O dia 8 de janeiro de 2023 ficará, para sempre, registrado na memória do Brasil e do mundo: manifestantes bolsonaristas radicais invadiram a sede dos três Poderes da República e depredaram parte do patrimônio público nacional, por meio de condutas manifestamente contrárias à ordem democrática.
As investigações já estão em curso, mas ainda permanecem reflexões e dúvidas sobre os possíveis crimes praticados, bem como o alcance da responsabilidade penal daqueles que, embora não tenham executado diretamente determinados crimes, poderiam estar, em tese, envolvidos.
Pois bem. A fim de colocar luzes nesta questão, é fundamental tecer, ainda que sucintamente, algumas considerações sobre concurso de pessoas, bem como sobre a teoria do domínio do fato, que tem sido utilizada pela jurisprudência brasileira, como foi o caso da ação penal 470, de competência do Supremo Tribunal Federal.
Como se sabe, o Código Penal brasileiro, ao tratar do tema atinente ao concurso de pessoas [1], adotou a teoria monística ou unitária, isto é, não cuidou de estabelecer diferença entre autoria e participação, de modo que "quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Conclui-se, pois, que desde que respeitados os demais requisitos, todos serão responsabilizados pelo (s) mesmo (s) crime (s). Mas a questão é: quem será considerado autor e quem será o partícipe? Qual (is) requisito (s) define (m) a autoria e a participação?
Nesse sentido, a fim de propor uma diferença entre autor e partícipe, a doutrina e jurisprudência pátrias têm se valido da teoria do domínio do fato, defendida por Claus Roxin.
De acordo com o referido professor, será considerado autor quem atua com o domínio do fato, ou seja, aquele que assume a figura central do acontecer típico (Zentralgestalt des tatbestandmaBigen Geschehens) (Greco e Leite, 2014,p.25), manifestando-se, pois, de três formas: a) o domínio da ação, compreendido como autoria direta ou imediata, b) o domínio da vontade, isto é, a autoria mediata ou indireta, além c) do domínio funcional do fato, é dizer, a coautoria (Greco e Leite, 2014).
A autoria direta é exercida por aquele que executa, diretamente, a conduta típica, ou seja, o verbo-núcleo do tipo, ao passo que a autoria mediata se dá quando o autor se vale de outrem, por coação, por erro, ou por domínio dos aparatos organizados de poder do Estado, para executar o crime. Por fim, mas não menos importante, o domínio funcional é a manifestação da coautoria, isto é, quando todos assumem a figura central do acontecer típico por meio de distribuição de tarefas (Greco e Leite, 2014).
Por outro lado, será considerado partícipe aquele que exerce uma contribuição secundária na empreitada criminosa, seja prestando um auxílio material, é o que se chama de cúmplice, seja auxiliando moralmente, isto é, instigando o autor a praticar determinado fato ilícito (Greco e Leite, 2014).
Realizadas tais breves, mas importantes, considerações, cumpre-se indagar: quais seriam os possíveis crimes praticados por aquele grupo de manifestantes radicais bolsonaristas? Seria possível a responsabilização de agentes públicos? Em caso afirmativo, por qual(is) crime(s)?
Os tipos penais que têm incidência diante daqueles gravíssimos atos que tentaram conturbar o Estado de Direito e impor a vontade pelo uso da força, são aqueles previstos nos artigos 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), ambos inseridos no Código Penal pela Lei nº 14.197/2021, que revogou a Lei de
Segurança Nacional — Lei nº 7.170/83; 288 (associação criminosa); 155, parágrafo 4º, I (furto qualificado: com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa); 163, III (dano qualificado: contra o patrimônio da União); 286 (incitação ao crime), todos do Código Penal. Registre-se que, na hipótese de condenação, as penas, se somadas, podem alcançar mais de 30 anos.
A Lei nº 13.260/2016 (que disciplina o terrorismo), não tem incidência no caso, haja vista que o seu artigo 2º, ao definir terrorismo, excluiu a prática de atos por razões políticas, encerrando, pois, a discussão sobre a possibilidade de se atribuir a tais atos a qualificação jurídica de terrorismo. Como se sabe, "o princípio da legalidade dos crimes e das penas responde, ainda que num plano formal e retórico, a uma exigência de segurança jurídica e de controle do exercício do poder punitivo" (Queiroz, 2016, p. 77).
Ora, já foi possível identificar muitos daqueles autores diretos, mas, com as investigações em curso, que, certamente, oferecerão lastro probatório mínimo para oferecimento de peça acusatória pelo Ministério Público, poderão alcançar aqueles que, embora não tenham executado, diretamente, as citadas condutas típicas, assim o fizeram por meio de instigação, cumplicidade ou, até mesmo, por omissão imprópria, cuja autoria é regida por critérios distintos do domínio do fato.
Dito mais claramente, aqueles, inclusive eventuais autoridades públicas, que prestaram alguma contribuição secundária, seja instigando, seja oferecendo algum auxílio material, poderão ser responsabilizados, como partícipes, de tais graves atos.
Mas não é só. Há outra questão interessante: se, por hipótese, com a avançar das investigações, reste comprovada eventual omissão por parte de determinados funcionários públicos, eles devem responder pela omissão, propriamente dita, como, por exemplo, por prevaricação (retardar ou deixar de praticar ato de ofício…), tipificado no artigo 317 do Código Penal, ou seria possível a responsabilização pela prática daqueles atos, como se tivessem atuado de forma comissiva?
Com efeito, o artigo 13, parágrafo 2º, do Código Penal, ao tratar da omissão penalmente relevante, estabelece que o dever de agir para evitar o resultado incumbe aos garantidores, isto é, aqueles que possuem uma relação especial de proteção com o bem jurídico. Nesse sentido, tais sujeitos, desde que respeitados os demais requisitos, respondem pela omissão imprópria, ou seja, respondem pelo resultado, visto que a omissão é equiparada jurídico-penalmente à ação (Tavares, 2012).
É dizer, "o exercício de determinadas funções ou serviços públicos, ainda que não regulamentados, ou mesmo regulamentados de forma genérica, pode configurar aos seus ocupantes uma posição de garantidor" (Tavares, 2012, p.330), razão pela qual seria possível a responsabilização como se tivessem atuado comissivamente.
Sem dúvida, após uma investigação criminal profícua, capaz de oferecer suficiente base empírica para eventual futura ação penal, a correta aplicação da teoria do domínio do fato, assim como a compreensão crítica da omissão, devem servir para melhor fundamentar as posições assumidas por todos aqueles que, de alguma maneira, estão envolvidos na prática dos referidos atos antidemocráticos.
Uma nota, contudo, é fundamental: o problema que a referida teoria se propõe a solucionar é o de diferenciar autor de partícipe. "Em geral, como já se insinuou, não se trata de determinar se o agente será ou não punido, e sim se o será como autor, ou como mero partícipe" (Greco e Leite, 2014, p.22). Outra nota, de igual modo, também: "Há delitos cuja autoria se determina com base em outros critérios, que não a ideia de domínio do fato" (Greco e Leite, 2014, p.31), como é o caso dos delitos de dever, de mão própria e culposos (Greco e Leite, 2014).
O Brasil e toda comunidade internacional seguirão atentos aos desdobramentos das investigações e, respeitadas as regras do due process of law, exigirão a responsabilidade penal de todos os envolvidos: autores, instigadores e/ou cúmplices, além daqueles que, podendo e devendo agir, se omitiram diante da barbárie.
A democracia vencerá!
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[1] Artigos 29 e seguintes do Código Penal.
Referências
ASSIS, Augusto; GRECO, Luís; LEITE, Alaor e TEIXEIRA, Adriana. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro, 1ª edição, São Paulo: Marcial Pons, 2014.
QUEIROZ, Paulo. Direito Penal - Parte Geral, 12ª ed. rev., ampl. e atual, Salvador: JusPODIVM, 2016.
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos, Marcial Pons, 2012.
Paranaenses participaram dos atos golpistas desse domingo (08) em Brasília – DF. É o que mostra o perfil no Instagram chamado “Contragolpe Brasil”, que identifica os terroristas que atacaram os prédios dos três poderes, e também apuração feita pelo Parágrafo 2 em grupos golpistas do Telegram.
Milhares de bolsonaristas invadiram e depredaram prédios do poderes legislativo, executivo e judiciário na tarde deste domingo. A tentativa de golpe – que contou com a conivência do governo do Distrito Federal – se concretizou com a chegada de cerca de 100 ônibus à capital durante todo o final de semana. Entre eles, estavam ônibus vindos de cidades paranaenses.
O perfil “Contragolpe Brasil” tem identificado, desde a noite de ontem, dezenas de terroristas por meio de fotos, colocando seus nomes e, por vezes, cidade e estado onde moram. Lá, é possível encontrar ao menos seis paranaenses:
Jessiel Carrara – Assessor Pedagógico da Prefeitura Municipal de Ortigueira:
Alir José Minuzzo – Professor da rede estadual:
Adriano Kommer – Empresário que trabalha com placas de energia solar:
Jefferson Martins:
Cleiton Bortolini:
No Telegram
O Parágrafo 2 identificou três grupos da rede social Telegram que são reduto de golpistas paranaenses: Direita Paraná, Direita Curitiba e Saúde, Religião, História e Política.
A maioria dos participantes destes grupos não foi à Capital Federal. Apenas engrossam por meio do aplicativo as praticas golpistas e Fake News costumeiras. Alguns, no entanto, fizeram as malas e embarcaram na viagem insana da extrema direita.
No grupo “Direita Curitiba”,Priscila Bertottié figura atuante e desde sábado destacava que estava com a malas prontas ruma à Brasília.
De lá, Priscila abasteceu o grupo com fotos e vídeos da invasão ao Supremo Tribunal Federal (STF), comemorando inclusive a depredação ao prédio:
“arrancaram a porta do gabinete do ovo”, diz em mensagem se referindo à porta do gabinete do Ministro Alexandre de Moraes.
No grupo “Direita Paraná” o mais atuante é Givanildo de Jesus Oliveira, mais conhecido como“Giva Curitiba”. Ele foi candidato a deputado estadual na última eleição concorrendo pelo Progressistas (PP). Não é possível perceber se Giva foi à Brasília, mas sua atuação no grupo golpista é de total incentivo aos atos terroristas.
JáAdriano Azevedoé o criador do grupo golpista do Telegram “Saúde, Religião, História e Política”. Lá, há atualizações constantes sobre a situação em Brasília e o incentivo para que os protestos não parem.
Proojeto concede o título de cidadão honorário ao finado escritor e astrólogo e criador do lava mais branco da lava jato de Sergio Moro o juiz senador e Dallanol o deputador procura dor e não acha
A Câmara Municipal de Curitiba aprovou nesta terça-feira (2) em primeiro turno a concessão de título de cidadania honorária ao escritor e astrólogo de extrema direita Olavo de Carvalho, considerado o guru do bolsonarismo.
A proposição, do vereador Éder Borges (PP), contou com apoio da maioria simples dos parlamentares --um total de oito votos favoráveis. Apenas sete vereadores votaram contra; outros sete se abstiveram e os demais não votaram.
No texto do projeto de lei, proposto ainda em 2021, Borges justifica a honraria devido ao “amplo trabalho acadêmico” de Carvalho, e prossegue: “eis que contribuiu extensivamente para a academia brasileira, sendo grande influência de estudantes curitibanos das áreas do Direito, Ciência Política, Sociologia, Filosofia e História”.
O falecido Olavo de Carvalho, inspirador da falecida lava jato, ganhou fama por seus cursos sobre filosofia e política com um ponto de vista radical. Apesar de nunca ter sido levado a sério pela academia ou por autores de renome, conseguiu influenciar milhares de seguidores adeptos da extrema direita. (Com informações daCartaCapital).
Setores das Forças Armadas, certamente frustrados com o fracasso do atentado no domingo infame, encontraram um porta-voz para mandar recados em tom de ameaça ao presidente Lula. Trata-se do general da reserva Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do golpista Michel Temer.
Etchegoyen emergiu das sombras, onde atua com desenvoltura, e reapareceu num programa de entrevistas para afrontar Lula. Disse que o presidente praticou “ato de profunda covardia” ao manifestar a desconfiança de que militares tenham sido coniventes com a invasão e depredação do Palácio do Planalto.
As investigações mostram que Lula está coberto de razão em suas suspeitas. A estrutura militar da Presidência era um valhacouto de contaminação golpista que só agora começa a ser depurado.
Volto ao general tagarela. Em 2014, ainda militar da ativa, Etchegoyen também usou a palavra “covardia” para referir-se aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ele não gostou de ver os nomes dos generais Leo e Ciro Etchegoyen, respectivamente seu pai e seu tio, na lista de autores de graves violações de direitos humanos durante a ditadura.
O general tem um entendimento muito peculiar do que seja covardia. Difícil saber se por má fé ou por ignorância. Como se sabe, covardia é usar de violência e brutalidade contra alguém indefeso, dominado, mais fraco. Exatamente como fizeram agentes da ditadura com prisioneiros sob custódia do Estado. A ditadura perseguiu, torturou, estuprou, assassinou e desapareceu com os corpos de opositores. Mais de 200 não foram encontrados até hoje.
Covardia, senhor Etchegoyen, foi o que aconteceu na Casa da Morte, em Petrópolis. Covardia, senhor Etchegoyen, foi deixar faltar oxigênio nas enfermarias de Manaus e estimular a imunidade de rebanho durante a pandemia. Covardia é valer-se dos instrumentos da democracia para apregoar o golpe contra a República. Covardes!
Pautas autoritárias, privatistas, de moral e costumes ensejaram o Frankenstein do atraso e da fome
por Luiz Marques
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Entre as revoltas que precederam a declaração de Independência do Brasil, a Inconfidência Mineira (1789) refletiu os valores iluministas do século XVIII e a experiência das colônias da América do Norte. Os líderes descendiam da “casa grande” – militares, fazendeiros, magistrados, padres, poetas. À semelhança da Revolução Haitiana (1791), a rebelião mais popular foi a Revolta dos Alfaiates (1798), na Bahia, que envolveu militares de baixa patente, artesãos e escravizados. Composta por uma maioria de negros e mulatos, mirou na escravidão e no domínio dos brancos. Não buscou fundar um quilombo distante de uma cidade populosa, como era hábito dos foragidos (Palmares).
A última insurreição colonial aconteceu em Pernambuco (1817), encabeçada por militares de alta patente, comerciantes, senhores de engenho e padres (estima-se em 45), que se diziam “patriotas”. Sob inspiração maçônica, proclamou uma república autônoma que enlaçava Pernambuco e as capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Sobre o modelo escravista, iniciado logo após o descobrimento e mantido por penosos 350 anos, silêncio obsequioso. Os grilhões restariam intactos.
Apesar dos pesares, no livroCidadania no Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho salientou no evento insurgente “uma nascente consciência de direitos sociais e políticos”, na crua geografia de abestalhados – entrecortada pela mestiçagem derivada dos frequentes estupros das negras. Por república, entendia-se o governo de povos livres em oposição ao absolutismo monárquico. Não acenava um futuro com ideias sustentadas na igualdade. Com a identidade forjada em batalhas prolongadas contra os holandeses, o patriotismo do epicentro pernambucano superava o brasileiro.
Agora, um salto temporal. Adeptos do movimento golpista recente também se autodenominaram “patriotas”. Não “cidadãos”, como na terminologia propagada na Revolução Francesa para designar o pertencimento a um Estado-nação. No caucasiano acampamento da extrema direita, incubadora dos atos descompensados no 12 de dezembro e no 8 de janeiro, em Brasília, os partícipes não evocavam o conceito de cidadania ao justificar o vandalismo brutal dos símbolos republicanos. Considerando-se indivíduos de exceção perante as leis vigentes, depredaram com brutalidade os fundamentos sedimentados por práticas civilizacionais inexistentes em hegemonias fechadas.
O clamor contrarrevolucionário não se construiu em relação a um inimigo externo: portugueses, holandeses, franceses, espanhóis ou ingleses com os quais em algum momento o Brasil esteve em conflito. Dirigiu-se ao inimigo interno (o povo) que desfraldou a bandeira da democracia, em defesa das instituições da estremecidaTerra brasilis. Apostou no fratricídio e nas manipulações digitais com robôs efake news. O dedo seletivo apontou os judeus da hora: os sujeitos políticos (partidos de esquerda), regionais (nordestinos), étnicos (negros, indígenas), de gênero (mulheres), identitários (grupos LGBTQIA+) e do conhecimento (intelectuais, cientistas, agentes da cultura e das artes).
O simulacro patriótico tinha um forte ingrediente ideológico, ligado a uma visão mítico-messiânica para ocultar o antinacionalismo econômico remanescente do colonialismo. Fenômeno reatualizado pela vassalagem vira-lata ao imperialismo estadunidense e pelas privatizações crescentes. Vide o fatiamento da Petrobrás e do pré-sal. Tudo consentâneo o Consenso de Washington. A peculiaridade do neofascismo tropical foi a estreita associação com a globalização neoliberal que, com dogmas monetaristas em favor da “austeridade fiscal” e do “teto de gastos públicos”, retirou poderes da governança submissa que, de resto, cedeu-os sem um mínimo de decoro na função presidencial.
A estratégia desenvolvimentista com foco na reindustrialização para formar um mercado de massas, dentro das fronteiras territoriais, e amainar as infames desigualdades herdadas do longo ciclo de horrores, nunca integrou a agenda do Coisa Ruim. Os protestos de aparência leonina maquiavam os desprotestos raposinos, vergonhosos, pusilânimes, de traição à pátria. O objetivo era congelar a matriz colonialista (racista) e patriarcal (sexista), junto com as hierarquias sociais da antiga tradição de dominação e subordinação. A violência e a hostilidade aos progressistas tinham um por quê.
O antipatriotismo estrutural foi disfarçado com a estética verde-amarela dos desfiles, com hinos. Os toscos revoltosos concentraram os disparos nas balizas constitucionais de amparo a uma democracia com justiça social e ambiental. Por suposto, a raiva e o ódio não se estenderam até o mundo das finanças. O rebanho de manobra desconhecia os patrões e, por ignorância, aliou-se aos opressores. Para curar frustrações com as promessas descumpridas do sistema democrático, o remédio indicado foi a instalação do regime iliberal. O liquidificador fundiu a essência neofascista (Jair Bolsonaro), o neoliberalismo duro (Paulo Guedes) e o conservadorismo teocrático (Silas Malafaia, Edir Macedo). Pautas autoritárias, privatistas, de moral e costumes ensejaram o Frankenstein do atraso e da fome.
A lógica de financeirização do Estado e os interesses do agronegócio somaram-se ao predatório extrativismo de madeiras (nobres) e minerais (ouro, diamantes) da Amazônia, o que esgaçou a crise climática e o genocídio de comunidades originárias. O programa da ultradireita fez, da floresta, uma refém do totalitarismo da mercadoria. Nisto, resumiu-se a distopia de extermínio bolsolavista. Com opção de classe nítida, os entreguistas celebraram a necropolítica no aparelho estatal. Danem-se os pobres; vivam os privilégios redobrados ao capital financeiro.La noblesse du dollar oblige.
Ao transformar as “liberdades individuais” em panaceia para os problemas da nação, a obtusidade das vertentes obscurantistas entrincheirou-se em um campo específico de direitos, que abrangiam a vida, a garantia da propriedade, a segurança pessoal, a manifestação do pensamento, organizar-se, ir e vir, e acessar informações alternativas – rápido, convertidas em passaporte para o negacionismo. Quando a ênfase recai apenas nos “direitos civis” e, estes, ademais, se restringem ao usufruto dos correligionários, os “direitos sociais” e os “direitos políticos” saem pela porta dos fundos; para retomar o estudo clássico de T. H. Marschall sobre as três dimensões indispensáveis da cidadania.
No transcurso da pandemia do coronavírus, vale lembrar, uma hermenêutica levada ao paroxismo liberou o desaforo de festas privadas, superlotadas, enquanto as UTIs dos hospitais estavam abarrotadas de pacientes da covid-19. No macabro jogral negacionista, não faltaram os empresários dispostos a “salvar a economia”, à revelia dos cuidados com as normas sanitárias para a proteção da população. A desobediência narcísica aos protocolos de isolamento social, à prescrição para o uso de máscaras e à vacinação enalteceu um hiperindividualismo, de pretensões aristocráticas. Com muita arrogância, se reproduziu nas ruas a pulsão genocida encastelada no Palácio do Planalto.
O quadro sombrio desembocou nos ataques terroristas à soberania popular, com a contestação das eleições – sem provas. A convicção tola foi regada pelo despresidente pária, a partir de 2018, para arregimentar as mentalidades entorpecidas pelo antipetismo / antilulismo e jogar desconfiança sobre os suportes da democracia na institucionalidade. O fetiche da “liberdade de expressão” avalizou as realidades paralelas dos militontos, com ares de zumbis. Mas o caos não angariou outras adesões.
É necessário intensificar a disputa política e ideológica na sociedade civil, empoderar a unidade na diversidade, fortalecer a esfera pública crítica e pluralista com a voz dos segmentos excluídos. Os marginalizados da história devem ocupar um “lugar de fala”, na intrincada arquitetura do poder nos municípios, nos estados e na União. Sem esse engajamento ativo é impossível mudanças de cenário. Não basta que os democratas e os intelectuais orgânicos das classes subalternas legitimem as justas demandas “de baixo”. A situação de espectadores das narrativas ofertadas e benefícios recebidos não contempla o importante princípio da autonomia, no processo pedagógico de desalienação. “A emancipação será obra dos próprios trabalhadores”, ensinava o ainda atualManifesto comunistade 1848.
Para combater a sociopatia do extremismo direitista, a solução sob auspícios do governo liderado por Lula reside na implementação de: (a) Mais direitos sociais – saúde, educação, segurança, renda, formalização do trabalho, sociabilidade não discriminatória e; (b) Mais direitos políticos, por meio da participação cidadã ampliada para a elaboração coletiva de políticas públicas, na forma de um Orçamento Participativo Nacional (OPN). Para uma exposição detalhada, ver o artigo “Políticas participativas” de Leonardo Avritzer e Wagner Romão, no sítio internéticoA Terra É Redonda.
O desafio está em estimular a cidadania a confrontar o falso civismo que estupidificou a política, no quadriênio miliciano. Tarefa para os partidos e movimentos sociais do campo e da cidade, entidades comunitárias e estudantis, sindicatos e clubes de bocha, pagodes e saraus, ônibus e metrôs, praças e bares, almoços dominicais e intervalos dos jogos de futebol. Qualquer local. Como na bela canção de Caetano Veloso: “É preciso estar atentos e fortes / Não temos tempo para temer a morte”.
Como parte do golpe contra a democracia, que incluiu o impeachment contra a Dilma, foram restabelecidas, especialmente por setores das FFAA, as comemorações do aniversário do golpe de 1964. Era uma medida coerente com a nova ruptura da democracia.
Já no novo processo de redemocratização, estamos perto de chegar a um novo primeiro de abril. Não cabe, nesse marco, nenhum tipo de comemoração de um golpe militar.
Comemorar o quê? Quem comemoraria?
Comemorar seria saudar o golpe militar, a ruptura da democracia, os anos mais negativos da historia brasileira, marcado pela ditadura militar, pela repressão, pela tortura como forma sistemática de interrogatório, por mortes, desaparições e exílios.
Quem chega a comemorar quer isso de novo para o Brasil? Considera a ditadura melhor do que a democracia? Prefere que os militares ocupem o Estado de novo e dirijam o país? Prefere a censura em lugar da liberdade de expressão pelos meios de comunicação? Prefere eleições ou presidentes (na verdade, ditadores) nomeados pelos militares?
Seria uma comemoração dos retrocessos, a condenação da redemocratização do país. Na verdade, se constituiria em uma ação criminosa, um crime contra a democracia, um incentivo aos que querem restaurar uma ditadura no Brasil.
O ministro da defesa afirmou que terá que negociar com os militares a eventual comemoração do dia do golpe militar de 1964. Que tipo de negociação? O governo deveria proibir uma comemoração da ditadura ou negociar os termos em que poderia se dar uma comemoração do golpe militar de 1964?
O objetivo da direita é naturalizar o golpe, fazer com que seja uma data incorporada à história do Brasil, como as datas da independência, da República, entre outras. Descaracterizar a brutalidade do golpe e da ditadura militar. Que seja um período político da nossa história como outros períodos, os de caráter democrático.
Se poderia comemorar, se se fizer o que propõe um deputado do PT, de que se faça do dia 8 de janeiro o dia da luta contra o terrorismo. Comemorar o dia primeiro de abril como o dia da luta contra a ditadura.
Carlos Latuff ilustra a vantagem de ser militar golpista no Brasil
Segundo a Procuradoria, grupo pretendia sequestrar o ministro da Saúde, matar seus seguranças, se necessário, e desencadear "condições de guerra civil por meio da violência" para derrubar governo e o sistema democrático. No Brasil os safados seriam beneficiados com uma anistia ampla, geral e irrestrita
A Procuradoria federal da Alemanha apresentou nesta segunda-feira (23/01) acusações de alta traição contra cinco pessoas suspeitas de planejar o sequestro do ministro da Saúde, Karl Lauterbach, e a derrubada do governo alemão.
Segundo os promotores, o grupo formado há cerca de um ano pretendia desencadear "condições de guerra civil na Alemanha por meio da violência" a fim de derrubar o governo e a democracia parlamentar.
Todos os cinco indiciados estão presos desde o ano passado, quando as autoridades revelaram pela primeira vez os detalhes da suposta conspiração.
Em nota, a Procuradoria federal, com sede na cidade de Karlsruhe, informou que o grupo estava disposto a usar violência e até cometer assassinatos para alcançar seus objetivos.
Nesta segunda-feira, o ministro da Saúde agradeceu aos investigadores e ao Departamento Federal de Investigações (BKA, na sigla em alemão) por sustar a trama. "Os oficiais do BKA arriscam suas vidas por nós. Isso é uma grande conquista", escreveu Lauterbach no Twitter.
O que eles planejavam?
Em um plano de três etapas, os conspiradores pretendiam atacar as fontes de energia a fim de causar um blecaute nacional, sequestrar o ministro da Saúde e matar seus seguranças, se necessário, e depois convocar uma assembleia para depor o governo e nomear um novo líder.
A Procuradoria concluiu que o grupo tinha o objetivo de substituir o sistema democrático por um "sistema autoritário de governo baseado no modelo do Império Alemão".
Segundo os promotores, os suspeitos fizeram preparativos cada vez mais concretos e formaram dois ramos separados de seu grupo, um militar e outro administrativo.
O que mais se sabe sobre os indiciamentos?
Segundo a Procuradoria federal, os cinco indiciados – quatro homens e uma mulher – responderão ao tribunal regional superior em Koblenz, no estado da Renânia-Palatinado.
Eles foram acusados formalmente de "fundar ou ser membro de uma organização terrorista doméstica" e "preparar um ato de alta traição" contra o governo federal.
Alguns dos indiciados também enfrentam outras acusações, como preparar um ato grave de violência que constitua uma ameaça ao Estado ou financiar o terrorismo.
A imagem das Forças Armadas foi jogada no lixo. Cada cena de vandalismo em Brasília é associada à proteção dada pelo Exército aos bandidos acampados em área militar
Sérgio Etchegoyen foi a ponta de lança da invasão militar na área civil. Levado por Michel Temer para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), lotou o Palácio e o governo de militares e se tornou uma espécie de braço-direito do general Villas Boas, na consolidação do poder militar.
Na reserva, cumpriu papel similar aos colegas da reserva que, nos tempos da ditadura, eram chamados de generais-maçanetas, contratados como lobistas de empresas privadas para abrir portas no governo – em geral, dominadas por colegas militares. Montou uma empresa de “compliance” com o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. O que ele entende de compliance? Nada. É evidente que seu trabalho consistiria em atuar junto a setores do governo controlados por militares. Ou seja, abrir maçanetas.
É interessante analisar o conceito de covardia. Onde reside o poder e a influência de Etchegoyen? Em sua carreira militar e nas suas relações com colegas da ativa e da reserva. Ele faz ataques dessa ordem contra o Presidente da República porque tem, atrás de si, a solidariedade da instituição que o abrigou e abrigou várias gerações de Etchegoyen.
E como ele retribui? Ajudando a afundar ainda mais a imagem do Exército.
É evidente que há conspiradores militares – como é evidente que não conseguiram unanimidade para perpetrar o golpe. Mas a imagem das Forças Armadas foi jogada no lixo. Cada cena de vandalismo em Brasília é associada à proteção dada pelo Exército aos bandidos acampados em área militar, e escudando-se em famílias militares.
Qual seria o papel de um militar que honrasse a farda? Batalhar para limpar as Forças Armadas, para exigir que os maus elementos sejam punidos, para fortalecer os colegas que procuram devolver as Forças Armadas ao caminho da disciplina e da legalidade.Etchegoyen cumpre o caminho inverso.
Vale-se de seu cargo de militar da reserva para falar em nome das Forças Armadas, comprometendo ainda mais sua imagem. Vale-se do corporativismo mais nocivo, aquele que não vacila em comprometer sua corporação, em nome de uma causa menor.
O que o general Arruda fez, na verdade, foi dar fuga aos que, naquele momento, eram os alvos das prisões
por Denise Assis /Portal 247
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Uma conjunção de fatores levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a demitir o General Júlio César de Arruda, que havia assumido o cargo de comandante do Exército, ainda sob o comando do governo Bolsonaro (dois dias antes de sua saída). O gesto tinha ingredientes de insatisfação, conforme chegou a ser confidenciada aos do seu redor. O general Arruda era um dos que não estava disposto a bater continência para Lula. Não porque apoiasse integralmente Bolsonaro (se assim fosse, teria embarcado de forma mais escancarada em seu plano autoritário). Mas por não aceitar Lula, a quem se referia entre os da sua confiança, como o “descondenado”.
Para o lugar de Arruda já foi designado o chefe do comando militar do Sudeste, Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que desde ontem bombava na Internet, pelo discurso feito em uma cerimônia no seu quartel general, em que dizia da importância de se respeitar o resultado das urnas e do seu entendimento de que a função dos militares é a defesa da pátria e a de servir ao Estado. Era tudo o que Lula precisava ouvir, depois de uma reunião com os três comandos, para sentir o pulso dos chefes nas três áreas das Forças Armadas.
A má vontade do comandante Arruda para com o governo que se inicia ficou demonstrada quando fez corpo mole na retirada do acampamento de golpistas da porta do seu QG, onde permaneceram por dois meses e foram gestados os atos de terror do dia 12 de janeiro - o da diplomação do presidente. Também o atentado a bomba que parecia ter planos de mandar pelos ares, na véspera de Natal, o aeroporto internacional de Brasília, foi arquitetado e levado a termo, conforme o autor da montagem da bomba (George Washington de Oliveira Sousa, em seu depoimento à Polícia), no acampamento.
Por fim, tornou a sua condição ainda mais frágil, com a célebre frase dita ao interventor Ricardo Capelli, designado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, para assumir a segurança do Distrito Federal, no calor da tentativa de golpe, em 8 de janeiro. “Você não vai prender ninguém aqui”, foi o que lhe disse o general Arruda, conforme contou em entrevista ao247. Em seguida perfilou blindados na frente do Quartel, impedindo que a Polícia Militar prendesse os acampados, onde, depois se confirmou, estavam os parentes de muitos oficiais que estavam dentro do QG.
Para agravar o risco de sua permanência no cargo de comandante, o general Arruda ainda chegou a mencionar para o ministro da Defesa, José Múcio, na manhã deste sábado (21/01), que estaria solidário com os militares investigados e apontados como participantes dos atos de terror. Afirmou que não permitiria que fossem punidos.
O que o general Arruda fez, na verdade, foi dar fuga aos que, naquele momento, eram os alvos das prisões. Sob o argumento de que o ato de os prender poderia levá-los a uma reação violenta, num ambiente mal iluminado, e já quase madrugada, o general contribuiu para que muitos se evadissem.
As alterações na área militar não devem parar por aí. O presidente Lula está a caminho de Brasília para finalizar uma reunião entre o ministro da Casa Civil, Rui Costa e o ministro da Defesa, José Múcio. Alvo de muitas críticas, principalmente por suas falas sobre os acampados - que chamou de “manifestantes democráticos”, o ministro chegou a citar até que tinha amigos e parentes entre eles, numa tentativa visível de minimizar a ferocidade dos acampados, que pôde ser sentida nos atos de depredação e terror na invasão dos espaços do Palácio do Planalto, do Congresso e do Superior Tribunal Federal.
Em café da manhã com jornalistas, logo após o golpe, o presidente Lula falou da sua indignação quanto à inação do seu aparato de inteligência. Para demonstrar o teor da sua decepção, iniciou uma ampla reforma dos quadros militares, demitindo cerca de 40 deles destinados a servi-lo no Palácio da Alvorada (dentro do que seria a sua casa), e vários integrantes do GSI, dirigido pelo general Gonçalves Dias que, note-se, não estava numa reunião com os comandantes.
Anote-se, ainda, que segundo a edição da Folha de hoje, está na planilha do presidente uma alteração radical na segurança do seu entorno. Nas mãos do ministro da Justiça, há uma minuta de PEC e um projeto de lei para criar e regulamentar uma guarda nacional responsável pela segurança do que o ministro está chamando de “espaços cívicos”. Isto compreende a área central de Brasília, onde está a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes, embaixadas e demais prédios ligados ao governo federal. A finalidade da atual guarda palaciana é proteger o Palácio, mas no dia 8 de janeiro não o fez. Lula chegou a observar, no encontro com os jornalistas, que a porta do Planalto foi aberta para os invasores.
De acordo com as investigações, houve uma ordem do diretor do GSI, 20 horas antes do ataque dos terroristas, para que a guarda colocasse de folga cerca de 36 homens do seu quadro de 200. Ou seja, os ataques a Lula vieram de muitos outros lados que não apenas dos murros e urros dos invasores do Planalto.
Em entrevista Exclusiva à GloboNews, também nesta semana, o presidente disse com todas as letras não ter pressa em punir. Quer que os responsáveis pelas apurações trabalhem com calma e inteligência, cruzando dados e apurando com esmero todos os detalhes, a fim de penalizar os responsáveis, sejam eles militares ou civis.
Ao concordar em antecipar uma reunião que estaria sendo agendada para o final do mês, com as três Forças, o presidente Lula tentava não só acalmar os ânimos, mas sentir o pulso dos comandos. Ao final da reunião, foi o ministro Múcio o responsável por falar com a imprensa. Para alguns quadros do PT, a fala de Múcio, sendo peremptório em livrar as Forças Armadas da tentativa de golpe, foi exagerada. Porém, para o general Arruda, o primeiro a se manifestar com o ministro sobre a reunião, ainda que a boca miúda, a fala de que os militares acusados e culpados serão exemplarmente punidos, o deixou irritado. Disse que não puniria nenhum dos seus militares.
Para culminar na sua demissão, pesou o fato de o comandante ter permitido que um dos principais auxiliares do presidente Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, já está com seu futuro decidido. A partir de janeiro, ele deve comandar um dos batalhões do Exército, em Goiânia (GO).
Cid ocupou o cargo de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República e é uma das pessoas mais próximas a Bolsonaro, a ponto de movimentar todas as despesas pessoais da família do ex-presidente. O batalhão comandado pelo ex-ajudante de ordens é especial, uma espécie de P-2 do Exército, incumbido de missões estratégicas e de investigação. Quando veio a público essa manobra de Bolsonaro, o presidente teria ficado surpreso e questionou o general Arruda. Este, no entanto, não se mostrou disposto a demiti-lo da nova função, que descreveu como uma promoção natural na ascensão na carreira. Demonstrou que nada faria para mudar a situação. Foi a gota d’água.
Não se sabe como ficará a situação do ministro José Múcio, ainda em reunião à espera da chegada de Lula a Brasília. Pode ser que ele permaneça no cargo, mas com as alterações ainda em curso, tudo pode acontecer. Inclusive, nada.
[Nota deste correspondente: O general promoveu, em nome de Lula presidente, o coronel caixa 2 do governo corrupto e genocida de Bolsonaro]
É doentia a atitude de quem, na política e na mídia, quer dar ar de “caças às bruxas” à remoção dos grupos remanescentes do bolsonarismo na administração federal.
Os afastamentos são muito poucos, perto da gravidade que se revelou na inacreditável omissão dos agentes públicos, civis e militares, mais chocantes a cada sequência de imagens do 8 de janeiro que é publicada, mostrando que a sede do governo brasileiro foi escancarada e abandonada às hordas que o atacaram naquele domingo.
Ainda mais quando se vê a resistência destemida da Polícia Legislativa, diante da invasão do Senado, fica claro que o Palácio do Planalto estava abandonado pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial, a quem competia guardá-los.
Não é possível, diante disso, manter pessoas que, antes de serem servidores, mostraram, por seus atos, serem agentes do golpismo. Não só devem ser afastados, como responsabilizados administrativa e penalmente.
Na área militar, isso é ainda mais necessário. E deveria partir dos próprios comandos, a menos que queiram ser vistos – como está acontecendo com os acampamentos golpistas – como cúmplices dos depredadores.
Não se lhes pede submissão política, pede-se algo que deveria antes ser uma exigência no trato com militares: a lealdade, aquela que permite divergir sem desconfiar.
Mas se enganam se acham que Lula está atemorizado ou que vá aceitar algum tipo de tutela em troca de ser “tolerado”. Não o fará.
É o comportamento dúbio das Forças Armadas que as coloca numa posição de fraqueza, ao menos para que cometam a insensatez de colocarem-se fora do comando presidencial, porque isso é igualá-las ao bolsonarismo a seus selvagens, sobretudo depois do 8 de janeiro.
E, claro, a “minuta do golpe”, que as colocavam como vanguarda da ofensiva golpista sobre o resultado das eleições. Se era à revelia, que o provem.
Se não exorcizarem o fantasma, serão permanentemente assombrados por ele.
O dia 8 de janeiro é o dia da infâmia, do estupro institucional. Da vergonha. Aquele dia que todos — todos — deveriam repudiar. Mas, lamentavelmente, muita gente — deputados, senadores, advogados (sim, causídicos), jornalistas e jornaleiros — em total dissonância cognitiva, buscam justificativas para esse ataque terrorista às instituições.
O primeiro ingrediente desse caldo é a criminalização da política. Com a criminalização da política, a fragilização das instituições é (i)mediata.
Vem a fome insana de autocratismo. Não é por nada que, dia sim e outro também, o artigo 142 da CF era invocado, para justificar intervenção militar e quejandices mil. Não havia dia em que o então presidente da República não invocasse alguma coisa para insinuar ou até pregar golpe de Estado. Presidente da República, militares, alguns juristas, rádios — todos transformados em vivandeiras. A bulir com os granadeiros...!
Resultado: o dia 8 de janeiro. Na política exsurgiu o fanatismo e a violência. Já no direito — parece incrível, não? — surgiu o ius vivandeirismo. Fora o "recado" explícito, na base do chute na canela, dado via Twitter pelo general Villas Bôas, em clara ameaça ao STF, lembram? Ali começou a chover na terra, como dizia o poeta Eráclio Zepeda.
Sem esquecer as ironias nada irônicas do general Augusto Heleno, que, infelizmente, não leu Rei Lear, do Bardo. Aliás, ambos, Bôas e Heleno, deveriam ler Rei Lear: na peça, o bobo da corte sintetiza o destino do rei: "Pobre Lear, que ficou velho antes de ficar sábio". O que o Bardo quis dizer? Simples: há que se saber envelhecer para colher o único fruto que a idade pode dar em troca de todas as outras perdas: o conhecimento. A sabedoria. Captaram?
Quem pariu mateus que o embale? Ledo engano. Quem pariu o 8 de janeiro está ainda impune. Poucos se deram conta do(s) ovo(s) da(s) serpente(s). De 2014 em diante (tudo já estava se desenhando em 2013).
Pergunto: quantos integrantes da comunidade jurídica perceberam que o lavajatismo incubava o autoritarismo e o próprio bolsonarismo que, paradoxalmente, já existia (dormitava) mesmo sem Bolsonaro? Muito poucos. Um pouco de poucos.
O mais grave: até parte considerável dos progressistas apoiou o lavajatismo. Importantes advogados, jornalistas, jornaleiros e até partidos políticos se encantaram com o "novo jus tenentismo". A tentação sempre é grande. O moralismo ingênuo fragilizou, como sempre faz, a autonomia do direito.
Resta confiar nas instituições democráticas. Como disseram bem Walfrido Warde e Rafael Valim, cenas de vandalismo deviam horrorizar o país e conduzir a uma unânime defesa do Estado Democrático de Direito. O escândalo? É que isso não aconteceu, lembram os articulistas.
De efetivo, parece que muita gente não convive bem com a democracia. Por isso, há que se usar os rigores da lei.
Se a choldra, o valhacouto, a rafanalha estuprou simbolicamente os prédios dos Poderes da República, há que se ter claro que esses foram instigados, financiados, empurrados, liderados e mandados para cometer o atentado ao Estado Democrático de Direito. Os próximos dias revelarão os cúmplices e coautores. Para o bem da República.
E que aprendamos a ficar de olho no chocamento de ovos de serpentes. Quando a lava jato iniciou, os que compreenderam o fenômeno cabiam em um fusca. Depois em uma kombi. Hoje já há uma frota.
O mais curioso de tudo isso é que existam advogados metidos nisso. E advogados defendendo golpismo. Que coisa. Onde foi que erramos? Eu sei. Escrevo sobre isso há décadas.
Não cuidamos dos currículos das faculdades, dos concursos públicos (veja-se que um juiz chegou a conceder um mandado de segurança para, mutatis, mutandis, garantir o direito fundamental a pedir golpe de estado), enfim, desdenhamos do direito. Resultado: eles estão por aí. Na advocacia e nas carreiras de Estado. E na política.
Como dizia o poeta mexicano, quando as águas da enchente descem a serra e cobrem a tudo e a todos, é porque de há muito começou a chover na serra.
É que muita gente não se deu conta.
Vamos repetir os mesmos erros? Ou vamos praticar passapanismo?