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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

31
Ago21

Garimpo ilegal explode em território ianomâmi e ameaça indígenas

Talis Andrade

Área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami

Área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami: estudo estima presença de mais de 20 mil garimpeiros no território

 

Estudo mostra avanço de 30% da exploração de ouro em 2020, para áreas cada vez mais próximas das aldeias. Antropólogos comparam cenário ao dos anos 1980 e 1990

 

por Larissa Linder /DW

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O garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Yanomami (TIY) avançou 30% em 2020, mostra um relatório divulgado em 25/03 último. Ao final do ano, somavam-se 2.400 hectares de área degradada, dos quais 500 hectares foram registrados entre janeiro e dezembro de 2020, em uma região entre os estados do Amazonas e de Roraima.

O estudo, feito a partir de imagens de satélite, foi conduzido pelas organizações Hutukara e Seedume, com apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA).

Conforme evidenciou a pesquisa, a exploração de ouro nessas áreas é feita por empreendimentos de médio porte, dado o maquinário utilizado e a logística complexa envolvida, com a necessidade de um investimento inicial estimado em R$ 150 mil. É um tipo de mineração que exige menos mão de obra, mas, ainda assim, estariam presentes na TIY mais de 20 mil garimpeiros.

O documento destaca o avanço para áreas cada vez mais próximas das aldeias, o que traz a ameaça de uma escalada de violência e de problemas para a saúde dos indígenas, além do impacto ambiental. Para antropólogos, o cenário de recrudescimento do garimpo se compara ao dos anos 1980 e 1990, antes da demarcação da TIY.

"Com a demarcação e evolução da gestão ambiental, surpreende a gente estar voltando para um contexto que já teve muita tragédia", afirma o doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Rogério do Pateo, que estuda os ianomâmis desde 2000.

Nascido em 1982, Dário Vitório Kopenawa, diretor da Hutukara Associação Yanomami (HAY), cresceu durante a fase mais crítica do garimpo na TI. "Em 1986, mais de 40 mil garimpeiros entraram na erra indígena, e 20% do nosso povo morreu. Eu cresci nessa época e sei pelos relatos do meu pai e da minha mãe. Eu vejo uma repetição, e ficamos com medo pelos nossos parentes", afirma.

Menos fiscalização e PL pró-garimpo

Para os autores da pesquisa, o avanço da mineração ilegal coincide com um contexto de menos fiscalização por parte dos órgãos ambientais e com uma retórica favorável a esse tipo de ação.

"A fiscalização dos territórios indígenas é uma fragilidade que a gente identifica em todos os governos. O que muda com o governo Bolsonaro é, em primeiro lugar, a promessa de que essa atividade seria regulamentada pelo Estado", afirma uma das autoras do estudo, a doutoranda em Antropologia pela Unicamp Marina Sousa, cofundadora da rede Pró-Yanomami e Ye'kwana.Garimpo na Terra Indígena Yanomami

Desmatamento, contaminação por mercúrio e escassez de peixes estão entre os impactos do garimpo ilegal

 

Em fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro assinou o Projeto de Lei 191, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. O PL está sendo analisado por comissões da Câmara desde então.

Em abril de 2019, Bolsonaro declarou: "Tem R$ 3 trilhões embaixo da terra. E o índio tem o direito de explorar isso de forma racional. O índio não pode continuar sendo pobre em cima de terra rica”.

Segundo Sousa, os indígenas que habitam o território Yanomami são contrários ao PL, conforme protocolos de consulta feitos entre eles.

No quesito fiscalização, diversas ONGs e especialistas têm apontado um enfraquecimento nos últimos anos, inclusive com queda de multas aplicadas. Os responsáveis pelo trabalho de fiscalização de terras indígenas são a Polícia Federal, a Funai e o Ibama.

Submetido ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ibama vem sofrendo cortes. Para este ano, estão previstos R$ 261 milhões para o órgão, ante os R$ 316,5 milhões autorizados em 2020. O próprio MMA tem tido quedas de orçamento desde 2017. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deste ano prevê R$ 1,72 bilhão para todas as despesas da pasta, menor valor desde 2000, quando começa a série histórica, conforme análise do Observatório do Clima.

A DW Brasil questionou o MMA a respeito do avanço do garimpo e de medidas tomadas para a proteção da área, mas não obteve resposta.

No caso da Funai, o orçamento tem se mantido relativamente estável, com um aumento no ano passado, indo de R$ 531 milhões em 2019 (em valor corrigido pelo IPCA) para R$ 555 milhões em 2020. Na prática, no entanto, aumentou o gasto com pessoal e reduziu-se o investimento. Apesar de não haver cortes no orçamento, todas as pesquisas para demarcação de novas terras foram paralisadas. Jair Bolsonaro e seu antecessor, Michel Temer, são os únicos presidentes do Brasil desde 1985 que não aprovaram nenhuma nova terra indígena.

"Existe uma ação deliberada para permitir exploração dentro do território indígena", diz Pateo. "Isso acontece em  três eixos: mudança do aparato legal, mudanças no eixo administrativo - tudo que não depende do Congresso é alterado para minar a fiscalização - , e a expansão colonial a partir dessa mensagem [do governo federal] de que ninguém vai ser punido."

Além desse processo regulatório mais favorável aos garimpeiros e do enfraquecimento da fiscalização, Kopenawa aponta a alta do preço do ouro como motivador do avanço da mineração ilegal. Considerado um ativo seguro, o mineral é mais procurado em períodos de incertezas e crises. Somente em 2020 a valorização foi de 55,9%, em reais. Segundo Sousa, o ouro ilegal se mistura facilmente ao legalizado no mercado.

Desastre social e ambiental

Um dos impactos do garimpo ilegal nas terras indígenas é a escalada da violência. Em junho do ano passado, dois ianomâmis foram mortos por garimpeiros. O temor dos autores do estudo divulgado nesta quinta é que uma potencial intensificação dos conflitos resulte em situações semelhantes ao massacre de Haximu, de 1993, quando 16 ianomâmis foram assassinados por garimpeiros - o primeiro caso de genocídio reconhecido pelo Judiciário brasileiro.Indígenas ianomâmis

Garimpos ilegais trazem ameaça de conflitos e à saúde dos ianomâmis

 

Outras consequências recaem sobre a saúde dos indígenas. Com a abertura de mais garimpos e a maior circulação de pessoas, tendem a aumentar, por exemplo, os casos de malária, além da ameaça da covid-19. Estão especialmente ameaçados os povos em isolamento voluntário, os Moxihatëtëma.

Para Pateo, há um conjunto de impactos que se somam, e envolvem desmatamento, contaminação por mercúrio, escassez de peixes e outras fontes de alimento para as populações.

"Além disso, tem uma dimensão sociocultural, porque há um processo de cooptar jovens para trabalhar no garimpo, há abuso sexual, prostituição, alcoolismo, vários tipos de violência, e inclusive a distribuição de armas de fogo nas aldeias, o que acaba tendo um impacto nas relações entre aldeias", explica. o professor do UFMG.

A solução, de acordo com o novo relatório, passaria não somente pela retirada imediata de garimpeiros, mas também por planos de ações regulares e articuladas entre os vários órgãos do governo ligados ao tema para fiscalizar e bloquear acessos de garimpeiros, além da investigação de quem está por trás dos garimpos e os financia.

O que é o marco temporal e como ele atinge os indígenas do Brasil

Entenda por que a tese, que deve ir a votação no STF, pode significar um retrocesso na demarcação de terras dos povos originários. Leia reportagem de Edison Veiga aqui

Brasilien Bergbau im indigenen Territorium der Yanomami

Garimpo em terras Yanomami: se aprovada, tese pode levar ainda mais insegurança para os territórios ocupados pelos povos nativos

31
Ago21

Ouro amazônico do barro ao luxo

Talis Andrade

por Gustavo Basso /DW /Pará

Imagem aérea de garimpos montados ao longo de igarapé no município de Jacareacanga/PA

Igarapés revirados

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o solo revirado pelo maquinário pesado utilizado no garimpo acaba liberando mercúrio mineral no ambiente. Somado ao mercúrio lançado na atmosfera para extração do ouro, torna-se um contaminante perigoso na cadeia pesqueira da bacia do rio Tapajós. A imagem aérea mostra garimpos montados ao longo de um igarapé no município de Jacareacanga, no Pará.

Imagem aérea de garimpo montado às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230) no município de Jacareacanga/PA

Clareira e assoreamento

Defensores da atividade afirmam que a área desmatada para a exploração do ouro é menor do que em atividades como a criação de gado ou plantio de soja, sem levar em consideração o assoreamento de igarapés e rios, visto como problema ambiental crucial pela Polícia Federal. Na imagem, vê-se um garimpo montado às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230) em Jacareacanga.

Mecânicos soldam peça de escavadeira em oficina de Jacareacanga/PA

Oportunidade de negócio

Com o aumento intenso da mecanização dos garimpos na última década, o reparo e venda de peças para escavadeiras e tratores vêm se tornando um mercado cada vez maior e lucrativo em Jacareacanga. Alan Carneiro, um dos principais nomes na luta pela legalização do garimpo de ouro na região, veio de Rondônia há quatro anos para aproveitar este mercado.

Lanchas são enfileiradas aguardando a partida no porto de Jacareacanga/PA

A outra margem do rio

Diariamente partem do porto improvisado de Jacareacanga dezenas de lanchas e balsas transportando pessoas e produtos para os garimpos na região, na outra margem do rio Tapajós. Do outro lado do rio estão somente áreas federais protegidas: as TIs (Terra Indígenas) Sai-Cinza e Mundurucu, e a Floresta Nacional do Crepori. O garimpo de ouro é vetado atualmente em ambas áreas.

Garimpeiro exibe as joias de ouro puro na vila de São José do Pacu, município de Jacareacanga/PA

Vaidade dourada

Joias de ouro como anéis e relógios são utensílios obrigatórios utilizados por garimpeiros e aqueles que se relacionam com a atividade, como este minerador, morador da vila de São José do Pacu.

Cozinheira prepara refeição em barraco montado em garimpo de ouro na região da Floresta Nacional do Crepori

Trabalho feminino, universo masculino

Cozinheiras são as únicas presenças femininas em campo nos garimpos, responsáveis pelas cinco refeições diárias, bancadas pelos patrões. Ao contrário dos garimpeiros, que recebem uma porcentagem do ouro extraído, as cozinheiras recebem como salário 20 gramas de ouro por mês, avaliado em Jacareacanga em torno de R$ 5.000, mais de três vezes a média salarial do Norte e Nordeste do paísGarimpeiro caminha diante de buraco de solo revolvido para extração mecanizada de ouro.

Matéria bruta

Para extrair em média 300 g em um intervalo de duas semanas, os barrancos são escavados até que o cascalho subterrâneo seja exposto; é onde fica depositado o ouro de erosão, até 30 metros sob o solo. O garimpo atualmente é compreendido como atividade empresarial industrial de pequena escala, dado o impacto e investimento empregado na atividade.Gerador elétrico a diesel funciona dentro de clareira aberta na floresta amazônica no município de Jacareacanga/PA

Eletricidade a diesel

Todos os dias milhares de litros de óleo diesel são consumidos por todo tipo de veículos e maquinário pesado utilizado no suporte à extração do ouro. Os geradores de energia elétrica são presença geral e barulhenta em regiões dentro de áreas protegidas aonde a energia elétrica não chega.

Balsa transporta combustível e outros itens em igarapé às margens de Jacareacanga/PA

Atividade artesanal ou pequena empresa?

Para o procurador federal Paulo de Tarso Oliveira, a sociedade necessita debater o garimpo e seus impactos. Segundo ele, uma atividade que emprega maquinários caros como balsas de até R$ 2 milhões não pode ser considerada artesanal como na época da Constituição Federal de 1988.

Barraco abandonado em área de garimpo às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230)

Várzeas ameaçadas

O ouro de garimpo é extraído nos "baixões": áreas de várzea às margens de igarapés, onde o minério lavado pelas chuvas se acumula. A contaminação por mercúrio e assoreamento dos igarapés é um dos grandes impactos da exploração além do desmatamento de áreas protegidas legalmente pela União. Na foto, um barraco abandonado em área de garimpo às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230).

José Freitas, 69 anos, vendedor de alimentos no mercado municipal de Itaituba/PA

Como muitos outros retirantes da pobreza no nordeste, José Freitas, de 69 anos, veio para a região do Tapajós nos anos 1980 tentar a sorte no garimpo. Após anos trabalhando manualmente, acabou se assentando em Itaituba, onde comprou um terreno para plantar alimentos vendidos no mercado municipal.

 

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