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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

19
Jan23

'Bora causar a desordem': militar preso estimulou ataques em Brasília

Talis Andrade

 

por Igor Mello e Lola Ferreira
 

Militares da reserva das Forças Armadas estimularam os ataques golpistas contra as sedes dos três Poderes no dia 8 e acabaram presos.

Com um cruzamento de dados entre a lista de presos e os cadastros de militares da ativa e aposentados, o UOL encontrou quatro militares da reserva e um ex-militar entre os detidos.

 

Incitação de desordem e vídeo após prisão

 

O preso com mais alta patente é Nader Luis Martins, capitão da reserva do Exército —ele deixou o serviço ativo em fevereiro de 2018, segundo dados do Portal da Transparência da União.

* Morador de Curitiba, ele participou de um acampamento golpista em frente a um quartel do Exército na capital do PR;

* Antes dos ataques aos três Poderes, foi para Brasília e acampou em frente ao QG do Exército, principal reduto de extremistas do país;

* Na véspera dos ataques, em 7 de janeiro, ele publicou um vídeo em seu Facebook estimulando ações violentas em Brasília;

 

Bora povo brasileiro causar a desordem na cidade. com desordem e tumulto vira o caos. somente assim será acionado a GLO [decreto de Garantia da Lei e da Ordem]. cantar em frente ao quartel não da mais. povo nas refinarias e nas ruas. para ônibus, carros e vamos em frente. Trava tudo."

Nader Luis Martins, capitão da reserva preso no ato golpista

 

Nota da edição: A ortografia da postagem foi mantida tal como publicada na rede social pelo militar.

Como outros presos, Nader usou o celular dentro da detenção, no ginásio da PF, para reclamar do tratamento recebido pelos golpistas.

 

Fomos detidos por participar da manifestação ontem lá na Esplanada dos Ministérios. Fomos considerados terroristas."

 

O UOL procurou o Exército para comentar a conduta de Nader, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

 

Militância política na ativa

 

Outro militar preso por envolvimento direto no ato golpista foi o suboficial da reserva da Marinha Marco Antonio Braga Caldas, que mora em Balneário Piçarras, no litoral catarinense.

* Ele deixou o serviço ativo em novembro de 2021, segundo dados do Portal da Transparência da União;

* No entanto, suas redes sociais mostram que ele participa ativamente da militância bolsonarista ao menos desde 2018, quando ainda estava na ativa. Militares da ativa são proibidos de se manifestar politicamente sem que haja autorização expressa de seus comandantes;

Caldas também fez vídeos nas redes sociais no acampamento golpista em frente ao QG do Exército em 8 de janeiro.

 

 

Ele participou da marcha do acampamento até a praça dos Três Poderes e, em vídeo, destacou a disposição de depor o governo eleito e estimular um golpe militar —chamado por ele de intervenção federal, replicando o termo usado por bolsonaristas em protestos golpistas em novembro. Caldas enumera os pleitos que eram defendidos pelos golpistas.

 

Dizer definitivamente não ao comunismo. Não à chapa Lula-Alckmin. A nulidade desta chapa. A intervenção federal."

Marco Antonio Braga Caldas, suboficial da reserva da Marinha preso em Brasília

 

Nota da edição: O Estado brasileiro não é comunista. A retórica adotada por extremistas não possui amparo na realidade do país.

Procurada, a Marinha afirmou que a violação dos deveres e obrigações previstos no Estatuto dos Militares pode constituir "crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas" e que o não cumprimento desses deveres pode acarretar "responsabilidade funcional, pecuniária, disciplinar ou penal".

"Nesse sentido, as providências são tomadas de acordo com o caso concreto, após conclusão de eventual processo administrativo disciplinar, com o exercício da ampla defesa e do contraditório, para, se for o caso, aplicação de sanções pertinentes", conclui a nota.

 

Envolvimento de outros militares

 

O UOL identificou outros três nomesligados às Forças Armadas que constam na lista de presos por envolvimento no ato golpista.

* O segundo-sargento Noemio Laerte Hochscheidt e o soldado Robson Victor de Souza, ambos militares da reserva do Exército;

* Arthur de Lima Timóteo serviu como cabo da FAB (Força Aérea Brasileira) até julho de 2022. Segundo a FAB, ele foi dispensado após o fim de seu tempo de serviço militar obrigatório e atualmente não mantém vínculo com a força;

* Além dos presos, o UOL identificou a participação de Marcelo Soares Corrêa, cabo da reserva do Exército, no ato golpista. Ele foi recebido em agendas oficiais pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e tomou café no Palácio da Alvorada com Bolsonaro.

O UOL não localizou representantes legais do militares citados na reportagem

 
 
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Joana 
@joanadipaoli
O post foi apagado mas o print é eterno! O Girão espalhando fake News! Que feio general!
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Filhas de militares recebem até R$ 117 mil por mês de pensão, revela estudo. Por que a sociedade precisa fazer pressão para extinguir esta miséria chamada forças MAMADAS brasileira? Mamadas sim, que Bolsonaro criou os marechais de contracheque. 
Dos R$ 19,3 bilhões que a União gastou com pensões militares em 2020, 60% foi para filhas de militares
 

direitos humanos golpistas.jpeg

23
Dez22

A confirmação da vitória de Lula só poderá ocorrer o peso da lei penal cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos

Talis Andrade

gilmar classe média casta .jpg

 

por Tarso Genro /A Terra É Redonda

- - -

No dia 12 de dezembro de 2022, enquanto o presidente Lula era diplomado numa histórica sessão do Tribunal Superior Eleitoral, ouvindo um épico discurso do ministro Alexandre de Moraes, milicianos bolsonaristas atacaram a sede da Polícia Federal e incendiaram alguns veículos em Brasília. Era a nossa Cervejaria de Munich, um “putsch” para um golpe que faliu e um protesto pela sua derrota nas eleições presidenciais, onde toda sujeira que nela emergiu veio das suas estrebarias de “fake news”, dos órgãos de Estado aparelhados, das ações ilegais da Polícia Rodoviária Federal e dos escaninhos bandidos do orçamento secreto. Estas ações da direita bolsonarista mostram que a vitória de Lula e da democracia ainda pendem de um forte processo político de afastamento dos restos da tragédia ancorados no porto da nossa história recente.

Votado pela base do governo num gesto escandaloso que se tornou uma vergonha planetária da nossa decadência democrática, que se orgulhava do seu isolamento internacional, do negacionismo genocida e dos ataques sistemáticos às instituições da Constituição de 1988, este “orçamento” só poderia ser composto por uma aliança marginal das religiões do dinheiro com o que tem de pior no fisiologismo das elites empresariais do país. Foi a unidade da barbárie contra a democracia, do fisiologismo com o espírito miliciano, de grande parte das classes médias com as instituições “sacras” do espírito-santo monetarizado na corrupção política.

presepio pastor.jpg

 

Assim ele foi votado, para arrasar a paridade de armas nas eleições, em que o surpreendente foi a vitória de um homem supostamente aniquilado por uma conspiração midiático-judicial, que voltou com coragem e energia moral para reerguer um país dilacerado pelo ódio, obra de arte do fascismo que já percorreu no mínimo dois séculos da história ocidental. Aqui ele assumiu abertamente – com Jair Bolsonaro – a paixão necrófila do negacionismo e a naturalização da dor alheia pelo deboche planejado. Milicianismo e grupos políticos, milicianos e religiões do dinheiro: armas e gestos, assassinatos e naturalização da morte, do racismo e da misoginia, compuseram o dicionário da enciclopédia fascista nacional que quase nos levou ao suicídio.

O fascismo e o nazismo são siameses, ora acolhidos pela maioria das classes dominantes e das classes populares manipuladas pela política da extrema direita. Ambos são anti-sistema, propõe revoluções “pelo alto e “por baixo”, que reconhecem na barbárie uma substância permanente contida no Humano: “não um acidente infeliz da história” (…), como disse Simone Weil, mas “o bárbaro lamaçal da alma”, “um caráter permanente e universal da natureza humana”, esperando as oportunidades críticas para se manifestarem pela violência e pela negação da solidariedade e da justiça. (A barbárie interior, Jean-François Mattei, Unesp).

O livro Casta – as origens do nosso mal-estar, de Isabel Wilkerson (Zahar), lança luzes potentes sobre a formação da sociedade americana e sobre a sua estrutura de poder institucionalizada a partir do século XIX. As castas organicamente montadas em torno das “plantations” e a criação da identidade “negra” – como coisa – em contraposição à identidade branca dos colonos europeus, liberaram uma épica forma de exploração do trabalho. Ali se formavam as novas bases de acumulação – material e cultural – especificidades de um novo sistema capitalista em expansão, cujas tendências hegemônicas em escala global já eram visíveis.

Modernização e barbárie, ciência e técnica, política e ideologia, assim estão harmonizadas: moldam o império que se torna – ao mesmo tempo – exemplo do liberalismo político e também exemplo de convívio das suas liberdades com a barbárie. O Século XX condensa e integra, promove cisões e repulsas, na nação em crescimento, que são vividas tanto nos “partidos” da barbárie como entre os “partidos” da democracia moderna, moderadores da violência, cuja tendência seria adjudicar ao Estado normas mínimas de civilidade, que realizadas bloqueariam os excessos impeditivos de formação da nação.

O impulso da democracia americana, todavia, permanece atado ao sistema de castas, já orgânicas nas classes sociais em renovação, cuja política – a partir do Estado – promoveu tanto a democracia como o martírio de milhões, para a glória da civilização ocidental. Este conflito entre barbárie e civilidade democrática está expresso, também, nas lutas de resistência – vitoriosas ou derrotadas – contra o nazismo e o fascismo. E na luta entre as ditaduras e os defensores das bases constitucionais das democracias na América Latina, hoje uniformemente assediadas pelo fascismo, que retorna com diversos modelos formais em escala planetária

Não é muito divulgado na historiografia do racismo e do “apartheid” americano, que os intelectuais e cientistas “sociais” do Partido Nazista estudaram com muito interesse as estratégias de purificação social e racial nos EUA, tais como as zonas proibidas para a comunidade negra – tanto no espaço social como geográfico – bem como a proibição dos casamentos entre brancos e negros, nas origens da formação democrática americana. A eleição do presidente Joe Biden, que é o oposto de Donald Trump e da Klan nesta matéria, permite uma reflexão mais ampla e profunda sobre este tema vital do futuro das Américas.

Na verdade, a afirmação do modelo americano dentro do sistema de poder mundial foi um gigantesco laboratório de conciliação entre barbárie e humanismo moderno, no qual a força da barbárie que está viva e forte, foi recentemente testada na tentativa de golpe do presidente Donald Trump no assalto ao Capitólio. A escolha do local ocupado pelos milicianos bem remunerados não foi gratuita, pois ali estava o símbolo da democracia liberal que incorporou, processualmente, a vasta comunidade negra do país nas proteções do Estado de direito que foram formalizadas nas leis, como ideia que a nação queria fazer de si mesma.

Comparar a situação de ascensão do fascismo, na Itália, com os episódios políticos nacionais que foram gradativamente dando forma política legítima ao bolsonarismo (protofascismo), que vai lentamente se unificando com estratos relevantes do capital financeiro e com os setores mais marginais da burguesia mais “aventureira”, faz sentido: trata-se de compreender o processo de sucessão, entre as suas “elites”, que refletirá tanto na estratégia política dos setores populares, como nas mudanças necessárias para adaptação do capitalismo a um novo ciclo de acumulação.

Antonio Gramsci no cárcere em 1926, quase dois anos depois de eleito deputado  escreveu em plena era fascista que “os elementos da nova cultura e do novo modo de vida (…) são apenas as primeiras tentativas (…) iniciativa superficial e simiesca”, para interferir no que hoje “seria chamado de americanismo”: é crítica preventiva dos “velhos estratos que serão descartados” (…) “e que já estão tomados por uma onda de pânico social, reação inconsciente de quem é impotente” (Americanismo e fordismo”, Hedra), para alavancar – nos processos de mudança do sistema do capital – os aspectos que lhe interessam. O fascismo seria, assim, uma vitória reacionária com aparência de revolução.

A grande síntese histórica deste complicado processo político de formação do Estado americano, dentro dos parâmetros da modernidade liberal democrática – um Estado imperial e de ocupações militares no seu exterior “vital” – está refletida em dois fatos históricos exemplares na atualidade, que dizem respeito ao que ocorre em nosso país: de um lado, o Exército americano negando-se, formalmente, a participar de um golpe contra as instituições da democracia liberal; e de outra, seu ex-presidente tentando descaradamente este golpe, manipulando suas marionetes fascistas no Brasil, para comporem um arco de alianças na extrema direita dos EUA, que vitoriosa refletiria seu poder fascista e racista em toda a América Latina.

A diplomação do presidente Lula foi a vitória de uma ampla frente democrática, que tem demandas diferentes sobre o Estado e diversas pretensões de futuro. Ela encerra um ciclo heroico de resistência e ofensiva democrática, pautada pela unidade em torno do Estado de Direito. E ela não foi somente civil, pois a falta de apoio majoritário ao golpismo de Jair Bolsonaro dentro das nossas instituições armadas, pode estar indicando um novo ciclo virtuoso da nossa história republicana.

Sua confirmação só poderá ocorrer, todavia, se o peso da lei penal – dentro dos rituais democráticos do Estado de Direito – cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos e os seus dirigentes políticos, que ainda no dia de ontem mostraram que o terror e a barbárie são suas armas principais contra a República e a democracia. Quem viver verá: vivemos e veremos!

A luta antirracista é um tema urgente e universal que atravessa a pauta do Instituto Brasil-Israel (IBI) e remete a um diálogo entre judeus e negros que encontra raízes históricas, especialmente nos EUA. A noção de casta proposta por Isabel Wilkerson desnuda pontos de contato entre a escravidão norte-americana, o nazismo alemão e o sistema indiano, e como essas hierarquias rígidas e arbitrárias dividem grupos sociais ainda hoje. Apesar do livro focar nos EUA e nos afro-americanos, entendemos que sua leitura pode auxiliar na compreensão do racismo brasileiro, sempre negado, mas profundamente internalizado. E podemos também expandir o raciocínio para todos os grupos marginalizados e colocados como párias em uma sociedade, fazendo-se a crítica à “supremacia branca”. A proposta da mesa é promover uma conversa sobre as principais ideias presentes no livro, em especial a noção de casta como categoria para a compreensão e enfrentamento do racismo. Além disso, pretende-se estabelecer aproximações com o Brasil. PARTICIPANTES Lilia Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton. É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças (1993), As barbas do imperador (1998, prêmio Jabuti de Livro do Ano), Brasil: uma Biografia (com Heloisa Starling, 2015) e Lima Barreto: Triste visionário (2017, prêmio Jabuti de Biografia). Thiago Amparo, advogado, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste). Michel Gherman, professor de História na Universidade Federal Fluminense, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, pesquisador da Ben Gurion University e Diretor Acadêmico do Instituto Brasil-Israel.

21
Jun21

A intimidação a Leandro Demori e o reflexo da nossa frágil democracia

Talis Andrade

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por Tânia Giusti /objETHOS

O ano é 2021 mas o passado autoritário, que nos transporta para 1964, infelizmente, ainda se faz presente. No meio de um país mergulhado numa crise sanitária – uma tragédia humanitária que tirou a vida de mais de 500 mil pessoas – econômica e política, a Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ) decidiu de forma arbitrária, investigar o jornalista catarinense Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil.

A “intimação” que na verdade é uma intimidação, veio da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), após a publicação de uma newsletter, no dia 8 de maio, sobre a existência de um possível grupo de matadores na Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), grupo especial de operação da PC do RJ. Esse grupo estaria envolvido no Massacre do Jacarezinho, que deixou 27 mortos no dia 6 de maio.

Demori, exercendo sua função social de cobrar autoridades, pedia no texto que o fato fosse investigado pela PC, após o número inadmissível de letalidade das operações realizadas em comunidades vulneráveis.

O jornalista postou alguns trechos da newsletter em suas redes sociais, e, quatro dias depois, foi acusado de cometer calúnia contra a Polícia Civil. No dia 10 de junho, o The Intercept divulgou uma nota elencando os motivos pelos quais Demori não prestaria depoimento.

Em entrevista à diversos veículos, o editor-executivo destacou a inversão ética do acontecimento. “O estado policial que vem erodindo a democracia no Brasil não parece interessado em investigar policiais. Em vez disso, prefere perseguir jornalistas. Ameaças como essa não nos intimidam. Apesar dos esforços de alguns, ainda vivemos em uma democracia. E nossa Constituição garante a liberdade de imprensa e protege o sigilo de fonte”, ressaltou o site em nota.

 

Herança de um passado autoritário

 

A conduta arbitrária por parte do Estado não pode ser normalizada, e os servidores públicos envolvidos neste episódio, certamente também deveriam saber que jornalistas não são obrigados a prestar informações acerca de provas e evidências, o que o inquérito pedia. A liberdade de expressão e o sigilo da fonte são preceitos constitucionais.

Vale lembrar que gestos autoritários como este, eram comumente utilizados no Brasil para silenciar jornalistas, artistas ou qualquer outro crítico durante os anos de chumbo.

O ataque a Demori não foi isolado. Faz parte de uma série de covardias cometidas contra jornalistas nos últimos anos, sobretudo desde que um político de extrema-direita passou a comandar (se é que podemos chamar assim) o país. O discurso autoritário do presidente, e os constantes ataques à imprensa, encorajam autoridades policiais e políticas a agirem de forma repressiva.

Vale lembrar também que o inquérito aberto contra Demori veio da mesma Delegacia que intimou o youtuber Felipe Neto por suposta violação da Lei de Segurança Nacional, além de William Bonner e Renata Vasconcellos.

 

Ataques naturalizados e uso da Lei de Segurança Nacional

 

Criada no final dos anos de chumbo, em 1983, a Lei de Segurança Nacional (LSN) tinha como objetivo perseguir críticos e opositores da ditadura militar. Mesmo não acolhida pela Constituição de 1988, a Lei, que não deveria ter espaço em uma democracia, vem sendo amplamente utilizada nos últimos anos, sobretudo no Governo Bolsonaro.

Entre 2019 e 2020, de acordo com dados de um relatório produzido pelo Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), com dados da Agência Fiquem Sabendo, houve um aumento de 285% no número de inquéritos policiais abertos com base na LSN.

Thiago Amparo, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos na FGV Direito São Paulo, em entrevista ao Podcast Café da Manhã, destacou que “a lei é um resquício de um país que não lida bem com seu passado autoritário”.

 

A força do jornalismo

 

O uso da Lei de Segurança Nacional ou qualquer outra forma de abuso jurídico, não só fere o direito à liberdade de expressão e profissional, como no caso de Demori, bem como desencoraja que outros profissionais continuem denunciando arbitrariedades, sejam elas quais forem. Atenta também contra a liberdade de imprensa.

O totalitarismo visto atualmente no Brasil é uma ameaça não só ao jornalismo ético e comprometido, mas a todos os brasileiros. Vale mencionar a importância do posicionamento de todos os órgãos. Em menos de 24 horas um manifesto de apoio, iniciativa de docentes do curso de Jornalismo da Unisinos, ao editor-executivo do TIB alcançou mais de 1.500 assinaturas, no Brasil.

O jornalismo e a liberdade de imprensa são os pilares da democracia. Sem um, o outro não existe. Porém, num contexto de Governo onde o presidente da República ataca quase diariamente jornalistas e a imprensa, as autoridades policiais se sentem legitimadas para convocar a imprensa para explicações.

Apesar de injusta e grave, a intimidação confirma o que o The Intercept Brasil se propôs a fazer em 2016, quando chegou ao Brasil: um jornalismo que não se intimida e incomoda os poderosos. Confirma também a força do jornalismo: enquanto pudermos contar com profissionais comprometidos e éticos, o sistema democrático brasileiro, apesar de sua fragilidade, seguirá respirando.

Referências

Anna Carolina Venturini, Conrado Hübner Mendes, Adriane Sanctis, Danyelle Reis Carvalho, Luisa Mozetic Plastino, Mariana Celano de Souza Amaral, Marina Slhessarenko Barreto, Pedro Ansel. DIAGNÓSTICO DA APLICAÇÃO ATUAL DA LS – Relatório do LAUT mostra que Lei de Segurança Nacional é usada em estratégia de intimidação judicial do governo.

Disponível em: https://laut.org.br/wp-content/uploads/2021/05/Relato%CC%81rio-LSN-formatado.vf-novo.pdf

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/06/manifesto-contra-intimacao-de-jornalista-do-intercept-ja-tem-mais-de-cem-assinaturas.shtml

https://www.ecodebate.com.br/2021/05/23/lei-de-seguranca-nacional-como-estrategia-de-intimidacao-judicial/

https://theintercept.com/2021/06/10/por-que-o-intercept-decidiu-que-leandro-demori-nao-vai-se-submeter-ao-depoimento-policial-contra-nosso-jornalismo/

 

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12
Jun21

Pare a máquina, Kathlen é morta

Talis Andrade

Kathlen Romeu - Projeto Colabora

por Thiago Amparo

- - -

Parem as máquinas, pois Kathlen Romeu é assassinada. Assim mesmo: no tempo presente. Eu me recuso a escrever sobre mortes negras no passado, porque vivemos num grande presente a se repetir e repetir; no qual o futuro é uma obra afrofuturista. Ser negro no Brasil é viver uma constante dissonância cognitiva: nosso corpo está aqui e agora, mas contra esse corpo é aplicada, e reaplicada, a mesma tortura há séculos.

Kathlen Romeu, 24 anos, grávida de quatro meses, não foi morta em confronto, porque morticínio não é confronto, é barbárie. Kathlen Romeu não foi alvo de bala perdida, porque a bala é sempre certeira contra os mesmos endereços e a mesma cor: 700 mulheres foram baleadas no RJ desde 2017; sendo 15 delas grávidas, como Kathlen; dez bebês foram baleados ainda na barriga da mãe, segundo dados do Fogo Cruzado.

O que está em curso no RJ é, tecnicamente, genocídio: destruição intencional de um grupo étnico-racial. E quero que vá às favas quem ache que isso seja calunioso, posto que falso não é: governo e polícias do Rio de Janeiro têm as mãos sujas do sangue que derramam. Qual democracia sobrevive após ser esmagada pela queda do corpo que nunca pesa? Por que coisificamos mortes negras em mais um post preto e as transformamos em códigos de desconto?

Toda morte é política, porque fomos nós, a pólis, que produzimos o governo da morte. Que o incendiemos. Parem a grande máquina do mundo, pois Kathlen não sorri mais.

Joel Luiz Costa on Twitter: "JUSTIÇA POR KATHLEN ROMEU! ELES MATAM NOSSOS  FILHOS E NOSSAS MÃES O movimento Favelas Na Luta vem a público, mais uma  vez, pedir justiça pela vida de

14
Mai21

Chacinas de maio, 15 anos depois

Talis Andrade

Mães de Maio: a reação contra a violência do Estado | Direitos Humanos

Cansa lembrar o óbvio: morte em intervenção policial é homicídio

 

por Thiago Amparo /Folha de S. Paulo

 

Talvez o leitor não saiba, mas quem escreve neste espaço, o mais nobre do jornal, é um jovem negro. Note, portanto, que escrever sobre chacinas não é para mim um exercício teórico sobre lugares distópicos: é sentir na pele o medo de que um dia a bala também me faça sangrar. O mesmo sangue que escorreu nas casas e vielas das execuções em Jacazerinho. Cansa ter que negociar, em caracteres, a minha humanidade.

Cansa lembrar o óbvio: morte em intervenção policial é homicídio, mesmo que o racismo faça com que o corpo preto não pese quando é abatido ao chão. Pena de morte de civis não existe no país, posto que ser suspeito não é cheque em branco, nem legítima defesa é autorização a priori para a matança. A arrogância com que a Polícia Civil do Rio tratou Jacazerinho tem só um nome: certeza de impunidade.

Chacina é feita em territórios onde a morte é a regra, e a lei, a exceção. É feita do sangue que o espetáculo da morte produz. Há exatos 15 anos, nesta semana, mais de 500 civis e 59 policiais foram mortos em dez dias em São Paulo nos chamados “crimes de maio”. Dois Jacarezinhos por dia. Até hoje, as mães de maio esperam a federalização do caso e o reconhecimento da imprescritibilidade das violações, em suspenso no STJ e no STF. Chacina é feita de um sistema judicial que referenda a verdade policial como a única.Os Crimes de Maio de 2006 e a luta das mães contra a violência do Estado –  OASL

Chacina é feita de hipocrisia. Dizer que é pelas crianças no estado que fuzila crianças voltando da escola. Dizer que é pelos policiais, enquanto os resume a soldados numa guerra desgovernada, senão pelo governo da morte. Dizer, com arrogância, que é com bangue-bangue que se faz segurança pública no país que mata muito e investiga pouco.

“Eu clamo à sociedade aterrorizada: e vocês?”, pergunta-nos Debora Silva, liderança das mães de maio. “Vão me ajudar a erguer estes mortos? Não deixe que meu grito se transforme numa palavra muda a ecoar pela paisagem. Me ajude a barrar o rajar das metralhadoras.”

Chacina é terrorismo de estado, não policiamento.

Mães de Maio: a reação contra a violência do Estado | Direitos Humanos

15
Jun20

Bolsonaro já perdeu na Justiça ao questionar charge que o associa ao nazismo

Talis Andrade

 

 

247 - O advogado e professor da FGV Thiago Amparo comentou o pedido feito pelo ministro da Justiça, André Mendonça, para que seja aberto um inquérito para "investigar publicação reproduzida no Twitter Blog do Noblat". A publicação trata-se de uma charge do jornalista Renato Aroeira, divulgada pelo jornalista Ricardo Noblat.

Amparo lembrou que em 2019 Jair Bolsonaro perdeu um processo semelhante.

Thiago Amparo (em 🏡)
@thiamparo

TJ/RJ, 2018: “Não há ... dano à honra a partir da impugnada charge, pois se aquela foto [ao lado do homem fantasiado de Hitler] não lhe gerou constrangimento psíquico, tampouco o desenho cômico foi passível de gerar abalo à sua honra subjetiva, ao sentimento que cultiva sobre si” https://twitter.com/blogdonoblat/status/1272353246137458691 

Blog do Noblat
@BlogdoNoblat
 

Caiu na Rede!

Ver imagem no Twitter
Thiago Amparo (em 🏡)
@thiamparo
 

A citação vem de um caso em que Bolsonaro perdeu no TJ do RJ em 2018 contra outra charge também associando-o ao nazismo. Tribunal entendeu que, por ser uma sátira, charge é em si um exagero, não uma descrição da realidade exata. Decisão está toda aqui: https://www.conjur.com.br/2019-fev-27/charge-associou-bolsonaro-nazismo-nao-ofensiva-decide-tj-rj .

Ver imagem no Twitter
Thiago Amparo (em 🏡)
@thiamparo

Aquí vemos o MJ @AmendoncaMJSP pedir investigação federal contra um jornalista por uma charge que liga o presidente ao nazismo com base na lei da época da ditadura. UMA CHARGE VIROU RISCO À SEGURANÇA NACIONAL? P.S.: TJ/RJ ja julgou caso idêntico e Bolsonaro perdeu. https://twitter.com/amendoncamjsp/status/1272578667705704448 

André Mendonça
@AmendoncaMJSP
 

Solicitei à @policiafederal e à @MPF_PGR abertura de inquérito para investigar publicação reproduzida no Twitter Blog do Noblat, com alusão da suástica nazista ao presidente Jair Bolsonaro. (...)

bolsonaro mito ovelhas nazismo.jpg

DIREITO À SÁTIRA

Charge que associou Bolsonaro a nazismo não é ofensiva, decide TJ do

.

por Sérgio Rodas

.

Se o presidente Jair Bolsonaro (PSL) não ficou constrangido de tirar foto ao lado de um homem fantasiado de Adolf Hitler, uma charge que o associa ao nazismo não causa danos morais. Foi o que decidiu a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em apelação de Bolsonaro contra o jornal O Dia.

_

De acordo com a relatora, desembargadora Cristina Tereza Gaulia, a charge tem "cunho satírico potencializado", e não intenção de manchar a honra do presidente. Só haveria dano moral se elas tivessem conteúdo claramente difamatório, e o objetivo da charge, evidentemente, foi fazer crítica com humor. Ela lembrou também que o presidente nunca tentou impedir a circulação da foto que tirou com o sósia de Hitler e, portanto, não se incomoda com a associação.

A charge foi publicada na época das eleições. Mostrava uma suástica com o rosto do hoje presidente no centro, como se as pontas dela fossem suas mãos e pés. Embaixo, os dizeres "e ninguém vai dizer nada?", chamando atenção para os discursos cada vez mais agressivos do então candidato.

Na ação por danos morais, Bolsonaro usou o episódio da facada que tomou como justificativa. Segundo ele, ao associá-lo ao nazismo, além de difamar sua imagem, a charge poderia despertar reações violentas de seus opositores. A facada, segundo ele, foi um exemplo de como ele pode se tornar vítima de alguém. O jornal respondeu que estava exercendo seu direito de liberdade de imprensa.

O pedido foi negado na primeira instância e, na terça, o TJ negou o recurso. “Não há como reconhecer qualquer dano à honra do autor-apelante a partir da impugnada charge, pois se aquela foto [ao lado do homem fantasiado de Hitler] não lhe gerou constrangimento psíquico, tampouco o desenho cômico objeto da presente ação foi passível de gerar abalo à sua honra subjetiva, ao sentimento que cultiva sobre si mesmo”, argumentou a relatora no TJ-RJ. O homem fantasiado de Hitler é Professor Marco Antônio, candidato a vereador do Rio de Janeiro em 2016 pelo PSC. Ao jornal Extra, o candidato derrotado jurou que não faz apologia ao nazismo e seu bigode, igual ao de Hitler, é "estilo francês".

Cristina Tereza Gaulia ainda destacou que só seria aceitável considerar que houve dano à imagem de Bolsonaro se, após a publicação da charge, ele tivesse caído nas pesquisas de intenção de voto para presidente – o que não aconteceu. “Ao contrário, o político em questão, ora presidente da República do Brasil, foi alçado à categoria de ‘mito’”, afirmou a desembargadora ao votar por negar o recurso do militar reformado. Todos os demais integrantes da 5ª Câmara Cível seguiram o entendimento da relatora. [Publicado in 27 de fevereiro de 2019]

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0171549-17.2016.8.19.0001

 

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