Veleidades de mudança – como a Reforma protestante, o nome já indica –, que seriam o sal da imaginação, na religião viram sedições. Empenhos de modernização, ou adequação aos novos tempos, acabam naquela história de um passo à frente, dois atrás (compare-se o neofundamentalismo de Bento XVI com o ecumenismo de João XXIII, Il Papa buono, O Papa bom, como era chamado[ix]). E diálogos interreligiosos, na prática, são quimeras. O propalado projeto de coexistência pacífica das religiões é, parafraseando Clausewitz, apenas a continuação da guerra entre as crenças, por outros meios.

Por quê? Simples, franciscanamente singelo, de novo: pela óbvia razão de que aderir a uma religião exige, liminarmente, excluir todas as outras. [x] Isso pode acontecer na marra, na violência, ou, se os deuses e seus respectivos representantes estiverem de bom humor, através de certo desprezo mascarado de condescendência. Os graus de intolerância variam, mas o dom da inclusão nunca foi o forte das Igrejas.

O exclusivismo sempre foi a virtude cardeal das religiões, ao menos das monoteístas _ que, paradoxalmente, são primas consanguíneas.

Outro assunto é descobrir qual a motivação (psicológica, ética, cultural ou inercial) que torna as pessoas tão apegadas às suas crenças e tão irritadas quando algum desavisado ousa contrabandear um “mas será mesmo?” no interior exíguo e ordenado de suas certezas. Há quem diga que o pendor humano por religiões, tão antigo, é uma decorrência mais da biologia que do sobrenatural[xi]. A propensão a crer seria um efeito indesejado, quase um dano colateral, de um outro hábito, este sim fruto de uma necessidade vital à sobrevivência da espécie: o hábito de obedecer, inculcado na infância.

Para que a criança saia ilesa da multidão de perigos que a cercam, tem de aprender desde cedo a aceitar sem protestar (ou protestando, mas cedendo) certas verdades elementares que lhe são transmitidas pelos pais. Por exemplo, que ela não pode se dependurar do terraço do 3@ andar senão cai, ou não deve colocar o dedo na tomada, ou precisa acreditar que a Terra é redonda. Não fosse assim, a cada geração reinventaríamos a roda. Imaginem se cada um de nós, aos 3 ou 13 anos, tivesse de testar pessoalmente, em vez de simplesmente acatar, o cabedal mais ou menos consensual do conhecimento disponível. Cada um teria que circunavegar o planeta com seu próprio bote para só então concordar que a Terra não é plana; ou jogar sua própria maçã, matutar um tempão e, eureka, chegar à lei da gravidade. Seria inviável, além de um tremendo desperdício.

É por isso que obedecer cegamente e acreditar piamente, na infância, é no geral vantajoso e sensato. Mas se este hábito se prolonga pela idade adulta, vira vício: o da credulidade sistemática. Assim, o que havia sido proveitoso aos 3 ou 13 anos, depois dos 30 torna-se pernicioso: um resíduo parasitário. Deste ponto de vista, a crença –porta de entrada das religiões – nada mais é senão a preguiçosa e confortável repetição de algo que já perdeu sua razão de ser, um talento (processar precocemente as informações transmitidas) que virou automatismo, uma mania obsessiva, girando no vácuo.[xii]

Ninguém ilustrou com tanto esmero e acuidade esta peculiar natureza do poder religioso – amor à obediência, horror à dúvida; adoração do dogma, desprezo pela imaginação – como Tertuliano de Cartago, o efervescente, feroz, e (malgrado ele mesmo) delirantemente imaginativo teólogo do Norte da África. Vale lembrar que, no século II, Alexandria, Antioquia e Cartago eram tão ou mais importantes que Roma, para o cristianismo nascente.[xiii]

Nascido na Tunísia em 150, numa família de prestígio na sociedade romana, Quintus Septimius Florens Tertullianus converteu-se tarde, por volta dos 40 anos, mas compensou os anos perdidos com sua combatividade. Foi o mais temido crítico dos dissidentes cristãos de então. Seu alvo não eram os pagãos, mas os colegas divergentes. Compôs por volta do ano 200 o mais famoso manual de detecção e combate aos heréticos, o clássico De Praescriptione haereticorum. [Prescrições contra os heréticos] que inaugurou uma nova arte de argumentar, sem rodeios. Sua verve e seu método fizeram escola, atravessando o tempo, as rixas dos inúmeros Concílios, o cisma entre Roma e Bizâncio e resistindo inclusive à sua própria excomunhão, pois Tertuliano foi punido no fim da vida por ser mais realista que o rei. Sua obra tem um aroma inconfundível, mescla de ironias, truísmos, dogmatismos, e veemência invejável. Deixou inúmeros imitadores. Seu estilo pode ser entrevisto no posterior debate entre católicos romanos e bizantinos no século XIII, tentativa imperfeita de copiar o mestre: os cristãos do ocidente tachavam os orientais de “fezes das fezes, indignos da luz do sol”, enquanto os orientais chamavam seus irmãos do ocidente de “filhos das trevas”, alusão ao fato de o sol nunca se por à Oeste.

Campeão das tautologias, uma de suas tiradas mais famosas é a de que tudo aquilo que estiver em conformidade com a Igreja é verdadeiro porque não poderia ser de outro modo; consequentemente, tudo que não vem da Igreja só pode ser falsificação. Tertuliano cimentava seu amor às certezas absolutas através de contrassensos. O melhor deles é sua frase mais famosa, a “Creio, porque absurdo”, argumento tão misteriosamente dogmático que se torna irrespondível. Diante dele, nem dá para começar o debate.

Os filósofos são um dos alvos prediletos da cólera de Tertuliano. Seu anti-intelectualismo é daqueles nascidos de um passado de vida intelectualizada; portanto, como costuma acontecer com acertos de contas auto infligidos, é especialmente virulento. Seu elogio do obscurantismo vem das vísceras: “O que Atenas tem a ver com Jerusalém, a Academia [platônica] com a Igreja, os heréticos com os cristãos? Nosso ensinamento provém do Pórtico de Salomão, que ensinou pessoalmente que os homens devem buscar Deus na simplicidade de seus corações”. Filósofos e cristãos de outros grupos o repugnam porque caem na tentação da curiosidade e imaginação. A presunção de conhecer, para Tertuliano, era mais que leviandade, era um insulto de lesa-majestade à verdadeira fé, que, para ser saudável, deveria se alimentar literalmente da pobreza de espírito.

“Fora com todas as tentativas de se produzir um cristianismo misto de composição estoica, platônica ou dialética. Não queremos nenhuma disputa curiosa depois de possuirmos Jesus Cristo, nenhum tipo de indagação após desfrutarmos do evangelho. Com a nossa fé, não desejamos outra crença”, escreveu. O combate travado por Tertuliano, porém, não é só contra os heréticos; é contra toda e qualquer iniciativa de colocar o cérebro (adversário da alma) para funcionar. Tertuliano queria extrair da mente o que ascetas como Santo Antão extraiam do corpo, isto é, mortificá-la e deixá-la à míngua. Um bom cristão deveria se abster de qualquer de exercício mental. Pensar é poluir a alma.

No afã de afastar o perigo do pensamento, nem os evangelhos são poupados. Até trechos canônicos ficam sob suspeição, pois, se matutados com muita frequência, podem desencaminhar o devoto. Ao tradicional “Busca, e acharás”, ele contrapõe um “Fora com aquele que busca onde jamais encontrará”! A vigilância não deve ceder nem diante de passagens da Bíblia, pois se estas forem passíveis de ambiguidades, isto é, de interpretação, com certeza envenenarão o espírito. Como quase tudo que se lê pode ser interpretado, até mesmo as mais inofensivas passagens são banidas. ‘Bate à porta e encontrarás’? Nada disso, diz Tertuliano: “Fora com aquele que está sempre batendo, pois jamais lhe será aberto, já que ele bate onde não há ninguém para abrir”. ‘Peça, e será atendido’? Nem pensar: “Fora com aquele que está sempre pedindo, pois jamais será ouvido, já que pede a quem não ouve”.

Pedir, perguntar ou esperar são uma quebra de decoro. Perguntar é o mais nefasto, pois sugere que há alguma dúvida no ar, algo a esclarecer, e dúvidas são a rota inequívoca para a perdição. Para que perguntar, se basta aceitar? “Indícios de uma disciplina mais rigorosa entre nós são uma comprovação adicional da verdade”. A dúvida pavimenta o caminho do inferno; a disciplina, a estrada do Paraíso.

Se perguntar é indecoroso, inventar é uma abominação. A grande diversidade interna dos grupos cristãos de sua época é ridicularizada por Tertuliano, que descreve seus opositores como arquitetos de cosmologias malucas (dada a liberdade com que cada grupo interpretava a mensagem cristã), nas quais os céus se sucederiam “como aposento empilhado sobre aposento, cada um designando a um deus por tantas escadarias quantas são as heresias: eis o universo transformado em quartos de aluguel!”. A imagem do universo como uma pilha de quartos de aluguel, além de sensacional (Tertuliano detestava a imaginação de seus adversários, mas não podia evitar a própria), é bastante pertinente. Os aposentos estão empilhados; isto indica que devem ser do mesmo tamanho ou de tamanho aproximado, e que oferecem igual comodidade; não há suíte imperial ou cobertura VIP, nenhum privilégio. Mais: nenhum dos moradores é proprietário, pois os quartos são alugados, e, se o hóspede estiver insatisfeito, basta se mudar. Este é um edifício anárquico, não aquilo que ele, Tertuliano, quer para a Casa do Senhor.

“Cada um deles – diz de seus adversários cristãos – como lhe aprouver o temperamento, muda as tradições que recebeu, assim como aquele que as transmitiu também as mudara ao moldá-las de acordo com o próprio arbítrio”. A mania de polemizar o atordoa. E o assusta esta contínua reinvenção da tradição, que deveria ser intocável. Tertuliano enumera os principais defeitos dos cristãos que não são de seu grupo: a plasticidade de idéias, o desprezo pela hierarquia; a clara preferência por cargos rotativos; a ausência de distinção entre clero e leigo; o tratamento igualitário dispensado a mulheres e homens, ou a veteranos e neófitos.

Estas características, diz, só podem levar à ruína: “Suas ordenações são negligentemente dispensadas, cheias de caprichos e mutáveis; num momento são os noviços que exercem as funções, noutro, são pessoas com empregos seculares… em lugar algum a promoção é mais fácil que entre os rebeldes… de modo que, hoje, um homem é bispo, e amanhã serão outros; aquele que hoje é diácono amanhã lerá as escrituras; quem for padre hoje será leigo amanhã, pois até sobre os leigos eles impõem as funções do sacerdócio”. E continua, em defesa da verdade única: “Não fica claro quem é catecúmeno e quem já se inclui entre os fiéis; todos são igualmente admitidos, todos ouvem igualmente, todos oram igualmente… compartilham o beijo da paz com todos que vierem, pois não se importam como cada um concebe os tópicos da fé, já que estão reunidos para investirem contra a cidadela daquela que é a única verdade”.

Na horda de seus oponentes cristãos, noviços oficiam como padres, padres agem como se fossem noviços; qualquer um pode ser bispo, nem que seja por um dia; todos participam do serviço e podem se encarregar do sermão do dia; padres e leigos se equivalem, e em nenhum lugar é tão fácil ser promovido, isto é, ser aceito em condições de igualdade. Tamanha insubordinação, tamanha ‘humanidade’, parece a Tertuliano uma degeneração no mais alto grau. “Como é frívolo, mundano, como é meramente humano, sem seriedade, sem autoridade, sem disciplina, como bem convém à fé deles!”. De todas as subversões, a que mais o horroriza é a emancipação das mulheres. Misógino até mesmo para os padrões patriarcais da época, Tertuliano chamava o sexo feminino de “portal do diabo”.

Marcion e Marcos, dois de seus concorrentes cristãos, haviam ordenado várias mulheres como padres e bispos, e o representante da seita dos cristãos gnósticos em Roma era uma mulher, Marcelina. Esta permissividade enfureceu Tertuliano. Mulheres, não contentes com a desordem que sua ancestral havia provocado no paraíso, continuavam a tumultuar a ordem terrena: “Essas mulheres hereges, como são atrevidas! Carecem de modéstia e têm a ousadia de ensinar, discutir, exorcizar, curar, e talvez, até, de batizar!” Elas fariam melhor se abandonassem jóias e ornamentos e, “conforme a lei de São Paulo, se cobrissem com véus”. Mas, justiça seja feita,Tertuliano também não foi muito liberal com o sexo forte: o ato de barbear-se, para ele, era ímpio, pois é um desacato ao Criador tentar melhorar o rosto concedido por Sua vontade. O Talibã teve um douto predecessor.

Tertuliano foi um autor prolífico, além de veemente – trinta e uma de suas obras sobreviveram. Escreveu sobre tudo que valia a pena, a monogamia, a virgindade, a pudicícia, a paciência e o paraíso. Sobre a diversão pública, o fervoroso africano avisava: “Tu que gostas de espetáculos, aguarda o maior de todos, o Juízo Final”. Sua missão é desqualificar seus concorrentes, mas isso não lhe tira o senso de humor. Quando os cristãos foram acusados do crime de não cultuar o imperador, ele respondeu que a acusação era esdrúxula: os cristãos não precisavam cultuar o imperador, pois já rezavam por ele.

Após anos de vigorosa militância na frente ortodoxa, por volta de 207 ele rompeu com os católicos e tornou-se um dos líderes do montanismo, um movimento apocalíptico da Ásia Menor. A adesão a uma heresia era o que menos se esperava do incansável caçador de heréticos. Mas a fronteira entre heresia e ortodoxia, como ele infelizmente pôde comprovar, é questão de quem fica para contar a história. No final da vida, o patrono do dogma voltou-se contra seu regimento. Tertuliano morreu combatendo os católicos, que havia defendido com garra a vida toda, acusando-os de ser a “Igreja de alguns poucos bispos”, estreita demais para ‘pessoas espirituais’, aqueles imaginativos como ele sempre o fora.

Simetria torta

Religiões são a melhor prova de que assimetrias estão na base, na vértebra, e inclusive na obrigatória superfície do que se chama civilização. Desde que o mundo é mundo, não houve civilização sem religião – como não existiu sociedade sem poder, ou ao menos um ensaio deste. E se excetuarmos os cultos greco-romanos, aquela luminosa religião de deuses beberrões, farristas, ciumentos, encrenqueiros mas também superlativamente generosos – o Olimpo totalmente simétrico ao nosso andar de baixo, espelhando o melhor de nosso vícios e virtudes –, batizada depois de paganismo, a história das religiões é a da vitória irrefutável, embora nem sempre inefável, das assimetrias. Vitória política, lógica, antropológica.

Antropológica: em qualquer delas, dos cultos de Vanuatu (na Melanésia), aos encorpados monoteísmos ou da dança para chamar chuva aos Diktats do Vaticano, a religião só funciona porque há uma radical assimetria entre aquele que pede e O que concede. Bobagem dizer que umas são superstições primitivas e as outras uma sublime busca de transcendência. São, todas, um convincente sistema de troca entre desiguais. Na batida do tambor ou na prece, no chocalho ou na vela, no talismã ou na elaborada liturgia de uma missa, é o pensamento mágico que está em ação, e para operar um conveniente comércio de dessemelhantes. Entre uma potência suprema e inescrutável, numa ponta, e nós, suplicantes, na outra.

Religião é a reposição contínua e continuada da heteronomia. Por isso que as religiões são o oposto do ideal clássico da filosofia, o da busca de autárkeia,[xiv] a tal autonomia com que nos acenava Sócrates quando sugeria que ouvíssemos o daimon interior, sem dar bola para a divindade da vez. Sócrates foi condenado a beber cicuta pelo crime de impiedade, por exortar a juventude a seguir os conselhos ditados pela voz interior (a virtude), nem sempre condizentes com os ditames dos deuses, e administradores, da pólis.

O toc-toc na madeira para afugentar o azar é um gesto é insofismavelmente religioso, tanto quanto a reza ou o mantra. Já que não batemos na madeira para tomar uma providência prática (do modo como batemos num prego para pregar um quadro), o ato é simbólico, a convocação de alguém, ou algo, para que resolva nossos problemas, fazendo nosso papel. Contrição, adoração ou súplica são ritos contratuais, e um contrato mais hobbesiano que rousseauista (contrato celebrado não entre nós, mas pelo qual cedemos tudo ao Leviatã).

Nesta curiosa operação de troca de agrados, pareceria que levamos vantagem, pois em geral pedimos o impossível, ou no mínimo o improvável, em troca de coisinhas pequenas como uma novena ou uma promessa. A sobrecarga e a labuta ficam a cargo do Onipotente; os dividendos, com o pedinte. Ilusão: nesta troca assimétrica, entre seres abissalmente assimétricos, o resultado final é que nos tornamos reféns crônicos. O descompasso se aprofundou.

Lógica: Não bastasse esta assimetria de princípio entre o Todo Poderoso e o que só pode pedir, a contabilidade espiritual das religiões tem também um venerável fundamento lógico. As mais famosas provas da existência de Deus, a ontológica e a cosmológica, ou do design inteligente, põem por terra qualquer veleidade de reduzirmos esta distância, esta polar assimetria. A prova do design, ou criacionismo, hoje em voga entre os neoconservadores inimigos de Darwin, postula que só mesmo um Ser perfeito para construir um universo tão bem equacionado, milimetricamente funcional, e ainda por cima explodindo de beleza no colorido das penas dos pássaros e na arquitetura das flores.

“Basta olhar pela janela!” diria o criacionista Leibniz. “Desde que o teto não tenha goteiras, e a longa contemplação não resulte num resfriado”, responderia o cético Hume[xv]. Já a tradicional prova ontológica da existência de Deus, inventada por Santo Anselmo, era mais simples e direta. Se Deus é perfeito, onisciente, onipresente e onipotente, se ele condensa tudo que houve, há e está por vir, então, já que possui todos os atributos, é claro que não lhe pode faltar… o elementar atributo da existência. Pascal foi menos rocambolesco e mais pragmático, e sua explicação desvela outra forma de assimetria, entre aquele que não tem nada a perder e nós, que arriscamos tudo se não fizermos a aposta certa.

Chama-se, aliás, a “aposta de Pascal”, e enuncia quatro possibilidades e suas combinatórias. Ou Deus existe ou não; ou cremos nele, ou não. Se ele não existe e não cremos, sem problemas. Se não existe e cremos, perda de tempo, mas sem maiores consequências. Se existe e acreditamos, sorte nossa, mas se existe e não cremos, o fogo do inferno. Na dúvida, pois, melhor acreditar.

Houve quem, como Epicuro, fez a pergunta óbvia: se Ele é bom e potente, de onde vem o mal? Pois o mal – guerra, sofrimento, doenças, injustiça – é inegável. Sua hipótese (e por isso Epicuro é filósofo, não teólogo), é que ou Deus é mesmo bom, mas não pode muito, ou pode tudo, mas não é assim tão bem-intencionado.

Sigmund Freud, o pai da psicanálise que ganhou o prêmio Goethe de Literatura, tratou da assimetria inerente às religiões em ao menos três ensaios: Totem e tabu, em que escrutina o judaísmo (suas raízes), O futuro de uma ilusão, no qual passa em revista o cristianismo (a sociedade de seu tempo e ambiente), e O mal-estar da civilização, texto que poderia ter sido concebido no século XXI, tal sua atualidade.[xvi] A conclusão é a mesma: a religião foi indispensável para a construção do edifício civilizatório, seja com seus ritos (para aplacar nossas angústias) ou proibições (para manter nossas sociedades coesas, para evitar que nos canibalizássemos), mas deve, se o mundo seguir um curso melhor, ser substituída pela educação.

Para ele, a religião nasce de uma assimetria psíquica arcaica, entre pai e filho, entre o detentor da lei e aquele que deve ser domesticado e domado, entre o superego judicioso e um inconsciente caótico e selvagem. Freud não tinha ilusões sobre a maioria dos homens: a comunidade humana é assimétrica, sim, e uma maioria precisou ser refreada por mandamentos altamente coercitivos, (leia-se, religiões) senão a civilização naufragaria num minuto. Mas Freud tinha também suas esperanças, a de que chegasse um tempo em que os homens, todos devidamente educados (isto é, autorreprimidos), pudessem dispensar a superstição (a dependência da tal assimetria externa, que, pelo medo, coíbe a selvageria), e passassem a pautar sua ação pela regra moral, pela simples satisfação em fazer o bem, e não pelo medo da punição.

A psicanálise não incensa Deus, mas aceita que religiões fizeram mais que narcotizar, foram mais que o “ópio do povo”. Os monoteísmos, com sua definitiva polarização entre o Protagonista do cosmos e nós, meros coadjuvantes, teria sido um avanço sobre os mais irrequietos e anárquicos politeísmo e panteísmo, nos quais a assimetria se dilui e praticamente desaparece na identificação entre natureza e Criador, gerando uma perigosa simetria entre pedra e flor, homem e bicho, uma arriscada insinuação de que de tudo emana um mesmo élan divino, uma divindade distribuída com equidade, portanto bastante perdulária.

Esta teria sido a grande aquisição levada a cabo pelos monoteísmos contra as simplórias e mais doces religiões que os precederam: a destruição da religiosidade de cunho individualista, seja a do animista, a do crente livre-atirador ou a do místico ensimesmado.

Mas a assimetria final, a “política”, é a que se consumou com o expurgo dos poetas de Deus pelos burocratas da fé. É a histórica perseguição, em todos os credos, contra os místicos, dissidentes, crentes livre-pensadores. Foi com a vitória política das Igrejas entronizadas que se consolidou a mais mundana das assimetrias religiosas, a dos cargos, das funções, dos papéis, e, sobretudo, das benesses (materiais). Foi só com a consolidação da religião como instituição que se abriu espaço para a Inquisição, o Index Librorum Prohibitorum, a Jihad, o extremismo tele-evangelista, enfim, para que os fundamentalismos de todos os matizes pudessem prosperar. Aqui, a assimetria atingiu sua culminância, tornando-se, paradoxalmente, seu contrário. Virou uma simetria torta: a luta de todos contra todos, a guerra santa em nome do Um que, olhando de perto, é o mesmo.

Notas


[i] Veja-se o cristalino e esclarecedor argumento de Suzanne Langer, discípula de Ernst Cassirer, em Philosophy in a New Key: A Study in the Symbolism of Reason, Rite, and Art, Havard University Press, 1957.

[ii] De Anselmo a Descartes a Leibniz, a Pasca l (prudência) a Kant, neste último a sofisticada solução da Razão Prática exigindo um Ser Supremo como fundamento da moralidade e do élan por virtude, felicidade e justiça.

[iii] Fiorillo, Marilia, O Deus exilado: breve história de uma heresia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008.

[iv] Otto, Rudolf. O Sagrado. Edições 70, Lisboa, s/d.

[v] A ‘promesse de bonheur’ de que falava Stendhal.

[vi] Boyer, Pascal, Religion Explained, Basic Books, Perseus Books Group, 2001

[vii] Bertrand Russell faz uma reclamação desta natureza na passagem em que pergunta por que nos evangelhos, há tão pouca caridade e amor por bichos e plantas: os pobres porcos, possuídos, não são poupados do abismo, e a arvore é condenada a secar. (“Porque não sou Cristâo”. In: Ensaios, Ed Livraria Exposição do Livro, 1965).

[viii] Otto, Rudolf, idem

[ix] Arendt, Hannah: vale rever seu esplendido ensaio sobre “Il papa buono” em Men in dark times.

[x] Quem com mais concisão chega a esta definição é o dramaturgo norte americano Arthur Miller, autor, entre outras peças, de The Crucible, em que retoma o episódio histórico do julgamento e assassinato das supostas feiticeiras de Salem, magnífico estudo da neurose religiosa e suas nefandas implicações políticas.

[xi] Boyer, idem

[xii] Boyer não é o único a conectar religião e obsessão; a psicanálise, desde o mestre fundador S Freud, tradicionalmente associa a neurose obsessiva ao comportamento ritualístico religioso.

[xiii] Fiorillo, M. O deus exilado: breve história de uma heresia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. As citações da sequência provêm do livro.

[xiv] Em Aristóteles, o homem feliz é o homem livre que participa da vida da cidade

[xv] Hume, D. Dialogues concerning natural religion. London: Dover Philosophical Classics, 2006.

[xvi] Freud, S. Obras completas, Editorial Biblioteca Nueva, 1981.

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