Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

21
Mai23

Tirar o combate à fome do arcabouço e seu cabresto

Talis Andrade

AUTO_nicolielo. merenda escola .jpg

Bolsa Família, PAA e PNAE dão corpo ao compromisso de Lula com a alimentação saudável no prato do brasileiro. Levam dinheiro à agricultura familiar e ao andar de baixo da sociedade. Não podem ser limitados por nova tranca fiscal

 

DESIGUALDADES

por André Cardoso, Juliane Furno, Luís Fernandes, Iriana Cadó e Pedro Faria /OutrasPalavras

- - -

O programa político eleito nas urnas em 2022 e que sustenta o governo do presidente Lula tem o combate à fome no seu centro. Para o campo popular, o Novo Arcabouço Fiscal anunciado pelo governo, apesar de solucionar os problemas mais graves criados pelo Teto de Gasto, limita excessivamente o espaço de implementação do programa popular e de sua pauta mais importante, o combate à fome. Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome em relação ao período pré- pandemia. Conforme o estudo, 58,7% da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave.

Frente a isso, aproveitamos a discussão do Novo Arcabouço Fiscal no congresso para colocarmos em pauta a proposta “orçamento popular é orçamento sem fome”. Contra os interesses financistas que rondam o governo, entendemos que é urgente proteger os programas de combate à fome de cortes e limitações orçamentárias.

A prioridade de um orçamento sem fome que respeita o programa popular é a proteção a três programas centrais do novo governo Lula: o Programa Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). No orçamento de 2023, os três programas têm previsão de R$181,7 bilhões: o Bolsa Família é responsável pela maior parte desse valor, com R$175 bilhões; PAA e PNAE terão R$531,5 milhões e R$5,46 bilhões, respectivamente. Juntos, os três programas representam 8,9% da despesa primária líquida esperada pelo governo para 2023.

O direito à alimentação é um direito humano previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Também é considerado um direito social pela Constituição Federal. A nossa Constituição dá atenção particular ao direito das crianças à alimentação, especialmente em ambiente escolar: os capítulos sobre infância e educação apontam explicitamente para o papel da boa alimentação.

O Programa Bolsa Família é a base da política de combate à fome no Brasil. É ele que levanta a população da extrema pobreza e a coloca no caminho do mercado de trabalho. Assim se abre o espaço para que outras políticas voltadas para o emprego, como a valorização real do salário mínimo, tenham efeito.

O combate à fome vai além das transferências diretas: é necessário apoiar e promover os complexos produtivos que garantem concretamente o direito à alimentação. Por isso, a proposta de emenda também exclui o PAA e o PNAE do conjunto de gastos sujeitos ao novo limite de crescimento. Com orçamento enxuto, estes programas são fundamentais para o desenvolvimento de longo-prazo da agricultura familiar.

A obrigatoriedade de uso de 30% dos recursos do PNAE na aquisição de alimentos da agricultura familiar e o PAA garantem aos pequenos produtores agrícolas estabilidade e possibilidade de planejamento. Com a garantia de que o Estado fará compras significativas, a agricultura familiar pode se planejar melhor: a estabilidade das vendas permite, por exemplo, o planejamento de investimentos de longo-prazo a partir de programas como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Atuando em conjunto, os três programas – Bolsa Família, PAA e PNAE – contribuem para a revitalização de economias locais: as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza ganham poder de consumo que pode ser atendido por uma agricultura familiar com capacidade de planejamento e investimento. Além disso, a permanência escolar, um dos condicionantes do Bolsa Família, garante que crianças e jovens da classe trabalhadora estarão presentes em escolas supridas com alimentos de qualidade adquiridos pelo PNAE.

A proteção dos programas de combate à fome também é uma oportunidade de garantir ferramentas para uma política fiscal anticíclica. Conforme nossa posição sobre o arcabouço, o Novo Arcabouço Fiscal precisa de mais espaço para o protagonismo do investimento público a fim de ter um caráter anticíclico mais forte. O programa Bolsa Família pode atuar como um “estabilizador automático” por meio do crescimento esperado do número de novos beneficiários em períodos de crise. O valor dos benefícios também pode ser facilmente alterado de acordo com as variações de demanda agregada.

Além disso, todos os três programas possuem fortes multiplicadores fiscais. Transferências e compras direcionadas a populações de baixa renda em áreas com consumo reprimido se transformam em grandes expansões de demanda agregada. Segundo estudo dos pesquisadores Marcelo Neri, Fábio Monteiro Vaz e Pedro Herculano Souza, o Bolsa Família tem o maior multiplicador fiscal entre todos os programas de transferência de renda do governo federal. Portanto, preservar os programas de combate à fome significa que, em situações de crise econômica, o governo federal terá liberdade para utilizar-se dos melhores instrumentos de retomada da demanda agregada sem o constrangimento imposto pela regra de vinculação ao crescimento da receita.

Por fim, preservar os programas de combate à fome da sanha fiscalista representa um avanço político para o campo popular. A garantia dos programas de compra de alimentos da agricultura familiar representará uma vitória da aliança campo-cidade na luta por soberania alimentar. Esses programas garantem a base material da luta da classe trabalhadora urbana e rural por um Brasil mais justo.

O fortalecimento dessa aliança é ainda mais importante no momento em que o centro de poder político e econômico do país se desloca para o agronegócio do interior do país. PNAE, PAA e Bolsa Família têm papel fundamental em garantir a autonomia da classe trabalhadora e camponesa e a força política e econômica do campo popular nas pequenas e médias cidades do interior do país. Com o fortalecimento desses programas, há maior possibilidade de se resistir ao poder destrutivo do agronegócio e do extrativismo mineral predatório que dominam esses territórios.

- - -

Nota deste correspondente: O ódio zuque zuque do deputado Zucco ao MST faz parte do trabalho escravo que ensanguenta as terras do Rio Grande do Sul. Nessa guerra contra os sem terra, não poderia faltar o "passa a boiada" de Ricardo Salles, defensor dos contrabandistas de madeira nobre, de ouro, de pedra preciosas da Amazônia Sem Lei das bancadas do boi e da bala no Congresso e assembléias legislativas.

O MST liberta o trabalho escravo dos sem terra.

O MST é comida no prato.

É o Brasil fora do Mapa da Fome. 

25
Mar23

"Não basta resgatar, mas libertar da miséria e da pobreza"

Talis Andrade
 
 
 
Imagem
 

 

Professora na UFMG, Lívia Miraglia analisa os casos recentes de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Neste sábado celebra-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão.

 

por Edison Veiga /DW

Em balanço divulgado no início desta semana, o Ministério do Trabalho apontou que foram resgatados 918 trabalhadores em condição de trabalho análogo à escravidão no Brasil no primeiro trimestre — número 124% maior do que no mesmo período do ano passado e um recorde histórico, considerando os últimos 15 anos.

Autora do livro Trabalho Escravo Contemporâneo: Conceituação à Luz do Principio da Pessoa Humana, a professora de direito Lívia Mendes Moreira Miraglia afirma em entrevista à DW que a visibilidade que a mídia tem dado aos casos nos últimos anos contribui para que haja avanços nessas operações de resgate.

 
Amazon.com.br eBooks Kindle: Trabalho Escravo Contemporâneo, Miraglia, Lívia  Mendes Moreira.
 
 
 

"[Isso faz com que] as pessoas vejam que é possível denunciar, entendam o que é a escravidão contemporânea, consigam identificar essas situações e quais vezes elas mesmas são submetidas sem a total consciência do que é errado", diz ela, que é docente na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde coordena a Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas.

A conceituação chama esse tipo de exploração contemporânea de "trabalho análogo à escravidão" porque, explica Miraglia, a escravidão só pode ser assim chamada quando se refere a atos anteriores à Lei Áurea de 1888, quando o ordenamento jurídico brasileiro permitia a sua existência. Era, portanto, uma possibilidade lícita.

De lá para cá, esses abusos criminosos precisam ser tecnicamente tratados como formas que se assemelham, pela natureza, à escravidão. E basta que contenham ao menos uma das características para que se configure o crime. São elas: trabalho forçado, servidão por dívidas, submissão a condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas.

Neste sábado, 25 de março, em que se celebra o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Escravos, data instituída pela Organização das Nações Unidas pare recordar a tragédia de 400 anos de escravidão no mundo, Miraglia compara a escravidão histórica do Brasil com a contemporânea.

"A gente vê que várias formas de escravidão contemporânea ainda subsistem, acabam sendo a herança desse passado", diz.

 

Edison Veiga entrevista Lívia Miraglia

 
 
 
Lívia Mendes Moreira Miraglia, Autor em JOTA
Lívia Miraglia
 

 

DW: Nesta semana, o Ministério do Trabalho divulgou dados recordes de regate de trabalhadores em situação de trabalho análogo à escravidão. O que explica esse salto nos casos?

Lívia Miraglia: Uma razão é o aumento do número de denúncias e, consequentemente, o aumento o número de resgates, de operações que vem sendo feitas. O que é de extrema relevância para demonstrar que as nossas instituições vêm funcionando e atuando de forma precisa e de forma bem combativa. Tem havido uma força-tarefa nesse sentido do Ministério do Trabalho, que é o coordenador das operações, junto ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério Público Federal e às polícias rodoviárias federais, para que as denúncia sejam efetivamente apuradas.

Há uma outra razão: esse aumento das denúncias se deve muito também a um trabalho que vem sendo feito por vocês da mídia, de dar destaque aos casos, de levar o assunto para a pauta, para que as pessoas vejam que é possível denunciar, entendam o que é a escravidão contemporânea, consigam identificar essas situações e quais vezes elas mesmas são submetidas sem a total consciência do que é errado. E há também a questão da crise econômica, que assola o mundo e já assolava o mundo antes da pandemia, e com a pandemia foi agravada.

 

Quem são os mais vulneráveis?

São pessoas de 18 a 35 anos, em sua maioria homens, com baixa escolaridade, negros e pardos. A gente sabe que há um contingente de pessoas que passam por miserabilidade e pobreza, que acaba se submetendo a qualquer tipo de trabalho, inclusive o análogo à escravidão. Se há uma perspectiva de miséria e fome, e de outro lado um trabalho qualquer, não dá nem para falar em escolha: a gente não escolhe entre morrer de fome e tentar sobreviver, simplesmente vai para onde se acredita que haja pelo menos alguma chance de melhorar um pouquinho.

 

Já é possível comparar a ação do atual governo nesse combate com a gestão anterior?

Estamos apenas em março, então fica difícil traçar um comparativo. Mas acho importante dizer que nos últimos quatro anos houve uma tentativa de desmonte da fiscalização do trabalho, da importância do Ministério do Trabalho. Na verdade, isso é anterior ao governo [Jair] Bolsonaro, começa lá com a extinção do Ministério do Trabalho [a pasta foi reestruturada por meio de medida provisória no governo Michel Temer em 2016, extinta no primeiro dia do governo Bolsonaro e recriada em julho de 2021].

Nos últimos seis anos, o Ministério do Trabalho sofreu de forma reiterada uma tentativa de desmonte, de redução de importância. Dito isso, é digno de nota o trabalho que com todas as dificuldades [os agentes da pasta] estão conseguindo fazer, com resgates em números recordes de trabalhadores. Fico pensando como seria se houvesse um investimento adequado na fiscalização do trabalho, talvez estivéssemos quase chegando à erradicação [do trabalho análogo à escravidão].

 

Neste sábado, a ONU convida a celebrar a memória das vítimas da escravidão. De que forma esse olhar ao passado contribui para sensibilizar com relação ao presente?

É preciso que a gente conheça o nosso passado para que a gente possa não repetir os mesmos erros e possa construir um futuro melhor. A gente vê que várias formas de escravidão contemporânea ainda subsistem, acabam sendo a herança desse passado de quase 400 anos de escravidão no mundo. Dessa subjugação de um ser humano pelo outro, dessa incapacidade que o ser humano tem de enxergar o outro como espelho.

Isso é muito relevante para que a gente possa pensar novas formas para mudar o nosso presente a partir da perspectiva da lembrança do que já foi feito, do que se permitiu fazer um dia na nossa história com uma outra pessoa.

 

De que forma essa memória precisa ser feita para que não relativize o ocorrido, tampouco não seja preconceituosa às vítimas e a seus descendentes?

É preciso fazer um resgate histórico para tentar contar essa história do nosso passado escravocrata não apenas a partir da visão do vencedor, do escravizador, dos povos que escravizaram. É preciso resgatar a memória daqueles que foram escravizados, dando voz para aqueles que conseguiram ser resgatados. E que não relativizemos o ocorrido, não reproduzindo preconceitos com a vítima nem seus decendentes.

É preciso fazer, de forma intelectualmente honesta, a recontagem do período da escravidão, para que consigamos enxergá-lo em sua complexidade. A gente não pode esquecer que houve, na verdade, uma tentativa de extermínio dessa população negra que veio ao Brasil como escravizada durante a escravidão e no período posterior à escravidão. E isso continuou e talvez continue até hoje.

 

Como interromper esse ciclo histórico?

Como diz a [historiadora e antropóloga] Lilia Schwarcz, é preciso evitar que o 13 de maio [Dia da Abolição da escravidão, em 1888] seja o dia mais longo da nossa história, tendo começado em 1888 e não terminado até hoje. Toda vez que a gente liberta alguém, legalmente falando, não basta que essa liberdade seja forma, não basta que ele ganhe a liberdade. É preciso que haja liberdade tanto formal quanto efetivamente, materialmente, porque se as condições de miséria e pobreza que levaram a pessoa a não ter escolha e a se submeter a essa situação continuarem, a gente vai continuar nesse ciclo.

 
Imagem
 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub