O Copom (Comitê de Política Monetária) passou dos limites nesta quarta-feira (23), e o problema vai além da manutenção da taxa básica de juros, a Selic, no patamar estratosférico de 13,75% ao ano. O comunicado que o órgão do Banco Central divulgou após o anúncio do índice é uma provocação inaceitável ao governo Lula – e até mesmo uma tentativa de desmoralizar o presidente.
Não foi a primeira vez. Da reunião anterior, em janeiro, o Copom, autoproclamando-se “vigilante”, acusou o governo, sutilmente, de tumultuar o ambiente econômico. “O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”, dizia o comunicado.
O texto prosseguia: “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião”. Ainda havia, no fim do comunicado, uma ameaça de juros mais altos: o Copom agregava que, sem uma “desinflação” em curso, “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste”.
A nova reunião, 45 dias após a de janeiro, é a primeira que o Copom realiza sob o fogo cruzado do governo, dos empresários e dos movimentos sociais. Desde então, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avançou na elaboração de um arcabouço fiscal que substitua com ampla vantagem o teto de gasto, sem prejuízo às áreas sociais. Vários anúncios oficiais do governo estão sendo adiados, em nome, justamente, da tal responsabilidade fiscal. A reoneração parcial dos combustíveis, à revelia da opinião da base social do governo, confirmou a disposição do governo Lula em pôr o pé no freio.
Mas, para o Copom, nada disso ocorreu, e a “incerteza” prevalece. Por preguiça ou descuido, a nota repete,ipsis litteris, o mesmo recado do comunicado da reunião anterior: “O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”, além de não hesitar “em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.
Não é apenas Lula que esbraveja contra os juros altos e contra o descaso do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Na segunda-feira (20), ao participar de um seminário organizado BNDES, o norte-americano Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de Economia de 2011, criticou a condução da política monetária pelo Copom.
“A taxa de juros de vocês é, de fato, chocante. Uma taxa de 13,75%, ou 8% real(descontada a inflação), é o tipo de taxa de juros que vai matar qualquer economia”, analisou o economista. “É impressionante que o Brasil tenha sobrevivido a isso, que seria uma pena de morte.”
No mesmo evento, Josué Gomes, presidente da todo-poderosa Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, disse que falta ao Copom “uma boa explicação para as pornográficas taxas de juros que praticamos no Brasil”. Para o líder empresarial, não há premissa mais falsa do que a ideia de que o País vive um “abismo fiscal”. Ainda menos num país com “73% do PIB de dívida bruta” e reservas cambiais consideráveis.
Haddad, sempre moderado nas palavras, qualificou o comunicado do Copom como “muito preocupante”, na medida em que parece ignorar deliberadamente o esforço governamental. “Hoje divulgamos um relatório bimestral mostrando que nossas projeções de janeiro estão se confirmando sobre as contas públicas”, disse o ministro.
Juros altos travam investimentos, inviabilizam a retomada do crescimento e asfixiam lentamente a economia. Ao “pagar para ver” e ainda voltar a ameaçar taxas de juros ainda mais altas, o Copom fez um movimento para reforçar sua independência e contra-atacar Lula. É como se tratassem a opinião do presidente como um mero esperneio.
Mudar a composição do Banco Central e rever independência tão tóxica se tornam medidas urgentes para o governo. De todos os opositores de Lula, nenhum está mais ativo e forte hoje do que o Copom.
Relatórios enviados ao STF (Supremo Tribunal Federal) revelaram o perfil dos líderes e financiadores de manifestações e bloqueios antidemocráticos realizados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que não aceitam a derrota e questionam o resultado das urnas.
Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, os documentos foram encaminhados pelas Polícias Militar, Civil e Federal e pelo Ministério Público, e produzidos a pedido do ministro Alexandre de Moraes. O veículo teve acesso aos documentos.
NoAcre, relatório de inteligência aponta que dois fazendeiros locais estariam entre os financiadores dos protestos em defesa de uma intervenção militar: Jorge José de Moura, conhecido como “rei da soja”, e Henrique Neto. Danilo Lovisaro do Nascimento, procurador-geral de Justiça do estado, afirmou que STF que tem “certeza de que os atos antidemocráticos estão sendo financiados pelos fazendeiros do agronegócio”.
EmGoiás, de acordo com o Estadão, os empresários Tales Cardoso Machado, dono de uma panificadora, e Pedro Sanches Roja Neto; o ex-vereador de São Miguel do Araguaia Leonardo Rodrigues de Jesus Soares; o corretor e candidato derrotado a prefeito da cidade em 2020 Sandro Lopes (PRTB); e o ruralista Hernani José Alves são citados pela Polícia Civil de Goiás como lideranças dos bloqueios na zona rural de São Miguel do Araguaia, onde uma das rodovias chegou a ser fechada com pneus incendiados.
Em Goianésia (GO), o relatório mostra que caminhoneiros e moradores “que atuam principalmente no agronegócio” mobilizaram os bloqueios, e dois nomes foram apontados pela polícia: Jamil El Hosni e Rafael Luiz Ottoni Peixoto.
Golpista Jamil El Hosni
NoMaranhão, o investigador de polícia Marcelo Thadeu Penha Cardoso e candidato a deputado estadual em 2022 Claudio Rogerio Silva Raposo (PTB) foram apontados pela polícia como responsáveis pelos atos que ocorreram em frente ao quartel do 24º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), em São Luís.
EmMato Grosso do Sul, a médica Sirlei Faustino Ratier, a servidora da Câmara Municipal de Campo Grande Juliana Caloso Pontes, o comerciante Julio Augusto Gomes Nunes, o agricultor Germano Francisco Bellan, o ex-prefeito de Costa Rica Waldeli dos Santos Rosa e os pecuaristas Rene Miranda Alves e Renato Nascimento Oliveira, conhecido como Renato Merem, foram identificados pela Secretaria de Segurança Pública do estado.
NoParaná, o empresário Valmor Geronimo Ferro foi apontado pela PM como uma das lideranças dos protestos em Curitiba. Ele teria sido responsável por levar água e comida para os manifestantes. Já os empresários José Antonio Rosolen e Robson Leandro Calistro teriam “ascendência sobre as decisões” dos manifestantes em Cianorte.
EmSanta Catarina, a Polícia Civil nomeou ao menos onze lideranças autodeclaradas dos atos, incluindo empresários.
Esses são 2 dos 8 neonazis presos em SC Laureano Vieira Toscani, condenado a 13 anos após espancar 3 judeus. Já foi preso por tentativa de homicídio motivada por racismo João Guilherme Correa, denunciado por duplo homicídio em disputa de lideranças de células neonazis no PR
Golpistas das grandes transportadoras devedoras do fisco e bancos oficiais precisam sentir o gosto do cárcere que ameaçam para estudantes, jornalistas, cientistas, intelectuais, artistas, lideranças comunitárias, defensores dos direitos humanos, populações indígenas e quilombolas
Sâmia Bomfim
@samiabomfim
O ministro Alexandre de Moraes determinou ao Banco Central o bloqueio de contas bancárias de 43 suspeitos de financiar atos golpistas. Pedido de intervenção militar é crime, e todos os responsáveis pelos atos antidemocráticos precisam ser punidos.
Bolsonaro também reclamou que o TSE ignorou o mando de militares palacianos, o chamado centrão das mamatas
Bolsonaro também reclamou que o TSE ignorou propostas de ocupação militar do Tribunal Superior Eleitoral, para manter o mando dos marechais de contracheques no orçamento paralelo e secreto dos ministérios e empresas estatais.
O 'dia do foda-se', do 'acabou porra', anunciado pelo general chefe do serviço secreto Augusto Heleno estava marcado para o dia 12 próximo, ou 7 de Setembro na parada de tanques sobre Copacabana ou no dia 1 de outubro, véspera das eleições, da festa cívica democrática do povo nas ruas, para julgar candidatos, para eleger os melhores governantes, os políticos que representam os sem teto, os sem terra, os sem nada. Os que passam fome, os parentes que perderam pais e filhos e irmãos e companheiros e companheiras na fila do SUS, nos corredores dos hospitais, nas chacinas das polícias, na estratégia de propagação da covid, para obter o malefício da imunidade de rebanho.
Em mais uma estratégia para conturbar o processo eleitoral, Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quarta-feira (2), que as Forças Armadas apresentaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma proposta para filmar a votação de eleitores e, no final do dia, checar os dados.
Colocando o sistema eleitoral atual em descrédito, ele afirmou que “não adianta verificar a urna como eles [o TSE] querem, uma semana antes”.
Segundo ele, é necessário que essa avaliação seja feita no dia da votação. As declarações foram dadas em entrevista à rádio Guaíba e reproduzida em reportagem doportal Metrópoles.
“Podemos pegar seiscentas urnas e checar nesse dia. São quase quinhentas mil no Brasil. É uma boa amostragem. E como é que é feito esse teste? As pessoas vão votando e sabendo que estão sendo filmadas. ‘Olha, você vai ser filmado agora. Você quer votar aqui aleatoriamente em quem você quiser, independente da sua vontade, né'”, explicou.
“A pessoa topa, então elas são filmadas. E, no final do dia, com esse filme pronto, você vê quem essa pessoa digitou. ‘Ah, foi tantos votos no Onyx Lorenzoni’, por exemplo. Então vai ter que aparecer tanto pro Onyx, tanto para um deputado federal, tanto para um deputado estadual… Sem problema nenhum”, disse.
Ora, ora, Bolsonaro quer fazer medo, ameaçar o eleitor: o soldado do Exército, de metalhadora, filmando quem vota. Ou o soldado da Polícia Militar, com um revólver, um soldado das chacinas nas favelas, vigiando o pobre, o negrinho dar o seu primeiro voto aberto. O voto de cabresto. O voto nos milicianos para presidente, senador, governador, deputado federal, deputado estadual.
Ora, ora, a presença militar, ou policial, na cabine de votação, é a pior das corrupções: é votar com o cano da metralhadora na cabeça, a 'faca de ponta baioneta' no coração.
Nas ditaduras militares, o capitão ou general presidente vence sempre. Acontecia no Brasil nos tempos dos coronéis, o voto de papel com o nome do candidato. Se o diabo do voto não aparecesse na contagem, o eleitor estava morto. Levava uma pisa, e era sangrado.
Entendido em sangreira, Bolsonaro sabe como fraudar uma eleição com voto impresso. Sabe prometer a grana dos vinhos, dos licores, do uísque, do filé, da picanha, do salmão, do leite condensado para os rituais nazistas, do Viagra, prótese peniana tamanho não família (25 cm) e lubrificante íntimo, enquanto o povo passa fome.
A fome uma exclusividade da população civil. 33 milhões de brasileiro passam fome. 116 milhões sofrem de insuficiência alimentar, e os gorilas comendo, os cavalões comendo.
É preciso investigar fortemente essas relações nada republicanas entre a presidência da Câmara e o prefeitura de Rio Largo em Alagoas. Como em uma telenovela, os próximos capítulos talvez deslindem melhor essas estranhas relações.
Chacinas são parte da sangreira
Taí as forças armadas, as polícias estaduais e federais desconheciam... Estas 1.200 pistas para os aviões são do tráfico geral. A polícia do Rio aposta que os capos traficantes proprietários de aviões, fazendas, milionárias contas bancárias... residem nas favelas das chacinas
Guga Chacra
@gugachacra
Com chamada na primeira página e mais uma página inteira interna na edição impressa, NYTimes publica gigantesca reportagem sobre como mais de 1.200 pistas de pouso secretas são usadas pela mineração ilegal no Brasil
Não é segredo que a Fundação Nacional do Índio (Funai) parece ignorar sua principal missão – a proteção aos povos indígenas – durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Não à toa, após o assassinato do indigenista licenciado Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips os servidores da pasta se rebelaram contra a atual diretoria: a categoria lançou, junto ao Instituto de Estudos Socioeconômicos, um dossiê com mais de 200 páginas, uma espécie de radiografia do atual desmonte da Funai, e iniciou uma greve nacional pela saída de Marcelo Xavier da presidência do órgão.
No fim das contas, o brutal crime ocorrido no Vale do Javari (AM) fez com que alguns indigenistas rompessem a mordaça. A maioria dos entrevistados na ativa da Funai relatou em detalhes à AgênciaPública parte da rotina de assédios, intimidações e ameaças de morte que tem sofrido nos últimos quatro anos.
Servidores da Funai afirmam sofrer assédios, intimidações e ameaças
“Assim, não precisa nem contratar pistoleiros para nos matar”
Daniel Cangussu foi o único indigenista do grupo ouvido pela Pública a não pedir anonimato, dada sua notória insatisfação com a presidência de Marcelo Xavier. Ele atua há mais de dez anos na Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus, uma das regiões mais ameaçadas da Amazônia, onde se especializou na localização e no contato com povos isolados.
“Com o desmonte [da Funai], ficamos desmoralizados na ponta… acabamos ‘isolados’ também. Os invasores sabem que não temos porte de arma regulamentado, nem forças de segurança ao nosso dispor. As intimidações são constantes”, afirma o indigenista.
Sua rotina de trabalho envolve tanto o planejamento e a realização de expedições em busca de vestígios de indígenas como também a proteção dos isolados contra grileiros, madeireiros e pistoleiros que cercam as terras monitoradas pela Funai.
“No fim de 2021, uma pessoa abordou a gente, eu e minha equipe, em nosso trajeto de trabalho, nos alertando do perigo que estávamos enfrentando. Meses depois, descobrimos que aquela mesma pessoa estava armando uma emboscada para nós”, diz.
O servidor conta que a descoberta ocorreu quase que por acaso, vinda de alguém convidado a participar do ataque. “Quando recebemos ameaças, o relato vem primeiro pela boca dos outros. Receber ameaças [de morte] virou algo comum, infelizmente. Dizem que são ossos do ofício, quando não deveria ser”, afirma.
Cangussu narra ainda o avanço de invasores em áreas indígenas entre o Amazonas e o Pará durante o governo Bolsonaro. “Por exemplo: na calha do [rio] Madeira, houve um aumento de atividades criminosas, especialmente desmatamento e grilagem. Nas idas a campo, virou comum passarem caminhões cheios de invasores armados, de pistoleiros, circulando nas áreas indígenas – onde é proibido.”
Ouvido antes da confirmação das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, Cangussu afirmou ainda que “há diversas formas de ‘contratar’ a morte de indigenistas e jornalistas que atuam na Amazônia”. De acordo com ele, “uma delas é desmontar a estrutura de apoio e proteção da Funai, outra é passar a impressão que os servidores são os culpados quando algo dá errado. Assim, não precisam nem contratar pistoleiros para nos matar”.
“Muitos te olham com desconfiança, com ódio. É muito difícil”
Outro indigenista que atua na Amazônia e pediu para não ser identificado deu uma amostra da segurança fornecida pela gestão de Marcelo Xavier aos que vão a campo em terras indígenas com povos isolados. “Temos menos de cinco coletes à prova de balas, todos vencidos, o que não dá para todos se estivermos em campo.”
O mesmo servidor relata como as promessas de invasões armadas têm chegado aos seus companheiros de trabalho nas bases mais avançadas na Amazônia. “Normalmente, a ameaça chega pela fofoca e pelo burburinho dos moradores na região, logo depois surgem os avisos – que ‘[eles] vão invadir a base e matar’ a gente”, afirma.
“Infelizmente, toda a economia daqui gira em torno do ilegal. Tem quem trabalha cortando toras de madeira, quem opera máquinas, quem conserta motores destas máquinas na cidade. Muitos te olham com desconfiança, com ódio. É muito difícil”, diz o indigenista.
“E ainda passamos por tudo isso sem receber qualquer adicional de periculosidade pela função, sem porte de arma, ganhando apenas meia diária extra quando estamos nas bases avançadas, em uma escala perversa de, às vezes, trabalhar por 30 dias ininterruptos”, afirma o mesmo servidor.
“Faço o que acredito, mas às vezes parece que estou numa guerra”, diz.
“Serei o próximo?”
Entre os indigenistas ouvidos pela reportagem, há quem atue no mesmo setor onde Bruno Pereira fez seu nome, a Coordenadoria-Geral de Índios Isolados e de Contato Recente (CGRIIC). Ocorreram diversas mudanças na chefia da CGRIIC ao longo do governo Bolsonaro, especialmente após a saída de Bruno Pereira da Funai, em 2019.
“A saída do Bruno [do cargo de chefia da CGRIIC] foi um inferno para nós. Primeiro, destacaram o ‘missionário’ [Ricardo Lopes Dias], que atrapalhou muito nosso trabalho, e os que vieram depois seguiram a mesma toada”, afirma outro servidor, também lotado no arco do desmatamento na Amazônia.
Esse indigenista relata que, gradualmente, a Funai mudou seu próprio entendimento quanto aos indícios de presença de povos isolados na floresta, dificultando a proteção aos indígenas.
“Temos vestígios contundentes de presença [indígena] por aqui há anos, com pegadas, fios de cabelo, cultura alimentar [restos de alimentos consumidos pelos indígenas] e outros elementos que provam sua existência, mas tudo segue desacreditado pela diretoria. Afinal, se reconhecerem, eles terão de demarcar a área, obrigatoriamente”, diz.
Servidores denunciam insegurança fornecida pela gestão de Marcelo Xavier aos que vão a campo em terras indígenas com povos isolados
O servidor relata também a ofensiva de invasores nos arredores da base onde atua. “Já fizemos denúncias sobre o avanço de mineradoras – que têm até usado explosivos nas proximidades – e de outros invasores, como pescadores ilegais, mas ninguém nos dá retaguarda”, afirma.
“Não autorizam nenhuma operação para desmontarmos as invasões, não dá para enfrentar [os invasores] assim, correndo risco de tomar bala no peito. Teve o caso do Maxciel em 2019, o do Bruno agora, e a gente fica se perguntando: ‘Serei o próximo’?”, diz o indigenista.
“Minha família já pediu diversas vezes para eu repensar, para sair daqui, mas o trabalho não pode parar. Dói muito pensar no Bruno, que era meu amigo pessoal, dói saber que ele não volta mais. Mas essa força há de gerar mudanças”, afirma o indigenista.
A “turma da PF”
Marcelo Xavier
Se nas áreas mais cobiçadas da Amazônia o risco é de morte, nos corredores da sede da Funai em Brasília há outros tipos de ameaça aos indigenistas críticos à gestão de Marcelo Xavier. “Internamente, funciona assim: tudo o que a diretoria não gosta, ela classifica como ‘ideológico’ – é só ver o caso de Ituna-Itatá, com aquele relatório assinado pelo diretor na época”, disse à Pública um servidor lotado em Brasília.
César Augusto Martinez
O indigenista se refere a Cesar Augusto Martinez, delegado da PF tal como Marcelo Xavier, que comandou o setor responsável pela área de proteção a povos isolados, a Diretoria de Proteção Territorial (DPT), entre julho de 2020 e junho passado. Martinez deixou o cargo logo após o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, alegando, porém, que sua saída não tinha relação com o crime no Vale do Javari.
O delegado ganhou destaque com a polêmica sobre a derrubada da interdição da Terra Indígena (TI) Ituna-Itatá, no Pará, um caso que se arrasta desde 2020.
Como mostrado pelo portal InfoAmazonia, a posição dos servidores é que existem fortes indícios da presença de povos isolados nos limites do território, o que manteria a interdição do local, mas Martinez, na condição de diretor responsável, contestava. A Folha de S.Paulo reportou que o delegado da PF teria assinado um despacho qualificando o relatório dos servidores sobre Ituna-Itatá como “irregular, ideológico e imprestável”.
“Sobre a presença de isolados, nenhum perito da PF tem capacidade de avaliar de forma ‘técnica’ os relatórios, porque toda a metodologia foi construída por décadas, pelo aprendizado com indígenas, mateiros, sertanistas, gente que ‘engrossou o couro’ de tanto andar no mato”, disse um dos servidores à Pública. Sua posição crítica ao delegado e ex-diretor da Funai ecoa em outros relatos colhidos pela reportagem.
“O Martinez e a ‘turma da PF’ usaram um suposto método científico para desacreditar os relatórios sobre povos isolados, e fizeram isso como se fossem ‘legalistas’”, afirma um dos servidores, enquanto outro indigenista diz que “as partes da lei sobre direitos humanos são ignoradas pela ‘turma da PF’, mas o direito à propriedade privada é ‘cláusula pétrea’, é sagrado”.
Outro lado
A Pública procurou a Funai e os nomes citados, mas não houve resposta até a publicação.
O presidente da Funai “pediu minha cabeça”, denuncia servidor
O indigenista e servidor Guilherme Martins, na Funai desde 2018, contou em entrevista exclusiva à repórter Alice Maciel, da Pública, que o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), Geovânio Pantoja Katukina, foi omisso nas buscas pelo colega Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips.
Ele diz que houve retaliação direta ao seu trabalho na TI Ituna-Itatá (Pará). “Eu era ponto focal nessa região do médio Xingu há quatro anos, mais ou menos. A gente fez uma expedição lá, achamos vestígios dos indígenas isolados na região, eu elaborei um relatório contextualizando a presença dos índios isolados na região, denunciando o esquema criminoso de grilagem, desmatamento, de esbulho territorial na terra indígena. Em retaliação a esse meu trabalho, um dia eu chego na minha mesa na CGIIRC para trabalhar e o Geovânio Pantoja, meu coordenador, me avisa que eu não trabalho mais lá, que eu fui removido de ofício, sem a minha anuência, sem ter acesso anterior ao processo. Eu não fiquei sabendo de nada. Quando ele me chamou, o processo da minha remoção já estava pronto, assinado pelo coordenador da CGIIRC, e eu fui transferido para o setor de RH, de folha de ponto. Quando eu fui pedir explicações sobre o motivo dessa transferência, o então coordenador-geral da CGIIRC disse explicitamente que foi em retaliação ao meu trabalho em Ituna-Itatá que o presidente da Funai “pediu minha cabeça”. Leia reportagem de Alice Maciel aqui
Da intervenção militar no Rio de Janeiro à militarização da Amazônia: as mortes de Marielle Franco, Bruno Pereira e Dom Phillips
por Moisés Mendes
A elite militar que trabalha para Bolsonaro pode ter feito, pela avaliação de entendidos, boas gestões de quartéis e de planejamento tático e estratégico das suas atividades estritamente castrenses.
Mas essa elite fracassou, e fracassou muito, quando se meteu em áreas que nem os marechais e generais e seus gênios civis da ditadura dominavam.
Os generais fracassaram junto com as missões do Brasil em nome da ONU no Haiti. Fracassaram com Braga Netto na intervenção militar no Rio.
Fracassaram com o desastre de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde e fracassaram com Hamilton Mourão no comando da Amazônia.
Os generais fracassaram já no lançamento, em 2020, do que deveria ter sido o Programa Pró-Brasil, apresentado como um arremedo dos planos desenvolvimentistas da ditadura.
Esses são os militares do entorno de Bolsonaro, muitas vezes vistos não como subalternos do sujeito, mas como seus tutores desde o início do governo.
Bolsonaro está cercado de gente fardada que não conseguiu fazer o básico nas empreitadas assumidas. São oficiais de alta patente que comandam, ao lado de civis, mais de 6 mil colegas das três armas, muitos em postos de chefia, da Educação à Funai.
Sob outro ponto de vista, pode-se dizer também que, ao contrário da percepção de fracasso, eles conseguiram tudo o que desejavam fazer. E assim teriam sido bem sucedidos, e muito mais agora sob as ordens de Bolsonaro.
Mas é difícil aceitar que a sabotagem das medidas contra a pandemia e a vacinação e que a entrega da Amazônia à bandidagem tenham sido projetos pensados com método e racionalidade pelos militares.
Vamos ao exemplo da Amazônia. Na quarta-feira, a Globo News exibiu uma das mais constrangedoras entrevistas concedidas por um general brasileiro.
O general vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, confessou seu fracasso com uma sinceridade de recruta.
Admitiu não ter poder, não ter autoridade para mandar, não ter gente, não ter verbas e não ter chefia que o liderasse com firmeza no comando da Amazônia.
E no final confessou: talvez tenha sido incompetente para fazer o que deveria ter sido feito em defesa do território, dos povos e da floresta.
Mourão se desculpava o tempo todo porque nunca teve um cargo executivo. Mas não soube dizer por que as Forças Armadas, e não só o seu conselho, fracassaram na defesa da Amazônia, diante das ameaças externas e dos bandidos internos que mataram Bruno Pereira e Dom Phillips. Soube apenas se desculpar.
Mourão não mandava em ninguém, como admitiu, e se ressentia de um líder. Disse que alguém deveria ter exercido uma liderança agregadora na Amazônia, dando a entender que essa pessoa não seria ele.
E se despediu da conversa como um subalterno que se pune em público por sua submissão a um trabalho nobre que se transforma em algo quase sem sentido.
Um general não conseguiu impor sua autoridade de general e de vice-presidente na região mais problemática do país e a mais exposta aos olhares do mundo todo.
Mourão não mandava e não apitava na Amazônia, onde grileiros, garimpeiros, contrabandistas, mineradoras, traficantes de outros países e assassinos de índios, de jornalistas e de indigenistas mandam e desmandam.
Foi uma omissão deliberada? Por ordem de Bolsonaro compartilhada com os militares? Ou por ser parte do projeto dos militares, encampado pelo poder político de Bolsonaro?
O certo é que essa elite militar, que fracassou em missões internacionais, sabotou a imunização contra a Covid, abriu caminho para gangues de vendedores de vacinas dentro do governo, não enfrentou os bandidos da Amazônia e, bem antes, não ofereceu nenhuma saída para a guerra civil no Rio, essa é a elite ao redor de Bolsonaro.
Não é razoável pensar que esse grupo, muito bem identificado com os projetos de Bolsonaro, pretenda mesmo levar adiante o blefe de um golpe.
Todos os golpes liderados por militares fracassaram nas últimas décadas na América do Sul. As experiências recentes da elite militar brasileira não credenciam esse grupo a organizar, aplicar e manter um golpe liderado por Bolsonaro.
Joaquim de Carvalho
A entrevista de Bolsonaro a Leda Nagle é abjeta. É preciso considerar que, ao atacar Dom de forma vil, tenta tirar o foco de Bruno Pereira, q era da Funai e foi perseguido pelo próprio governo por lutar contra o genocídio dos povos isolados. Ele lutava contra aliados de Bolsonaro
Por que Bolsonaro e Moro têm responsabilidade no que aconteceu com Bruno e Dom. Joaquim de Carvalho diz que Bruno Pereira foi exonerado após participar de ações legais contra interesses de quem viola leis ambientais e proteção aos indígenas
O desaparecimento do servidor da Funai Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips enquanto viajavam pelo Vale do Javari, no Amazonas, "expõe o total abandono que servidores e indígenas" experimentam na região, diz à BBC o ex-servidor da Funai Antenor Vaz, que já foi o chefe do órgão no Vale do Javari.
Pereira e Phillips desapareceram quando se deslocavam de barco pelo rio Itaquaí após uma visita aos limites da Terra Indígena Vale do Javari.
O território, segundo Vaz, tem sofrido com invasões crescentes de caçadores, pescadores, madeireiros e garimpeiros.
Ultimamente, diz o ex-servidor da Funai, também tem crescido a ação de narcotraficantes na terra indígena, que fica na fronteira com o Peru e a Colômbia.
"O tráfico de cocaína, especialmente vinda do lado peruano, é muito grande", diz Vaz, hoje consultor internacional de políticas para povos indígenas isolados.
Pereira estava de licença da Funai após ser exonerado da chefia da Coordenação geral de Índios Isolados e Recém Contatados, em 2019.
Ele foi retirado do cargo após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Na ocasião, agentes destruíram equipamentos dos garimpeiros e apreenderam um helicóptero.
Segundo Vaz, após sair de licença, Pereira vinha trabalhando como assessor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), principal organização do território indígena.
Vaz diz que o servidor acompanhava Phillips na viagem para ajudá-lo na realização de uma reportagem sobre as invasões à Terra Indígena Vale do Javari.
"(Pereira) É indiscutivelmente uma pessoa aliada, comprometida com a defesa dos direitos dos povos indígenas", diz o ex-servidor da Funai.
Após o desaparecimento da dupla, a própria Funai afirmou que Pereira "não estava na região em missão institucional, dado que se encontra de licença para tratar de interesses particulares".
Colegas afirmam que Pereira, um dos mais destacados indigenistas de sua geração, pediu licença da Funai para que pudesse continuar agindo em prol de indígenas num momento em que a fundação restringia drasticamente sua atuação em defesa das populações.
No governo Jair Bolsonaro, a Funai teve grandes cortes no orçamento e passou a endossar propostas do presidente que sofrem grande oposição entre indígenas, como a liberação do garimpo nesses territórios e a agricultura mecanizada em larga escala.
Segundo Antenor Vaz, a "omissão da Funai" no Vale do Javari nos últimos anos fez com que os indígenas assumissem a defesa do território e se expusessem ao risco de confrontos com invasores.
"Não tem qualquer cobertura da instituição", afirma.
Vaz cobrou as autoridades federais a iniciar buscas na região o quanto antes e a convidar indígenas para integrá-las, pois esses são os maiores conhecedores dos rios locais.
O ex-servidor diz que é pouco provável que o barco da dupla tenha naufragado. Isso porque, segundo ele, havia na embarcação vários galões vazios, que teriam flutuado com o naufrágio e, ao descer o rio, seriam visualizados pelas comunidades vizinhas.
A BBC expôs as críticas de Vaz à Funai.
Em resposta, em nota na qual não cita suas operações no Vale do Javari, a Funai afirma que seu investimento em ações de proteção a indígenas isolados e de recente contato chegou a R$ 51,4 milhões entre 2019 e 2021. "Os valores superam em 335% o total investido entre os anos de 2016 e 2018", diz a Funai, que afirma ter usado os recursos "principalmente em ações de fiscalização territorial e combate à covid-19 em áreas habitadas por essas populações".
"A Funai promove ações permanentes de vigilância, fiscalização e monitoramento de áreas onde vivem indígenas isolados e de recente contato por meio de suas 11 Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), descentralizadas em 29 Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes), que são estruturas localizadas estrategicamente em Terras Indígenas da região da Amazônia Legal", diz o órgão.
"As Bapes funcionam em escala ininterrupta e são responsáveis por diversos trabalhos que ocorrem de forma contínua, como controle de ingresso nas áreas indígenas; ações de localização e monitoramento de grupos isolados e de recente contato; e atividades de fiscalização e vigilância territorial junto a órgãos ambientais e de segurança pública competentes", prossegue a nota da Funai.
Crescimento da violência
A Terra Indígena Vale do Javari tem vivenciado um crescimento da violência desde 2019.
Em 2019, o colaborador da Funai Maxciel dos Santos Pereira foi assassinado em Tabatinga após participar de uma operação que apreendeu grande quantidade de caça e pesca ilegal no território.
Também naquele ano, uma base da Funai que controla um dos acessos à terra indígena foi alvo de vários ataques a tiros atribuídos a caçadores e pescadores ilegais.
Na época, uma reportagem da BBC relatou que servidores e colaboradores haviam ameaçado parar de trabalhar por conta da falta de segurança.
Ressurgimento de fenômeno aparentemente longínquo: a religião como ícone de dominação violenta. Como o vazio institucional nas favelas introjetou o fundamentalismo no coração da ordem miliciana que subjuga população
por João Vitor Santos
Houve um tempo em que a religião tinha ainda mais centralidade nas sociedades humanas, sendo o polo irradiador de lógicas políticas, éticas, sociais, impondo também desde a guerra sua hegemonia. Mas, no mundo moderno, causa estranheza pensar que a religião retoma esse lugar de polo irradiador. E ainda mais se falamos do mundo do crime. “Parece contraditório afirmar, mas os casos não nos deixam mentir: a religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios”, observa a professora Christina Vital, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ela analisa os chamados ‘traficantes evangélicos’ e sua atuação em periferias já dominadas pelo tráfico de drogas e, mais recentemente, pelas milícias.
Para Christina, “não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação”. Assim, a religião seria mais uma forma de demonstrar poder.
A professora ainda observa que o crescimento das igrejas evangélicas entre os dirigentes do tráfico é mais sintoma do crescimento que vem ocorrendo como um todo no Brasil, especialmente nas periferias. “Nestas áreas havia muita filantropia católica feita por freiras [católicas] residentes. O apoio social também era exercido, embora de modo menos estruturado, por terreiros de candomblé e casas de umbanda que exerciam suas atividades religiosas nessas localidades”, recorda, ao lembrar que todas essas ações vão diminuindo na mesma proporção em que a penetrabilidade das igrejas evangélicas vai aumentando.
Tal inserção se dá pela escuta, aproximação e relações de confiança que se estabelecem numa espécie de vazio nas relações com outras instituições e entidades, como o próprio Estado. “Não acho correto dizermos que a Igreja cresce onde o Estado não está presente. O Estado está presente nessas localidades, mas de modo precário, reforçando sentimentos de desconfiança, elemento corrosivo da vida social”, pondera.
Estado esse que também está à frente da gestão do sistema carcerário, mas que, mais uma vez, deixa lacunas que na prática só são preenchidas por ações como as das igrejas evangélicas. E não só: Christina revela que os evangélicos estão nas direções dos presídios, são funcionários, o que indica mais um sintoma do crescimento dessa prática religiosa. “Para reverter o quadro de ascendência de algumas religiões no sistema penitenciário, uma profunda reforma teria de ser feita. Pois, diante da precariedade estrutural e da desumanização às quais os encarcerados estão submetidos, as instituições religiosas, com destaque para as evangélicas pelo volume de sua presença, têm sido fundamentais para a sobrevivência de inúmeros internos e para a organização cotidiana dos próprios gestores desses espaços”, analisa.
Com tudo isso, não é difícil imaginar por que tráfico, milícia e práticas evangélicas ficam imbricados nas periferias. “A subjugação de moradores é uma demonstração de força, de domínio. Uma atitude que combina crença religiosa com um modo de operação corriqueira do crime. Chama a minha atenção uma narrativa ‘moralizadora’ que vem acompanhando estas ações”, salienta.
Christina Vital da Cunha é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense – UFF, coordenadora do Laboratório de estudos em política, arte e religião – LePar e colaboradora do Instituto de Estudos da Religião – Iser. É autora do livro Oração de Traficante: uma etnografia (Rio de Janeiro: Garamond, 2015) e coautora de Religião e política: uma análise da participação de parlamentares evangélicos sobre o direito de mulheres e de LGBTS no Brasil (2012), entre outros livros e artigos.
João Vitor Santos entrevista Christina Vital
Um complexo de favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro é conhecido como “Complexo de Israel”, local onde impera a ação de milícias e o tráfico de drogas, mas também muito próximos da prática evangélica. Traficantes e milicianos se anunciam como evangélicos e têm grande penetrabilidade nessas comunidades confessionais. O que essa realidade carioca revela acerca da relação entre evangélicos, especialmente neopentecostais, e a criminalidade?
Participei de alguns programas em 2020 nos quais já havia falado da associação entre Peixão (traficante do Terceiro Comando Puro – TCP) e milicianos. Esta situação foi confirmada por uma investigação policial que ganhou a mídia há alguns dias. Quem mora em favelas e periferias no Rio e/ou pesquisa nelas sabe que, desde a origem, o Terceiro Comando é uma facção conhecida por “tratar melhor” os policiais com fartos “arregos” e com uma política de redução de danos, ou seja, de contenção de mortes de policiais em suas áreas de atuação.
Região que compreende a dominação do Complexo de Israel (Imagem: Google Maps)
É claro que estas duas características de atuação sofrem mudanças circunstanciais, mas são reconhecidas como uma marca. Era corrente a “brincadeira” entre moradores de que várias ações governamentais de ocupação de favelas com consequente baixa nos ganhos dos traficantes (ainda que temporária) ocorriam de modo mais incidente (quando não exclusivo) nas áreas de domínio do Comando Vermelho. Observavam, com isso, que parecia haver uma coincidente proteção das áreas do Terceiro Comando – TC e depois TCP em relação a outras de comando distinto.
Se é verdade ou não, se os chefes do Executivo em cada época desde 1990 noRio de Janeiro atuavam intencionalmente deste modo não há como comprovar, mas a sensibilidade popular indicava o que agora vem à mídia. Evidentemente que milícia não é igual a Estado, mas há muitos pontos de contato e inúmeras pesquisas sinalizam tal correlação.
Justificações morais
O TCP é uma facção que tenta se estruturar a partir de justificações administrativo-econômicas e também morais (em meu livro Oração de Traficante: uma etnografia, apresento inúmeros casos que contribuem para compreendermos esta questão). A dimensão da honra tem ainda um peso que foi reforçado com a conversão de várias lideranças importantes a igrejas evangélicas. Há uma narrativa moralizadora também muito presente na mística em torno da milícia. No TCP existem chefes e gerentes ligados ao candomblé e umbanda, mas são residuais em relação ao grande número de traficantes que se identificam como evangélicos ou como simpatizantes, pessoas em processo de “libertação”. Como se sua participação no crime fosse passageira, rumo “à vida na graça”.
É importante lembrarmos que no Comando Vermelho há também esta aproximação entre traficantes e redes evangélicas no território, mas os modos de operação e “identidade” faccional são distintos.
Ostensividade evangélica
Mas por que esta ostensividade evangélica entre estes grupos armados? Qual o sentido? Qual ou quais funções isso teria? Esses grupos criminosos se afirmam no território a partir de ícones. A dinâmica da guerra na qual se encontram/construíram na fricção com o Estado e a corrupção visceral que alimenta o crime, se expressa por códigos linguísticos e imagéticos. Eles têm uma função de comunicação para dentro e para fora do grupo. Operam como âncoras de uma identidade.
Marcos Alvito trouxe em etnografia realizada anteriormente à minha em Acari, no Rio de Janeiro, e em outras favelas que as imagens de santos católicos e entidades afro-brasileiras eram fortemente mobilizadas pelos traficantes: pintavam os muros das favelas e faziam tatuagens em seus corpos. Usavam colares e grossos anéis com imagens de São Jorge, São Cosme e Damião, Nossa Senhora Aparecida. Zé Pilintra, Escrava Anastácia, Xangô também apareciam em pequenas edificações e em pinturas murais. Essa expressão religiosa foi migrando para evangélica. Não exclusivamente, mas majoritariamente.
Parece contraditório afirmar, mas os casos não nos deixam mentir: a religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios. Ou seja, não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação. Como se os outdoors com inscrições como “Jesus é do dono deste lugar” em Acari falassem sobre o domínio do tráfico naquela localidade e não, necessária e exclusivamente, sobre a condição ética e moral local, sobre um domínio dos evangélicos. Esta é a hipótese com a qual trabalho e que tem me ajudado a pensar sobre casos como os que ocorreram na Baixada Fluminense recentemente.
Há uma máxima de que, na favela, onde o poder público não alcança, o tráfico – e agora as milícias – assume esse papel e passa a ditar suas regras. Podemos associar essa lógica ao crescimento evangélico nas periferias e favelas? É, de fato, a única religião que consegue alcançar essas pessoas?
As periferias e favelas sempre foram territórios de forte atuação de religiões cristãs e também afro-brasileiras. Mais recentemente, com atuação crescente de muçulmanos, ainda que estatisticamente não tão relevante. Nestas áreas havia muita filantropia católica feita por freiras residentes. O apoio social também era exercido, embora de modo menos estruturado, por terreiros de candomblé e casas de umbanda que exerciam suas atividades religiosas nessas localidades.
As igrejas evangélicas se dispersaram nessas localidades a partir, principalmente, dos anos de 1970. Sua multiplicação no ambiente é ao mesmo tempo propulsora e resultado do crescimento evangélico identificado no Brasil de 1980 em diante. Quer dizer, desde 1940 o número de evangélicos cresce no Brasil, mas, de modo acentuado, desde os anos 1990. As cidades são o principal foco de crescimento e nelas, em suas favelas e periferias. As igrejas evangélicas, como toda religião, desempenham um papel social. Sua atuação envolve uma dimensão espiritual e social.
A atuação dos evangélicos
Em especial, as igrejas evangélicas foram investindo cada vez mais no trabalho emocional com pastores formados em psicologia, escuta constante da membresia, oferecimento de cursos direcionados a casais e a jovens nos quais os trabalhos chamados de “cura e libertação” emocional são um ponto alto. Além destas dimensões, a igreja tem um lugar importante na sociabilidade de seus integrantes e seu crescimento impacta a sociabilidade local na medida em que vários marcadores da vida cotidiana nestas localidades passam a ser orientados pelas igrejas: festividades, cultos públicos e mesmo o comércio que vai assumindo uma face gospel com salões, lanchonetes, pequenos mercados com nomes referidos ao universo cristão, além de pinturas com passagens bíblicas tão comuns em favelas hoje. As igrejas compõem, assim, redes de proteção espiritual, emocional e mesmo econômica (há muitas trocas e indicações de vagas de trabalho e cursos de capacitação e formação profissional entre os fiéis, por exemplo).
Igreja e Estado
Não acho correto dizermos que a Igreja cresce onde o Estado não está presente. O Estado está presente nessas localidades, mas de modo precário, reforçando sentimentos de desconfiança, elemento corrosivo da vida social. Para uma coletividade existir e conseguir administrar suas tensões é necessário que seus integrantes confiem uns nos outros e em instituições.
A atuação (talvez intencionalmente) precária do Estado interfere na produção ou reforço de inseguranças formando um terreno propício para organizações que promovam sentimentos coletivos de confiança. Então, a correlação direta entre ausência do Estado e crescimento de religiões é parcialmente válida.
Por que umas e não outras
Importante também entender por que crescem umas religiões e não outras. Ao destacar o caráter multifacetado da atuação evangélica busquei apresentar uma das razões para o seu crescimento no campo. Evidentemente, em um país de hegemonia católica, uma narrativa igualmente cristã conforma um elemento significativo para o seu crescimento. Ou seja, acionavam uma linguagem que já comunicava culturalmente.
Como compreender o trabalho e a grande adesão a igrejas evangélicas dentro dos presídios? Por que parece que esses grupos conseguem chegar aonde nenhuma outra igreja consegue? Quais os limites de outras ações como, por exemplo, a Pastoral Carcerária da Igreja Católica?
Há uma relação muito importante entre atuação evangélica nos presídios e no acolhimento a usuários de drogas e a adoção de uma linguagem evangélica pelos traficantes. O “cristianismo estrutural”, revelado em acordos que favorecem a fé cristã nas instituições públicas, é importante para pensarmos também o crescimento desta linguagem religiosa entre milicianos, tendo em vista que vários destes criminosos são oriundos de forças policiais em cujas estruturas a presença de uma narrativa religiosa cristã de viés cada vez mais evangélico é muito significativa. O direito à assistência religiosa em expedições militares, hospitais, penitenciárias e outros estabelecimentos oficiais foi garantido no artigo 113, número 6 da Constituição Federal Brasileira de 1934.
Observamos em pesquisas realizadas no Iser, assim como podemos ver em outros trabalhos, que de um direito do interno (em penitenciária ou em espaços socioeducativos), a assistência religiosa virou um direito das instituições. As igrejas evangélicas se multiplicam nesses espaços e, dada a vinculação evangélica de vários funcionários e mesmo da direção dos locais, conforme vimos em entrevistas, há um favorecimento na inscrição regular daqueles que são líderes e missionários de igrejas evangélicas. A Igreja Católica tem, historicamente, uma atuação nesses espaços de privação de liberdade, mas, há pelo menos 20 anos, perdeu a centralidade nesta interlocução tanto com presos quanto com funcionários e direção penitenciária.
As igrejas evangélicas oferecem redes de apoio aos presos que envolvem cuidados com higiene, alimentação, para os familiares do preso e dos egressos do sistema. Além deste suporte material e emocional, tem o espiritual e de proteção e organização da vida carcerária de cada um, como vimos em reportagens e em trabalhos acadêmicos de expressão.
Assim, para reverter o quadro de ascendência de algumas religiões no sistema penitenciário, uma profunda reforma teria de ser feita. Pois, diante da precariedade estrutural e da desumanização às quais os encarcerados estão submetidos, as instituições religiosas, com destaque para as evangélicas pelo volume de sua presença, têm sido fundamentais para a sobrevivência de inúmeros internos e para a organização cotidiana dos próprios gestores desses espaços.
Como compreender o controle e os ataques sobre outras religiões, especialmente de matriz africana, que o tráfico e a milícia ‘evangélica’ impõem nas favelas cariocas?
É preciso entender, em primeiro lugar, que o domínio territorial sempre foi um modo de operação de grupos armados no Rio de Janeiro. Desde os grupos de extermínio, aos milicianos e traficantes de drogas, todos atuavam a partir de um controle territorial exercido de alguns modos. Como argumentei acima, a criação de uma identidade imagética, gramatical e de procedimentos é importante entre estes criminosos, embora estas formas de identidade/acordo tenham um caráter mais provisório do que o esperado, dado o ritmo da própria vida no crime.
A intolerância religiosa praticada por vários desses traficantes atende, em parte, à vinculação institucional ou cultural deles aos evangélicos, mas também aos seus próprios grupos na medida em que ícones, códigos religiosos são utilizados para expressar seu domínio e sua força. A referência à Israel, ao Deus de Davi, do Antigo Testamento tem uma função importante que se refere ao próprio grupo criminoso, suas tentativas de proteção espiritual e contenção da “paranoia” e “neurose” que a vida no crime lhes oferece.
São fenômenos complexos e com motivações muitas vezes pouco evidentes. Um exercício responsável de compreensão destes casos deve levar este quadro diverso em consideração. A subjugação de moradores é uma demonstração de força, de domínio. Uma atitude que combina crença religiosa com um modo de operação corriqueira do crime. Chama a minha atenção uma narrativa “moralizadora” que vem acompanhando estas ações. Como se os traficantes fossem doutrinar as pessoas, subjugarem para lhes melhorar a existência. Uma operação parecida com a mística das milícias em sua origem.
Além do contexto do Rio de Janeiro, o jornal El País revelou em reportagem que, no Acre, um grupo formado por ex-criminosos agora pastores administram conflitos com facções e dão salvo-conduto para que integrantes deixem a vida do crime. Como a senhora analisa essa realidade? Que relações podemos fazer com o contexto do Rio de Janeiro?
Este tipo de ação não é nova. A intercessão de pastores ex-traficantes em “tribunais da morte” em socorro das vítimas ocorre há bastante tempo no Rio de Janeiro. Pode ser exercido por missionários e por pastores de várias denominações. Em especial, no Rio, vimos a atuação da Assembleia de Deus dos Últimos Dias – Adud, com o pastor Marcos Pereira.
Em Acari, um famoso chefe do tráfico do TCP tinha se convertido à Adud no início dos anos 2000. Naquele período, gozava de uma vida na igreja e ainda no comando do tráfico local. Se autoconsiderava no papel de “super-homem” por estar limpo na vida civil e social e ainda gozar de grande prestígio entre os traficantes. Ele fez uma referência muito interessante porque, se observarmos, são poderosos nesses ambientes: sabem os códigos e por isso estabelecem uma comunicação fluida, conhecem as pessoas, os esquemas, as negociações possíveis. E fazem uso disso em seu favor e de suas denominações e grupos religiosos.
No Rio de Janeiro a ala religiosa em presídios já é real. Para além do espetáculo que essas ações promovem, ficamos pensando qual o pagamento pela libertação da morte? Quais os deveres e obrigações morais impostos? Em diversos trabalhos vemos que se espera do “liberto” fidelidade à instituição, ao projeto, ao centro. Deste modo, são impelidos a evangelizar na rua, vender quentinhas nas praias, vender doces e balas em sinais etc.
Suas pesquisas também versam sobre a influência da religião no campo político. Mas que novidade essa associação entre criminalidade e religião pode trazer ao campo político?
Candidaturas de sucesso exigem investimento financeiro e apoios institucionais. Infelizmente, a dobradinha milicianos, leia-se, criminosos armados, e igrejas evangélicas pode ter um rendimento eleitoral muito positivo e corroer a vida pública de uma forma avassaladora. Esta junção realiza o que uma campanha necessita: influência, fartas quantias em dinheiro investidas em candidaturas, instituições fazendo o apoio e apresentando os nomes escolhidos.
A senhora também está iniciando uma pesquisa acerca da ‘esquerda’ evangélica nas eleições 2020. Poderia nos explicar em que consiste essa ideia de ‘esquerda evangélica’? Como ela se manifestou nas eleições de 2020?
As eleições 2020 foram muito singulares. Pela sua ocorrência neste contexto de pandemia e de uma sensação pública de atordoamento muito acentuada em relação às eleições que ocorreram desde 2014, momento no qual este sentimento público ficou tão evidente. Partidos fisiológicos tradicionais se organizaram, assim como os nanicos de outrora e que se fortaleceram em 2018. Partidos de esquerda também fizeram seus investimentos. Algumas legendas de esquerda e centro-esquerda fizeram questão de convidar evangélicos identificados com suas pautas para comporem um grupo que fizesse frente ao mainstream evangélico na política identificado com conservadorismo moral e liberalismo econômico.
Por outro lado, atores ligados ao movimento evangélico de esquerda na sociedade perceberam a relevância destas eleições em termos de preparação para 2022 e se organizaram para lançar candidaturas que se contrapunham à Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional. Estes evangélicos de esquerda que acompanhamos nas eleições, uma parceria entre Iser, Fundação Heinrich Böll e LePar/UFF, tinham perfis distintos, estavam em diferentes denominações e partidos. Em comum a quase todos eles havia um pertencimento de classe (a maioria residentes em periferias e que tinham nessas localidades suas bases políticas) e uma defesa da vida e de direitos de pessoas negras e de mulheres em nossa sociedade.
As trajetórias dessas pessoas que acompanhamos na pesquisa são riquíssimas do ponto de vista de suas atuações, inserções, aspirações. Vamos soltar os resultados mais completos ao longo do ano.
Não podemos perder a perspectiva de que vivemos uma pandemia que tem consequências muito mais duras em regiões periféricas. Como tem analisado a rede de apoio a essas comunidades no contexto atual? O mundo do crime e as igrejas evangélicas mais uma vez são os que mais tocam essas populações?
Sem dúvida alguma as igrejas evangélicas, como falei anteriormente, têm um papel muito importante na assistência social de pessoas em favelas, periferias e em espaços de privação de liberdade. Em um contexto como o da pandemia, com o aumento significativo da vulnerabilidade dessas populações, a igreja passou a ser ainda mais central e acolhedora. No início da pandemia, os traficantes lançaram toque de recolher em várias favelas. As motivações eram várias, mas tiveram sua relevância no contexto específico.
Posteriormente as coisas foram se rotinizando e o tráfico perde a centralidade organizativa, digamos, mas segue como fonte de socorro para muitos moradores em situação de extrema necessidade nessas localidades. Há variações em termos desta relação tráfico-população residentes, mas, no geral, atuam com um suporte financeiro para muitas pessoas em situação emergencial. (Publicada em 22.01.2021 in Outras Mídias/ IHU Online
Na quarta-feira 4, uma bala atingiu em cheio a cabeça do candidato petista a vereador Valmir Tenório, 50 anos, conhecido como Valmir Bibi, em Paraty, na Costa Verde do Rio. Ele era garçom há três décadas e concorria ao cargo político pela primeira vez.
Na terça-feira 3, a candidata a vereadora Simone Sartório, 45, (Patriota) teve o carro atingido por um tiro, em Bento Ribeiro, na Zona Norte da capital, quando retornava do comitê de campanha. Simone, que está iniciando a trajetória política, disse à Polícia Militar que o veículo no qual estava o atirador tentou abordar seu carro.
Na segunda-feira 2, o vereador e candidato à reeleição Jair Barbosa Tavares, 52, (Podemos), o Zico Bacana, foi baleado em Ricardo de Albuquerque, também na Zona Norte, enquanto fazia campanha em um bar. Teve mais sorte que Valmir e menos que Simone: sobreviveu mas uma das 15 balas disparadas pegou de raspão a cabeça. No intenso tiroteiro, morreram duas pessoas e outras duas ficaram feridas. Ex-policial, Zico foi citado na CPI das Milícias, em 2008, da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por suposto envolvimento com um grupo criminoso com ação em favelas. Acabou não sendo indiciado no relatório final da CPI.
Na sexta-feira 30 de outubro, a cabo eleitoral Renata Castro, 40, foi morta por disparos de arma de fogo, em Magé, na Baixada Fluminense. Ela era militante da família Cozzolino, que tem representantes na prefeitura de Magé desde a década de 1980 - entre os quais, a ex-prefeita Núbia, acusada de comandar um esquema de falsificação de documentos e assinaturas de juízes e promotores. Renata vinha denunciando à Polícia Federal as ameaças de morte que recebia e os possíveis mandantes.
Na madrugada de sábado 10 de outubro, Domingos Barbosa Cabral, 57, (PHS), o Domingão, foi assassinado em Nova Iguaçu, também na Baixada Fluminense. Ele foi cercado por homens com toucas ninja e alvo de tiros. Em julho, Domingos foi preso junto com o irmão, o sargento PM André Barbosa Cabral. A acusação do Ministério Público contra André refere-se ao comando de um grupo de milicianos.
Na quinta-feira 1º de outubro, Mauro Miranda da Rocha, 41, (PTC), também candidato a vereador em Nova Iguaçu, morreu vítima de balas desferidas por desconhecidos enquanto ele estava em uma padaria no bairro Rancho Fundo. Em 2015, Rocha foi preso por porte ilegal de arma de calibre não permitido.
O envolvimento sangrento de milicianos e traficantes de drogas nas urnas do Rio de Janeiro não é novidade. Mas o aumento vertiginoso, sim.
Segundo dados obtidos no Disque Denúncia pelo Diário do Rio, nas eleições deste ano há registro de quase uma ameaça de morte por dia a candidatos fluminenses.
Um levantamento feito para o relatório parcial do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), e do Observatório das Metrópoles (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que a polícia persegue mais os traficantes do que os milicianos. Isso, apesar de, segundo o estudo,os grupos de milícias terem o controle de 57% da área do Rio.
O estudo mostra que 48% das operações da polícia na cidade são realizadas em áreas do tráfico e apenas 6,5% em territórios de controle miliciano. O grupo criminoso chamado Comando Vermelho é alvo principal: as áreas dominadas pela facção tem seis vezes mais operações policiais que as de milícias, de acordo com a apuração.
A explicação de pesquisadores da UFF e UFRJ apontam que a possível “proteção” aos crimes de milicianos pode estar ligada à “ativa participação de agentes públicos” nos esquemas ilegais – como policiais civis e militares, parlamentares, grupos de ‘rachadinhas’ do poder público carioca etc.
Para se ter uma ideia da gravíssima situação do Rio, basta lembrar que o filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), o primogênito e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) foi denunciado pelo Ministério Público, na terça-feira 3, por organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.
As acusações são resultado de investigações do esquema de ‘rachadinha’ (desvio de salário de assessores para o parlamentar) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, quando ele era deputado estadual, o que ocorreu por quatro mandatos entre 2003 e 2018. Também foi denunciado o principal assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, acusado de relacionamento com milicianos e de comandar o esquema de ‘rachadinha’.
Impossível não citar o caso de Marielle Franco, a vereadora do PSOL assassinada a tiros, junto com o motorista Anderson Gomes, em 2018. O crime, com repercussão internacional, está até hoje sem solução definitiva mas definitivamente associado à participação de grupos milicianos.