Gregório, líder dos camponeses, preso e torturado no primeiro de abril do golpe militar de 1964 contra a reforma agrária. O golpe de Bolsonaro de 8 de janeiro pretendia repetir o horror, prendendo e assassinando os sem terra. A CPI do MST fazia e faz parte do golpe: prender e matar lideranças campesinas
A chamada CPI do MST – que visa esconder os podres dos agrotrogloditas, criminalizar os movimentos sociais e desgastar o governo Lula – já nasceu sob fortes questionamentos. Nesta terça-feira (23), a imprensa noticiou que Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a Polícia Federal a dar continuidade às investigações sobre participação do deputado federal Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, nos atos terroristas do fatídico 8 de janeiro em Brasília.
Segundo matéria do site UOL, “o caso envolve a suspeita de patrocínio e incentivo aos atos golpistas no Rio Grande do Sul e em Brasília, após as eleições que deram a vitória ao presidente Lula contra Jair Bolsonaro (PL). O caso foi para o STF porque o deputado tem foro privilegiado. Em despacho, Moraes afirma que a notícia do suposto crime foi levada ao Ministério Público Federal, que decidiu enviar ao Supremo”. “Encaminhem-se os autos à Polícia Federal, para continuidade das investigações”, despachou o ministro do STF.
Ligações com os agrotrogloditas
O tenente-coronel Zucco foi apontado no ano passado pela polícia gaúcha como apoiador de acampamentos e outras manifestações antidemocráticas. Em uma postagem feita pelo então deputado estadual em frente ao Comando Militar do Sul, ele incentivava a ida dos golpistas ao local. O parlamentar é um reacionário convicto, com fortes ligações com os agrotrogloditas – inclusive com aqueles que foram denunciados por explorar trabalho análogo a escravidão no Estado. O fascistoide é um inimigo declarado do MST, a quem chama de “terrorista” e de “grupo criminoso travestido de movimento social”.
“Ele tem como bandeira o conservadorismo e estreou na política em 2018, ao ser eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul. Conforme conta em seu próprio site, o convite veio de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Na ocasião, ele recebeu 166.747 votos. Zucco é amigo de Tarcísio de Freitas. E é próximo do atual governador de São Paulo há mais de 30 anos. Os dois se conheceram na Academia Militar das Agulhas Negras, a escola de ensino superior do Exército Brasileiro”, descreve a reportagem do site UOL.
Trabalho escravo e trabalho infantil
Já o imperdível site “De olho nos ruralistas” descreve nesta quarta-feira (24) outros crimes do deputado, o que retira qualquer legitimidade da chamada CPI do MST. Entre outras denúncias, ele comprova que “o tenente-coronel Zucco recebeu doação do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por manter 23 trabalhadores em condições degradantes em Mato Grosso; ele é apoiado pela Farsul, que minimizou o trabalho escravo em vinícolas e quer punições mais brandas para o trabalho infantil”. Vale conferir outros trechos da excelente reportagem:
“Antes de ser escolhido para presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o deputado Tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS) era uma figura desconhecida na política nacional. Eleito em 2022 com apoio do movimento armamentista Proarmas – na mesma chapa do ex-vice-presidente e atual senador Hamilton Mourão –, o militar gaúcho havia estreado na política quatro anos antes, ao conquistar uma vaga no legislativo estadual em 2018”.
“Ex-chefe de segurança de Lula e Dilma, Luciano Zucco foi o deputado estadual mais votado no Rio Grande do Sul, em grande parte pelo engajamento direto de Mourão e de Jair Bolsonaro – com quem acompanhou a apuração de 2018, em sua casa no Rio de Janeiro. Mas sua ascensão política também contou com um personagem mais obscuro. Um dos principais financiadores de Zucco naquele ano foi Bruno Pires Xavier. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o fazendeiro doou R$ 10 mil para a campanha do militar. Dona do Frigorífico Quatro Marcos, a família Xavier é alvo de diversas denúncias de crimes ambientais e trabalhistas. Ao todo, 324 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em imóveis rurais do grupo, durante cinco operações do Ministério Público do Trabalho (MPT)”.
“Na Câmara, Zucco tenta honrar os compromissos com seus fiadores políticos. Em março de 2023, em meio ao escândalo de trabalho escravo nas vinícolas gaúchas, Zucco votou a favor da tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa extinguir o MPT e a Justiça do Trabalho no Brasil. De autoria do ‘príncipe’ Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), o projeto contava com 66 assinaturas. O projeto envolveu também a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), aliada de primeira hora do deputado bolsonarista”.
“O financiamento de campanha não é a única ponta que liga Luciano Zucco ao universo agrário e a violações trabalhistas. Durante a campanha para a Câmara, em 2022, o representante da ‘bancada da bala’ se aproximou da ala ruralista através da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). A relação teve início ainda em 2019, graças à proximidade de Zucco com Jair Bolsonaro... Em 2020, quando Zucco ainda era deputado estadual, a Farsul emitiu uma nota conjunta com outras entidades patronais atacando um projeto da deputada Luciana Genro (PSOL-RS) que previa impedir as atividades de empresas flagradas com trabalho infantil. Segundo o empresariado gaúcho, a punição traria reflexos negativos para o ‘ambiente de negócios’”.
Trabalhadores rurais, livres da escravidão, encerraram a IV Edição da #FeiraDoMST com o sentimento de muita alegria.
560 toneladas de alimentos
e 320 mil pessoas reunidas no Parque
junto de 1700 feirantes vindos de todo Brasil
e a comercialização de 1730 tipos de produtos.
A IV Feira Nacional da Reforma Agrária acontecer para fazer brotar 880 kg de sementes e 20 mil mudas vieram a São Paulo para construir o Espaço do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”.
O evento espantou os deputados das bancadas bbb,
bancada do boi,
bancada da bala,
bancada da bíblia (Segundo Testamento),
que responderam com mais uma CPI contra os sem terra, os trabalhadores rurais, escravizados pelos latifúndios improdutivos ou de exportação de alimentos em terras griladas ou doadas pelos reis de Portugal.
O modelo dominante do agronegócio promove a concentração de terras e a monocultura. Prioriza a exportação de commodities em detrimento da produção de alimentos, intensificando a utilização de agrotóxicos que causam danos ambientais e à saúde humana.
Ele afirmou que o agronegócio se preocupa principalmente com a exportação e o lucro, e não com a segurança alimentar, que o MST garante a comida no prato
Nesta semana,um vídeo do Canal Cortes 247circulou nas redes sociais contendo a transcrição de um discurso proferido pelo deputado Padre João (PT-MG). Durante seu pronunciamento, o parlamentar dirigiu duras críticas aos deputados da bancada bbb ruralista, que integram a CPI do MST, abordando questões relacionadas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao trabalho escravo nos latifúndios.
Padre João destacou a decepção com a composição do Parlamento, referindo-se ao artigo 5º da Constituição, que garante a função social da propriedade e destina terras para a reforma agrária. O deputado criticou veementemente a destruição do INCRA e do aparato fiscalizatório, alegando que isso foi feito para permitir a existência de trabalho escravo nos latifúndios.
Padre João mencionou o artigo 243 da Constituição, que prevê a recuperação de áreas onde ocorre trabalho escravo para a reforma agrária. Ele ressaltou que há dois artigos claros na Constituição que amparam a aquisição de terras para a reforma agrária, desafiando a bancada ruralista a enfrentar a realidade dos latifúndios ociosos e do crime ambiental cometido nessas áreas.
Defesa do MST
O deputado Padre João dirigiu suas críticas diretamente aos deputados da bancada ruralista, acusando-os de destruir o INCRA e promover a perpetuação do trabalho escravo nos latifúndios. Ele afirmou que o agronegócio se preocupa principalmente com a exportação e o lucro, enquanto a segurança alimentar e a agricultura familiar, representadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos sociais, são responsáveis por garantir comida saudável e livre de venenos. Assista:
Bolsa Família, PAA e PNAE dão corpo ao compromisso de Lula com a alimentação saudável no prato do brasileiro. Levam dinheiro à agricultura familiar e ao andar de baixo da sociedade. Não podem ser limitados por nova tranca fiscal
O programa político eleito nas urnas em 2022 e que sustenta o governo do presidente Lula tem o combate à fome no seu centro. Para o campo popular, o Novo Arcabouço Fiscal anunciado pelo governo, apesar de solucionar os problemas mais graves criados pelo Teto de Gasto, limita excessivamente o espaço de implementação do programa popular e de sua pauta mais importante, o combate à fome. Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome em relação ao período pré- pandemia. Conforme o estudo, 58,7% da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave.
Frente a isso, aproveitamos a discussão do Novo Arcabouço Fiscal no congresso para colocarmos em pauta a proposta “orçamento popular é orçamento sem fome”. Contra os interesses financistas que rondam o governo, entendemos que é urgente proteger os programas de combate à fome de cortes e limitações orçamentárias.
A prioridade de um orçamento sem fome que respeita o programa popular é a proteção a três programas centrais do novo governo Lula: o Programa Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). No orçamento de 2023, os três programas têm previsão de R$181,7 bilhões: o Bolsa Família é responsável pela maior parte desse valor, com R$175 bilhões; PAA e PNAE terão R$531,5 milhões e R$5,46 bilhões, respectivamente. Juntos, os três programas representam 8,9% da despesa primária líquida esperada pelo governo para 2023.
O direito à alimentação é um direito humano previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Também é considerado um direito social pela Constituição Federal. A nossa Constituição dá atenção particular ao direito das crianças à alimentação, especialmente em ambiente escolar: os capítulos sobre infância e educação apontam explicitamente para o papel da boa alimentação.
O Programa Bolsa Família é a base da política de combate à fome no Brasil. É ele que levanta a população da extrema pobreza e a coloca no caminho do mercado de trabalho. Assim se abre o espaço para que outras políticas voltadas para o emprego, como a valorização real do salário mínimo, tenham efeito.
O combate à fome vai além das transferências diretas: é necessário apoiar e promover os complexos produtivos que garantem concretamente o direito à alimentação. Por isso, a proposta de emenda também exclui o PAA e o PNAE do conjunto de gastos sujeitos ao novo limite de crescimento. Com orçamento enxuto, estes programas são fundamentais para o desenvolvimento de longo-prazo da agricultura familiar.
A obrigatoriedade de uso de 30% dos recursos do PNAE na aquisição de alimentos da agricultura familiar e o PAA garantem aos pequenos produtores agrícolas estabilidade e possibilidade de planejamento. Com a garantia de que o Estado fará compras significativas, a agricultura familiar pode se planejar melhor: a estabilidade das vendas permite, por exemplo, o planejamento de investimentos de longo-prazo a partir de programas como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Atuando em conjunto, os três programas – Bolsa Família, PAA e PNAE – contribuem para a revitalização de economias locais: as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza ganham poder de consumo que pode ser atendido por uma agricultura familiar com capacidade de planejamento e investimento. Além disso, a permanência escolar, um dos condicionantes do Bolsa Família, garante que crianças e jovens da classe trabalhadora estarão presentes em escolas supridas com alimentos de qualidade adquiridos pelo PNAE.
A proteção dos programas de combate à fome também é uma oportunidade de garantir ferramentas para uma política fiscal anticíclica. Conforme nossa posição sobre o arcabouço, o Novo Arcabouço Fiscal precisa de mais espaço para o protagonismo do investimento público a fim de ter um caráter anticíclico mais forte. O programa Bolsa Família pode atuar como um “estabilizador automático” por meio do crescimento esperado do número de novos beneficiários em períodos de crise. O valor dos benefícios também pode ser facilmente alterado de acordo com as variações de demanda agregada.
Além disso, todos os três programas possuem fortes multiplicadores fiscais. Transferências e compras direcionadas a populações de baixa renda em áreas com consumo reprimido se transformam em grandes expansões de demanda agregada. Segundo estudo dos pesquisadores Marcelo Neri, Fábio Monteiro Vaz e Pedro Herculano Souza, o Bolsa Família tem o maior multiplicador fiscal entre todos os programas de transferência de renda do governo federal. Portanto, preservar os programas de combate à fome significa que, em situações de crise econômica, o governo federal terá liberdade para utilizar-se dos melhores instrumentos de retomada da demanda agregada sem o constrangimento imposto pela regra de vinculação ao crescimento da receita.
Por fim, preservar os programas de combate à fome da sanha fiscalista representa um avanço político para o campo popular. A garantia dos programas de compra de alimentos da agricultura familiar representará uma vitória da aliança campo-cidade na luta por soberania alimentar. Esses programas garantem a base material da luta da classe trabalhadora urbana e rural por um Brasil mais justo.
O fortalecimento dessa aliança é ainda mais importante no momento em que o centro de poder político e econômico do país se desloca para o agronegócio do interior do país. PNAE, PAA e Bolsa Família têm papel fundamental em garantir a autonomia da classe trabalhadora e camponesa e a força política e econômica do campo popular nas pequenas e médias cidades do interior do país. Com o fortalecimento desses programas, há maior possibilidade de se resistir ao poder destrutivo do agronegócio e do extrativismo mineral predatório que dominam esses territórios.
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Nota deste correspondente: O ódio zuque zuque do deputado Zucco ao MST faz parte do trabalho escravo que ensanguenta as terras do Rio Grande do Sul. Nessa guerra contra os sem terra, não poderia faltar o "passa a boiada" de Ricardo Salles, defensor dos contrabandistas de madeira nobre, de ouro, de pedra preciosas da Amazônia Sem Lei das bancadas do boi e da bala no Congresso e assembléias legislativas.
HÁ QUASE 18 ANOS, uma operação de auditores fiscais do trabalho resgatou 43 pessoas da fazenda de Marcos Nogueira Dias, o Marcão do Boi, na zona rural de Abel Figueiredo, no Pará. O fazendeiro era conhecido como um dos mais ricos do sudeste do estado. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o MPF, os trabalhadores bebiam água fétida, comiam carne podre de vacas que morriam no parto, não tinham salário e recebiam bebida alcoólica como pagamento. Eles também tinham que comprar produtos de higiene superfaturados do patrão e eram submetidos a jornadas exaustivas “em sol escaldante”, inclusive nos feriados e fins de semana.
Era evidente a condição de trabalho degradante e análoga à escravidão, de acordo com o MPF. Mas, para o desembargador Olindo Menezes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o TRF-1, essas circunstâncias não eram degradantes, mas apenas comuns ao trabalho rural, que tem “o desconforto típico da sua execução, quase sempre braçal”, e não se caracterizavam como algo que “rebaixa o trabalhador na sua condição humana”.
Seus argumentos convenceram os outros desembargadores da 4ª turma do TRF-1 a absolver Marcão do Boi em 2019. Ele chegou a ser condenado a cinco anos de prisão pela Vara Federal de Marabá. O juiz Fábio Ramiro, relator convocado que analisou o recurso na segunda instância, propôs aumento da pena para seis anos, mas o voto do desembargador Menezes mudou o rumo do processo.
Ele alegou que o caso deveria ser melhor analisado, pois muitas denúncias de condições análogas à escravidão tinham como base apenas os levantamentos feitos pelos fiscais do Ministério do Trabalho, que “são muito ardorosos e, normalmente, feitos por pessoas que não têm a menor noção do que é um trabalho no meio rural. Os exageros, em muitos casos, são evidentes”, justificou, pedindo mais tempo para decidir seu voto.
Quando se manifestou, alguns meses depois, o desembargador Menezes votou pela absolvição de Marcão do Boi. Para o magistrado, as denúncias mencionadas na sentença, como os alojamentos insalubres, a falta de água potável, a comida podre “devem ser vistos dentro da realidade rural brasileira”, em que os patrões “não raro” também se submeteriam a tais condições, na visão de Menezes. O fazendeiro, contudo, já havia informado que só ia ao local onde os trabalhadores estavam “a cada trinta ou sessenta dias”. Era a sua defesa para alegar não ter conhecimento das condições precárias.
Muitos operadores do direito, argumentou ainda o desembargador, “se contentam com os desconfortos mais comuns do trabalho rural para dar por configurado o trabalho análogo ao de escravo” quando seriam na verdade situações “comuns na realidade rústica brasileira” sem “gravidade intensa que implique a submissão dos trabalhadores a constrangimentos econômicos e morais inaceitáveis”. Marcão do Boimorreu em 2021, executado por pistoleiros, sem nunca ter sido preso pelo caso.
Argumentos assim são recorrentes nas manifestações do desembargador. Encontrei ao menos outros quatro processos em que o magistrado votou pela absolvição do acusado, relativizando a denúncia por conta do lugar ou do tipo de trabalho realizado. As condições no meio rural, como em carvoarias ou em fazendas de café, segundo ele, são “duras pela própria natureza da atividade” e, por isso, não devem ser confundidas com trabalho análogo à escravidão.
“A condenação somente se justifica em casos graves e extremos, sem razoabilidade, quando a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, alçando-se a níveis gritantes”.
Não era o caso de trabalhadores de uma carvoaria submetidos pelo acusado a exaustivas 12 horas diárias de trabalho. Na interpretação de Menezes, tratava-se apenas de uma jornada “um pouco acima daquela prevista em lei, e realizada como forma de aumentar a produtividade”, como afirmou em um processo de 2013.
Em processo de 2011, como os trabalhadores ficaram poucos dias submetidos à situação degradante justamente pela ação de resgate do Ministério Público do Trabalho, o desembargador minimizou a denúncia. No entendimento dele, como os trabalhadores ficaram menos de 30 dias nas condições descritas na denúncia, não havia justificativa para “imputação de trabalho escravo”.
Menezes ainda considerou favorável aos trabalhadores quando o empregador deixou de pagar R$ 40 por cada alqueire roçado – uma medida que, no Pará, equivale a cerca de 2,5 campos de futebol – para pagar R$ 25 a diária. Segundo o magistrado, o acusado teria constatado que levaria vários dias para executar o trabalho e entrou em acordo com relação ao novo valor. “O que parece ter constituído um benefício para os trabalhadores e não um malefício, como quer fazer parecer a acusação”.
Considerando apenas o salário bruto, o magistrado ganha quase R$ 1,2 mil por dia, inclusive quando não trabalha, como em feriados e fins de semana. Seu salário mensal fixo é de R$ 35,4 mil, mas devido a algumas gratificações e benefícios como auxílio alimentação, nesse mês de março, ele recebeu, já com os descontos, R$ 37,4 mil.
Procuramos o desembargador Menezes por meio da assessoria de imprensa do TRF-1 e informamos os números de todos os processos analisados, bem como os trechos que destacamos nesta reportagem, para que ele pudesse se manifestar. O magistrado, contudo, não respondeu a nenhum dos seis questionamentos.
Vale ressaltar que, juridicamente, não existe a figura do trabalho escravo, mas sim a do trabalho em condições análogas à escravidão, já que, a nível oficial, a escravidão acabou com a Lei Áurea, em 1888. No entanto, oIntercepttomou a decisão de usar a expressão, entendendo que a imposição de um regime de trabalho degradante, com jornadas exaustivas e sem o devido pagamento salarial não pode ser chamada de outra forma, senão de trabalho escravo.
Para o desembargador Olindo Menezes, trabalhadores que recebiam água fétida, carne podre e não tinham salário não estavam em situação degradante. Foto: José Alberto/STJ
A culpa é da vítima
Segundo Lívia Miraglia, coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, a falta de sensibilidade com processos como esses se explica porque o Judiciário é majoritariamente elitista, branco e masculino.
“As pessoas que trabalham nesse poder estão muito distantes da realidade dos brasileiros que são submetidos à condição de trabalho análoga à escravidão. Há um espelhamento maior do Judiciário com os empregadores julgados do que com os trabalhadores”.
A clínica coordenada por Miraglia, junto com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, também da UFMG, traçou um raio-x das ações judiciais de trabalho escravo. O levantamento de quase 1.900 ações iniciadas entre 2008 e 2019 constatou que o TRF-1 é o tribunal federal que mais absolve os acusados de trabalho análogo à escravidão na segunda instância – apenas 0,48% deles foram condenados. Dos 293 empregadores condenados por juízes da primeira instância, o tribunal absolveu 254, o equivalente a 86,7%.
Abrangendo os estados da Amazônia Legal, um área de intenso conflito agrário, o TRF-1 tem o maior número de acusados por trabalho análogo à escravidão – 1.943, quase sete vezes mais que a quantidade de acusados no TRF-3, que aparece em segundo lugar. Já o Pará, estado de Marcão do Boi, tem o maior número de empregadores incluídos na lista suja do trabalho escravo – 152 pessoas.
A impunidade, segundo Miraglia, leva os empregadores a concluírem que compensa submeter pessoas à situação degradante. “A falta de punição impede a perspectiva de mudar esse cenário no presente e no futuro, porque o crime continuará sendo praticado”.
O próprio fazendeiro Marcos Nogueira Dias entrou na lista duas vezes quando estava vivo. Três anos depois dos 43 trabalhadores serem resgatados em Abel Figueiredo, 11 pessoas foram libertadas em outra fazenda dele, dessa vez localizada em Rondon do Pará.
Mapeei ao menos 17 processos em que magistrados do TRF-1 absolveram acusados de submeter pessoas a trabalho escravo em suas decisões. Oito deles têm manifestação do desembargador Menezes, mas também aparecem na lista outros nomes, como o do juiz Leão Aparecido Alves, que atuou como relator convocado em alguns processos em segunda instância – para ele, a solução do problema, nesses casos, parece caber às vítimas.
Para Fachin, é inconstitucional usar a região como critério para caracterizar um trabalho como degradante.
Em uma ação de 2009, ele votou pela absolvição do réu porque, entre outros argumentos, não foi apresentado teste para comprovar que a água era imprópria para consumo. Além disso, escreveu que “os trabalhadores não estavam impedidos de ferver a água a ser por eles consumida”.
Em outro processo, de 2011, ele concordou com a decisão do juiz de primeira instância que absolveu o réu. Para os magistrados, o trabalho degradante e a jornada exaustiva só indicam que o trabalhador foi submetido à condição análoga à escravidão se ele for vítima de violência ou efetivamente privado de liberdade por meio de agressões ou ameaças. De outra forma, é livre para “abandonar o local e buscar melhores condições de trabalho”.
Procurado por meio da assessoria da justiça federal de Goiás, o juiz Alvesrespondeuque seu voto foi acompanhado nos dois processos, por unanimidade, pelos demais integrantes da Terceira Turma do TRF-1, resultando em decisões unânimes. Com relação ao processo de 2009, ele argumentou, entre outras coisas, que os trabalhadores “nunca foram constrangidos ou ameaçados e não se consideravam escravos” e que “os tribunais têm decidido que o simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo”.
Sobre o processo de 2011, ele disse que as testemunhas não relataram “o uso de violência contra os trabalhadores pelo empregador ou prepostos ou a presença de segurança armada na fazenda, tampouco noticiaram a existência de servidão por dívida ou o impedimento de deslocamento dos trabalhadores”. O magistrado acrescentou ainda que “condena quando há prova acima de dúvida razoável, e, em sentido oposto, absolve quando inexistem provas aptas a expurgar a dúvida razoável”.
Existe, de fato, um entendimento consolidado no meio jurídico de que o trabalho escravo se caracteriza pela privação de liberdade por meio de violência para forçar a permanência da vítima contra a sua vontade. A falta de provas de que as pessoas se sentiam como escravas, aliás, é um dos argumentos que se repetem para absolver os réus em todos os tribunais, de acordo com levantamento de que Miraglia participou. Nas 26 decisões analisadas, os magistrados alegaram que o consentimento da vítima afastaria o delito praticado.
Para a pesquisadora, esse entendimento só comprova quão distantes desembargadores e juízes estão da realidade de um trabalhador, por estranharem que ele não abandone o local de trabalho quando se percebe explorado ou, ainda, que não tenha ciência do crime a que é submetido. “Parece uma situação fácil de ser resolvida. Se não está bom, basta ir embora. É o que essas pessoas fazem nas situações que lhes incomodam. Mas, para muitos brasileiros que precisam de qualquer coisa para sobreviver, não é bem assim”.
No seu voto a favor da condenação de Marcão do Boi, o juiz e relator convocado Fábio Ramiro citou a sentença do juiz de primeira instância para caracterizar o trabalho degradante como “aquele que priva o trabalhador de dignidade, que o desconsidera como sujeito de direitos, que o rebaixa e prejudica, e, em face de condições adversas, deteriora sua saúde”. Segundo o magistrado, a coação moral pode ser mais efetiva que a força física para manter a vítima em condição análoga à escravidão, principalmente quando o empregador lhe impõe dívidas, impedindo seu desligamento do serviço.
112 condenações em mais de 10 anos
De acordo com o raio-x das ações judiciais, as equipes de fiscalização resgataram mais de 20 mil trabalhadores de 2008 a 2019 e mais de 2,6 mil empregadores foram acusados por trabalho análogo à escravidão, mas apenas 112 foram condenados definitivamente – os magistrados absolveram, em primeira instância, quase metade dos acusados por falta de provas. A maior pena de prisão, após o processo transitado em julgado, foi de 11 anos e seis meses.
Mesmo assim, há quem afirme em suas decisões que há exagero nas leis trabalhistas. É o caso da desembargadora Cláudia Cristina Cristofani, do TRF-4. Assim como o desembargador Menezes, ela enfraquece as denúncias usando o mesmo argumento de serem características do meio rural. Em um processo de 2013, do qual foi relatora, a magistrada afirmou que as condições de alimentação e alojamento dos trabalhadores eram precárias, “quando considerados os padrões, elevados e irrealistas, requeridos pelas normas trabalhistas” e que “o empregador rural se vê obrigado a reduzir custos, a fim de manter um lucro cada vez menor”. Por isso, disse no seu voto pela absolvição do acusado, não era “razoável dar relevância criminal ao fornecimento de condições de trabalho idênticas às condições de habitat da localidade em que a atividade estava sendo prestada”.
Procurada por meio da assessoria de imprensa do TRF-4, a desembargadora não se manifestou.
Em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux reconheceu a repercussão geral de um pedido de recurso extraordinário do MPF para debater o acórdão do TRF-1 que absolveu Marcão do Boi. Os procuradores querem o reconhecimento das condições retratadas nos autos como degradantes e afirmam que a absolvição “pode estimular o empregador rural, proprietário de fazenda no interior, a cada vez mais tratar os seus empregados de forma desumana”. O relator do processo no STF é o ministro Edson Fachin, que defende ser “inconstitucional a diferenciação regional dos critérios para caracterização do trabalho como degradante”.
Se a água era imprópria para consumo, ‘os trabalhadores não estavam impedidos de ferver’.
O procurador-geral da República Augusto Aras concorda com a tese de Fachin. “A efetivação dos princípios da dignidade humana, da erradicação da pobreza e da redução das diferenças econômicas e sociais direciona-se no sentido de proteger o padrão de vida e as condições de trabalho minimamente satisfatórias nas diversas regiões brasileiras, de modo a equalizar a situação do trabalhador em todas as localidades do país”, disse o PGR, em fevereiro de 2022, em sua manifestação no processo.
O procurador também recomendou o restabelecimento da sentença de prisão de Marcão do Boi pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal, ou seja, por submeter pessoas a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, sujeitá-las a condições degradantes e à restrição de locomoção. Mas quando tudo isso aconteceu, já era tarde demais para o fazendeiro ser punido pelo rigor da lei.
Correção:3 de abril, 17h06 Uma versão anterior deste texto falava em fiscalizações feitas pelo Ministério Público do Trabalho. O órgão correto é o Ministério do Trabalho.
Correção: 10 de abril, 10h28 Corrigimos a comparação de um alqueire roçado a campos de futebol de acordo com o alqueire do Norte.
Noites em porões. Almoço na caridade. Jornadas extenuantes. Flagrante permitiu que pessoas exploradas voltassem para suas cidades, mas contingente de terceirizados e informais segue em Bento Gonçalves
* Por razões de segurança, os nomes de alguns entrevistados foram alterados ou omitidos nesta reportagem
Um mês após oresgate de 210 trabalhadoresem condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, enquanto turistas agendavam tours pelas vinícolas locais e tiravam fotos fantasiados de imigrantes italianos, dezenas de trabalhadores seguiam entocados em alojamentos clandestinos da cidade.
Dormindo em porões escuros e úmidos e se alimentando graças à doação de marmitas, eles esperavam ser realocados em novas frentes de serviço ou aguardavam pagamentos atrasados para voltarem às suas cidades natais. Enquanto isso não acontece, passam o tempo conversando à sombra das árvores da praça Vico Barbieri, no centro da cidade.
São homens que compõem a frente de trabalho temporário da região, que atua conforme a safra ou a demanda industrial do momento – pode ser na apanha de frango ou na uva; na maçã ou na laranja. Alguns eram ex-funcionários de Pedro Santana, o dono daFênix, empresa contratada pelas vinícolas Aurora, Garibaldi e Saltonque está no centro do escândalo de exploração de trabalhadores, descoberto no final de fevereiro e ainda em investigação pela Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Assim como os baianos resgatados na ocasião, a maioria vem de outros estados do Brasil, de forma organizada e coordenada por empresas ou indivíduos a quem eles chamam de “empreiteiros” – uma realidade que modificou as feições do trabalho na região nos últimos anos, sobretudo depois de 2017, quando o então presidente Michel Temer (MDB) aprovou, em um curto intervalo de tempo, areforma trabalhistaea lei que liberou a terceirização das atividades fim.
Enquanto aguardam um novo serviço, trabalhadores terceirizados ou informais passam os dias nas praças de Bento GonçalvesDistribuição de marmitas feita por uma instituição de caridade local garante refeições aos homens enquanto estão desocupados
“Quem nos trouxe foi um empreiteiro de colheita”, explica o jovem Aquiles*, que havia chegado na manhã de 20 de março vindo de Chapecó, Santa Catarina, acompanhado da esposa. Confiantes em dias melhores e “na graça de Deus”, o casal não sabia em qual safra iria trabalhar, se na da laranja, da uva ou da maçã. Também não sabia em qual cidade nem quando começaria o serviço. Não tinham internet nem crédito no telefone. Aquiles* também tinha perdido os documentos, e por isso foi barrado na casa de passagem da prefeitura. A primeira noite na tão sonhada Bento Gonçalves foi passada ali mesmo, na praça.
A vinda de trabalhadores de regiões distantes do Brasil através de empresas terceirizadas e atravessadores é novidade em um setor em que as relações de trabalho costumavam ser baseadas nos laços familiares e de amizade. “Antes não se verificava na safra da uva esse atravessador da mão de obra, que ganha em cima do trabalho dos outros”, explica Vanius Corte, gerente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Caxias do Sul. “Como as propriedades são menores, era comum a própria família trabalhar na colheita e um vizinho vir ajudar”.
A lei da terceirização da atividade fim caiu como uma luva no momento em que a demanda produtiva crescia ao mesmo tempo em que as famílias de agricultores reduziam o número de filhos por casal. Com a nova legislação, não só Pedro Santana direcionou sua empresa para a colheita de uva e as vinícolas – antes, ele atuava em outros segmentos – mas a região viu surgir outras firmas interessadas no novo modelo de negócio.
Editada pelo ex-presidente Michel Temer, lei da terceirização da atividade fim permitiu a contratação de trabalhadores para a colheita da uva
“Hoje está cheio de empresas terceirizadas, tem crescido nos últimos anos de forma assustadora”, confirma Sérgio Poletto, segundo secretário da Fetar-RS, a Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais no Rio Grande Sul. “Mas tem empresas que cuidam dos funcionários, seguem as recomendações. E tem essas que fazem o que fizeram com estes trabalhadores”, completa.
A facilidade na contratação desse tipo de serviço levou uma dessas companhias, aVia Rural, a se apresentar como o“Uber da colheita”: “Graças a essa lei nós podemos tocar na uva, que para o produtor rural é atividade fim”, explica o advogado Jarbas Fagundes, diretor executivo da empresa. “Antes a gente só podia fazer o café, ficar na portaria, dirigir o caminhão”, completa. Fagundes ressalva que, embora terceirize mão-de-obra, sua firma não explora trabalhadores. ARepórter Brasilencontrou apenas um processo trabalhista contra a Via Rural, de um ex-funcionário que teve um pedido de danos morais negado pela justiça.
Mas essa não é a regra. Segundo Maurício Krepsky, auditor-fiscal do trabalho e chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do MTE, o impacto da terceirização nos casos de trabalho escravo contemporâneo registrados no Brasil foi progressivo e acabou se revelando “avassalador”. “Mesmo sem ainda haver estudos sobre isso, por experiência sabemos que grande parte dos resgates envolvem terceirizados, incluindo os dois grandes no Rio Grande do Sul neste ano, em Bento Gonçalves e Uruguaiana”, explica. “Aliás, nos maiores casos de resgate de trabalhadores em condições de escravidão moderna em 2023 havia terceirização, lícita ou ilícita, que somam mais de 500 vítimas de trabalho escravo”, complementa.
Produção em alta demandou mão-de-obra
Nem todos os trabalhadores terceirizados que chegam a Bento Gonçalves e região tem contrato formalizado com alguma empresa, como a Fênix ou a Via Rural. Há vários que chegam conduzidos por “gatos”, atravessadores ilegais que já existiam, mas que proliferaram com a reforma trabalhista, aprovada um mês após a lei de terceirização e queflexibilizou as relações de trabalho.
“A reforma trabalhista deu uma sensação para muitos empregadores de que agora pode tudo. Por outro lado, as pessoas estão topando qualquer coisa para poder trabalhar. Estas duas coisas fizeram aumentar muito a informalidade, mas muito mesmo”, observa Corte, do MTE de Caxias do Sul. “O grande monstro que ronda o campo é a informalidade”, confirma Nelson Wild, presidente da Fetar-RS.
Incentivos estatais levaram a salto produtivo do setor, mas não houve planejamento para ampliar mão-de-obra na mesma proporção
“Nossas colheitas saltaram de 500 milhões para quase 800 milhões de quilos nos últimos dez anos”, afirma Helio Marchioro, diretor-executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul, a Fecovinho. Mas o setor subestimou o gargalo da mão de obra: “Ninguém levou muito em conta isso. Estava todo mundo preocupado com a produção da parreira, o preço da uva, a vinificação, o mercado… Mas como eu faço para produzir tudo isso?”.
De início, quando havia necessidade de mais braços, a regra era que o agricultor abrigasse os trabalhadores vindos de fora na própria casa, oferecendo também a alimentação – tudo muito informal.
“No momento de ir embora, eles ainda levam de presente caixas de uva, garrafas de vinho e salames”, observa Cedenir Postal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultura Familiar de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza. Uma realidade que ainda subsiste, mas é cada vez mais rara diante dos riscos jurídicos de um contrato sem nenhuma garantia legal.
A adoção de tecnologia na aplicação de agrotóxicos e outros insumos também permitiu a concentração de áreas de parreira cada vez maiores nas mãos de famílias reduzidas, e cujos filhos não querem permanecer no campo. “Está ficando gente velha nas propriedades, casais de 50, 60 anos, às vezes com apenas um filho, e plantando mais uva”, resume Luis Carlos Rupp, professor de viticultura do Instituto Federal do Rio Grande do Sul em Bento Gonçalves.
Para piorar, as mudanças climáticas tornaram o período de colheita mais imprevisível – depois que a uva chega no ponto, precisa ser colhida em cerca de dez dias, sob o risco de sair dos padrões exigidos pelas indústrias.
Foi assim que Santana percebeu na safra de uva uma oportunidade de ampliar os lucros. Passou a oferecer aos pequenos agricultores um pacote completo, que incluía transporte, alimentação e alojamento dos trabalhadores. “Ele dizia que a gente não precisaria se preocupar com nada”, confirma José*, um produtor rural que contratou o serviço de Santana na safra passada. “Eles traziam o trabalhador de manhã, serviam a comida no almoço e depois buscavam pra levar embora”, relata.
“Talvez essa empresa tenha entrado com tanta força no mercado porque apresentou algo que parecia uma vantagem competitiva, fornecendo a mão de obra e ainda se encarregando da estadia, alimentação e transporte”, avalia Paulo Roberto Wünsch, professor de sociologia do Instituto Federal do Rio Grande do Sul em Bento Gonçalves. “Imagina uma mulher com 60 anos de idade tendo que fazer café da manhã, almoço e jantar para um monte de trabalhadores por dez dias. Isso era um suador para estas famílias”, concorda Rupp.
Os professores Wunsch (E) e Rupp (D) concordam que mudanças socioeconômicas na região contribuíram para mudanças nas relações de trabalho na região
Mas as investigações da Polícia Federal e do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que as estratégias de Pedro Santana para lucrar mais incluíam jornadas exaustivas, condições degradantes e servidão por dívida – trêscaracterísticas de trabalho análogo à escravidão previstas no Código Penal brasileiro. A reportagem ouviu depoimentos que corroboram os achados das autoridades, que ainda estão trabalhando no caso.
Jornadas de trabalho de 20 horas
São 4 horas da manhã, e você acorda por bem ou por mal – neste caso, com choques elétricos. Embarca em uma van, onde ganha meio copo de café preto e um pacote de bolachas Maria. Antes das 5:30, já está embaixo do parreiral colhendo uva. O almoço é engolido ali mesmo, sob o sol. Depois, ainda é preciso carregar as caixas de uva para cima do caminhão.
Você está de pé há nove horas, mas o expediente ainda não chegou nem na metade.
Da propriedade rural, a van te leva para uma das três vinícolas clientes da Fênix: Garibaldi, Aurora ou Salton. Ali, começa uma nova jornada que só vai terminar perto da meia-noite, e que inclui o descarregamento das caixas vindas das propriedades rurais e a limpeza da prensa de uva. Vinte horas de trabalho depois, você volta pro alojamento para dormir por quatro horas, antes de começar tudo de novo.
Vinícolas que se beneficiavam do trabalho escravo, como a Garibaldi, Aurora (foto) e Salton, assinaram termo de ajustamento de conduta para prevenir novos casos
Assim como o “pacote completo” oferecido ao produtor rural, incluindo transporte, alojamento e alimentação do trabalhador, Pedro Santana instituiu a seus homens jornadas de 20 horas, segundo relatos ouvidos pela reportagem – o que levava alguns homens a dormir de pé sob as parreiras ou em cima de caminhões. Com isso, dizem os entrevistados, lucrava duas vezes em cima de um mesmo trabalhador: através de um contrato com a vinícola e outro com o produtor rural.
No final do mês, era comum estes trabalhadores não receberem nenhum centavo. Pelo contrário: muitas vezes, eles que acabavam devendo para os patrões, graças a um esquema que envolvia multas por faltar ao trabalho ou por envolvimento em brigas e atrasos no pagamento dos salários – o que deixava os trabalhadores dependentes de vales e empréstimos a juros exorbitantes fornecidos por Fábio Daros, parceiro de Santana no negócio e dono do alojamento onde aconteciam agressões comarmas de choque, spray de pimenta e balas de borracha.
“Esses vales eram fornecidos a juros extorsivos, que em alguns casos chegava a 100%”, afirma o delegado da Polícia Federal em Caxias do Sul, Adriano Medeiros do Amaral. “Eles pegavam empréstimo com o dono da pousada [Fábio Daros], e depois o valor era descontado em folha pela Fênix [Pedro Santana], o que mostra que eles atuavam em conjunto”, completa.
Trabalhadores eram submetidos a jornadas intermináveis, mas ainda assim, muitas vezes não recebiam salário no final do mês
Em nota, a defesa de Fábio Daros informou que a pousada não tinha qualquer envolvimento nas questões trabalhistas e relativas à intermediação de mão de obra. “A pousada possuía situação de funcionamento regular perante os órgãos municipais e jamais chegou ao seu conhecimento os fatos narrados pelos trabalhadores”, informou a advogada de Daros. A íntegrapode ser lida aqui.
A defesa de Pedro Santana preferiu não responder aos questionamentos da reportagem: “Não iremos nos manifestar perante o vosso canal, face a afiliação com o site Headline, que possui viés político e, consequentemente, não visa a informação do leitor, mas sim criar uma narrativa que atenda aos seus ideais”, justificou o advogado Augusto Giacomini Werner. ARepórter Brasilesclarece que todos os fatos narrados neste texto foram apurados por jornalistas profissionais guiados pelo interesse público e passaram por verificação. O espaço permanece aberto para a manifestação de Pedro Santana e de seus advogados.
Como mostrou o Headline, além das vinícolas, Santana fornecia mão de obra para a safra de uva epara a produção de frango da Brazilian Food, a BRF, e era comum os mesmos homens atuarem nas duas atividades – uva e frango – a depender da demanda dos empregadores. Segundo a PF, há indícios de que todos eles estavam submetidos ao mesmo esquema de vales e descontos na folha.
Trabalhadores ouvidos pela reportagem relataram que as condições da jornada no frango eram ainda piores do que na uva. Nesse caso, o pesadelo era o “batidão”, em que os funcionários ficavam três dias trabalhando ininterruptamente, indo de granja em granja para apanhar frangos e levá-los para a BRF.
Na avaliação do Ministério do Trabalho e Emprego, entretanto, as condições de trabalho eram diferentes nos dois casos. “Estas pessoas que vêm pra apanha de frango não têm uma atividade sazonal, mas trabalham continuamente, então a relação é diferente. Eles tinham pagamento de salários e muitos não ficavam no alojamento, e sim em moradias que eles mesmos alugavam”, afirma Corte.
Dono de alojamento onde estavam os resgatados é apontado pela polícia como parceiro de empresário que contratava trabalhadores
“Isso não quer dizer que as condições de trabalho fossem ideais, e há inquérito em tramitação para apuração da situação específica dos trabalhadores da apanha do frango”, acrescenta Ana Lúcia Stumpf González, coordenadora da unidade do Ministério Público do Trabalho, o MPT, em Caxias do Sul, que concedeu entrevista por e-mail (íntegra aqui). O órgão é responsável por buscar a responsabilização de toda a cadeia produtiva após a operação de resgate.
Por não terem sido considerados vítimas de trabalho escravo, vários funcionários de Santana não tiveram direito à indenização de quase R$ 10 mil pagos pelas vinícolas apósassinatura de Termo de Ajustamento de Conduta com o MPTe acabaram permanecendo em Bento Gonçalves. Alguns querem voltar para a Bahia, mas não têm dinheiro para a passagem. “Eu não me adaptei no Sul. Vim trabalhar na uva, acabei no frango, e ia embora depois da safra. Bateu esse revertério aí, ficaram com nosso dinheiro e eu fiquei sem condição de ir embora”, diz Dirceu*, um trabalhador que perdeu o ônibus oferecido no dia do resgate. Ele também alega que Pedro Santana ainda não pagou o que lhe deve.
Outros querem continuar tentando a vida no Rio Grande do Sul – com sorte, desta vez em um trabalho digno. “Depois que eu saí da Fênix, eu passei dias só dormindo e me alimentando. Agora que estou começando a me recuperar”, conta Hamilton*.
Convenção coletiva pode ser acordo histórico
Pouca coisa parece ter mudado depois do resgate dos trabalhadores – cujo número foi atualizado para 210 pelo Ministério Público do Trabalho, com a inclusão de três pessoas que não estavam no local no momento em que ocorreu a ação, mas faziam parte do grupo.
Mesmo oficialmente interditado, o alojamento de Fábio Daros, no bairro Borgo,segue em funcionamento– não se sabe se os trabalhadores estão prestando serviços para as empresas de Santana ou apenas permanecem ali por não terem para onde ir. O imóvel até chegou a ser desocupado no dia 20 de março, mas só por algumas horas, antes davisita do ministro do Trabalho, Luiz Marinho:ele tirou uma foto na frente do galpão, falou rapidamente com jornalistas, e foi embora. Dali a pouco, um grupo de cerca de 50 trabalhadores voltou ao local. “Foi uma cena de cinema que montaram para o ministro”, relatou um morador do bairro que prefere não se identificar.
Reportagem flagrou pessoas entrando e saindo do alojamento, embora em sua porta haja uma placa de interdição afixada
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultura Familiaraproveitouo escândalo e a visita do ministro para pedir mais “flexibilização” nas contratações e “uma visão mais sensível” para a realidade do setor. “A gente não quer fazer algo fora da lei, mas tem que ser algo viável para os pequenos agricultores. Os custos são altos, as propriedades são pequenas e muitos produtores esperam mais de um ano para receber o pagamento da safra”, justifica Postal, queentregou um ofício ao ministro.
Para o lado das indústrias, há inclusive vitórias. O governo federal, que havia suspendido a participação de Aurora, Garibaldi e Salton em eventos e negociações internacionais capitaneados pela Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex),voltou atrás na decisão de excluir as vinícolasdas rodadas de negócio. Vinhos e sucos de uva das três marcas tambémseguem nas prateleiras nas principais redes de supermercados, incluindo aqueles que assumiram compromissos públicos contra o trabalho escravo.
Sindicato espera costurar acordo com a patronal que permitiria assinatura de primeira convenção coletiva da história nas regiões de Bento Gonçalves e Caxias do Sul
Aos trabalhadores terceirizados da agricultura resta a esperança de que, ao menos, o escândalo sirva para garantir direitos. “A região da serra é bem problemática. Há uma resistência por parte dos próprios sindicatos com relação ao assalariado rural”, explica Sérgio Poletto, segundo secretário da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais no Rio Grande Sul.
Mas a categoria está decidida a pressionar e suas reivindicações ganharam força: depois da repercussão do caso de trabalho escravo, a Fetar conseguiu retomar negociações que estavam travadas há anos para a assinatura de convenções coletivas de trabalho que podem mudar a vida dos assalariados em nove cidades da região, incluindo Bento Gonçalves e Caxias do Sul, onde nunca houve acordo coletivo.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, e aquarela intitulada ''Proprietário sendo conduzido pela cidade numa liteira'', de Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Obra que poderia ter um segundo titulo: Escravos transportando o seu senhor em passeio no Rio de Janeiro. Fotos: Marcos Oliveira/Agência Senado, Museu Museu Histórico Nacional, RJ e Marcio Vaccari, Twitter
A atualidade do combate ao escravismo
“Os exemplos brasileiros mostram que você tem que colocar o país em recessão para recuperar a credibilidade” – Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
Chegamos ao terceiro milênio do que conhecemos como mundo civilizado, quinhentos anos de terra, natureza e homens depredados, dois séculos de país independente, ainda em busca da dignidade: em 2023 navegamos na periferia do capitalismo a cujo anti-humanismo intrínseco acrescentamos a miséria de brutal concentração de renda e riqueza, ou seja, de desemprego e fome, uma espécie de escravismo em plena revolução tecnológica.
Somos campeões de desigualdade mesmo entre os mais pobres: 1% dos brasileiros mais ricos controla 31% da riqueza nacional. O Brasil é o segundo país com maiores desigualdades dentre os membros do G20 (o primeiro é a África do Sul).
A renda média nacional de nossa população adulta é R$ 43,7 mil, sendo que os 10% mais ricos, com renda de R$ 253,9, são donos de 58,6% da renda total do país (dados do World Inequality Lab).
Aqui a classe dominante festeja o desemprego, e um Banco Central autônomo em face dos interesses nacionais combate o desenvolvimento impondo ao país uma taxa de juros que sufoca a atividade produtiva, ao tempo que atribui a persistência inflacionária à queda das taxas de desemprego e aos reajustes salariais, que abjura.
Quando o Banco Central aumenta os juros, seu objetivo claro é reduzir os investimentos produtivos (aqueles que criam emprego e fazem girar a economia) e, na sequência, o consumo das famílias (cujo poder de compra cai), criando um círculo vicioso que termina por promover a recessão, como, aliás, vimos no experimento do ministro Joaquim Levy em 2015.
A chamada “autoridade monetária”, dispensada de prestar satisfações à sociedade, usa a ociosidade mórbida da economia, de particular o freio na já agônica atividade industrial, como medida anti-inflacionária e lamenta (lamenta o BC e lamenta a Faria Lima) que o desemprego tenha caído menos que o projetado, e que menos que o projetado tenha caído o consumo das famílias, adiando a recessão também projetada.
O cenário, no curto e no médio prazos – os tempos que nos interessam, pois no longo prazo todos estaremos mortos, como lembrava o esquecido Lord Keynes – é o encontro da recessão com a política contracionista imposta pelo Banco Central, com seu rol inefável de perversidades: retração da economia, concentração de renda, desemprego e fome.
No segundo ou terceiro maior produtor de alimentos mundo, nada menos que 61 milhões de pessoas passaram dificuldades para se alimentar em 2022, nada menos que 33,1 milhões não têm garantido o que comer (dados do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar).
Nosso país, sob o reino do agronegócio, está, desde 2018, de volta ao Mapa da Fome.
Burocratas, empresários e prepostos de empresários e banqueiros pensam em uníssono (todos estudaram nas cartilhas da Escola de Chicago traduzidas pela Fundação Getúlio Vargas), e chegam às mesmas conclusões, porque em suas equações não há espaço para o elemento humano.
Samuel Pessôa, escrevendo em julho de 2015 (“Luzes no final do túnel”) e comentando relatório do IBGE, comemora a queda dos rendimentos dos trabalhadores como fator deflacionário:
“A boa notícia foi a queda de 5% do rendimento médio real. (…) A ´boa notícia`, portanto, foi que os salários nominais têm crescido a taxas cada vez menores (…)”.
Já em nossos dias, o Valor (24/4/2023), em coluna assinada pelo repórter Alex Ribeiro, registra que a inflação não cai, apesar da política de juros altos, porque “a taxa de desemprego não vem subindo, até agora, da forma esperada e os reajustes de salários estão mais fortes do que o Banco Central antecipava”.
O governo se empenha na promoção de emprego e renda, o Banco Central se empenha em gerar desemprego.
O governo precisa investir para promover o desenvolvimento econômico; o BC, expressando a vontade da Faria Lima, cobra a redução de gastos e impõe o “equilíbrio fiscal” – e, assim, e a um só tempo, desorganiza a produção, promove o desemprego e reduz o poder de compra da população.
Confessadamente persegue a recessão e já nos deixa próximos do casamento da estagnação com a inflação.
Segunda maior concentração de renda do planeta, convivemos com a maior taxa de juros reais: 9,1%, contra -0,7% do Canadá, 0% dos EUA, 4,4% do México, 2,2% da França, -4,2% da Itália, 4% da Rússia em guerra, 2,9% da China, -4,2% da Turquia e -3,2% do Japão (fonte: https://tradingeconomics.com/).
Nada obstante a realidade, o presidente do BC reafirma que a meta da instituição é combater a inflação mediante a elevação dos juros, e sua vontade é, nas circunstâncias, imperial.
Mas ainda não é tudo, porque a casa-grande é insaciável.
Impõe o culto do ajuste fiscal, mantra do monetarismo que conquista almas à direita e à esquerda, sem necessidade de demonstração.
Assim não se discute, nem no governo nem no Congresso, e muito menos na academia e nos sindicatos, o caráter do modelo econômico que nos é imposto pelo grande capital – sem que tenha por trás de si o amparo da soberania popular que é o arrimo do mandato do presidente Lula, a quem é imposto um modelo de país e de economia que nega o pronunciamento eleitoral do dia 30 de outubro do ano passado.
E nega, acima de tudo, as necessidades de desenvolvimento do país, que requer gastos, investimentos em infraestrutura e saneamento, em saúde, em educação, ciência e tecnologia, além de incentivos à necessária e urgente recuperação da indústria manufatureira.
O país, inerme, não se dá conta dessa violência contra a soberania popular e as bases da democracia representativa, que é a usurpação do poder pelo Banco Central.
A esquerda de um modo geral absorveu o discurso do “equilíbrio fiscal” defendido pelos donos do poder.
Trata-se de um modelo verdadeiramente de fundo escravista, revela o ranço da casa-grande: um modelo baseado na manutenção de baixa atividade econômica, elevado desemprego e achatamento dos salários, tudo para garantir as taxas de lucro do capital.
É o desespero do pobre que garante o “equilíbrio” exigido pelos donos do poder.
Abandonada a alternativa industrial-desenvolvimentista, pela qual oportunamente optaram as grandes potências de hoje, somos, lembrando a origem colonial, uma grande província agroexportadora das commodities requeridas pelo chamado “ primeiro mundo”.
Os principais produtos comercializados pelo Brasil no último ano foram soja (14%), óleos brutos de petróleo ou de minérios betuminosos, óleos crus (13%) e minério de ferro in natura e seus concentrados (8,6%), reforçando o setor primário como protagonista da economia do país (https://www.domaniconsultoria.com). No terceiro milênio como na colônia, no império e na república velha.
Padecemos os males essenciais do capitalismo e contribuímos com a iniquidade de monstruosa desigualdade de renda, que aumenta a pobreza e aprofunda o atraso, na mesma medida em que concentra o poder nas mãos de uma minoria mínima de biliardários desvinculados da produção de riquezas e da geração de emprego.
Nossa burguesia, isto é, a burguesia aqui instalada, se conforma como procuradora da banca internacional.
Naturalizamos a violência em todos os modelos imagináveis, desde o genocídio das populações nativas (recentemente reavivado pelo bolsonarismo), e o escravismo, larvar, ostensivo, da colônia e do império, até, na modernidade capitalista, as mais variadas formas de trabalho análogo à escravidão.
Não me refiro apenas às formas clássicas de exploração do trabalho humano no campo, a corveia, a meação, a exploração do agregado, do morador.
Mas já a formas de espoliação que a imprensa identifica como “similares à escravidão” encontradas nas modernas vinícolas do Sul desenvolvido de hoje.
A herança escravagista e colonial, a ocupação predatória da natureza e dos homens na terra achada, são essenciais na moldagem da sociedade brasileira de nossos dias, exacerbadamente excludente, mas não encerram a história toda.
É preciso ter sempre em conta o papel crucial desempenhado pela classe dominante aportada e aqui criada.
A renúncia a um projeto próprio de sociedade, a opção consciente pelo atraso, pelo agrarismo e pela dependência econômica, política e cultural, o império autoritário e a república sereníssima, sem povo, obra de nossas elites, são essenciais na moldagem da história presente.
Coloca-se para o governo de centro-esquerda a resistência, e para os socialistas a denúncia do modelo político-econômico que aí está.
O modelo capitalista vigente, que, de um lado, exige a expansão da fronteira agrícola para garantir superávits das exportações no mercado global; de outro, tem como pré-condição a produção crescente de pobreza e miséria (pilar do “equilíbrio fiscal”), o que, por exemplo, empurra ribeirinhos e demais trabalhadores precarizados para dentro das reservas indígenas, em busca de sobrevivência – objetivo que a imensa maioria persegue.
A preservação do meio ambiente tanto quanto o combate à fome e ao desemprego está ameaçada pela simples continuidade do modelo – ainda que não tenhamos mais um facínora na presidência.
O grande tema da atualidade brasileira, neste 2023, portanto, é a abolição da escravidão.
O trabalho análogo à escravidão é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um crime contra toda a humanidade. É prioritário o seu enfrentamento e de responsabilidade dos países signatários dessas organizações globais. Cabe aos países garantir que essa prática milenar não mais aconteça.
Porém, faz-se necessário apresentar que a escravidão é uma prática política, como descreve a autora Lélia Gonzalez. O modelo de escravismo sobrevive na ordem do sistema capitalista, que visa expropriar a natureza na busca de matéria prima e explorar ao máximo toda capacidade produtiva de trabalhadoras e trabalhadores para diminuir os custos de produção referentes à força de trabalho.
A partir do levantamento de dados nacionais, a OIT estima que 50 milhões de pessoas estejam submetidas ao trabalho análogo à escravidão. O modelo do escravismo não se limita aos países africanos e asiáticos, sendo todos os anos apresentado situações em espaços industriais, na agricultura e no comércio também em países europeus e nos Estados Unidos.
No Brasil, em 2021, dados do então Ministério do Trabalho e Previdência indicam que foram libertadas 1.937 pessoas em condições de trabalho análogo à escravidão.
Não por acaso, diversas reportagens no país apresentam que diversos setores econômicos apostam ainda na escravidão como mão de obra para o trabalho. Seja nos galpões das grandes cidades, seja no campo. Ou mesmo nas residências da classe média, como o caso da mulher de 84 anos resgatada, em 2022, em condições análogas às de escrava, após 72 anos trabalhando como empregada doméstica para três gerações de uma mesma família no Rio de Janeiro.
Neste ano, na região de vinícolas de Bento Gonçalves ocorreu o maior resgate de trabalhadores violentados por essa prática, sendo mais de 180 homens em condições precárias de alojamento, sem acesso aos familiares, à higiene e à alimentação básica. No contrassenso, eram escravizados na produção agroalimentar na região da Serra Gaúcha, uma das mais importantes produtoras de vinhos e espumantes do país.
Em nota de posicionamento, o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves apresenta que a decisão das empresas ao apostar no trabalho escravo como integrante da produção é devido ao reflexo assistencialista das políticas sociais estatais, o que levaria aos brasileiros a não procurar se qualificar enquanto trabalhadores. Também argumenta a nota, é a partir de um projeto de direitos sociais instituídos e da ausência de modelos de mão de obra que o país não consegue desenvolver outras possibilidades de trabalho.
A nota de posicionamento serve como reflexo deste projeto político que apresenta o modelo de escravismo como condição de lucro e apropriação máxima do capital sobre o trabalho.
O Brasil, desde a invasão portuguesa a partir do século 16 teve como formação da mão de obra o trabalho escravo de povos indígenas e de negras e negros sequestrados de diversos países africanos. Somos o último país das Américas a abolir da nossa legislação o direito a escravização de pessoas. Mas a escravidão, além de prática constante, ainda permeia o imaginário da elite nacional.
O século 20 foi marcado pela luta dos trabalhadores por direitos trabalhistas, em embate com setores empresariais que criticavam a criação do salário mínimo e buscavam deslegitimar a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Já no século 21, mais especificamente na última década, a classificação do trabalho doméstico como um trabalho assalariado com direitos, fez com que a burguesia brasileira utilizasse da sua mídia, a mídia empresarial, para propor uma forte oposição frente ao direito de milhares de mulheres negras e pobres que se encontram ainda sob essa ocupação profissional.
O projeto de desmonte do governo Bolsonaro, como reflexo ao apoio das elites nacionais, desmantelou a fiscalização e extinguiu no seu primeiro ano de governo o Ministério do Trabalho. Em concomitância, os setores empresariais se beneficiaram das queimadas, da extração ilegal de madeira e minerais. Neste cenário também ocorreram perseguição às organizações defensoras do meio ambiente e de direitos humanos, que arduamente denunciaram tais medidas.
É necessário ampliar os concursos públicos para que o Estado tenha a capacidade política de se organizar e diminuir a influência dos interesses privados que tanto diminuem o seu poder fiscalizatório. Não haverá combate à escravidão sem a efetivação de políticas sociais. Estas só são possíveis a partir de um poder público comprometido com o seu papel de proteção social.
O tempo do desmantelamento precisa chegar ao fim. Caberá por agora, um projeto popular de Brasil, que reconheça a partir da sua formação social o reconhecimento das demandas e necessidades de sua população O Brasil precisa compreender que a ordem econômica deve estar umbilicalmente ligada a um novo projeto de sociedade.
Professora na UFMG, Lívia Miraglia analisa os casos recentes de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Neste sábado celebra-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão.
Em balanço divulgado no início desta semana, o Ministério do Trabalho apontou que foram resgatados 918 trabalhadores em condição de trabalho análogo à escravidão no Brasil no primeiro trimestre — número 124% maior do que no mesmo período do ano passado e um recorde histórico, considerando os últimos 15 anos.
Autora do livro Trabalho Escravo Contemporâneo: Conceituação à Luz do Principio da Pessoa Humana, a professora de direito Lívia Mendes Moreira Miraglia afirma em entrevista à DW que a visibilidade que a mídia tem dado aos casos nos últimos anos contribui para que haja avanços nessas operações de resgate.
"[Isso faz com que] as pessoas vejam que é possível denunciar, entendam o que é a escravidão contemporânea, consigam identificar essas situações e quais vezes elas mesmas são submetidas sem a total consciência do que é errado", diz ela, que é docente na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde coordena a Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas.
A conceituação chama esse tipo de exploração contemporânea de "trabalho análogo à escravidão" porque, explica Miraglia, a escravidão só pode ser assim chamada quando se refere a atos anteriores à Lei Áurea de 1888, quando o ordenamento jurídico brasileiro permitia a sua existência. Era, portanto, uma possibilidade lícita.
De lá para cá, esses abusos criminosos precisam ser tecnicamente tratados como formas que se assemelham, pela natureza, à escravidão. E basta que contenham ao menos uma das características para que se configure o crime. São elas: trabalho forçado, servidão por dívidas, submissão a condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas.
Neste sábado, 25 de março, em que se celebra o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Escravos, data instituída pela Organização das Nações Unidas pare recordar a tragédia de 400 anos de escravidão no mundo, Miraglia compara a escravidão histórica do Brasil com a contemporânea.
"A gente vê que várias formas de escravidão contemporânea ainda subsistem, acabam sendo a herança desse passado", diz.
Edison Veiga entrevista Lívia Miraglia
Lívia Miraglia
DW: Nesta semana, o Ministério do Trabalho divulgou dados recordes de regate de trabalhadores em situação de trabalho análogo à escravidão. O que explica esse salto nos casos?
Lívia Miraglia: Uma razão é o aumento do número de denúncias e, consequentemente, o aumento o número de resgates, de operações que vem sendo feitas. O que é de extrema relevância para demonstrar que as nossas instituições vêm funcionando e atuando de forma precisa e de forma bem combativa. Tem havido uma força-tarefa nesse sentido do Ministério do Trabalho, que é o coordenador das operações, junto ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério Público Federal e às polícias rodoviárias federais, para que as denúncia sejam efetivamente apuradas.
Há uma outra razão: esse aumento das denúncias se deve muito também a um trabalho que vem sendo feito por vocês da mídia, de dar destaque aos casos, de levar o assunto para a pauta, para que as pessoas vejam que é possível denunciar, entendam o que é a escravidão contemporânea, consigam identificar essas situações e quais vezes elas mesmas são submetidas sem a total consciência do que é errado. E há também a questão da crise econômica, que assola o mundo e já assolava o mundo antes da pandemia, e com a pandemia foi agravada.
Quem são os mais vulneráveis?
São pessoas de 18 a 35 anos, em sua maioria homens, com baixa escolaridade, negros e pardos. A gente sabe que há um contingente de pessoas que passam por miserabilidade e pobreza, que acaba se submetendo a qualquer tipo de trabalho, inclusive o análogo à escravidão. Se há uma perspectiva de miséria e fome, e de outro lado um trabalho qualquer, não dá nem para falar em escolha: a gente não escolhe entre morrer de fome e tentar sobreviver, simplesmente vai para onde se acredita que haja pelo menos alguma chance de melhorar um pouquinho.
Já é possível comparar a ação do atual governo nesse combate com a gestão anterior?
Estamos apenas em março, então fica difícil traçar um comparativo. Mas acho importante dizer que nos últimos quatro anos houve uma tentativa de desmonte da fiscalização do trabalho, da importância do Ministério do Trabalho. Na verdade, isso é anterior ao governo [Jair] Bolsonaro, começa lá com a extinção do Ministério do Trabalho [a pasta foi reestruturada por meio de medida provisória no governo Michel Temer em 2016, extinta no primeiro dia do governo Bolsonaro e recriada em julho de 2021].
Nos últimos seis anos, o Ministério do Trabalho sofreu de forma reiterada uma tentativa de desmonte, de redução de importância. Dito isso, é digno de nota o trabalho que com todas as dificuldades [os agentes da pasta] estão conseguindo fazer, com resgates em números recordes de trabalhadores. Fico pensando como seria se houvesse um investimento adequado na fiscalização do trabalho, talvez estivéssemos quase chegando à erradicação [do trabalho análogo à escravidão].
Neste sábado, a ONU convida a celebrar a memória das vítimas da escravidão. De que forma esse olhar ao passado contribui para sensibilizar com relação ao presente?
É preciso que a gente conheça o nosso passado para que a gente possa não repetir os mesmos erros e possa construir um futuro melhor. A gente vê que várias formas de escravidão contemporânea ainda subsistem, acabam sendo a herança desse passado de quase 400 anos de escravidão no mundo. Dessa subjugação de um ser humano pelo outro, dessa incapacidade que o ser humano tem de enxergar o outro como espelho.
Isso é muito relevante para que a gente possa pensar novas formas para mudar o nosso presente a partir da perspectiva da lembrança do que já foi feito, do que se permitiu fazer um dia na nossa história com uma outra pessoa.
De que forma essa memória precisa ser feita para que não relativize o ocorrido, tampouco não seja preconceituosa às vítimas e a seus descendentes?
É preciso fazer um resgate histórico para tentar contar essa história do nosso passado escravocrata não apenas a partir da visão do vencedor, do escravizador, dos povos que escravizaram. É preciso resgatar a memória daqueles que foram escravizados, dando voz para aqueles que conseguiram ser resgatados. E que não relativizemos o ocorrido, não reproduzindo preconceitos com a vítima nem seus decendentes.
É preciso fazer, de forma intelectualmente honesta, a recontagem do período da escravidão, para que consigamos enxergá-lo em sua complexidade. A gente não pode esquecer que houve, na verdade, uma tentativa de extermínio dessa população negra que veio ao Brasil como escravizada durante a escravidão e no período posterior à escravidão. E isso continuou e talvez continue até hoje.
Como interromper esse ciclo histórico?
Como diz a [historiadora e antropóloga] Lilia Schwarcz, é preciso evitar que o 13 de maio [Dia da Abolição da escravidão, em 1888] seja o dia mais longo da nossa história, tendo começado em 1888 e não terminado até hoje. Toda vez que a gente liberta alguém, legalmente falando, não basta que essa liberdade seja forma, não basta que ele ganhe a liberdade. É preciso que haja liberdade tanto formal quanto efetivamente, materialmente, porque se as condições de miséria e pobreza que levaram a pessoa a não ter escolha e a se submeter a essa situação continuarem, a gente vai continuar nesse ciclo.
As classes dominantes no Brasil são filhas naturais da Casa Grande, conservadoras, reacionárias, preconceituosas, autoritárias, violentas
por Francisco Calmon
As classes dominantes no Brasil são filhas naturais da Casa Grande, conservadoras, reacionárias, preconceituosas, autoritárias, violentas, entreguistas e cruéis.
É produto de um histórico de dominação/exploração e impunidade, desde os tempos da colônia.
Os mais de três séculos de trabalho escravo (foi o último país da América Latina a abolir, no papel, a escravatura), deixaram sequelas intensas na sociedade e marcas ideológicas nas classes dominantes.
Soma-se a esses 388 anos as tentativas de golpes contra a democracia e as ditaduras geradas e teremos como resultado a impunidade como marca nuclear e DNA da nossa história.
O que esperar dessas classes de cinco séculos de impunidade?
O capitalismo tardio, dependente, herdeiro de um feudalismo com características escravocratas, não incorporou a participação popular e nem rompeu por completo com as velhas estruturas sociais, o que explica, em parte, ainda no presente haver relações de trabalho escravistas, como agora os 200 trabalhadores, recrutados na Bahia para a safra da uva no RG. Descobertos por conta da denúncia de três deles que conseguiram fugir.
Uma operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), escoltada pela Polícia Federal (PF), libertou 212 trabalhadores que labutavam em condições análogas à escravidão na lavoura de cana-de-açúcar, em Goiás, nesta sexta-feira, 17.
Não são casos isolados, na década 1970/80 o emprego de trabalho escravo numa fazenda da Volks no sul do Pará foi descoberto, denunciado durante a ditadura, nada aconteceu, agora o caso voltou a ser investigado pelo MTE, é outro exemplo entre vários.
Novos ares com a derrota do ex-capitão genocida, vem estimulando as instituições e os movimentos socias a mais investigações, denúncias e processos.
Nos 388 anos de escravidão, os escravos se organizaram em diferentes e criativas formas de luta e resistência, nas fugas e na constituição de quilombos, mas, essa história foi abafada, falsificada. Ainda desconhecida da maioria da população.
O fim oficial da escravidão foi paradoxalmente desumano, pois os libertos de toda ordem se viram sem amparo e sem mercado de trabalho que os acolhessem dignamente.
A compleição de leis e regras do mundo do trabalho foi tardia e autoritária como também a conquista de direitos e de organizações sindicais.
A tutela do Estado nessa construção aparece como de cima para baixo, como dádivas dos governos.
Esperar das classes dominantes do Brasil, compromisso, entusiasmo ou apoio ao governo Lula, não é só por conciliação de classes e pensamento desejoso, mas, outrossim, por ingenuidade teórica ou má fé política de quinta-coluna.
Esperar empatia e bondade dessas classes com os necessitados é crer em Papai Noel.
A burguesa no mundo é cruel e sanguinária.
Quanto melhor for o governo para o povo e para o Brasil, mais engrossarão as críticas e tentativas de desestabilização.
Elas temem o sucesso do Lula e do PT.
Os ministros não têm correspondido em postura e narrativas as de Lula. Felizmente a presidenta do PT faz o contraditório no tom certo e necessário.
Uma das causas e talvez a principal é que muitos deles são pretensos presidenciáveis. O que tem levado Lula a deixar aberta a possiblidade da sua reeleição. Isso segura alguns, mas, estimula a outros do campo à direita.
A mídia golpista procura abrir uma cunha entre os ministros do governo, estereotipando uns e outros, formando imagens de ocasião à luz de seus interesses a serviço, notadamente, do mercado financeiro.
Nesse diapasão vão imprimindo estereótipos de bonzinho, de mauzinho e de feinho, em relação aos seus parâmetros.
Getúlio tentou fazer uma revolução social, levaram-no ao suicídio. Jango tentou, golpearam. Lula e Dilma foram tentando devagarinho, uma foi golpeada e o outro preso.
E Lula só concorreu em 2023 porque não encontraram outro com potencial para derrotar o genocida.
Não foi a súbita lucidez jurídica do STF e nem o arrependimento por terem sido partícipes do golpismo a redenção do Lula, foi por razões políticas.
Mesmo assim, a direita não se engajou na transferência de votos, pelo contrário, arriscaram a eleição, para que o resultado não empoderasse demais o Lula e o PT.
Merval Pereira levantou esse “perigo”, de uma vitória larga, várias vezes, no jornal Globo e na Globo News, sugerindo dosar o apoio.
E a vitória foi por uma diferença estreita de 1.8%, pouco mais de dois milhões de votos.
A semente da discórdia será exatamente o futuro 2026 no presente 2023.
Temo por tantos suplentes no Congresso, substitutos dos ministros convidados para compor o governo.
Congressistas de esquerda experientes estão no governo. Ocorre que o parlamento, as ruas e as redes sociais constituem os palcos principais na marcha da reconstrução da democracia.
Nos governos I e II de Lula o PT foi desfalcado, atrofiou-se, no III é a bancada da esquerda a subtraída.
Se por um lado, os ministros eleitos para o Congresso frustram em parte seus eleitores, que votaram para vê-los no Parlamento, por outro, no governo, são mais fortes no desempenho de suas funções, exatamente pela mesma razão. Enquanto os ministros sem voto necessitam mais do respaldo do Lula.
Com ou sem votos, todos os ministros precisam conhecer a história, para não esquecerem as lições e também dos protagonistas de outrora.
Conversar, sim, fazer acordos quando necessários, sim, ceder quando inevitável, sim, mas tratar adversários ideológicos a pão de ló, nem na curva da encruzilhada da desesperança.
Sem incorporar a participação popular não se rompe com as velhas estruturas sociais. Para isso, as pautas e embates institucionais devem ser também dos movimentos sociais. E cabe aos partidos fornecerem o combustível de agitprop às suas militâncias inseridas nesses movimentos.
Quando dormem e esquecem a hora, os militantes devem despertar as suas lideranças.
A hora é baixar imediatamente os juros!
Quem é favor dos juros baixos? Todos! Quem é favor dos juros altos? O mercado rentista.
A sociedade tem que ser a musculatura dessa empreitada contra os juros exorbitantes e por uma reforma tributária socialmente justa, e os movimentos sociais a sua vanguarda. A frente partidária de esquerda a direção.
E os sindicatos, quando vão despertar da burocracia?
A oportunidade de conjugar luta institucional com a luta social está dada.
E o presidente do Banco Central, bolsonarista desafeto do Lula, carece de escracho da sociedade civil organizada.
Nesse sentido saúdo a CUT que está convocando trabalhadores(as) e lutadoras(os) sociais para se manifestarem no dia 21, terça feira, em frente a cada sede regional do Banco Central, e, onde não houver, em local assemelhado, para exigir #jurosbaixos e #ForaCamposNeto.
Em meio a inúmeros resgates de trabalhadores em situação análoga a escravos, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, autointitulado “príncipe do Brasil”, tem colhido assinaturas para aprovar uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que prevê a extinção do Ministério Público do Trabalho (MPT) e das cortes de Justiça especializadas na área trabalhista. A proposta recolheu 66 assinaturas de parlamentares. A maioria dos apoiadores da proposta é composta por deputados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, estados onde ocorreram os casos mais recentes de violação dos direitos trabalhistas. Estará o Congresso de acordo com a impunidade do trabalho escravo no País? E mais: O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu que há grandes possibilidades de que ele seja condenado pelas mentiras contadas durante a reunião com embaixadores em Brasília e fique inelegível após julgamento do caso no Tribunal Superior Eleitoral. E ainda: As investigações sobre os atos golpistas em 8 de Janeiro fecham o cerco. E CPI no DF aprova a convocação do general Augusto Heleno.