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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

19
Mai23

CPI DO MST: Memórias da ditadura de 1964

Talis Andrade

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TRABALHADORES RURAIS

 

Antes do golpe, os trabalhadores rurais estavam num processo crescente de luta pela reforma agrária e por direitos sociais. Com a ditadura, a repressão conjunta de militares e latifundiários se abateu pesadamente sobre eles. Muitos foram presos e outros tantos assassinados. Mas, quando se fala sobre repressão e resistência nessa época, muitas vezes as lutas e as violações de direitos humanos ocorridas nas zonas rurais são esquecidas.

 

Ligas Camponesas

 

A partir do final dos anos 1940, o movimento de trabalhadores rurais começou a desenvolver um novo formato organizativo e de ação. Os movimentos baseados na linguagem religiosa ou no banditismo rural (como o Cangaço), expressões das tensões no campo, deram lugar a movimentos organizados com uma linguagem mais diretamente política, baseada na luta pela terra e por direitos sociais.

Surgiram nesse período as primeiras greves de trabalhadores assalariados nas usinas de açúcar da Zona da Mata de Pernambuco. Na década de 1950, conflitos isolados de camponeses posseiros assumiram caráter de luta armada, no Paraná. Depois, movimentos semelhantes puderam ser observados em Goiás, de 1948 a 1957, quando os posseiros foram vitoriosos, alcançando a legalização de suas terras.

As Ligas Camponesas eram uma forma de organização dos trabalhadores do campo, estimulada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), para levar adiante a luta por seus direitos. Elas começaram a existir em 1945, estabeleceram-se em vários municípios, e foram importantes no movimento pela reforma agrária no Brasil. Mas em 1947 o PCB foi colocado na ilegalidade e as Ligas Camponesas foram abafadas.

Só em 1955 elas ressurgiram no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. Inicialmente, para driblar as restrições à formação de sindicatos e ligas rurais, bem como escapar da repressão dos latifundiários, os camponeses organizaram a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPP). Uma sociedade com a finalidade de prestar assistência médica, jurídica e educacional às famílias, e formar uma cooperativa de crédito, para que os camponeses pudessem se livrar do domínio do latifundiário e para fins de auxílio funerário.

Ameaçados de expulsão, os camponeses se apoiaram na SAPP para resistir. Quando contrataram um advogado para fazer a defesa de seus interesses, protagonizaram um momento histórico para seu movimento. Isso significava que não estavam dispostos a se submeter às condições de trabalho impostas pelos latifundiários e assumiam que tinham direitos. Esse advogado se chamava Francisco Julião, deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

A luta demorou quatro anos, mas os camponeses acabam por conquistar suas terras. Nesse meio tempo, a SAPP organizou várias delegacias em outros municípios. O advogado Francisco Julião se tornou um dos organizadores e o principal líder do movimento.

As Ligas Camponesas se expandiram, em 1959 já eram 25 delegacias apenas em Pernambuco, e elas começaram a se espalhar por outros estados. Na Paraíba, surgiu a Liga de Sapé, com 10 mil filiados, a mais forte do país. Seu dirigente principal, João Pedro Teixeira, se tornou um líder nacional ao lado de Francisco Julião.

As Ligas defendiam a reforma agrária e se colocavam como organizações apartidárias, embora contassem em suas fileiras com militantes do PCB, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), da Ação Popular (AP) e com a participação de trotskistas.

Em 1961, já existiam federações das Ligas em dez estados e foi fundado o Conselho Nacional das Ligas Camponesas, com representação em treze estados. Houve um processo de articulação nacional que colocou a luta dos trabalhadores rurais em outra categoria, ela passou a ser feita não mais de ações isoladas, mas contando com uma forte organização.

Reforma agrária na lei ou na marra

Outro momento importante na luta dos trabalhadores rurais foi, em 1960, quando surgiu o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), no Rio Grande do Sul, com o apoio do governador do estado, Leonel Brizola, que era favorável à reforma agrária. Essa organização, que chegou a contar com 100 mil associados, conquistou algumas vitórias, como desapropriações de terras improdutivas e assentamentos.

Em novembro de 1961, realizou-se o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em Belo Horizonte, reunindo 1,6 mil participantes. Entre eles, estavam representantes da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), das Ligas Camponesas, do Master, do movimento estudantil e da ação católica. Os trabalhadores rurais ganharam espaço político: o governador Magalhães Pinto cedeu o local para a reunião, o presidente Goulart compareceu acompanhado de Tancredo Neves e defendeu a reforma agrária.

O PCB, a Igreja Católica, as Ligas Camponesas e o governo lutaram pela hegemonia de suas propostas dentro do movimento. Intensos debates se desenvolveram, centrados principalmente na questão da reforma agrária. Os representantes da Ultab criticaram a radicalização das ações, como o confisco de terra, e defenderam reivindicações trabalhistas e uma reforma agrária dentro da lei. As Ligas Camponesas, com o apoio do Master, divergiram e cunharam a palavra de ordem: “Reforma agrária na lei ou na marra”. Assim, empolgaram o plenário e, mesmo sendo minoria, conseguiram introduzir na declaração final do congresso uma posição que refletisse essa palavra de ordem. Em outros termos, se a reforma agrária não fosse aprovada, os camponeses a fariam de qualquer forma.

Em março de 1963, o governo Goulart assinou a lei que criava o Estatuto do Trabalhador Rural. Ele equiparava os direitos dos trabalhadores rurais aos dos urbanos, garantindo registro em carteira profissional, salário mínimo, horário de trabalho e descanso, férias anuais, 13º salário e direito à sindicalização.

Para fazer frente às Ligas Camponesas, o governo apoiou um movimento de sindicalização rural. Muitas delas trataram de se organizar e, em 1963, já se somavam 557 sindicatos de trabalhadores rurais. No mesmo ano, o governo federal iniciou uma verdadeira batalha parlamentar para aprovar a reforma agrária.

Paralelamente, as Ligas radicalizaram suas ações. Ocuparam engenhos e enfrentaram ataques policiais, como em Miri, na Paraíba, quando houve 10 mortos e 15 feridos. Essa radicalização não teve apoio suficiente e levou a um isolamento de Julião, o que fez com que as Ligas perdessem força. Os latifundiários promoveram perseguições e assassinatos de lideranças.

Um caso exemplar dessas ações de extermínio de lideranças foi o de João Pedro Teixeira. O presidente da Liga de Sapé, da Paraíba, foi assassinado em 1962. Sua mulher, Elisabeth, o substituiu na luta. Após o golpe de 1964 ela e toda sua família foram ferozmente perseguidos, como conta o célebre documentário de Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer (continua)

16
Mai23

Mística da luta por direitos e como se constrói militantes

Talis Andrade

 

Mulheres indígenas ocuparam Brasília em defesa dos seus direitos. Foto: Tiago Miotto/Cimi

 

por frei Gilvander Moreira

Desde a publicação do livro Um discurso sobre as Ciências(1995), o pensador Boaventura de Sousa Santos aponta para a necessidade de um Pensamento Pós-Abissal por ser o rompimento com o sentimento e a lógica de colônia. De acordo com Boaventura Santos, precisamos criar as condições científicas e objetivas das mudanças sociais necessárias em um mundo que não pode se transformar em Europa e muito menos em Estados Unidos ou Japão.

A luta pela terra no campo e na cidade é imprescindível para se interromper a espiral de violência social e um círculo vicioso mostrado por Boaventura: “Direitos humanos são violados para poderem ser defendidos, a democracia é destruída para garantir a sua salvaguarda, a vida é eliminada em nome de sua preservação. Linhas abissais são traçadas tanto no sentido literal como metafórico” (SANTOS, 2010, p. 44).

A luta pela terra no campo e na cidade, que se pretende emancipatória, precisa fomentar a luta pela construção de uma sociedade justa e solidária, de todos e todas, no campo e na cidade, e, assim, colocar em luta coletiva de forma sincronizada, em unidade, os/as camponeses/as e a classe trabalhadora da cidade. Só assim se fortalecerá o processo de emancipação humana e social tanto dos camponeses e camponesas quanto dos/as trabalhadores/as cada vez mais superexplorados/as na cidade, na fábrica e nas ruas, com a terceirização e uberização da economia, inclusive.

Nos processos de nucleação das famílias na luta pela terra, seja no acampamento ou na ocupação urbana, seja no assentamento ou em uma comunidade urbana periférica, delegando tarefas a todos/as, discutindo tudo em reuniões e assembleias, os Sem Terra e os Sem Teto promovem pequenas emancipações, necessárias para sustentar as médias e grandes emancipações. Nesse processo, “quem nunca abria a boca, de repente vira locutor da rádio do acampamento; quem se dizia tímido vira referência de negociador com o governo; quem era considerado o fofoqueiro da comunidade de origem vira articulador das propostas na base […]” (CALDART, 2012, p. 184). Nas lutas concretas por terra, moradia e por território e por outros direitos, cegueiras são curadas, sujeitos militantes são construídos.

Essa emancipação de base ocorre enquanto se vivencia na prática democracia real de base. Nas reuniões, nas assembleias, nas lutas coletivas, em trabalhos domésticos feitos também pelos companheiros e na convivência do dia a dia aprende-se que para poder participar é preciso saber ouvir, respeitar a opinião dos/as companheiros/as, da/o esposa/a, dos filhos e das filhas, dos Sem Terrinha, das crianças Sem Teto e dos que se somam à luta coletiva. E se aprende que o que é construído pelo coletivo, com a participação de todos/as, será mais facilmente adotado por todos/as que se sentirão corresponsáveis pela execução do que for planejado e decidido conjuntamente.

Vital também como pedagogia de emancipação humana é “o exercício dos princípios da direção coletiva, da distribuição de tarefas, da autocrítica permanente, da autonomia política…; ao cultivo de valores humanistas e de uma mística que forma as pessoas para o exercício da utopia” (CALDART, 2012, p. 207).

Sem mística emancipatória não há luta pela terra, por moradia e por território que se torne emancipatória, mas não basta qualquer tipo de mística. É necessário mística libertadora[1] que mexa com as entranhas dos Sem Terra, dos Sem Teto, dos Povos Originários e das Comunidades Tradicionais como tempero da luta, sal na comida, fermento na massa, luz nas trevas, e paixão que anime as/os militantes na luta pela terra, pela moradia, por território, porque alimenta a índole revolucionária das/dos combatentes transformando todas/os em cativadoras/res de novas/os lutadores/as. Nesse sentido, diz Peloso, ao afirmar que a mística é a alma do combatente: “Há pessoas e grupos que vivem tão fortemente as suas convicções que passam a semear um entusiasmo contagiante. Essas pessoas caminham na vida com tanta esperança que parecem enxergar a certeza da vitória. E com o tempo, elas vão ficando mais destemidas, mais disponíveis e mais carinhosas. Mesmo no meio da maior escuridão elas continuam anunciando e celebrando a chegada da aurora. Que força teimosa é essa que perturba o ódio dos inimigos e envergonha a mesquinhez dos que se dizem companheiros?” (PELOSO, 1994, p. 3).

O fazendeiro e empresário Adriano Chafik Luedy, no banco dos réus, no Fórum Lafaiete, em Belo Horizonte, MG, dia 11 de outubro de 2013, ao ser interrogado pelo juiz por que comandou pessoalmente um grupo de jagunços na realização do massacre de cinco Sem Terra em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, MG, respondeu: “Eles tinham invadido minhas terras, mas as cantorias dos Sem Terra estavam me irritando há dois anos. Eu não tolerava mais aquela cantoria dos Sem Terra”. Também no mesmo sentido um espião das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no filme O anel de tucum, informa ao seu mandante: “Eles (o povo das CEBs) têm sempre aquela cantoria maldita e estão sempre animados comemorando não sei o quê” (ANDRÉ, espião no filme O anel de tucum).[2]

Para os opressores é difícil entender esta luta dinâmica e grandiosa por direitos que vai muito além do que seus olhos cegados pela ideologia dominante, porque tem a ver com alma, com vida, e por isso, vitoriosa!

Referências

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

PELOSO, Ranulfo. A força que anima os militantes. São Paulo: MST, 1994. Disponível em http://www.mstemdados.org/sites/default/files/A%20for%C3%A7a%20que%20anima%20os%20militantes.pdf

SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Cortez Editora, 2010.

1 – “Só com organização e luta coletiva se impede despejo”. Ocupação Pingo D’água, de Betim/MG

2 – ACAMPAMENTO PÁTRIA LIVRE/S.JOAQUIM DE BICAS,MG: ORGANIZAÇÃO, CONSCIÊNCIA SOCIAL E ECOLÓGICA

3 – Mística e espiritualidade libertadora na Pré-Jornada da Agroecologia de MG, na Teia dos Povos de MG

4 – Dep. Célia Xakriabá (PSOL/MG) na UFMG: “Indigenizar a cidade e a Política. Aquilombar, sim! Mística!

5 – Mística indígena na luta contra despejo no Jd. Ibirité, Ibirité/MG. MRS demoliu 36 casas. Injustiça!

6 – Mística no Encontro de Povos no Assentamento Padre Jésus, Espera Feliz, MG. Mayô

7 – 4 anos da Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte: Organização, Luta e Resistência


[1] Sobre “a religiosidade e a mística nas vivências dos sem terra” confira SILVA, Rita de Cássia Curvelo. Práxis política no MST: produção de saberes e de sabedoria. Tese (Doutorado em Educação).  João Pessoa: UFPB, 2008, p. 67-70.

[2] Cf. O anel de tucum. Filme dirigido por Conrado Berning. São Paulo: Verbo Filmes, 1994. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=55blfFGeyPc

02
Mai23

"É uma CPI de perseguição política ao MST"

Talis Andrade

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Terras sem povo, povo sem terra — Humanista

 

Coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues avalia que comissão servirá de "palco para latifundiários" e tem objetivo de intimidar luta pela terra e paralisar políticas públicas do governo Lula no campo. CPI contra os sem terra manobra golpista da extrema direita

 

A criação de uma CPI na Câmara que investigue as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é encarada com preocupação por uma de suas lideranças. "Se ela acontecer, acredito que será violenta contra nós", afirmou em entrevista à DW Brasil João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do movimento, durante evento da organização no sábado (29/04), na região central de São Paulo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) leu, na sexta-feira (27/04), o requerimento para abertura de CPI proposta pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e com apoio da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Para que a comissão seja de fato instalada é preciso que os blocos partidários indiquem seus representantes. A tendência é que nomes da bancada ruralista tenham predominância no colegiado.

A iniciativa no Congresso para avaliar a estratégia do MST acontece após uma série de ocupações pelo país durante o mês de abril, como as ocorridas em uma fábrica da empresa Suzano, na Bahia, e de uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Pernambuco. Os atos não foram bem recebidos no governo Lula. O atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), chegou a comparar a atuação dos sem-terra com os atos golpistas de 8 de janeiro.

João Paulo Rodrigues afirma que o embate com setores do governo é normal diante da expectativa criada dentro do MST após a vitória lulista. "O governo é nosso. O que nós achamos é que já são quase 120 dias da posse e estamos esperando que nossas pautas sejam respondidas o quanto antes. A luta pela terra exige urgência, porque queremos ter terra, crédito e produzir comida."

 

Guilherme Henrique entrevista João Paulo Rodrigues 

 

DW Brasil: Como avalia a criação da CPI na Câmara dos Deputados contra o MST e como ela pode atingir o movimento?

João Paulo Rodrigues: Nós estamos preocupados. É uma CPI de perseguição política ao MST e totalmente desnecessária. Não há fato e nem objeto definido do que ela vai investigar. É uma CPI preventiva sobre o que o movimento vai fazer no futuro. É um instrumento importante do Congresso, isso não se discute.

Mas, da forma como esse mesmo Congresso está atuando contra o MST, é perigoso, porque está servindo de perseguição. Será nossa quinta CPI e nossa preocupação não se dá por aquilo que fazemos, mas porque essa comissão servirá de palco para a direita e para os latifundiários nos atacarem.

 

Há desinformação sobre o papel do MST?

Eles sabem o que nós fazemos e por isso nos atacam. Há consciência do nosso trabalho. É a Frente Agropecuária, que sabe que o MST está no caminho certo para a democratização da terra, e por isso precisam nos deter. Por que não atacam o movimento sindical?

O ataque é no MST, porque eles sabem da importância pública que o movimento conquistou e que coloca medo no agro. Nós criamos a capacidade de dialogar com a sociedade e mostrar o que o agro faz de errado. E por isso eles não podem deixar barato.

 

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, você disse que o MST vai contestar a CPI no Supremo Tribunal Federal caso ela avance no Congresso. Como isso pode ser feito e sob qual argumento?

Nós estamos reafirmando a necessidade de um debate público antes da CPI sobre a função social da propriedade no Brasil, que é o nosso argumento nesse caso. O direito à propriedade na Constituição de 1988 está ligado a um direito de preservação ambiental, bem-estar, de garantia às leis trabalhistas e à produtividade.  O MST nunca ocupou nenhuma fazenda que esteja atuando dentro desses requisitos.

O MST ocupa propriedades flagradas com trabalho escravo, que são devedoras da União, que desmatam ou ocupam terra pública, como é o caso da Suzano. Então, nós estamos muito tranquilos sobre nossa atuação. O problema é que nós não podemos achar que só vale a nossa compreensão das coisas. Os parlamentares no Congresso, o Judiciário, todos precisam entender que a função social da terra é tão importante quanto o direito à propriedade.

 

A base do governo na Câmara é suficiente para barrar ou ser atuante na CPI?

Ainda estou na perspectiva de que ela não aconteça. Se ela acontecer, acredito que será uma CPI violenta contra nós, que vai tentar intimidar a luta pela terra, mas que também tem como objetivo perseguir e constranger o governo Lula, para que a atual gestão não realizar nenhum tipo de política pública no campo.

 

Qual o saldo da Jornada de Lutas e das ocupações ao ocorridas ao longo de abril?

É positivo, porque deixou claro que nós estamos na luta pela reforma agrária. Não se pode existir dúvida de que esse é o objetivo do MST e em suas ações. Além disso, mostrou que o movimento tem autonomia em relação ao governo e o governo em relação ao movimento. É bom para não misturar as duas coisas.

Outro ponto é que mobilizamos nossa base social para que todos estivessem inseridos na luta. Agora, a verdade é que saímos da jornada sem nenhuma conquista econômica do governo, que não anunciou nada para nós até agora. Ainda assim, o balanço político é positivo.

 

Como é relação com o governo Lula? As críticas às ações em Suzano e na Embrapa surpreenderam?

O MST está acostumado a esse embate. O que nos preocupa é quando o governo ou setores do Congresso acham que o movimento não é mais uma organização de luta pela terra, mas uma grande cooperativa de produção de comida. É também. Mas o nosso foco principal continua sendo a luta pela terra.

 

O MST espera algo do governo Lula?

Claro, o governo é nosso. O que nós achamos é que já são quase 120 dias da posse e estamos esperando que nossas pautas sejam respondidas o quanto antes. A luta pela terra exige urgência, porque queremos ter terra, crédito e produzir comida. Essa é a nossa vontade que precisa avançar.

Governo é que nem feijão: só funciona na pressão. E o governo sabe disso. Para que uma conversa com Lula vire política pública demora meses, às vezes anos, porque o Estado é feito para não atender os pobres. Pressionar esse sistema é uma forma de tentar avançar.

 

Como vê o futuro do MST?

O MST precisa estar atento a um novo período, que é de atualização. Como fazer ocupação? Como explicar para a sociedade melhor o que nós fazemos? Antes demorava 24 horas para sair na imprensa uma ocupação nossa. Agora é tudo online, e às vezes não dá tempo de nós explicarmos os motivos de uma determinada ação.

O MST vai precisar cuidar mais desse diálogo e a jornada nos mostrou isso. E acredito que o MST precisa unificar e comunicar melhor a ideia de que produção, cooperativa, agroindústria e ocupação são ações que estão juntas. Não há outro jeito. É um esforço na construção de uma narrativa política na sociedade que não criminalize a ocupação de terra e nem coloque o MST como uma grande ONG produtora de comida.

 

As ocupações vão continuar?

Isso é a vida do movimento. Hoje mesmo nós tivemos duas ocupações: uma no Rio Grande do Norte e outra na Bahia. Tem terra e pessoas sem-terra, nós vamos agir. Agora, o que não há é uma grande jornada marcada para as próximas semanas. O MST não pretende anunciar grandes operações, mas também não vai ficar parado. A rotina do movimento de ocupar latifúndio improdutivo vai seguir. 

 

Quais são as estratégias do MST contra a escalada de violência no campo?

Esse é um tema que nos deixa preocupados e apreensivos, porque tem muito fazendeiro armado no Brasil. A única forma de lidarmos com isso é fazer com que toda e qualquer ocupação seja feita dentro do campo da democracia e constituição. Não pode ser clandestina.

A lei está do nosso lado, no que já falei sobre a função social da terra, e nós temos que denunciar e mostrar os ataques sofridos. O país não pode se transformar em um grande pavio pólvora com conflitos sociais a todo momento.

 

02
Mai23

'EXAGERO' E 'REALIDADE RÚSTICA': LEIA O QUE ESCREVEM DESEMBARGADORES E JUÍZES AO INOCENTAR PATRÕES ACUSADOS DE TRABALHO ESCRAVO

Talis Andrade
 
 
 
Sorriso Pensante-Ivan Cabral - charges e cartuns: Charge: Trabalho escravo

Tribunal com mais casos do tipo, TRF-1 inocentou 99,52% dos acusados de submeter pessoas a condições análogas à escravidão.


HÁ QUASE 18 ANOS, uma operação de auditores fiscais do trabalho resgatou 43 pessoas da fazenda de Marcos Nogueira Dias, o Marcão do Boi, na zona rural de Abel Figueiredo, no Pará. O fazendeiro era conhecido como um dos mais ricos do sudeste do estado. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o MPF, os trabalhadores bebiam água fétida, comiam carne podre de vacas que morriam no parto, não tinham salário e recebiam bebida alcoólica como pagamento. Eles também tinham que comprar produtos de higiene superfaturados do patrão e eram submetidos a jornadas exaustivas “em sol escaldante”, inclusive nos feriados e fins de semana. 

Era evidente a condição de trabalho degradante e análoga à escravidão, de acordo com o MPF. Mas, para o desembargador Olindo Menezes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o TRF-1, essas circunstâncias não eram degradantes, mas apenas comuns ao trabalho rural, que tem “o desconforto típico da sua execução, quase sempre braçal”, e não se caracterizavam como algo que “rebaixa o trabalhador na sua condição humana”. 

Seus argumentos convenceram os outros desembargadores da 4ª turma do TRF-1 a absolver Marcão do Boi em 2019. Ele chegou a ser condenado a cinco anos de prisão pela Vara Federal de Marabá. O juiz Fábio Ramiro, relator convocado que analisou o recurso na segunda instância, propôs aumento da pena para seis anos, mas o voto do desembargador Menezes mudou o rumo do processo. 

Ele alegou que o caso deveria ser melhor analisado, pois muitas denúncias de condições análogas à escravidão tinham como base apenas os levantamentos feitos pelos fiscais do Ministério do Trabalho, que “são muito ardorosos e, normalmente, feitos por pessoas que não têm a menor noção do que é um trabalho no meio rural. Os exageros, em muitos casos, são evidentes”, justificou, pedindo mais tempo para decidir seu voto.

Quando se manifestou, alguns meses depois, o desembargador Menezes votou pela absolvição de Marcão do Boi. Para o magistrado, as denúncias mencionadas na sentença, como os alojamentos insalubres, a falta de água potável, a comida podre “devem ser vistos dentro da realidade rural brasileira”, em que os patrões “não raro” também se submeteriam a tais condições, na visão de Menezes. O fazendeiro, contudo, já havia informado que só ia ao local onde os trabalhadores estavam “a cada trinta ou sessenta dias”. Era a sua defesa para alegar não ter conhecimento das condições precárias. 

Muitos operadores do direito, argumentou ainda o desembargador, “se contentam com os desconfortos mais comuns do trabalho rural para dar por configurado o trabalho análogo ao de escravo” quando seriam na verdade situações “comuns na realidade rústica brasileira” sem “gravidade intensa que implique a submissão dos trabalhadores a constrangimentos econômicos e morais inaceitáveis”. Marcão do Boi morreu em 2021, executado por pistoleiros, sem nunca ter sido preso pelo caso. 

Argumentos assim são recorrentes nas manifestações do desembargador. Encontrei ao menos outros quatro processos em que o magistrado votou pela absolvição do acusado, relativizando a denúncia por conta do lugar ou do tipo de trabalho realizado. As condições no meio rural, como em carvoarias ou em fazendas de café, segundo ele, são “duras pela própria natureza da atividade” e, por isso, não devem ser confundidas com trabalho análogo à escravidão. 

“A condenação somente se justifica em casos graves e extremos, sem razoabilidade, quando a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, alçando-se a níveis gritantes”. 

Não era o caso de trabalhadores de uma carvoaria submetidos pelo acusado a exaustivas 12 horas diárias de trabalho. Na interpretação de Menezes, tratava-se apenas de uma jornada “um pouco acima daquela prevista em lei, e realizada como forma de aumentar a produtividade”, como afirmou em um processo de 2013. 

Em processo de 2011, como os trabalhadores ficaram poucos dias submetidos à situação degradante justamente pela ação de resgate do Ministério Público do Trabalho, o desembargador minimizou a denúncia. No entendimento dele, como os trabalhadores ficaram menos de 30 dias nas condições descritas na denúncia, não havia justificativa para “imputação de trabalho escravo”. 

Menezes ainda considerou favorável aos trabalhadores quando o empregador deixou de pagar R$ 40 por cada alqueire roçado – uma medida que, no Pará, equivale a cerca de 2,5 campos de futebol – para pagar R$ 25 a diária. Segundo o magistrado, o acusado teria constatado que levaria vários dias para executar o trabalho e entrou em acordo com relação ao novo valor. “O que parece ter constituído um benefício para os trabalhadores e não um malefício, como quer fazer parecer a acusação”.

Considerando apenas o salário bruto, o magistrado ganha quase R$ 1,2 mil por dia, inclusive quando não trabalha, como em feriados e fins de semana. Seu salário mensal fixo é de R$ 35,4 mil, mas devido a algumas gratificações e benefícios como auxílio alimentação, nesse mês de março, ele recebeu, já com os descontos, R$ 37,4 mil. 

Procuramos o desembargador Menezes por meio da assessoria de imprensa do TRF-1 e informamos os números de todos os processos analisados, bem como os trechos que destacamos nesta reportagem, para que ele pudesse se manifestar. O magistrado, contudo, não respondeu a nenhum dos seis questionamentos.

Vale ressaltar que, juridicamente, não existe a figura do trabalho escravo, mas sim a do trabalho em condições análogas à escravidão, já que, a nível oficial, a escravidão acabou com a Lei Áurea, em 1888. No entanto, o Intercept tomou a decisão de usar a expressão, entendendo que a imposição de um regime de trabalho degradante, com jornadas exaustivas e sem o devido pagamento salarial não pode ser chamada de outra forma, senão de trabalho escravo.

Para o desembargador Olindo Menezes, trabalhadores que recebiam água fétida, carne podre e não tinham salário não estavam em situação degradante. Foto: José Alberto/STJ

 

A culpa é da vítima 

Segundo Lívia Miraglia, coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, a falta de sensibilidade com processos como esses se explica porque o Judiciário é majoritariamente elitista, branco e masculino. 

“As pessoas que trabalham nesse poder estão muito distantes da realidade dos brasileiros que são submetidos à condição de trabalho análoga à escravidão. Há um espelhamento maior do Judiciário com os empregadores julgados do que com os trabalhadores”. 

A clínica coordenada por Miraglia, junto com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, também da UFMG, traçou um raio-x das ações judiciais de trabalho escravo. O levantamento de quase 1.900 ações iniciadas entre 2008 e 2019 constatou que o TRF-1 é o tribunal federal que mais absolve os acusados de trabalho análogo à escravidão na segunda instância – apenas 0,48% deles foram condenados. Dos 293 empregadores condenados por juízes da primeira instância, o tribunal absolveu 254, o equivalente a 86,7%. 

Abrangendo os estados da Amazônia Legal, um área de intenso conflito agrário, o TRF-1 tem o maior número de acusados por trabalho análogo à escravidão – 1.943, quase sete vezes mais que a quantidade de acusados no TRF-3, que aparece em segundo lugar. Já o Pará, estado de Marcão do Boi, tem o maior número de empregadores incluídos na lista suja do trabalho escravo – 152 pessoas.

A impunidade, segundo Miraglia, leva os empregadores a concluírem que compensa submeter pessoas à situação degradante. “A falta de punição impede a perspectiva de mudar esse cenário no presente e no futuro, porque o crime continuará sendo praticado”. 

O próprio fazendeiro Marcos Nogueira Dias entrou na lista duas vezes quando estava vivo. Três anos depois dos 43 trabalhadores serem resgatados em Abel Figueiredo, 11 pessoas foram libertadas em outra fazenda dele, dessa vez localizada em Rondon do Pará. 

Mapeei ao menos 17 processos em que magistrados do TRF-1 absolveram acusados de submeter pessoas a trabalho escravo em suas decisões. Oito deles têm manifestação do desembargador Menezes, mas também aparecem na lista outros nomes, como o do juiz Leão Aparecido Alves, que atuou como relator convocado em alguns processos em segunda instância – para ele, a solução do problema, nesses casos, parece caber às vítimas.

 

Para Fachin, é inconstitucional usar a região como critério para caracterizar um trabalho como degradante.

Em uma ação de 2009, ele votou pela absolvição do réu porque, entre outros argumentos, não foi apresentado teste para comprovar que a água era imprópria para consumo. Além disso, escreveu que “os trabalhadores não estavam impedidos de ferver a água a ser por eles consumida”. 

Em outro processo, de 2011, ele concordou com a decisão do juiz de primeira instância que absolveu o réu. Para os magistrados, o trabalho degradante e a jornada exaustiva só indicam que o trabalhador foi submetido à condição análoga à escravidão se ele for vítima de violência ou efetivamente privado de liberdade por meio de agressões ou ameaças. De outra forma, é livre para “abandonar o local e buscar melhores condições de trabalho”.

Procurado por meio da assessoria da justiça federal de Goiás, o juiz Alves respondeu que seu voto foi acompanhado nos dois processos, por unanimidade, pelos demais integrantes da Terceira Turma do TRF-1, resultando em decisões unânimes. Com relação ao processo de 2009, ele argumentou, entre outras coisas, que os trabalhadores “nunca foram constrangidos ou ameaçados e não se consideravam escravos” e que “os tribunais têm decidido que o simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo”.

Sobre o processo de 2011, ele disse que as testemunhas não relataram “o uso de violência contra os trabalhadores pelo empregador ou prepostos ou a presença de segurança armada na fazenda, tampouco noticiaram a existência de servidão por dívida ou o impedimento de deslocamento dos trabalhadores”. O magistrado acrescentou ainda que “condena quando há prova acima de dúvida razoável, e, em sentido oposto, absolve quando inexistem provas aptas a expurgar a dúvida razoável”.

Existe, de fato, um entendimento consolidado no meio jurídico de que o trabalho escravo se caracteriza pela privação de liberdade por meio de violência para forçar a permanência da vítima contra a sua vontade. A falta de provas de que as pessoas se sentiam como escravas, aliás, é um dos argumentos que se repetem para absolver os réus em todos os tribunais, de acordo com levantamento de que Miraglia participou. Nas 26 decisões analisadas, os magistrados alegaram que o consentimento da vítima afastaria o delito praticado.

Para a pesquisadora, esse entendimento só comprova quão distantes desembargadores e juízes estão da realidade de um trabalhador, por estranharem que ele não abandone o local de trabalho quando se percebe explorado ou, ainda, que não tenha ciência do crime a que é submetido. “Parece uma situação fácil de ser resolvida. Se não está bom, basta ir embora. É o que essas pessoas fazem nas situações que lhes incomodam. Mas, para muitos brasileiros que precisam de qualquer coisa para sobreviver, não é bem assim”.

No seu voto a favor da condenação de Marcão do Boi, o juiz e relator convocado Fábio Ramiro citou a sentença do juiz de primeira instância para caracterizar o trabalho degradante como “aquele que priva o trabalhador de dignidade, que o desconsidera como sujeito de direitos, que o rebaixa e prejudica, e, em face de condições adversas, deteriora sua saúde”. Segundo o magistrado, a coação moral pode ser mais efetiva que a força física para manter a vítima em condição análoga à escravidão, principalmente quando o empregador lhe impõe dívidas, impedindo seu desligamento do serviço.

112 condenações em mais de 10 anos

De acordo com o raio-x das ações judiciais, as equipes de fiscalização resgataram mais de 20 mil trabalhadores de 2008 a 2019 e mais de 2,6 mil empregadores foram acusados por trabalho análogo à escravidão, mas apenas 112 foram condenados definitivamente – os magistrados absolveram, em primeira instância, quase metade dos acusados por falta de provas. A maior pena de prisão, após o processo transitado em julgado, foi de 11 anos e seis meses.

Mesmo assim, há quem afirme em suas decisões que há exagero nas leis trabalhistas. É o caso da desembargadora Cláudia Cristina Cristofani, do TRF-4. Assim como o desembargador Menezes, ela enfraquece as denúncias usando o mesmo argumento de serem características do meio rural. Em um processo de 2013, do qual foi relatora, a magistrada afirmou que as condições de alimentação e alojamento dos trabalhadores eram precárias, “quando considerados os padrões, elevados e irrealistas, requeridos pelas normas trabalhistas” e que “o empregador rural se vê obrigado a reduzir custos, a fim de manter um lucro cada vez menor”. Por isso, disse no seu voto pela absolvição do acusado, não era “razoável dar relevância criminal ao fornecimento de condições de trabalho idênticas às condições de habitat da localidade em que a atividade estava sendo prestada”. 

Procurada por meio da assessoria de imprensa do TRF-4, a desembargadora não se manifestou.

Em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux reconheceu a repercussão geral de um pedido de recurso extraordinário do MPF para debater o acórdão do TRF-1 que absolveu Marcão do Boi. Os procuradores querem o reconhecimento das condições retratadas nos autos como degradantes e afirmam que a absolvição “pode estimular o empregador rural, proprietário de fazenda no interior, a cada vez mais tratar os seus empregados de forma desumana”. O relator do processo no STF é o ministro Edson Fachin, que defende ser “inconstitucional a diferenciação regional dos critérios para caracterização do trabalho como degradante”. 

 

Se a água era imprópria para consumo, ‘os trabalhadores não estavam impedidos de ferver’.

O procurador-geral da República Augusto Aras concorda com a tese de Fachin. “A efetivação dos princípios da dignidade humana, da erradicação da pobreza e da redução das diferenças econômicas e sociais direciona-se no sentido de proteger o padrão de vida e as condições de trabalho minimamente satisfatórias nas diversas regiões brasileiras, de modo a equalizar a situação do trabalhador em todas as localidades do país”, disse o PGR, em fevereiro de 2022, em sua manifestação no processo.

O procurador também recomendou o restabelecimento da sentença de prisão de Marcão do Boi pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal, ou seja, por submeter pessoas a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, sujeitá-las a condições degradantes e à restrição de locomoção. Mas quando tudo isso aconteceu, já era tarde demais para o fazendeiro ser punido pelo rigor da lei.

Correção: 3 de abril, 17h06
Uma versão anterior deste texto falava em fiscalizações feitas pelo Ministério Público do Trabalho. O órgão correto é o Ministério do Trabalho.

Correção: 10 de abril, 10h28
Corrigimos a comparação de um alqueire roçado a campos de futebol de acordo com o alqueire do Norte.

30
Abr23

MST invade as terras dos quilombolas? As terras dos povos indígenas?

Talis Andrade
 
 

Moradores de Alcântara, no Maranhão, pedem a saída das Forças Armadas do local. Foto: Mabe Alcântara

 

QUILOMBOLA EMPREENDE E PERDE TERRA POR FORÇAS ARMADAS JULGAREM AÇÃO MODERNA DEMAIS PARA COMUNIDADE TRADICIONAL

Militares derrubaram restaurante no Maranhão, alegando que dono 'enriquecia às custas' da União com empreendimento que beneficiava a comunidade.

O corpo indígena chama mais atenção segurando um celular do que sequestrado, estuprado e morto – Woia Xokleng 

Eu li essa frase há algum tempo no Twitter, no contexto do desaparecimento dos Yanomami, e nunca mais a esqueci. Ela é a definição exemplar de uma sociedade que continua a cobrar comunidades como as indígenas e quilombolas a manter suas tradições quando vivem o mesmo desemprego, acesso precário ao sistema de saúde, violência, insegurança alimentar, uso necessário de tecnologias, etc. que o resto de nós. Isso é racista e se refere especialmente a indígenas e comunidades tradicionais de todo o país, como as quilombolas. Para muita gente, elas só são “autênticas” se aparecem com arco e flecha ou vivendo em palhoças, comendo farinha para sobreviver. 

Essa percepção discriminatória atravessa todo o pedido de reintegração de posse número 1003280-80.2022.4.01.3700, no qual a Força Aérea Brasileira, a FAB, via Advocacia-Geral da União, a AGU, solicita que uma área de aproximadamente 12,5 mil metros quadrados em Alcântara, no Maranhão, seja “devolvida” aos militares. A cidade é um dos maiores territórios quilombolas do Brasil, com cerca de 200 comunidades.

As aspas acima têm uma razão: a área em questão já foi reconhecida como território quilombola. Falta apenas a titulação. Voltarei ao assunto.

O pedido feito pelos militares do Centro de Lançamento de Alcântara, a CLA, foi motivado pela presença de um restaurante construído na casa de Moisés Costa Santos, de 36 anos, morador da área quilombola de Vista Alegre, onde vivem cinquenta famílias, em uma terra em disputa judicial. Ele começou a organizar o negócio no começo de 2020, prevendo o período difícil da pandemia, e passou a expandi-lo  conforme as medidas de distanciamento foram diminuindo. Deu certo: Vista Alegre está localizada em uma das praias mais bonitas de Alcântara, e o fluxo de visitantes ajudou Moisés e outros moradores que trabalhavam no restaurante Vista del Mar a sobreviver. 

Moisés levantou um galpão e alguns quiosques e passou a divulgar o negócio nas redes sociais. Hoje, suas postagens no Instagram e no Facebook são usadas contra ele e constam no pedido de despejo feito pelos militares. Eles já foram devidamente atendidos: em 29 de março, as Forças Armadas e o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegaram ao local com bombas de efeito moral e balas de borracha, concentrando um helicóptero e cerca de 50 viaturas, segundo moradores. Uma das balas atingiu o rosto de uma criança, sobrinha de Moisés. De acordo com os quilombolas, duas casas, o restaurante e dois quiosques foram derrubados.  

Foto: Quilombolas de Vista Alegre

 

“Era um um pequeno restaurante de um morador, nascido e criado aqui. Sua utilização e gestão eram feitas por toda a comunidade. Não tem nada que nos impeça de ser empresários. Achar que quilombola não pode ser empreendedor é tão racista quanto nos negar a terra“, afirmou o cientista político Danilo Serejo, também de Alcântara. Serejo chama atenção para o que chama de aparato de guerra movimentado para o despejo. “A comunidade fica em área estratégica, em uma das melhores praias. Aí, o estado mobiliza toda essa força, a Polícia Federal, a Polícia Militar e até a polícia da Aeronáutica. Foi um poder de ação que extrapolou os limites do restaurante. A reação se deu não só em proteção ao dono do empreendimento, mas de um negócio que beneficiava toda a comunidade”.

Desde que começou a expandir o restaurante, Moisés conta que passou a sofrer pressão do CLA, que primeiro pediu um alvará de funcionamento da empresa, e, posteriormente, a desocupação do imóvel. “Achamos que a gente deveria expandir e vender comida para ganhar um dinheiro, porque a vida aqui não é fácil só com a pesca e a lavoura”, disse ele a Fernanda Rosário, do Alma Preta. Com a pressão dos militares, que fotografaram constantemente o Vista del Mar, ele decidiu fechar o empreendimento ano passado. Ou seja, o próprio objeto da ação judicial já não existia e, mesmo assim, o pedido dos militares foi atendido pela AGU e executado pela força repressiva.

“O atual conceito de comunidade quilombola não pode se referir a um passado colonial, quando nosso povo esteve à margem da sociedade, de direitos e de políticas públicas. O que nos caracteriza como quilombo é nossa relação ancestral com a terra e território, nosso modo de fazer, de criar e nossa cultura, que também muda. Além disso, temos direito a conforto e a bens de consumo. Pobreza e miséria não fazem parte da nossa vida, nem trajetória”, defendeu Serejo.

Derrubada após pedido de reintegração de posse das Forças Armadas. Foto: Mabe Alcântara

Braço inimigo

A ação espetaculosa é o caso mais recente de uma disputa que se prolonga há décadas. A Fundação Palmares reconheceu a área em 2004, e um relatório técnico de identificação e delimitação, nunca contestado pelo governo, foi publicado no Diário Oficial da União em 4 de novembro de 2008. No entanto, a titulação, processo último desse reconhecimento, nunca chegou. É um dos muitos fatos que comprovam a tensa relação entre os governos petistas e as Forças Armadas

A última tem especial interesse na expansão da base implantada em 1980 e que, com perdão pelo trocadilho, nunca decolou: uma das saídas  para tornar a própria base viável economicamente é realizar acordos bilaterais com outros países, como já aconteceu com os EUA, país que pode “alugar” a estrutura para realizar o lançamento de satélites. O projeto do uso bipartido, que não foi discutido com a população local, foi aprovado no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em 2019. 

Pois é: as Forças Armadas podem “diversificar o negócio” e procurar mais dinheiro para manter o funcionamento do seu projeto em Alcântara. Mas quem sempre viveu lá e também deseja outros meios de sobrevivência, não.

A obtenção de lucro por parte da comunidade quilombola, em especial por Moisés, é criticada no documento enviado pelos militares para a AGU, no qual pedem ressarcimento referente ao período em que o restaurante funcionou e falam em “enriquecimento sem causa às custas da União“. [Com o dinheiro faturado pelo restaurante vão lançar o primeiro foguete brasileiro...]

“A reparação integral do dano na presente situação ainda deve incluir o pagamento de contraprestação pelo uso do bem público, pois acaso o imóvel houvesse sido disponibilizado regularmente à exploração por particulares, necessariamente teria que estar sujeito a uma contraprestação, em especial porque se trataria da concessão para fins de exploração comercial por agente privado”, afirmou um trecho do documento. 

Para isso, pedem na justiça que a Receita Federal do Brasil informe o lucro declarado pela empresa desde maio de 2020 e o pagamento de uma multa de R$ 20 mil. Sim, a mesma entidade que gastou verba federal destinada ao combate da covid-19 com picanha e salgadinho, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, quer ser ressarcida pelo uso de uma área sob judice. Também expressa que a tentativa de Moisés de melhorar as condições de sua vida e a da sua família são “sem causa”.

No documento enviado para a AGU, consta que o imóvel pertence à Aeronáutica, tendo sido desapropriado para a base de lançamentos. De fato, como vemos abaixo, uma decisão judicial desapropriou em 2005 uma área que pertencia ao espólio dos antigos moradores Raimundo Neto, Francisco da Silva e Raimundo Teixeira, passando-a para a União. O dia não poderia ser mais simbólico: 20 de novembro, que marca a memória de Zumbi dos Palmares.

Essa desapropriação, no entanto, é anterior à divulgação do relatório técnico publicado no Diário Oficial e aconteceu um ano após o reconhecimento da terra quilombola pela Fundação Palmares. “O CLA, por meio da AGU, aproveitou essa brecha de haver um empreendimento privado para entrar com a ação e agredir a comunidade”, criticou Danilo Serejo, que representa na justiça o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara. Foi o juiz federal Clodomir Sebastião Reis, da Terceira Vara de Justiça de São Luiz, quem autorizou a reintegração de posse.

Casos na Corte Internacional

Nos dias 26 e 27 de abril, uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos vai se debruçar sobre a falta de emissão de títulos de propriedades de terras pelo estado brasileiro. O julgamento do Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasil reúne questões sobre violações em 152 propriedades desde a instalação da base aeroespacial: a expropriação de terras e territórios e a falta de recursos judiciais para remediar os conflitos integram a pauta. 

A falta de titulação, por exemplo, expõe continuamente comunidades há muito retiradas de seus territórios à insegurança: para a construção da base, 52 mil hectares do território habitado por 32 comunidades quilombolas foram declarados de “utilidade pública”. As famílias foram reassentadas nas chamadas agrovilas. Sete delas foram criadas longe do mar, dificultando uma das atividades básicas de sustento e da economia local: a pesca.

“A Força Aérea Brasileira, especialmente o CLA, nunca respeitou nossa posse ancestral e atuam o tempo todo para aviltar nossos direitos territoriais. Tentam a todo custo, com a anuência dolosa de diversos órgãos do estado e do sistema de justiça, roubar nossas terras” argumentou um trecho de uma notaassinada por diversas instituições representativas das comunidades quilombolas de Alcântara. 

Destruição cerca os quilombolas após ação da polícia. Foto: Mabe Alcântara

 

Os militares continuam acampados na região.  Apesar do forte bolsonarismo que demarca a CLA (é impossível esquecer que o ex-presidente se referia a quilombolas como animais), as entidades miram o fim das disputas judiciais no contexto do governo Lula. Mas a coisa não é simples.

“Nosso processo de regularização e titulação está pronto desde 2008. Não houve contestações, nem da União. Na época, Lula não titulou, porque se acovardou diante dos militares da Aeronáutica. O que explica isso também é o racismo, já que não titular nos deixa em permanente estado de insegurança jurídica. Espero que agora Lula não se acovarde novamente e titule nossas terras.”  

Há outros casos de quilombolas, inclusive evangélicos, denunciando os assédios sofridos.

Procurados, os ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial afirmaram que “repudiam o uso excessivo da força e as violações de direitos ocorridas em Alcântara” e que determinaram que se tomem “as medidas necessárias para acolhimento, identificação do número de pessoas afetadas e futuras reparações”, além de estarem em contato com órgãos como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Defensoria Pública do Maranhão e o Ministério Público Federal. 

Já a O CLA afirmou que a reintegração de posse foi feita “pelo oficial de justiça acompanhado de força policial, tendo em vista a resistência de cumprimento da decisão por parte do proprietário” e que não houve nessa ocasião, nem em seus 40 anos de existência qualquer confronto com a comunidade. “O relacionamento do CLA com as comunidades ao entorno é pacífico, sendo este o maior gerador de renda do município”, completou.

Atualização: 11 de abril, 10h24
Este texto foi atualizado com as respostas do CLA e dos ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial.

Transcrevo a reportagem de Fabiana Moraes para denunciar que a CPI do MST na Câmara dos Deputados não vai investigar as invasões nas terras dos quilombolas, povos indígenas, populações ribeirinhas, camponeses e trabalhadores rurais. É uma CPI para proteger a grilagem de terras promovida por empresas nacionais e estrangeiras, e bilionários e milionários brasileiros e dos cinco continentes do agronegócio, dos pecuaristas, das mineradoras, das madereiras, do contrabando internacional de produtos florestais, da riqueza das reservas indígenas, do ouro, das pedras preciosas, dos minérios estratégicos, e da grilagem de terras na Amazônia, grilagem que promove fogo nas florestas e envenena os rios com mercúrio. É a CPI dos ricos - das Bancadas do Boi, da Bala - contra os pobres. No mais, "enriquecimento às custas da União" aconteceu com a militarização do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello ministro, com os "coronéis da saúde", com os "coronéis da vacina", com o general Braga Neto coordenador do combate à covid.

23
Jul22

VÍDEO – Bolsonaro ironiza jovens desempregados: “A culpa é do governo, cadê meu emprego?”

Talis Andrade

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Presidente afirmou que governo não cria vagas e pode apenas não 'atrapalhar'

 

O presidente Jair Bolsonaro (PL) ironizou jovens desempregados nesta quinta-feira (21), em sua tradicional conversa com simpatizantes no cercadinho do Palácio da Alvorada.

O presidente disse que não cria empregos e fez imitações: “A culpa é do governo, cadê meu emprego?’ Você tem que correr atrás”.

20
Fev22

Agricultores vinham denunciando violência na região onde criança foi executada em Pernambuco

Talis Andrade

Suspeitos de envolvimento na morte de menino de 9 anos, em Barreiros, são  presos | Local: Diario de Pernambuco

 

Jonathas Oliveira, filho de liderança rural do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, foi morto na sexta (11) escondido debaixo da cama. “Não queremos alimento com sangue na mesa das pessoas”, diz presidenta de Federação de Trabalhadores Rurais

 

por Raíssa Ebrahim /Marco Zero

Trabalhadores e trabalhadoras rurais de antigas usinas de cana-de-açúcar na Mata Sul de Pernambuco vêm reivindicando às autoridades proteção e soluções definitivas para os conflitos fundiários locais já há algum tempo. Esse movimento ganhou força no início de 2020, começo da pandemia, quando as ameaças e violências aumentaram, transformando engenhos de casas simples em palcos de roubos, queima e destruição de lavouras, contaminação de fontes de água e de cacimbas e também aplicação de veneno sobre casas e plantações.

Foi preciso que uma criança de apenas nove anos fosse brutalmente assassinada para que as famílias fossem ouvidas e o Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PEPDDH-PE) fosse acionado, no fim de semana, pela Secretaria Executiva de Direitos Humanos. 

A notícia da morte de Jonathas Oliveira, filho de uma liderança rural do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, chocou o Brasil na manhã da última sexta-feira, dia 11, quando a notícia do crime espalhou-se pelo país. O pai dele, Geovane da Silva Santos, presidente da Associação de agricultores(as) familiares do local, foi atingido de raspão no ombro e sobreviveu ao atentado na noite anterior, quando sete homens encapuzados e armados invadiram a residência da família. O menino estava escondido debaixo da cama com a mãe e foi alvejado deliberadamente.A dor que eu estou sentindo, não peço para ninguém, nem para o pior  inimigo', diz pai de menino morto a tiros dentro de casa em Barreiros por  encapuzados | Pernambuco | G1Criança é morta em ataque a família de líder | Direitos HumanosPE: Criança de 9 anos, filho de liderança camponesa, é assassinada por  pistoleiros - A Nova Democracia

Integrantes do Programa Estadual de Proteção realizaram uma visita à família da criança assassinada, no sábado, e fizeram uma escuta especializada com as vítimas sobreviventes. O PEPDDH-PE vai acompanhar as investigações junto à Polícia Civil de Pernambuco, que, nesta segunda-feira, dia 14, informou que “seguem as investigações. Mais informações não podem ser repassadas no momento para não atrapalhar as diligências”. 

Na manhã da próxima sexta-feira, dia 18, está sendo programado um ato em Barreiros que reunirá as famílias que moram em comunidades de engenhos da região para pedir por justiça e pelo fim dos conflitos por terra. No dia, as comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara Federal estarão no local para diligências. Nas redes sociais, o senador Humberto Costa (PT), que preside a comissão no Senado, disse que irá cobrar do governador Paulo Câmara (PSB) o rápido aprofundamento das investigações.

A Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife publicou uma carta ao governador pedindo “empenho pessoal na rigorosa apuração do atentado”. “Esse crime bárbaro, perpetrado por sete homens encapuzados e fortemente armados, que não hesitaram em atirar no menino indefeso, escondido sob a cama com sua mãe, não pode ficar impune! V. Exa. não pode permitir que Pernambuco se transforme num estado dominado por milícias”, diz o texto.

 

CPT denunciou violência na Zona da Mata

Balanço da Questão Agrária no Brasil em 2021, da Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 (CPT NE2), chamou a atenção para o que vem acontecendo na Mata Sul pernambucana. Situações como as do Engenho Roncadorzinho se repetem também no Engenho Batateiras, no município de Maraial, e no Engenho Fervedouro, no município de Jaqueira. Os três engenhos já foram pauta de reportagens da Marco Zero nos últimos dois anos.

O que antes eram usinas de monocultura da cana para produção de álcool e açúcar hoje são imóveis com dívidas milionárias. Em crise, muitas usinas faliram e terminaram sendo repassadas a empresas do ramo imobiliário e da pecuária. “Esses empreendimentos estão sendo denunciados sob a acusação de invasão de terras e de promoverem práticas violentas contra centenas de famílias agricultoras que moram na região há décadas, sendo muitas, inclusive, credoras das antigas usinas falidas”, diz o relatório do balanço da CPT NE2.

 

A indiferença do governo estadual

“Não queremos alimento com sangue na mesa das pessoas”, crava a presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), Cícera Nunes. “A gente já vem denunciando esse descaso, esse abandono do governo do Estado nessa região”, diz ela. Pelos cálculos da Cícera, o governador Paulo Câmara (PSB) já foi oficiado ao menos cinco vezes pela Fetape e CPT. Fora, segundo Cícera, os ofícios protocolados Fórum do Campo, que reúne em torno de 30 organizações.

No entanto, o governador nunca recebeu a comunidade nem as entidades representativas, diz a presidenta. Ela lembra ainda que, em Batateiras, um homem de 30 anos foi baleado e ficou com sequelas, mas a família nunca recebeu proteção. Secretarias de governo, Ministério Público e Tribunal de Justiça de Pernambuco também vinham sendo acionados.

Cícera lembra que Geovane já havia sofrido duas investidas com invasão à própria residência. Na primeira, levaram uma TV. Na segunda, no fim do ano passado, pularam a porta da casa e levaram um celular. 

“Temos um governo nacional com o qual não contamos, não contamos com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Então temos que recorrer ao Governo do Estado na questão da reforma agrária”, acrescenta Cícera, lembrando que os governos estaduais também podem cuidar de questões relativas a massas falidas de antigas usinas.

“Não é uma questão de falta de cobrança ao Estado”, reforça a presidenta, se referindo à quantidade de vezes que as famílias rurais da Mata Sul já solicitaram ajuda. “Queremos justiça, queremos que achem os assassinos de Jonathas, queremos paz no campo, produção de qualidade e vida na mesa nas pessoas”, reivindica. 

Nesta segunda (14), aconteceram, na Delegacia de Barreiros, as escutas do pai e da mãe de Jonathas. O irmão e irmã não foram ouvidas, como estava previsto, porque não deu tempo.

Em nota, as organizações sociais disseram que “estão acompanhando os desdobramentos do caso e seguem cobrando das autoridades uma rápida e contundente apuração do crime e de sua eventual relação com o conflito agrário instaurado no local, sendo certo que, independentemente da motivação, é inadmissível e repugnante a invasão da casa de uma família camponesa e a execução cruel de uma criança”.

 

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