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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

19
Fev22

Tragédia anunciada de Petrópolis: Mais de 130 mortos e 200 desaparecidos

Talis Andrade

Capa do jornal Extra 19/02/2022

 

Corpos são achados em decomposição avançada

 

 

Raios-X, tomografias e informações sobre a arcada dentária têm ajudado na identificação dos corpos, afirmou a titular da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), Elen Souto, à frente desse trabalho no município de Petrópolis, região serrana, devastado pelas chuvas nesta semana. São mais de 130 mortos e 200 desaparecidos.

Na sexta-feira (18/2), a Polícia Civil informou que, em 24 horas, a quantidade de desaparecidos cresceu de 116 para 218.

“Os números subiram muito. Estamos focados agora na verificação de compatibilidade entre as características dos desaparecidos e as dos cadáveres não identificados. Vivemos uma fase em que os corpos começam a ser retirados em avançado estado de composição, o que inviabiliza a identificação por meio de digitais”, explicou Elen.

A delegada alerta que as famílias podem ajudar no processo apresentando exames. “A perícia técnica tem condição de identificar alguém por meio de raios-X e odontogramas [diagrama gráfico em que ficam marcados todos os dentes do paciente]. É importante que as famílias possuam algum raio-X ou tomografia ou indiquem os dentistas das vítimas. Em último caso, é pedido o DNA”, informou.

“O grande problema é que não há plano de contingência para grandes catástrofes. Por exemplo, deveria ter se criado uma estrutura fora do IML de Petrópolis com caminhão frigorífico para a identificação dos cadáveres. Isso porque a questão não é a causa morte, mas a identificação. Não há falta de pessoal, mas planejamento”, opinou Massini. Leia mais e veja galeria de fotos aqui

Capa do jornal O Dia 19/02/2022

 

17
Fev22

Chuva na Serra do RJ: 11 anos e 5 governadores após tragédia com mais de 900 mortos e 100 desaparecidos, nova catástrofe expõe descaso

Talis Andrade

Capa do jornal Super Notícia 17/02/2022

Sérgio Cabral, Pezão, Francisco Dornelles, Wilson Witzel e Claudio Castro. Em 11 anos, o Rio de Janeiro teve cinco governadores e nenhum deles conseguiu desenvolver e colocar em prática um plano de prevenção eficiente para evitar que as chuvas que frequentemente caem na Região Serrana se tornassem grandes tragédias nacionais.

Leia reportagem de André Trigueiro e Raoni Alves, no g1 Rio

 

Capa do jornal Estado de Minas 17/02/2022Capa do jornal Extra 17/02/2022

27
Jan22

Brumadinho, crime e impunidade

Talis Andrade

brumadinho.jpg

 

por Cristina Serra

Com atraso, li a obra “Brumadinho – a engenharia de um crime” (editora Letramento), dos jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, que está sendo relançada, no momento em que o desastre completa três anos. O livro traz uma impressionante reconstituição dos fatores que levaram ao desmoronamento da barragem da Vale, que matou 272 pessoas e poluiu o rio Paraopeba.

engenharia crime.jpg

Tanto quanto o colapso do reservatório da Samarco, em Mariana (19 mortos e o rio Doce contaminado), o rompimento em Brumadinho era uma tragédia anunciada. No caso da barragem da Vale, o livro mostra que a empresa sabia dos riscos e não tomou as medidas adequadas porque teria que paralisar atividades no local e interromper ganhos. Ao agir assim, a mineradora escreveu uma sentença de morte contra os trabalhadores, os moradores das redondezas e todos que tiveram a infelicidade de estar ao alcance da lama em 25 de janeiro de 2019.

Com tudo que se sabe sobre o caso, é doído fazer algumas perguntas: por que uma das maiores mineradoras do mundo construiu um refeitório e os escritórios no pé da barragem, contrariando o simples bom senso? Por que a empresa não levou em conta alertas de especialistas? Por que os órgãos de fiscalização não cumpriram o seu papel? Por que estes se dobraram ao poder da Vale?

E, finalmente, por que o judiciário brasileiro não foi capaz, até agora, de julgar os responsáveis? As respostas a essas questões tão elementares preenchem de dor, sofrimento e revolta a vida dos que perderam amores e amigos na voragem da lama mineral, tão violenta que até hoje não foi encontrado nenhum vestígio de seis vítimas.

Sobre essa dor, cortante como lâmina, recomendo o premiado documentário do jornalista Fernando Moreira, “[O vazio que atravessa]”, que estará disponível gratuitamente em 26 e 27/janeiro em mostratiradentes.com.br. De um ponto de vista delicado e intimista, o filme reverbera o clamor das vítimas contra a impunidade.

O vazio que atravessa (Short 2021) - IMDb

 

31
Jul21

Artistas levantam campanha pedindo prisão de Mário Frias

Talis Andrade

 

 

coletivo 342 Artes, formado por artistas brasileiros, levantou hoje a hashtag #MarioFriasNaCadeia pedindo a responsabilização do secretário Especial de Cultura pelo incêndio da Cinemateca Brasileira. A campanha chegou ao topo dos assuntos mais citados no Twitter.

Enquanto a Cinemateca queimava, o ministro do Turismo e seu subordinado, Mario Frias, que deveria cuidar especificamente da área, estavam em Roma. Segundo os funcionários da Cinemateca, o incêndio era uma tragédia anunciada devido ao descaso com a instituição.

Na manhã desta sexta-feira, Frias se pronunciou em seu Twitter sobre o assunto e botou a culpa no PT. “O estado em que recebemos a Cinemateca é uma das heranças malditas do governo apocalíptico do petismo”, escreveu o secretário.

O órgão está sem gestor desde 31 de dezembro de 2019, na época o então ministro da Educação Abraham Weintraub anunciou, naquele ano, que não iria renovar o contrato com a organização social Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, responsável pela administração.

Nas mãos do governo federal, o patrimônio cultural brasileiro foi deixado de lado. Em julho do ano passado, o Ministério Público Federal apresentou uma ação contra a União alegando que a Cinemateca estava sob “estrangulamento financeiro e abandono administrativo”.

Galpão da Cinemateca não tinha auto de vistoria, diz Corpo de BombeirosImage

O Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo informou nesta sexta-feira (30/7), em uma rede social, que advertiu o galpão da Cinemateca Brasileira que pegou fogo na quinta-feira (29/7) por falta do auto de vistoria da corporação.

O documento serve para certificar que o edifício tem condições de segurança contra incêndios, após ter sido vistoriado pelo Corpo de Bombeiros. A corporação deu prazo de 180 dias para a Cinemateca Brasileira regularizar a situação junto ao Departamento de Segurança e Prevenção Contra Incêndio.

O galpão da Cinemateca, localizado na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, foi atingido por um incêndio no final da tarde de quinta. O fogo começou no terceiro andar durante a manutenção de um ar-condicionado.

Os trabalhadores listam alguns dos materiais que podem ter sido atingidos pelo incêndio, a começar pelo acervo documental. De acordo com o manifesto divulgado nesta sexta, estavam armazenados no local grande parte dos arquivos de órgãos extintos do audiovisual – como, por exemplo, parte do Arquivo Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), que esteve em funcionamento no período de 1969 a 1990, e parte do Arquivo do Instituto Nacional do Cinema (INC), de 1966 a 1975. Outros documentos que estavam no galpão são cópias da biblioteca do cineasta Glauber Rocha.Image

a unica vez na historia em que um presidente visitou a cinemateca.Image

 

21
Jun21

A maior tragédia da história do Brasil

Talis Andrade

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por Alex Solnik

- - -

Essa cifra – 500 mil mortos – é absolutamente perturbadora. Tento desviar meus pensamentos para outros assuntos, a fim de me distrair, mas o número não me sai da cabeça.

Começo a fazer comparações. Morreram 60 mil brasileiros na Guerra do Paraguai. A guerra com mais brasileiros mortos. Então, 500 mil mortos são quase dez Guerras do Paraguai. Dez.

Examino a lista de todas as revoltas no país durante o século XX. Foram dezenas. E a Segunda Guerra Mundial. Somando as vítimas fatais de todas elas não dá 500 mil.

A seguir, procuro paralelos com cidades.

Florianópolis tem 508.826 habitantes. É como se de toda a população de Florianópolis apenas 8.826 restassem vivos entre 17 de março de 2020 e 20 de junho de 2021.

Cidades da Europa. Pelo censo de 2010, Lisboa tem 499.700 habitantes. É como se todos os moradores de Lisboa morressem em quinze meses. Todos.

Nunca houve tragédia semelhante no Brasil. O vírus, sozinho, não conseguiria.

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14
Mai21

Capitã Cloroquina concluiu em 24 horas que problema de Manaus era falta de “tratamento precoce”

Talis Andrade

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Com a militarização do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro passou a ser apelidada de "capitã"

 

Oxfam: Autoridades optaram pelo negacionismo, pela falta de ação e, em alguns casos, pelo “deboche” da pandemia

Escolhida por Eduardo Pazuello como a responsável do Ministério da Saúde a comandar missão de reconhecimento em Manaus em janeiro, a secretária Mayra Pinheiro precisou de menos de 24 horas para emitir diagnóstico sobre o desmoronamento do sistema de saúde local: falta do tratamento precoce, composto pelo chamado kit covid, um conjunto de medicamentos sem eficácia contra a doença, como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina. 

Conhecida como "capitã cloroquina", Mayra Pinheiro desembarcou na capital do Amazonas em 3 de janeiro como primeira representante do ministério no local. No dia seguinte, produziu um relatório para o ministério, com "conclusões técnicas" a respeito de Manaus, e no primeiro item explicou que o caos local derivava da falta de tratamento precoce, entre outros motivos, destaca a coluna Painel da Folha de S.Paulo.

Mayra Pinheiro confirmou, em depoimento obtido com exclusividade pelo GLOBO, que ela foi a responsável pelo planejamento de uma comitiva de médicos que difundiu o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 em Manaus dias antes de o sistema de saúde do Amazonas entrar em colapso, em janeiro último. O depoimento foi dado ao Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas.

A promoção de remédios sem eficácia e as ações do Ministério da Saúde antes e durante o colapso em Manaus são alvo das investigações da CPI da Covid no Senado.

Mayra é uma das seis pessoas que respondem a uma ação por improbidade administrativa movida pelo MPF no Amazonas por conta da ação dos governos estadual e federal durante o morticínio de Manaus. Além dela, são alvos da ação o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o ex-secretário-executivo da pasta Élcio Franco, entre outros.

Em 15 de janeiro último, a Oxfam Internacional divulgou nota oficial, assinada por Katia Maia, denunciando o morticínio de Manaus:

A Oxfam Brasil apela ao sistema judiciário para que as autoridades envolvidas na atual crise que o país enfrenta sejam investigadas e devidamente responsabilizadasCom o crescimento de mortes causadas pela pandemia do coronavírus, a Prefeitura de Manaus decidiu adotar o sistema de trincheiras para enterrar vítimas da covid-19 no Cemitério Público. Foto Michael Dantas/AFP

A Oxfam Brasil repudia a inação, o descaso e a negligência de autoridades públicas brasileiras diante da pandemia e do novo morticínio em Manaus, tragédia anunciada que poderá se espalhar rapidamente para outras cidades brasileiras.

Em vez de cumprirem os protocolos científicos e sanitários aprovados internacionalmente, autoridades e lideranças do governo federal, bem como parlamentares e até mesmo autoridades estaduais, optaram pelo negacionismo, pela falta de ação e, em alguns casos, pelo “deboche” da pandemia. A população brasileira está sendo empurrada para uma verdadeira roleta-russa, com estímulos às aglomerações, a ausência de um plano consistente de vacinação e pela irresponsável recomendação de um tratamento com remédios ineficazes e enganosos no lugar da infraestrutura necessária a hospitais. Atitude, aliás, verificada esta semana em Manaus, com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, visitando a cidade para reforçar a obsessão governamental com sua oferta de cloroquina, um dos medicamentos sem respaldo científico no mundo para a covid-19 e distribuído pelo governo. Pazuello reconheceu a falta de oxigênio nos hospitais e tardou para atender à necessidade da cidade, com uma informação, a ser verificada, de falta de aviões.

Estamos em meio a uma crise humanitária que poderia ter sido evitada caso fossem tomadas as medidas necessárias pelos governos das três esferas – municipal, estadual e federal. Não é verdade que o lideranças do governo tenham sido surpreendidas pelo que acontece em Manaus e pela grave situação em outras cidades brasileiras.

A Oxfam Brasil apela ao sistema judiciário para que as autoridades envolvidas na atual crise que o país enfrenta sejam investigadas e devidamente responsabilizadas. Basta de disputa política e ideológica. Urge a adoção de medidas jurídicas severas e a adoção definitiva dos protocolos internacionais e científicos para a proteção mínima da população brasileira.  A Justiça tem que atuar e punir exemplarmente os responsáveis pela tragédia que o país vive. Antes que seja tarde demais.

Katia Maia

Diretora executiva da Oxfam Brasil

 

07
Mai21

A sistemática política de extermínio da população pobre e preta

Talis Andrade

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O Grupo Prerrogativas, composto por profissionais do direito, juristas, professores da área jurídica, advogados e advogadas, expressa consternação e inconformismo com a sistemática política de extermínio da população pobre e preta, traduzida no dia de hoje (6/5/2021), em uma inconcebível e mortífera operação policial na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de ao menos 25 pessoas.

A ação policial, conduzida pela Polícia Civil fluminense, foi revestida de violência extrema e reproduz o abominável padrão de chacinas e homicídios resultantes de abusos policiais e da ação criminosa de grupos milicianos em favelas e bairros pobres da periferia.

Justamente em razão da escalada do número de mortes nessas ações das forças de segurança do Rio de Janeiro, o plenário do STF confirmou decisão do Ministro Edson Fachin pela suspensão da realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19, ressalvando apenas hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito, sob pena de responsabilização civil e criminal (ADPF 635).

Em manifesto desrespeito à decisão do Supremo, a operação que produziu o massacre ocorrido hoje no Rio de Janeiro foi uma tragédia anunciada, sendo mais uma ação que teve como alvo uma favela densamente povoada. As vidas dos moradores, trabalhadoras/es pobres e majoritariamente negras/os, têm sido vítimas sistemáticas dessas ações. Os territórios da população pobre e preta do Rio são tratados como campos de batalha de uma guerra ao tráfico de drogas conduzida de maneira irracional e contraproducente.

Nesse contexto, o comando da Polícia Civil deixa de reconhecer os horrendos excessos praticados e nem mesmo esclarece como uma operação dessas pode ter sido feita ao arrepio da decisão do STF. Essa postura de autoridades públicas é altamente reprovável e incompatível com um Estado de Direito. Jamais se poderia acatar a ideia de que a polícia disponha de carta branca para matar, em flagrante desrespeito à vida e à dignidade humana – valores inalienáveis do ordenamento jurídico brasileiro. O acontecimento exige que haja uma apuração efetiva e imparcial, para que os culpados por mais essa tragédia sejam devidamente processados e responsabilizados.

Grupo Prerrogativas, 6 de maio de 2021

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16
Abr21

Covid: 'Quem cometeu erros graves na pandemia precisa ser punido', diz Drauzio Varella

Talis Andrade

Prêmio USP de Direitos Humanos homenageia Drauzio Varella » Sala de  Imprensa - USP – Universidade de São Paulo

 

 

Em abril de 2020, o médico Drauzio Varella deu uma entrevista à BBC News Brasil em que analisou a evolução da covid-19 e disse que a pandemia poderia resultar numa "tragédia nacional".

Passado um ano, ele entende que seus prognósticos estavam corretos e se revelaram ainda piores do que o esperado.

De acordo com o especialista, reconhecido em todo o Brasil por sua participação ativa em programas de televisão e pela publicação de vários livros, essa catástrofe foi intensificada pela desorganização do Ministério da Saúde e por um "presidente da República que dá exemplo pessoal do que fazer para disseminar a epidemia".

Numa nova entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Varella avalia que toda a discussão sobre o tratamento precoce foi armada intencionalmente para desviar a atenção das pessoas e entende que a vacinação contra a covid-19 está num ritmo "ridículo".

"Se tivéssemos começado a vacinar em dezembro ou janeiro, não estaríamos com mais de três mil mortes diárias como acontece atualmente", observa.

O médico também destaca o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) e entende que os erros cometidos precisam ser apurados e julgados.

"O Brasil tem menos de 3% da população mundial. No momento atual, de cada quatro pessoas que morrem de covid-19 no mundo, uma é brasileira. É uma mortalidade absurda", critica.

 

André Biernath entrevista o médico Drauzio Varella

BBC News Brasil - Na entrevista que o senhor nos concedeu em abril de 2020, uma das frases que chamaram a atenção foi: "Eu acho que vai acontecer uma tragédia nacional, eu não tenho dúvida disso". Passado um ano, o senhor avalia que esse prognóstico se cumpriu ou foi ainda pior que o esperado?

Drauzio Varella - Infelizmente, esse prognóstico se cumpriu e foi pior do que eu esperava naquela época. Eu passei três fases nesta epidemia. A primeira foi em janeiro do ano passado, quando a doença estava só na China, não tinha nem chegado direito na Europa. Quer dizer, já tinha chegado, mas não havia ainda um número grande de casos. E as informações que a gente tinha é que não haveria mais mortos por esse coronavírus do que pelas epidemias de gripe. E que a maioria das pessoas, por volta de 80%, teria sintomas leves.

Isso foi antes da epidemia chegar à Itália. Quando chegou lá, nós já tivemos noção do que estava acontecendo. Em abril do ano passado, nós já sabíamos o que estava se passando em Nova York e que estávamos diante de uma epidemia grave. E os primeiros casos começaram a acontecer em São Paulo. A primeira morte por covid-19 no Brasil foi em março do ano passado.

E eu achei que ia ser uma tragédia porque você tem uma epidemia de um vírus que se transmite por meio de gotículas que a gente elimina quando fala, tosse e espirra. E esse vírus, quanto mais próxima uma pessoa fica da outra, mais fácil de pegar. Quando se tem uma epidemia dessas, o ideal então era fechar e ter isolamento, que é o que começava a ser feito na Itália e na China. Isso é clássico na saúde pública, ninguém inventou nada agora. Isso é feito assim há milênios: afastar as pessoas, trancar, deixar em casa para proteger.

Mas eu sabia que fazer isso no Brasil seria muito difícil. Eu já rodei muito pelas periferias das cidades brasileiras por causa dos programas de televisão, e nós temos um cinturão de pobreza e miséria em volta de cada metrópole e até ao redor cidades menores... São pessoas que não têm condição de ficarem isoladas. Elas não têm condições porque dependem do trabalho diário para poder comer e levar alimento à família. Como é que essas pessoas iam fazer isolamento? Eu já imaginava naquele momento que teríamos um problema sério e que o Brasil ia ser fortemente assolado pela epidemia.

Mas eu não tinha previsto que haveria uma desorganização do Ministério da Saúde, a ponto de o ministério perder completamente a relevância no país. E ter um presidente da República que dá exemplo pessoal do que fazer para disseminar a epidemia. Porque se você acordar amanhã e disser: o que vou fazer para disseminar a epidemia no Brasil, o que você faria? Você sairia sem máscara e faria aglomerações. É a única coisa que você poderia fazer para disseminar a epidemia. E foi o que ele fez, e é o que ele tem feito. Eu não previ que isso pudesse ter um impacto tão grande. E a epidemia foi ficando cada vez pior.

Você se lembra que nós tivemos uma fase em que todo mundo ficava esperando o pico? Lembra disso no ano passado? O pico vai ser em maio, em junho... O que aconteceu no Brasil? Nós atingimos esse pico e ele não foi seguido por uma queda, como aconteceu em vários países. Ele foi seguido por um platô. E ficamos com um número grande de mortos até setembro e outubro, só começou a cair um pouco depois disso. Aí veio a segunda onda. A gente sabia que existia essa possibilidade, mas não dava para prever nem quando e nem como ela aconteceria.

 

BBC News Brasil - Em outro trecho dessa entrevista do ano passado, o senhor comentou: "Nos últimos dez anos, nós tivemos 13 ministros da Saúde. A média de permanência no cargo foi de dez meses, porque o Ministério da Saúde foi usado como troca política". Naquele período, em abril de 2020, o Brasil estava à beira de trocar o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta. Depois dele, vieram Nelson Teich, Eduardo Pazuello e agora Marcelo Queiroga. Ou seja: a média de troca, que era de dez meses, caiu nesse período para quatro meses. Como essa troca constante em meio à pandemia prejudicou a resposta do Brasil à crise sanitária?

Varella - Quando você tem uma epidemia, você tem que ter um governo central que decida combater a epidemia. A decisão de combater a epidemia é política. É o presidente da República que tem que tomar essa decisão. E aí o que ele faz? Bom, ele é o presidente, ele não tem obrigação de ser formado na área da saúde. Ele então escolhe um ministro da Saúde que tenha. O ministro da Saúde não precisa ser um médico, um especialista naquela área. Mas precisa ser uma pessoa com formação para se cercar dos profissionais competentes que possam definir a orientação. E aí o ministro da Saúde impõe essas medidas e o presidente da República apoia. Nós não tivemos nada parecido com isso.

Na verdade, quem conduziu o combate à pandemia foi o presidente da República. Um ex-ministro disse claramente: um manda, outro obedece. O que está acontecendo agora? A mesma coisa. O que você pode cobrar do atual ministro da Saúde, se ele não pode falar a favor do isolamento social e tem que manter essa enganação que é o tratamento precoce? Ele não pode dizer para parar com essa história de hidroxicloroquina, ivermectina... Ele simplesmente não pode fazer isso. Ele tem que dizer que os médicos possuem o direito de prescrever. Quer dizer, ele está numa situação em que foi escolhido para obedecer o presidente da República e esse é o problema todo.

 

BBC News Brasil - Ao longo dos últimos meses, o nome do senhor e trechos de vídeos antigos foram utilizados fora de contexto para relativizar a covid-19 ou espalhar desinformação sobre a pandemia. Como foi lidar com isso do ponto de vista individual?

Varella - É muito desagradável. Eu tenho uma carreira e comecei a divulgar temas de saúde numa época em que médicos sérios não apareciam na televisão ou nas rádios. E eu me expus ainda nos anos 1980, por causa da epidemia de aids. Eu achei que a informação tinha que chegar à população, porque naquela época a aids era tratada como peste gay. E mantenho esse trabalho até hoje. Uma parte importante de minha atividade é essa, de divulgar informação sobre saúde.

Aí tem gente que vai buscar um vídeo que você fez em janeiro de 2020, quando não havia nenhum caso de covid-19 no Brasil ou qualquer descrição da doença no país. E essas pessoas pegam esse material e jogam nos meios de comunicação como se eu tivesse acabado de dizer aquilo. Acontece que eu tenho um desprezo tão profundo por essas pessoas que sinceramente eu nem me sinto ofendido.

Eles pretendem o que com isso? Se pretendem me atingir, com que finalidade? Eu não sou candidato a nada. Não sou político, nunca fui e nunca serei. O que pode acontecer com isso? Nada. Não vão me atingir de maneira nenhuma. Não vão prejudicar a minha carreira por causa disso. E também não vão prejudicar as minhas pretensões, simplesmente porque não as tenho.

A finalidade disso é confundir a população. Esse é o aspecto mais doloroso. É dizer: olha, o nosso presidente disse que é uma gripezinha, mas o Dr. Drauzio Varella também fala o mesmo. Mas eles não avisam que esse vídeo foi feito antes de a epidemia chegar de verdade. O Dr. Anthony Fauci, que é a maior autoridade em doenças infecciosas nos Estados Unidos, falou a mesma coisa. Assim como várias outras autoridades mundiais em saúde do mundo inteiro. À época, havia uma série de razões científicas para essa interpretação.

 

BBC News Brasil - Por um lado, a internet tem esse lado perverso, da descontextualização e do uso político de certas falas e personalidades. Mas ela também possui um lado leve, como os memes, os stickers de WhatsApp, os vídeos virais. Como o senhor encara esses materiais feitos com sua imagem?

Varella - Olha, eu me divirto com eles. Eu acho engraçado, ainda mais quando jovens e crianças repassam esses stickers e memes com minhas caricaturas. Eu acho que isso faz parte da comunicação. Você é jornalista e é interessadíssimo em comunicar as coisas para as pessoas. No decorrer de seu trabalho, você está sempre pensando: como que eu consigo atingir mais gente? Como é que essa informação que eu tenho pode ir mais longe, não é verdade?

Eu penso assim também. Como eu posso levar essa informação mais longe do que ela poderia chegar? Se eu quero que as pessoas entendam e aprendam coisas de saúde que são importantes para o dia a dia delas, quanto mais gente eu atingir, melhor. E eu acho que a internet, ao lado dos mil problemas que causa, tem essa vantagem. De as pessoas poderem interferir e tornar a informação mais leve e interessante.

 

BBC News Brasil - O Brasil também gastou (e ainda gasta) muito tempo com discussões sobre tratamento precoce e remédios como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. Como esse assunto desviou o foco e nos atrasou no combate à pandemia?

Varella - Essa discussão foi armada justamente para isso. Ela foi armada para desviar a atenção, não aconteceu por acaso. Nós temos um presidente que adotou medidas para as pessoas saírem na rua e pegar o vírus. E ele deu exemplo de medidas assim. O que ele podia dizer? "Pode ir à rua, não seja maricas, forme aglomerações. Mas se você ficar doente, pode ser que você não ache vaga na UTI". Ele não poderia dizer isso, não é mesmo? Então qual foi a estratégia? Se você ficar doente e pegar o vírus, faça o tratamento precoce com cloroquina ou ivermectina.

Quando o presidente teve covid-19, ele deu exemplo disso. Ele pegou um copo d'água e disse: "Já tomei um comprimido de cloroquina, estou me sentindo melhor. Vou tomar o segundo agora". O que ele estava querendo? Enganar as pessoas. Enganar. Em outras palavras, a mensagem era: se você pegar o vírus, é só tomar isso aí que você vai ficar bom e está acabado. Não precisa se preocupar...

O Donald Trump fez a mesma coisa nos Estados Unidos. Só que a legislação americana pune os médicos que prescrevem medicações que não são indicadas para o tratamento daquela enfermidade. O médico americano que receitar cloroquina no tratamento da covid-19 pode ser punido legalmente. Não pelo conselho de medicina ou seu equivalente, mas pela justiça comum.

E aí o Trump fez o quê? Desovou no Brasil toda a cloroquina que estava encalhada nos Estados Unidos. Porque os médicos americanos não vão prescrever um medicamento que não tem indicação e eficácia numa doença, porque podem ser processados criminalmente e pagar indenizações milionárias. Com isso, a cloroquina sobrou por lá. Ela foi encaminhada pra cá, para ser distribuída e enganar as pessoas, como se aquilo tivesse alguma capacidade de proteger da doença.

 

BBC News Brasil - O senhor citou o Conselho Federal de Medicina (CFM) e, nas últimas semanas, eles têm batido muito na tecla da autonomia, que o médico é quem sabe o melhor tratamento para seu paciente. Eles não chegam a falar de tratamento precoce ou da hidroxicloroquina diretamente, mas esse debate acontece dentro dessa discussão. Como o senhor vê a atuação do CFM e das outras entidades representativas da medicina brasileira durante essa pandemia?

Varella - Elas são entidades políticas, que não representam os médicos brasileiros. Essa coisa de dizer que o médico tem autonomia para fazer o que ele acha melhor, não é bem assim. Como autonomia? Eu tenho autonomia de receitar um medicamento ou um procedimento inútil para tratar a doença de um paciente? E o paciente? Ele não tem o direito de receber apenas tratamentos que sejam ativos contra a doença dele? Quer dizer, o médico diz e escolhe o que fazer? E digo para o paciente que determinado remédio tem eficácia quando isso é mentira? É isso, eu proponho uma mentira para meu paciente? Isso é antiético.

Aí você pode me dizer que muitos médicos prescrevem o tratamento precoce. Olha, os médicos que prescrevem fazem-no por duas razões. Primeiro, por ignorância. Por não estudarem, por não acompanharem a literatura. Faltam para eles os fundamentos de formação científica. São até pessoas bem intencionadas, mas despreparadas. E o segundo grupo são médicos políticos. São pessoas que defendem as posições do presidente da República e acham que eles têm que fazer isso por razões políticas. As duas situações não falam a favor dessas pessoas...

 

BBC News Brasil - Como o senhor avalia o atual ritmo da vacinação contra a covid-19 no Brasil?

Varella - É um ritmo ridículo em relação ao que poderia ter sido. Nós temos um dos melhores programas de imunização do mundo. Não sou eu que estou dizendo isso, é a Organização Mundial da Saúde e muitas outras instituições. O Brasil tem 38 mil salas de vacinação pelo país inteiro. No Brasil, ninguém precisa viajar para ser vacinado. As pessoas vão para as unidades básicas de saúde e recebem a vacina lá. O que nós fizemos foi desorganizar o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Foi colocar nos quadros de chefia pessoas que não tinham noção, que nunca participaram de campanha nacional.

Você pega o ministro anterior: ele mesmo dizia que não tinha nenhuma experiência. Não tinha vacinado uma pessoa na vida dele e, de repente, tem esse desafio pela frente. E ainda tem que lidar com um presidente que não se interessou pelas vacinas logo de cara. Ele falava mal da vacina do Butantan, que hoje é o que está salvando a pele dele e do PNI. As vacinas do Butantan são responsáveis por 80% das vacinas administradas no Brasil.

Nós não compramos vacinas, não nos preparamos para esse momento. O mundo inteiro estava comprando: os Estados Unidos, a Comunidade Europeia, o Japão, os países asiáticos… As vacinas estavam disponíveis. Mas nós não compramos. E caímos na situação que a gente se encontra hoje.

Bom, é claro que vamos ter vacinas. Mas quantas pessoas terão morrido até lá sem necessidade? Pessoas essas que poderiam já ter sido protegidas. Se tivéssemos começado a vacinar em dezembro ou janeiro, não estaríamos com mais de três mil mortes diárias como acontece atualmente

 

BBC News Brasil - E como foi a sensação de poder tomar a vacina? Como o senhor se sentiu?

Varella - É engraçado, você tem um sentimento contraditório nessa hora. De um lado, é um alívio grande. Bom, tomei a vacina, posso até pegar a doença, mas parece que a chance de morrer agora é muito pequena. O que eu não quero é morrer. Ficar doente e me curar, está bom. Não quero também, mas é menos grave.

Do outro lado, é uma sensação de frustração, de saber que a gente podia estar vacinando milhares e milhares de pessoas por dia. Eu vejo pessoas da minha própria família e amigos meus que ainda vão demorar para tomar a vacina. Então você tem alívio e frustração pelos outros que não tiveram a mesma sorte que tive.

 

BBC News Brasil - Os últimos meses foram marcados por recordes nos números de casos e óbitos por covid-19 e um colapso do sistema de saúde em vários locais do país. Como o Sistema Único de Saúde (SUS) se portou diante deste desafio? E como seria a situação se não tivéssemos ele?

Varella - Bom, vou começar pela segunda pergunta. Se não tivéssemos o SUS, seria a barbárie. As pessoas estariam morrendo nas ruas. Para dizer a verdade, eu acho que o SUS me surpreendeu. Ele reagiu muito melhor do que as possibilidades que tinha. Com a criação de leitos de UTI, de leitos hospitalares, de programas de atendimento... Eu sinceramente acho que o SUS teve uma atuação impecável. Eu não consigo dizer que vi algum desleixo. Teve essas coisas de desvios de dinheiro, claro. Mas não são coisas que o SUS fez, mas bandidos que se aproximam do serviço público.

Me parece que pela primeira vez os brasileiros entenderam o que é o SUS. Porque até agora a impressão dos brasileiros era que o SUS era aquela bagunça, que você vai ao pronto-socorro, não é atendido, fica em maca no corredor... Agora nós vimos o que aconteceu. Agora os brasileiros têm uma dimensão do que é o SUS. Eu acho que isso pode ser uma das boas consequências da epidemia, se é que a gente pode dizer assim. Ela chamou a atenção para a importância do Sistema Único de Saúde no Brasil.

Você vê, no Reino Unido existe NHS [National Health System, ou Sistema Nacional de Saúde numa tradução literal] e os ingleses têm um orgulho dele. Nas Olimpíadas de Londres, em 2012, eles colocaram o NHS no centro do gramado. Nós fizemos as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro e não colocamos o SUS. E olha que o SUS é muito mais importante do que o NHS.

Primeiro, o NHS surgiu depois da Segunda Guerra Mundial. Então ele está aí na faixa dos 70 anos de existência. Houve tempo para aprimorá-lo. Isso num país rico, com população de alto nível educacional, muito organizado e com cerca de 66 milhões de habitantes. Até eu organizo um sistema de saúde assim. Quero ver fazer essa organização num país de 210 milhões de habitantes, com essa tremenda desigualdade social e regional que nós temos e com esse baixo nível de escolaridade. Não é fácil. Nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes tem um sistema de saúde com as características do brasileiro. É um caso único, citado no mundo inteiro.

Aqui no Brasil nós não temos a visão dessa importância que o SUS tem. Eu acho que agora, passada a epidemia, quando as coisas acalmarem um pouco, nós vamos ter a ideia de como nós podemos contribuir para o aprimoramento do SUS. Isso é possível. Como? Você não precisa trabalhar no SUS para ajudar a aprimorá-lo.

O SUS tem a organização do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde. Mas o SUS acontece no município. É lá que você vai procurar a unidade básica de saúde. Então é no município que a nossa participação pode ser muito mais eficiente e eficaz. Porque você fala com o vereador, você cobra do prefeito, você participa dos conselhos de saúde... A população brasileira tem que participar da organização do Sistema Único de Saúde.

 

BBC News Brasil - Os últimos meses também foram marcados por muitos pedidos de cientistas por um lockdown nacional de algumas semanas. Como o senhor vê essa questão? E como lidar com um lockdown num país tão desigual como o nosso?

Varella - Vamos dizer que agora, por um passe de mágica, você conseguisse deixar todos os brasileiros dentro de casa, sem receber visita nenhuma, por duas ou três semanas. Você acabaria com a epidemia. Acabaria. O vírus vai passar pra quem? Só que isso é inviável: as pessoas acham que basta decretar lockdown. Não é verdade. Você tem pessoas que precisam sair de casa para manter os serviços essenciais. E você tem pessoas no Brasil que saem de casa para ganhar o suficiente, comprar o alimento e levar para a família. Se elas não fizerem isso, a família passa fome.

O nível de pobreza é muito grande. Nós estamos vendo isso agora. Temos 120 milhões de pessoas com a segurança alimentar sob risco. Olha a desigualdade social no Brasil! A gente encarava a desigualdade como? Ah, o Brasil é desigual, é assim mesmo... Não é possível aceitar esse nível de desigualdade, não podemos permanecer dessa maneira.

Então como você faz lockdown? Nós temos um exemplo importante, que foi Araraquara, cidade do interior de São Paulo. O prefeito chamou os industriais da cidade, os comerciantes, os sindicatos, conversou com todos, explicou o que estava acontecendo, e o que temos que fazer. Ele disse que as pessoas estavam morrendo e iam morrer muito mais se nada fosse feito. E aí eles fizeram um lockdown rápido.

Mas as pessoas que estavam em casa recebiam cestas básicas, que foram doadas pela Prefeitura e pela iniciativa privada. Não foi fácil, o prefeito foi até ameaçado de morte. E eles conseguiram dessa maneira fazer cair rapidamente o número de ocupação de leitos, de pessoas internadas na UTI e as mortes. O resultado só não foi melhor porque as cidades em volta não fizeram lockdown.

Por isso, você tem que ter uma coordenação central. Eu acho que um lockdown em território nacional nunca vai ser realizado no Brasil. O que vai acontecer é que, de acordo com a evolução dos casos, com a lotação das UTIs e o colapso dos sistemas de saúde, vai ter que fazer pequenos fechamentos regionais. Eu não vejo outra alternativa.

 

BBC News Brasil - Outra discussão muito forte no Brasil ao longo dos últimos meses foi a dicotomia entre saúde e economia. Muitos de nossos representantes, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), disseram que medidas restritivas quebrariam nossa economia e isso seria até pior que a própria covid-19. No entanto, estamos no pior momento da pandemia até agora e sem perspectiva alguma de retomada econômica. O senhor vê algum caminho para lidar com essa questão?

Varella - Houve um mal entendido desde o início. Se dizia que as pessoas precisavam trabalhar para preservar a economia. Mas o que provoca a crise econômica e financeira é a existência da epidemia. Não é o fato de as pessoas ficarem em casa, não é o combate à epidemia. É justamente o contrário. Quanto mais rápido a epidemia desaparecer, mais depressa a gente retoma a economia. Isso é um clássico da história das epidemias.

Aqui foi o contrário. Você vê agora, o ministro da Economia dizia há uns dois meses que a solução é a vacina. A única coisa que vai recuperar a economia é a vacina. Veja as montadoras aqui no Estado de São Paulo, que fecharam as fábricas. Elas não fecharam porque queriam fazer um lockdown. Fecharam porque são incapazes de garantir a segurança dos funcionários numa situação em que a epidemia está correndo solta, sem nenhum controle. Ou você vacina e recupera a economia, ou a economia vai ficar patinando nessa situação grave. E quanto mais tempo levar, pior. Mais tempo durará a crise.

 

BBC News Brasil - Nos últimos dias, aumentou a discussão sobre uma CPI para apurar as ações do Governo Federal e até dos governos estaduais e municipais durante a pandemia. O senhor pessoalmente acha que é necessário rever o que foi feito até agora e responsabilizar agentes públicos por ações que foram tomadas ou ignoradas?

Varella - Veja, o Brasil tem menos de 3% da população mundial. No momento atual, de cada quatro pessoas que morrem de covid-19 no mundo, uma é brasileira. É uma mortalidade absurda. Nossa participação é de 27% das mortes. O país não precisava se encontrar nessa situação. E isso é muito grave, porque são pessoas que perderam a vida. E se cria esse clima de que estamos numa guerra... Não estamos numa guerra. As pessoas que pegam o vírus só morrem porque pegaram o vírus. Se elas não tivessem pegado o vírus, estariam vivas. Portanto, são mortes evitáveis.

Quem cometeu erros graves na pandemia precisa ser punido. Que tipo de punição? Não tenho ideia, não sou jurista. Isso vai ficar para os advogados, para o Supremo Tribunal Federal, para o sistema jurídico brasileiro. Eles que vão estabelecer quais são as responsabilidades.

Se receito para o meu paciente um remédio que não tem ação para tratar a doença dele e tem efeitos colaterais, eu posso ser punido eticamente pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. E também posso ser punido pela justiça comum. E isso quando prejudico uma única pessoa. Agora, imagina se eu prejudiquei centenas de milhares de pessoas. Eu acho que isso tem que ser apurado e não pode ficar sem um processo jurídico.

BBC News Brasil - O senhor sempre viajou muito pelo país e tinha uma rotina de atendimentos e consultas constantes. Como foi a adaptação ao trabalho neste último ano?

Varella - Olha, não tive tempo de me adaptar. Eu passei de uma vida para outra imediatamente. Eu tinha muita atividade mesmo. Eu lembro que, em novembro de 2019, teve uma semana que eu peguei avião todos os dias. Entre idas e vindas, às vezes eu pegava dois aviões num dia, um pra ir e outro pra voltar. Eu saía de São Paulo, fazia uma palestra numa cidade do Nordeste ou do Norte, e voltava, tudo no mesmo dia. Fazia parte de minha rotina. De repente, fiquei fechado em casa.

Por outro lado também, comecei a ter uma demanda para manter atividade educacional, o que foi muito bom. E é um trabalho completamente diferente daquele anterior. Eu gosto de fazer, mas às vezes fico um pouco tumultuado quando tem muita coisa na agenda. E essa comunicação pela internet é esquisita. A gente não estava habituado com ela. Se você vai numa reunião com dez pessoas em torno de uma mesa, uma está anotando, a outra está tirando um dado de um celular, uma terceira está olhando pra cima e ouvindo a conversa... Nós não estamos acostumados a nos encarar tanto tempo como a gente se encara hoje.

E mais: nós não estamos habituados a ver nossa própria imagem na tela o tempo inteiro. Nós não estamos acostumados a ver a nossa imagem enquanto falamos. Esse estímulo é invasivo. Eu estou olhando pra você, as suas reações, olhando nos seus olhos. Você está olhando nos meus. E, ao mesmo tempo, você está olhando para você mesmo numa tela. É uma comunicação que gera estresse. Tanto que você participa de uma live e se sente cansado. Cansado até fisicamente, porque ficar sentado o tempo todo cria problemas. A nossa espécie não tem adaptação ainda para esse tipo de comunicação. E isso causa um estresse geral.

 

BBC News Brasil - O senhor é oncologista e sabemos que essa é uma área da medicina em que as novidades não param. Durante este ano, o senhor conseguiu se atualizar nas últimas descobertas sobre o câncer, ou o foco total foi em entender a pandemia?

Varella - Eu continuo lendo e estudando, até porque eu gosto e não sou capaz de me afastar desse conhecimento. Mas você fica muito mais desfocado. Muito mais. Eu tenho que participar de uma mesa redonda sobre um tipo de câncer do aparelho digestivo. Eu me preparo para essa aula, estudo, leio...

Mas tenho também que acompanhar o que está acontecendo com a covid-19, porque eu sou solicitado a dar opinião. Eu não posso estar desinformado e isso me desfoca um pouco. E é algo que está acontecendo com os médicos de forma geral.

 

BBC News Brasil - E a rotina? O senhor conseguiu criar novos hábitos de exercício, alimentação e bem-estar diante das necessidades de restrição?

Varella - Antes da pandemia, eu levava uma vida muito complicada. Não parava nem para almoçar. Às vezes, comia um pão de queijo na hora do almoço para aguentar até o jantar. Era uma vida muito irregular. Saía de manhã pra trabalhar e ia até de noite. Às vezes, chegava tarde. Em casa, você estabelece um regime mais disciplinado. Isso foi bom, eu consegui me manter. Não ganhei peso, ao contrário, até emagreci um pouco. Mas fiquei com medo. Pensei: agora, com atividade reduzida e em casa, com a geladeira à disposição, se eu bobear vou ganhar peso. Na minha idade, ganhar peso é muito ruim. Aliás, em qualquer idade é ruim, mas na minha é pior.

Eu continuo fazendo exercício. Eu não tenho corrido na rua agora por uma série de razões. Mas eu subo a escadaria do meu prédio. Era um exercício que eu já fazia antes e agora faço com muito mais regularidade. Subo as escadas até o último andar e desço de elevador, até porque na descida de escada a gente pode machucar o joelho. Esse é o exercício que eu faço.

Eu me convenci do seguinte nesses 50 anos de medicina: todo mundo quer viver muito, claro. Você também quer, imagino. Mas não a qualquer preço. Se eu disser que, aos 80 anos, sua memória vai começar a ir para o espaço, você vai ficar restrito, não vai ter coordenação motora para levar o garfo à boca, não vai conseguir ir até o banheiro, precisará usar fralda... Aposto que assim você não vai querer.

 

BBC News Brasil - E para evitar isso, é preciso tomar aquela série de cuidados e medidas de saúde...

Varella - Aí é que está. Isso não vem de graça. Para alguns, até vem de graça, por causa da genética. São pessoas muito privilegiadas. Mas são raras também. É pouco provável que isso aconteça com você ou comigo. Nós vamos ter que batalhar mesmo. É fazer exercício, não deixar o corpo parado… Corpo parado estraga depressa.

 

BBC News Brasil - Em outro trecho da entrevista de abril de 2020, o senhor disse: "Esse vírus vai ficar um bom tempo entre nós. Não com essas características que está tendo agora, promovendo essa mortalidade absurda, mas ele vai levar muito tempo para desaparecer do contato com a humanidade." O senhor já enxerga alguma luz no fim do túnel?

Varella - Eu acho que daria agora exatamente a mesma resposta que eu dei há um ano atrás. Só espero que, daqui a um ano, eu não tenha que dar essa mesma resposta também. O que eu acho é que esse vírus vai ficar por aí mesmo. E isso por várias razões. Primeiro, as vacinas que nós temos protegem contra a doença. Todos os estudos foram feitos assim. Vamos dar a vacina para um grupo e para outro não. Depois, nós vamos ver quantos morreram, foram parar na UTI e comparar com o outro grupo. Mas, até agora, nós não fizemos nenhuma comparação de quantos vacinados vão adquirir o vírus e ficaram assintomáticos. Se eu pego o vírus e fico assintomático, está ótimo. Só que aí eu vou para uma festa, vou visitar meus filhos, minha netas... Eu vou transmitir o vírus, apesar de ter sido vacinado. Nenhuma vacina provou até agora que é capaz de inibir a transmissão do vírus.

Segundo ponto, será que nós vamos conseguir vacinar a população brasileira inteira? Nós vamos conseguir vacinar grande parte da população. Mas inteirinha, não vai dar. Porque tem gente que se nega a tomar vacina, que toma a primeira dose e não vai tomar a segunda... Enfim, é muito difícil você vacinar 100% das pessoas.

Terceiro, podem aparecer variantes que não respondam às vacinas que nós desenvolvemos. E isso obriga a gente a criar novas vacinas e ficar vacinando periodicamente. Então é muito pouco provável que a gente elimine o vírus definitivamente. Agora, quanto mais gente vacinada, mais cairá o número de casos e o número de mortes. Mas vamos ter o vírus presente por aí por bastante tempo ainda.

E isso quer dizer que as medidas que nós temos que tomar hoje, especialmente o uso de máscaras, precisarão ser mantidas. No ano que vem, nós vamos usar máscaras ainda. Porque, veja, você tem a covid-19. Passam seis, sete meses, e tem outra vez a mesma doença. Quer dizer, provavelmente não há imunidade permanente.

Com isso, é possível, ou pelo menos existe uma grande probabilidade, de que as vacinas também não o façam, o que vai obrigar a novos ciclos de vacinação. Não tem drama, é o que a gente faz com a gripe hoje. Mas não conseguimos ficar livres do vírus da gripe. E não vamos conseguir ficar livres desse coronavírus.

 

BBC News Brasil - Que recomendação o senhor deixaria para as pessoas diante desse momento que estamos na pandemia para proteger a si e a todos aos redor?

Varella - A primeira medida a tomar é identificar em que fase da epidemia nós estamos. No momento atual, estamos numa fase muito dura. Os hospitais seguem lotados de gente. O sistema de saúde está em colapso. E as pessoas muitas vezes não entendem o que é colapso. Colapso quer dizer: não tem jeito de atender. É como se não tivesse hospital para as pessoas que precisam dele. Você é atropelado na rua, tem um afundamento de tórax, precisa ser levado para UTI e não tem lugar. Você morre no pronto-socorro por essa falta de atendimento.

Nessas fases, em que a doença está dessa maneira, a gente tem que tomar cuidado o máximo possível. E qual é o cuidado? Usar máscara. E não é só evitar aglomeração. Porque aglomeração é um bando de gente. A gente não acha que três ou quatro pessoas façam uma aglomeração. Você pode até não ir numa balada ou no pancadão. Mas imagina que você resolve reunir dois casais de amigos para uma pizza num domingo. Se uma dessas pessoas estiver infectada, o risco de você se infectar vai ser grande. Ah, mas eu conheço e sei que essas pessoas estão se cuidando... Não dá pra assumir quarentena alheia. Não dá. Porque cada pessoa tem o seu jeito de fazer. Portanto, numa fase como essa, todo cuidado é pouco.

Quando as coisas começarem a melhorar, você estiver vacinado, as pessoas ao seu redor também, aí você vai ter mais liberdade. Até para eventualmente convidar os dois casais de amigos para a pizza de domingo. Daí você vai abrir as janelas, deixar ventilar o máximo possível o ambiente. E vai evitar ficar em lugares apertados, com gente sem máscara.

E você vai continuar a usar máscara. A máscara é hoje uma peça do vestuário. Você não sai à rua sem camisa, mesmo que esteja calor. Você põe a camisa. A máscara é a mesma coisa.

As pessoas vão ter que entender a necessidade dessas medidas. Se nós fizermos isso direito, vamos proteger a nós mesmos e os nossos familiares. Se a gente continuar nessa coisa de sair e negar o problema, nós vamos correr riscos e vamos correr risco pelos nossos familiares. E esse é um problema muito sério.

Uma lição que a gente tem que aprender nessa epidemia para não repetir na próxima é o conceito de grupo de risco. Espero que nunca mais se fale numa coisa dessas nas epidemias. Olha o que aconteceu na aids. Quem eram os grupos de risco naquela ocasião? Os homossexuais e os usuários de droga injetável. Isso saía em tudo quanto é jornal. Na prática, uma mulher que não é homossexual e que não usava droga na veia, achava que não corria risco nenhum e não usava preservativo. Ela não era do grupo de risco... Quantas mulheres não se infectaram assim?

Agora, na covid-19, quem é grupo de risco? Pessoas acima de 60 anos e quem tem pressão alta, diabetes ou obesidade. Aí eu estou com 32 anos, não tenho essas condições, e penso que está tudo bem, se eu pegar vai ser uma doença de nada. Olha o que está acontecendo agora: mais da metade das pessoas nas UTIs brasileiras tem menos de 40 anos de idade.

Grupo de risco não existe. O que existe é o comportamento de risco. Porque eu posso estar numa aglomeração com 100 pessoas e, se nenhuma delas estiver infectada, eu não vou pegar o vírus. E eu posso estar num jantarzinho íntimo de quatro, cinco pessoas e uma pessoa infectada pode infectar todos os outros.

25
Jan21

O jogo político do impeachment pode estar virando contra Bolsonaro

Talis Andrade

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Foto: Andressa Anholete/Getty Images

 

Nunca faltaram motivos jurídicos para justificar um impeachment contra Jair Bolsonaro. O que faltavam eram condições políticas, que finalmente podem estar aparecendo

 

 

AS CONDIÇÕES POLÍTICAS para o impeachment pareciam inexistentes há um mês, mas o jogo pode estar virando. De lá pra cá muita coisa aconteceu. Passou a ficar mais claro que o descaso do governo com a pandemia não é resultado de incompetência, mas um projeto baseado em negacionismo científico. As panelas voltaram a bater e até ex-bolsonaristas passaram a defender o impeachment. A popularidade do presidente despencou de 36% para 27%. Além disso, Donald Trump, a grande referência moral e política do bolsonarismo, saiu da presidência dos EUA pela porta dos fundos, o que representou um baque imenso para as narrativas bolsonaristas. As condições jurídicas para o impeachment sempre existiram — Bolsonaro tem pelo menos uma dúzia de crimes de responsabilidade indiscutíveis nas costas. Faltavam as políticas, que agora começam a tomar corpo.

Dez dias antes das pessoas começarem a morrer asfixiadas por falta de oxigênio em Manaus, o governo federal foi informado que o sistema de saúde entraria em colapso. E nada fez. Essa tragédia programada trouxe de volta os panelaços e aumentou o clima favorável ao impeachment. Mesmo assim, precisamos ser realistas: o impedimento do facínora que nos governa ainda está distante e com grandes chances de ser enterrado pela eleição de Arthur Lira, o candidato bolsonarista à presidência da Câmara que, até agora, parece ser o favorito. Há muito trabalho pela frente, mas hoje é possível enxergar alguma fagulha de luz no fim do túnel.

A tragédia humanitária pela qual passa o país foi meticulosamente construída pelo bolsonarismo. Em março, quando a gravidade da pandemia já era ponto pacífico entre os principais presidentes do mundo, Bolsonaro afirmou que essa “gripezinha” não chegaria a matar 800 pessoas. De lá para cá o que se viu foi um show de horror negacionista. Enquanto o presidente fazia aparições midiáticas aglomerando sem máscara, as milícias digitais bolsonaristas lideravam uma campanha nas redes para desacreditar a ciência. Depois, quando Doria anunciou a compra da Coronavac, Bolsonaro disse que não compraria dele a “vacina chinesa” e passou a contestar sua eficácia. As milícias digitais atuaram novamente para descredibilizar a Coronavac. Depois de desprezá-la e boicotá-la de todas as maneiras, o governo iniciou uma guerra pela vacina quando percebeu o ganho político do governador paulista. Houve até ameaças de confisco da vacina. Aliás, essa é outra tragédia instalada pelo bolsonarismo: a transformação de Doria em herói apenas por ter cumprido a sua obrigação.

A falta de insumos para produção da vacina, que atrasou o início da imunização do país, é resultado direto do isolamento internacional imposto pelas alucinações ideológicas da extrema direita. O problema do Itamaraty não é de incompetência, pelo contrário. Transformar o Brasil em pária internacional é um projeto que está sendo muito bem sucedido. “Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”, profetizou há 3 meses o chanceler Ernesto Araújo ao falar sobre os novos rumos da política externa bolsonarista. O ministro estava desde março do ano passado sem manter nenhuma conversa com a China, nossa principal parceira comercial, que é também a principal fornecedora dos insumos para as vacinas. O motivo é formidável: o Itamaraty comprou a briguinha de Twitter que Eduardo Bolsonaro arranjou com o embaixador chinês, que também foi iniciada graças aos delírios xenofóbicos difundidos por Olavo de Carvalho. Agora o governo tenta retomar o diálogo com a China para resolver o problema que criou de maneira gratuita.

A farsa da hidroxocloroquina e da ivermectina é um capítulo à parte desse necroprojeto. O presidente virou garoto-propaganda de uma medicação que foi descartada pela sua ineficácia no mundo inteiro, inclusive por Trump. Essa mentira virou uma política oficial do Ministério da Saúde, que chegou a recomendar o uso do medicamento para conter a tragédia em Manaus. Um aplicativo chamado TrateCov foi criado pelo governo para “auxiliar os profissionais de saúde” e sugerir “opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada” e “prescrição de medicamentos”. O ministério da Saúde anunciou a criação do aplicativo com toda pompa, afirmando que ele oferece o diagnóstico obedecendo a “rigorosos critérios clínicos“. Tudo mentira. O aplicativo foi programado para receitar cloroquina até para recém-nascidos sem sintomas de covid.

As mentiras vão se sobrepondo, junto com os cadáveres da pandemia, sem causar o menor constrangimento entre os governistas.

Desmontada a farsa, o que fez o governo? Contou novas mentiras. Com uma cara de pau própria dos psicopatas, Pazuello afirmou que o ministério jamais indicou esses medicamentos e que o aplicativo era apenas um “projeto piloto” que foiinvadido e colocado no ar por hackers. Um outro dado da realidade surgiu para atestar a ineficiência: 90% das grandes cidades que usaram o “kit covid” do governo tiveram taxa de mortalidade mais alta que a média dos seus estados. Mesmo sendo espancado pela realidade dos fatos, o governo não abandonou a sua narrativa de morte. As mentiras vão se sobrepondo, junto com os cadáveres da pandemia, sem causar o menor constrangimento entre os governistas — um traço característico dos grandes genocidas da história.

O Brasil vive sob um governo criminoso que durante a pandemia fez do atentado à saúde pública uma estratégia permanente. Isso já tinha ficado claro quando Bolsonaro foi trocando ministros da Saúde que insistiam em se fiar na ciência até encontrar um militar negacionista. Repito: empurrar seu povo para a morte é uma estratégia governista. Uma estratégia elaborada com os requintes de crueldade próprios de uma extrema-direita que tem Pinochet e Ustra como referências morais.

Assim que a palavra “impeachment” passou a rondar pela primeira vez com força no noticiário, o governo ressuscitou as ameaças golpistas. A PGR, que parece atuar quase que exclusivamente em defesa de Bolsonaro e sua família, emitiu nota afirmando que o estado de calamidade pública causada pela pandemia é “a antessala do estado de defesa”. Isso significa estado de exceção. Com ele, o Estado ficaria autorizado a impor medidas que violam os direitos do cidadão, como restrição de reuniões e a quebra de sigilo telefônico. Um dia antes dessa ameaça via PGR, Bolsonaro voltou a dizer que são as Forças Armadas que decidem se o povo vive em democracia ou ditadura. O clamor pelo impeachment fez a sanha golpista voltar com força. O Ministro da Justiça, por exemplo, começou a intimidar os críticos do governo. Ele requisitou um inquérito policial contra um advogado que responsabilizou Bolsonaro pelo alto número de mortes durante a pandemia.

Ultrapassamos a marca de 200 mil mortos por covid. Isso significa que aproximadamente um de cada mil brasileiros morreram em virtude do que Bolsonaro chama de “gripezinha”. Só o impeachment pode interromper esse projeto de destruição da democracia e da saúde pública. O impeachment virou uma questão de vida ou morte. A matemática da pandemia no Brasil agora é essa: quanto mais tempo demorar para sacarmos o presidente do poder, mais pessoas irão morrer.

14
Jan21

Pazuello e Bolsonaro só merecem o nome de ‘monstros de Manaus’

Talis Andrade

por Fernando Brito

- - -

O colapso no fornecimento de oxigênio para centenas ou milhares de brasileiros e brasileiras que estão internados nos hospitais de Manaus estava mais do que avisado e era mais do que sabido que isso causaria a morte de muitos deles, com os pulmões atacados pela infecção.

Os pedidos de ajuda à União – e também a outros estados – foram muitos e em vão.

Hoje, funcionários dos hospitais, desesperados, transportavam em macas os poucos cilindros que conseguiam ou que eram trazidos por parentes dos pacientes, arrumados sabe lá Deus como.

O Ministério da Saúde sabia do desastre iminente, o Ministro da Saúde sabia da tragédia anunciada e o presidente da República, com quem Pazuello tratou do assunto hoje cedo, sabia.

A fabricante White Martins, que tem fábrica em Manaus, não dá conta de uma demanda que quintuplicou em 5 dias e está pedindo ajuda para trazer mais cilindros da Venezuela, sem que se saiba de qualquer apoio diplomático para isso.

Ao contrário, o coronel Franco Duarte, representante do Ministério da Saúde no Amazonas (sim, um coronel) prefere colocar a culpa nos pacientes que “não está no leito de UTI” que, por ficar com o cilindro de oxigênio próximo a ele, abre a torneirinha para ampliar o fluxo e ter uma “sensação de bem estar”.

Só agora à noite estão chegando aviões da FAB com alguns cilindros, enquanto o Amazonas tenta “exportar” doentes para outros estados e coloca Manaus sob toque de recolher noturno, diante de mais um recorde de casos.

Que nome merece esta gente?

Os monstros de Manaus?

Como é que meteram o Exército Brasileiro metido neste genocídio sem que tenhamos generais que se indignem com a morte de seus compatriotas sufocados, sem ar, numa agonia horrenda.

Será que o “I can’t Breath” – “eu não posso respirar”, em inglês – vai ser o grito silencioso dos manauaras?

 

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