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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

16
Set23

Relatório do CNJ aponta conluio da Lava Jato para desviar, furtar, roubar recursos bilionários dos acordos de leniência e multas das delações super premiadas 

Talis Andrade

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Os criminosos usaram como armas prisões sob vara, testemunhos falsos, depoimentos terceirizados, tortura física e tortura psicológica. Conheça os principais bandidos de toga da quadrilha chefiada pelo senador Sergio Moro e o deputado cassado Deltan Dallagnol. Segundo o relatório do ministro Luís Felipe Salomão, os recursos dos acordos voltariam para a "fundação Lava Jato", numa triangulação financeira

 

Conheça os nomes dos sujeitos que usaram uma fundação de prateleira para roubar mais de 2,5 bilhões da Lava Jato, nome fantasia da quadrilha Liga da Justiça de Curitiba. Isso de uma única empresa "vítima" a Petrobras. Existem outras notadamente da engenharia pesada do Brasil que foram destruídas 

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Por Consultor Jurídico

"Verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a Petrobras pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa."

É o que diz o resultado parcial da correição extraordinária feita pela Corregedoria Nacional de Justiça na 13ª Vara Federal de Curitiba e na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que encontrou indícios de conluio com o objetivo de desviar valores bilionários para serem usados com exclusividade pelos integrantes do consórcio curitibano.

As informações foram divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça nesta sexta-feira (15/9) e decorrem da análise de uma parcela mínima dos autos de colaboração, leniência, ações penais e procedimentos diversos que tramitaram em Curitiba.

A conclusão é de que houve uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Por meio desses acordos, o grupo de procuradores de Curitiba recolheu e repassou à Petrobras R$ 2,1 bilhões entre 2015 e 2018, com autorização da 13ª Vara Federal, a título de ressarcimento pelos desvios praticados.

Esses valores permitiram à Petrobras, que era investigada por autoridades americanas, firmar acordo no exterior, segundo o qual o dinheiro que seria devido fora do Brasil acabaria investido na criação de uma fundação com o objetivo de organizar atividades anticorrupção.

Essas verbas circularam com autorização judicial concedida ao arrepio de leis que assim autorizassem, sem fundamentação e em contas paralelas sob pretexto de que o rendimento conferido ao dinheiro depositado em contas judiciais era pouco expressivo.

"Ou seja, verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a Petrobras pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa", diz o CNJ.

A correição ainda vai gerar um relatório final para apurar corretamente a responsabilidade de todos os envolvidos. O CNJ adiantou que serão propostos a abertura de procedimentos disciplinares contra os magistrados e servidores envolvidos.

Triangulação
O dinheiro que foi enviado à Petrobras pela "lava jato" apenas para voltar como investimento em uma fundação de combate à corrupção faz parte dos R$ 3,1 bilhões que, em contas superestimadas pelo MPF curitibano, seriam "devolvidos aos cofres públicos".

Já o acordo assinado entre a Petrobras e os procuradores da "lava jato" para criação da tal fundação permitiria ao grupo de procuradores gerir recursos bilionários. Em troca, a estatal repassaria informações confidenciais sobre seus negócios ao governo norte-americano.

Para viabilizar esse trânsito de dinheiro, o então juiz federal Sergio Moro instaurou um procedimento de ofício com a justificativa de que os valores depositado em contas judiciais "estavam sujeitos a remuneração não muito expressiva". E ao faze-lo, segundo o CNJ, desrespeitou a lei.

Moro não justificou a existência de algum grau de deterioração ou depreciação ou mesmo a dificuldade para a sua manutenção, como exige o artigo 144-A do Código de Processo Penal. Nem que a destinação imediata era necessária "para preservação de valor de bens", como prevê ao artigo 4º-A da Lei 9.613/1998.

Assim, o dinheiro de acordos e leniências foi para contas judiciais vinculadas a quem não era parte na representação criminal. Esses valores foram tratados como "ressarcimentos cíveis" pelo juízo criminal, sem observância do critério legal de decretação de perda.

O repasse a Petrobras foi feito sem qualquer indício de que a empresa havia corrigido ou eliminado os problemas internos que haviam permitido a a ocorrência dos crimes apurados pela "lava jato" e enquanto a mesma ainda era investigada pelo Ministéiro Público de São Paulo e por autoridades americanas.

Isso foi possível porque todas as apurações cíveis a respeito da "violação dos deveres de administração, gestão temerária ou fraudulenta" da Petrobras foram centralizadas na grupo de procuradores de Curitiba e acabaram arquivadas em razão de prescrição.

Faltou zelo
Outro indício de falta de zelo da Justiça Federal paranaense no sistema lavajatista está no fato de acordos de colaboração, de leniência e de assunção de compromissos serem homologados sem apresentação das circunstâncias da celebração e sem as bases documentais das discussões ocorridas entre as partes.

As cláusulas desses documentos prestigiavam a Petrobras, a "lava jato" e a intenção de criar uma fundação privada. Além disso, termos e minutas desses acordos foram discutidos com e avaliados pelo organismo Transparência Internacional, que por anos agiu como sócia dos lavajatistas.

A prévia da correição também destaca o esforço e interlocução dos procuradores de Curitiba junto às autoridades americanas para destinar valores oriundos do acordo firmado com a Petrobras aos interesses lavajatistas.

Um dos exemplos citados é da leniência da Braskem. "Em princípio, constatou-se que os valores apontados obedeceram a critérios de autoridades estrangeiras, o que soa como absurdo, teratológico", diz o relatório.

Clique aqui para ler o resumo do relatório parcial. Vide tags para conhecer os principais crimes da quadrilha

30
Mai23

Irmão do procurador Diogo Castor pressiona por delação

Talis Andrade

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Jornal GGN: “Tortura na Lava Jato não era só psicológica, era física” -II

 
07
Abr23

Descabimento da pronúncia de Pilatos no testemunho de "ouvir dizer"

Talis Andrade
 
 
 
Páscoa: as razões políticas por trás da condenação de Jesus à cruz - BBC  News Brasil
 
 
 

 

Por Aury Lopes Jr. e Rodrigo Casimiro Reis

 

Pode (a tão) importante decisão de pronúncia ter como "indícios suficientes de autoria/participação" a (pseudo) prova testemunhal de quem "ouviu dizer" que o acusado foi o autor? Existe suficiência probatória que 1) legitime a existência da própria decisão de pronúncia e 2) garanta ao jurisdicionado que as regras do "jogo" processual penal — mais precisamente, aquela prevista no artigo 413 do CPP [1] — sejam observadas pelo Estado-Juiz?

Recordemos que a pronúncia é uma decisão interlocutória mista da maior relevância, que significa uma barreira, uma garantia para o acusado, de que somente aqueles feitos que contenham substrato probatório mínimo de autoria sejam levados ao julgamento do conselho de sentença. É uma espécie de exigência de justa causa para a própria realização do júri, com todo o imenso custo (sob todos os aspectos) que representa esse tipo de julgamento.

A pronúncia é um "filtro" processual no qual o magistrado deverá, em tese, fazer um juízo de prelibação acerca da viabilidade da denúncia, evitando que todo e qualquer processo em que se apure crime doloso contra a vida seja de pronto submetido ao julgamento dos juízes de fato.

Porém, é aqui que reside o ponto nodal da controvérsia ora examinada, visto que, em muitos dos casos, o magistrado sumariante emite juízo positivo de admissibilidade da acusação com exclusivo respaldo em testemunho de "ouvir dizer" (também conhecido como testemunho indireto), suposto meio de prova que não se revela apto, de per si, a embasar uma decisão de pronúncia analisada sob a ótica constitucional.

Como já explicamos em outra oportunidade [2], o processo penal é um instrumento de retrospecção, de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico. Como ritual, está destinado a instruir o julgador, a proporcionar o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato. Nesse contexto, as provas são os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado (crime). O tema probatório é sempre a afirmação de um fato (passado), daí porque é imprescindível um rigoroso controle epistêmico da prova, já que é por meio das provas que o Poder Judiciário (seja por meio do juiz togado ou dos juízes fato) absolve ou condena o cidadão acusado de determinada prática delitiva.

Precisamente em virtude da possível falibilidade dos meios de prova que o CPP (mesmo tendo sido promulgado no ano de 1941 — "Era Vargas") estabelece regras sobre a admissão, produção e valoração de provas, bem como — por conta da presunção constitucional de inocência — está claramente atribuída a carga da prova (no léxico goldschmidtiano [3]) ao acusador, não havendo "distribuição" [4] como no processo civil (ou seja, o réu não tem, no processo penal, qualquer ‘carga’ probatória).  

Toda decisão penal (inclusive uma interlocutória mista como a pronúncia) por implicar em possível restrição a um direito fundamental de primeira dimensão (liberdade), deve estar embasada por substrato probatório idôneo e suficiente. Mais do que bem fundamentada, uma decisão exige qualidade e confiabilidade da prova que a sustenta.

Fixadas essas premissas, é evidente que o testemunho de "ouvir dizer" — suposto meio de prova que, embora não regulado pelo CPP —  é absolutamente inidôneo, insuficiente e imprestável para fins probatórios ou para justificar uma decisão de pronúncia. Mas, incrivelmente, ainda é muito utilizado nas instâncias ordinárias como único fundamento para prolação de decisões de pronúncia.

Mas, afinal de contas, o que é o testemunho de "ouvir dizer"? Tal dado constitui, nada mais, do que a mera reprodução do que a "testemunha" ouviu dizer de terceiros acerca da prática delitiva. Ou seja, essa pessoa ouvida em Juízo não presenciou a prática do crime, não viu o autor do delito, mas, mesmo assim, com base em relatos (= boatos) descreve em detalhes como o crime teria possivelmente ocorrido e, em muitas das vezes, ainda aponta um suspeito como responsável penal pela suposta prática delitiva apurada.

Importante frisar que a prova testemunhal é regulada pelos artigos 202 a 225 do CPP e tem como características principais a judicialidade, a oralidade, a objetividade e a retrospectividade. O testemunho de "ouvir dizer" falha nessas duas últimas características, já que a suposta testemunha não retrata fatos que tenha, efetivamente, presenciado no passado, mas apenas, tal como se faz no denominado "telefone sem fio" [5], relata o que terceiros lhe contaram sobre os fatos, resultando no inevitável comprometimento da qualidade epistêmica da prova e impedindo o acusado de contraditar a testemunha, já que essa nada sabe acerca dos fatos.

Dissertando sobre a matéria, Alexandre Morais da Rosa aponta que [6]:

"O que denominanos de depoimento por 'ouvir dizer' (indireto: alguém disse à fonte humana), no ambiente dos EUA, constitui-se em espécie do gênero 'hearsay' (...). A tensão se instaura entre o direito do acusado de promover o exame cruzado (questionamento à testemunha) perante quem irá decidir o Caso Penal, a 'confiabilidade da prova' e a 'devida apuração dos fatos'."

Além disso, no testemunho de "ouvir dizer" a pessoa ouvida em Juízo termina, em muitas das vezes, emitindo juízos de valor sobre fatos que, na verdade, desconhece, violando o artigo 213 do CPP.

Destacamos que não são raros no cotidiano forense testemunhos prestados por policiais que chegam ao local quando o suspeito da prática delitiva já está detido por populares e, quando inquiridos em audiência, esses agentes públicos afirmam que aquele acusado foi o autor do delito, sob o fundamento de que ouviu tal relato de terceiros e porque, com base em sua experiência pessoal, já teria visto o denunciado circulando nas redondezas em "atitude suspeita". Ora, afirmações dessa natureza não ensejam a contra-argumentação (inviabilizando o controle sobre a prova) e tolhem, por completo, o exercício da ampla defesa, resultando em prejuízo irreparável ao acusado.

Portanto, é completamente descabida a pronúncia de acusado com base em indícios de autoria colhidos a partir de testemunho de "ouvir dizer", elemento que não detém natureza jurídica de prova e que não deve ser objeto de valoração por parte do magistrado.

Neste tema, é importante a decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, nos autos do HC nº 632.778/AL [7], que anulou sentença condenatória lastreada em depoimento de autoridade policial que confirmou, em Juízo, relato de testemunha ouvida na fase pré-processual. No referido julgado, o STJ definiu que o depoimento prestado pela autoridade policial não tinha a natureza de prova judicial, já que "o delegado não relata fatos do crime tampouco é testemunha adicional do que consta do inquérito policial".

A possível pretensão de conferir roupagem de prova — capaz de ser valorada pelo magistrado em desfavor do denunciado — a um dado que não tem essa natureza jurídica caracterizaria o que denominamos de "metamorfose probatória" [8], fenômeno que não se amolda ao modelo de processo penal adotado pela Constituição de 1988.

Inviável que o Estado-acusação tente, por via transversa, sustentar a pronúncia do denunciado com base em relatos produzidos por pessoa que não presenciou o fato delitivo. Tal intento, se obtido, evidenciaria indevido rebaixamento do standard probatório exigido pela lei processual para a prolação de uma decisão de pronúncia.

Processo instaurado para apurar a prática de delito doloso contra a vida culmina com a prolação de decisão ao final do iudicium accusationis que, se for de pronúncia, impõe graves consequências ao cidadão, que é a submissão ao julgamento pelo tribunal do júri, bem como o estigma e até a decretação da prisão preventiva (artigo 413, §3º, do CPP).

Importante consignar que justiça não se faz a todo e qualquer custo. Punir é necessário e civilizatório, mas é preciso respeitar as regras constitucionais do devido processo penal. Como adverte Rogerio Schietti, "justiça penal não se faz por atacado e sim artesanalmente, examinando-se atentamente cada caso para dele extraírem-se todas as suas especificidades, a torná-lo singular e, portanto, a merecer providência adequada e necessária" [9].

Delineada a questão em torno da (im)prestabilidade do testemunho de "ouvir dizer", verifica-se que as turmas de Direito Penal do STJ adotam o entendimento de que referida prova indireta, por si só, não autoriza a submissão de acusado a julgamento por parte do conselho de sentença. Nesse sentido, confira-se HC nº 706.735/RS, relator ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 17/2/2023; AgRg no HC nº 751.046/RS, relator ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 22/8/2022; AgRg no AgRg no AREsp nº 2.097.753/MG, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 8/8/2022.

Ressalte-se, por fim, que, nos termos do AgRg no AREsp nº 1.957.792/MG [10], o máximo que pode se obter de um testemunho de "ouvir dizer" é um indicativo de fonte de prova, apontando testemunhas referidas que possam, eventualmente, ser ouvidas em Juízo.

Finalizando, precisamos repensar urgentemente a valoração probatória e evoluir ainda mais nesse debate, para a própria admissibilidade/inadmissibilidade da testemunha de ouvir dizer.

A título de curiosidade, no sistema inglês, existem três provas passíveis de exclusão (exclusionary rules) e proibição valoratória: a) hearsay: testemunha de "ouvi dizer"; b) Bad character: prova sobre o mau caráter. Importante para evitar o direito penal do autor (eis outra proibição de prova que poderíamos adotar, especialmente no tribunal do júri); c) Prova ilegal: concepção tradicional de proibição de valoração probatória da prova ilícita.

No Brasil, a testemunha de "ouvi dizer" (hearsay) não é propriamente uma prova ilícita, mas deveria ser evitada pelos riscos a ela inerentes e, quando produzida, valorada com bastante cautela ou mesmo não valorada. Existe uma insuperável restrição de cognição, pois não se trata de uma testemunha presencial, daí decorrendo o completo desconhecimento do fato e, portanto, um elevadíssimo risco de indução, deturpação e contaminação, pois ela acaba sendo mera "repetidora" de discurso alheio.

Não se pode admitir nem mesmo uma decisão de pronúncia com base em tão frágil indicio, pois sequer prova pode ser — a rigor — considerada.

- - - 

[1]Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

[2] LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal, 20ª edição, São Paulo, SaraivaJur, 2023, p. 395 e ss.

[3] LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal, 20ª edição, São Paulo, SaraivaJur, 2023, p. 423 e ss.

[4] No mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 9. Ed. São Paulo: RT, 2021. p. 496.

[5] Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Telefone_sem_fio_(brincadeira)> Acesso em 27 fev. 2023

[6] DA ROSA, Alexandre Morais. Guia do Processo Penal Estratégico. Florianópolis: Emais, 2021. P. 447.

[7] HC n. 632.778/AL, rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 12/3/2021

[8] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-abr-30/reis-metamorfose-probatoria-processo-penal-constitucional> Acesso em 27 fev. 2023

[9] CRUZ, Rogerio Schietti. Prisão cautelar. Salvador: JusPodivm, 2018. P. 266.

[10] Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 25/4/2022

07
Abr23

Lawfare e a manipulação política da condenação de Jesus de Nazaré

Talis Andrade
 
 
 
O povo condena Jesus
 

 

por Marcelo Aith /ConJur

- - -

Semana Santa, período introspectivo para os cristãos, é uma oportunidade em que se relembra as atrocidades feitas contra Jesus, que culminaram com sua morte de cruz. Também não há como deixar de considerar que foi uma condenação de fundo eminentemente político, imposta pelos detentores do poder, que tinham receio da ascensão de Cristo como um novo líder dos judeus. Teria sido uma típica aplicação do lawfare?

Lawfare, em poucas palavras, é o uso estratégico do direito com o objetivo de aniquilar um inimigo ou adversário político. Busca-se, em síntese, a morte política daquele que se apresenta como oposição ao setor defendido pelos grupos que detém o poder.

Para entendermos a aplicação do lawfare na condenação de Jesus, há que se contextualizar o momento histórico que os fatos se passaram. Naquela época os judeus estavam vivendo sob a dominação do Império Romano. Embora tivessem alguma autonomia em suas questões religiosas e culturais, eram dirigidos por governadores romanos e obrigados a pagar impostos ao império. Jesus histórico viveu exatamente nessa época. Em um momento em que os judeus estavam subjugados aos romanos, porém alguns poucos ainda gozavam de certa superioridade política e religiosa em relação à grande massa dos excluídos.

Os líderes políticos judeus eram os saduceus, os doutores da lei e os fariseus. O grupo dos saduceus era formado pelos grandes proprietários rurais (detentores do domínio econômico) e pela elite sacerdotal: tinham o poder nas mãos e controlavam a administração da justiça no Tribunal Supremo (Sinédrio). O grupo dos doutores da lei eram os responsáveis pela interpretação das Escrituras (juristas da época). Já os fariseus eram os que dirigiam a vontade do povo, na medida em que impunham a eles os rigores das Escrituras e com isso ditavam as regras de comportamento.

Jesus¸ nos três anos de sua vida pública, colocou o dedo nas feridas causadas pelas mazelas impostas pelos líderes políticos judeus, contestando suas leis e formas de aplicação, bem como suas tradições e o modo segregacionista que tratavam os outros povos, como, por exemplo, os samaritanos. Os samaritanos eram um grupo étnico-religioso que habitava a região montanhosa central de Israel, entre a Judeia e a Galileia. Por terem cultura e tradições distintas dos judeus, eram frequentemente considerados impuros e hereges.

Jesus pregava uma vida mais igualitária, com a diminuição das desigualdades sociais, criticando, fortemente, o fato de que muitos líderes religiosos da época excluíam os marginalizados da sociedade, como os pobres, os doentes e as mulheres. Seus discursos enalteciam a misericórdia e o amor, o perdão e a compaixão. Jesus arrastava multidões por onde passava e isso começou a incomodar, enormemente, os grupos políticos-religiosos da época.

Os referidos líderes judeus temiam que o aumento da popularidade de Jesus pudesse abalar as suas estruturas de poder, já que muitos consideravam Jesus o "Messias esperado". A gota d'água para esses líderes foi a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém no "Domingo de Ramos". Explica-se.

Conforme se extrai dos evangelistas, no domingo anterior ao da Páscoa, Jesus, acompanhado dos seus discípulos (os apóstolos e demais seguidores), foi recepcionado pelos judeus de Jerusalém como rei. Isso mesmo, como rei dos judeus. Ao entrar na cidade muitas pessoas estenderam ao chão seus mantos para Jesus passar e outros o saudaram com ramos, prática usada para recepcionar os líderes políticos, conforme se extrai do livro do Reis (um dos livros da Bíblia que está no Velho Testamento). Esse gesto simbólico era uma forma de honrar a chegada do rei messiânico prometido, que muitos acreditavam que iria libertar o povo judeu do domínio romano.

Jesus, em síntese, ao ingressar como rei dos Judeus (Messias) confronta com o centro político da sociedade judaica simbolizada por Jerusalém e pelo Templo, sede do poder econômico, político, ideológico e religioso. Jesus traz consigo a inversão de um sistema de sociedade apoiado na violência da força militar que defende os privilegiados. O povo o aclamou como aquele que trazia o reino da verdadeira justiça e a notícia se espalhou por toda a cidade. Este fato gerou nos líderes políticos (saduceus, os doutores da lei e os fariseus) a necessidade imperiosa de sufocar a ascensão de um novo líder.

Com receio do grande apoio que Jesus teve do povo judeu, os líderes se reuniram e tramaram para prendê-lo e condená-lo. Para tanto manipularam as leis, desrespeitando os procedimentos legais e os direitos do acusado, previstos na "lei mosaica" (nítida aplicação do lawfare). Cooptaram um dos apóstolos, oferecendo propina para entregar Jesus. 

Há que se lembrar que Ele foi preso à noite, no Jardim do Getsêmani, também conhecido como Monte das Oliveiras, e levado a presença do Sumo Sacerdote (Caifás), que fez alguns questionamentos sobre seus seguidores e sua doutrina. Em resposta aos questionamentos, Jesus pontuou: "Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se ajuntam, e nada disse em oculto. Para que perguntas a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles sabem o que eu lhes tenho dito". Ao responder dessa forma agiu nos exatos limites previstos da lei judaica, a qual estabelecia que todo prisioneiro, em julgamento, tinha o direito de ser confrontado com seus acusadores, fato que não foi facultado a Jesus.

Nessa mesma noite, ao arrepio do regramento da Lei Mosaica (Lei de Moisés), que vedava a realização de julgamento a noite, Jesus foi sentenciado pelos integrantes do Sinédrio (Tribunal Supremo). Depois de uma busca incessante para achar testemunhas de acusação (os delatores daquela época), duas apareceram e apontaram como suposto crime o fato de Jesus ter dito que poderia derrubar o Templo e reconstruí-lo em três dias. Templo na verdade era uma metáfora, uma vez que Jesus se referia seria a sua ressureição no terceiro dia após sua morte. Seria crime, nos termos da lei de Moisés, fazer tal afirmação? Por certo que não.

Durante o julgamento, tendo em vista a fragilidade abissal da tese acusatória, Jesus fez uso do direito ao silêncio. Então Caifás, violando a proibição legal de exigir de alguém que testificasse em seu próprio caso, o que era permitido apenas quando o acusado desejasse fazê-lo voluntariamente e, de sua livre iniciativa, pediu uma resposta de Jesus e, também, exercendo a potente prerrogativa de seu ofício de Sumo Sacerdote, para colocar o acusado sob juramento, como se fosse uma verdadeira testemunha diante do tribunal sacerdotal. 

Uma manipulação atroz contra seu suposto inimigo político (lawfare), conforme se extrai da seguinte passagem bíblica, na qual Caifás pergunta se Jesus é filho de Deus e obtém a seguinte resposta: "Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do Homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu. (...) Eu sou o que tu disseste". Diante da resposta o evangelista Lucas relata: "Então o Sumo Sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou; para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia! Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte". Uma manipulação odiosa das leis com escopo de atingir e aniquilar um "inimigo" político.

Não se pode olvidar, que nos casos criminais, a Lei Mosaica previa a pena de morte para crimes como assassinato, adultério e blasfêmia. No entanto, a lei exigia que o julgamento fosse justo e imparcial e que o acusado tivesse a oportunidade de apresentar sua defesa. Além disso, a lei exigia que duas testemunhas concordassem em suas acusações para que alguém pudesse ser condenado à morte. No caso de Jesus, não houve um julgamento justo e imparcial, pelo contrário, houve uma nefasta manipulação das leis e dos fatos, que vão desde a prisão de Jesus durante a noite, sem uma acusação clara e sem permitir que ele apresentasse uma defesa adequada, até a condenação à morte com base em testemunhos falsos e acusações de blasfêmia.

Embora a Lei Mosaica permitisse a imposição da pena de morte pela blasfêmia, o Sumo Sacerdote não tinha autoridade para condenar alguém à morte, dependendo da autorização do governador romano, razão a qual levou Jesus à presença de Pilatos, com escopo de obter a permissão para executá-lo. O restante dessa trágica história todos sabemos.

Jesus Cristo ("Rei dos Judeus") foi condenado e morto não por ter cometido um crime ou até mesmo uma blasfêmia contra o Deus dos judeus, mas sim por representar um risco para a establishment político. Os líderes políticos manipularam a lei para condená-lo sem provas com o objetivo de aniquilá-lo como uma nova liderança. Ou seja, os líderes judeus fizeram uso indevido dos recursos jurídicos para fins de perseguição política (lawfare).

Qualquer semelhança com alguns julgamentos contemporâneos na história recente do Brasil não são meras coincidências, o que demonstra a faceta obscura, perigosa, antidemocrática do idealismo que impera nas agências estatais de controle social do delito. Será que os integrantes dessas agências põem a cabeça no travesseiro e dormem tranquilamente após manipular os processos para condenar pessoas?

 

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