STF derruba ações de retaliação ajuizadas por juízes contra jornal e jornalistas
Por Danilo Vital
O ajuizamento de dezenas de ações padronizadas contra jornalistas de uma mesma publicação com o intuito de retaliação e imposição de mordaça representa abuso do direito de acesso à Justiça e fere a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Ministra Rosa Weber reconheceu abuso praticado por meio da série de processos. Desenho de J. Bosco
Com esse entendimento, e por maioria de votos, o Plenário do STF julgou procedente uma reclamação constitucional e derrubou uma série de processos movidos por juízes contra o jornal Gazeta do Povo e jornalistas que atuam ou atuaram no veículo.
As ações seriam uma retaliação contra uma série de reportagens publicada pelo jornal mostrando que juízes e promotores recebem salários abaixo do teto, mas se beneficiam de auxílios e benefícios como forma de "indenização", que não se submetem a esse limite.
Todos os processos estão paralisados ou com seus efeitos suspensos desde 2016, por decisão da ministra Rosa Weber. A alegação dos autores da reclamação é de que o objetivo é punir jornalistas e empresa e, assim, evitar novas reportagens desfavoráveis ao Judiciário do Paraná.
Votaram com a relatora os ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Alexandre de Moraes, seguido pelo ministro Kassio Nunes Marques.
O jornal Gazeta do Povo foi representado na causa pelo advogado Alexandre Jobim.
ADPF 130
As ações foram derrubadas por meio de reclamação constitucional. O STF entendeu que elas ofenderam o que a corte decidiu na ADPF 130, em que declarou inconstitucional a Lei de Imprensa de 1967, aprovada sob uma ótica cerceadora da liberdade de expressão e que permitiria tais exercícios judiciais.
Para ministro Alexandre de Moraes, reclamação foi ajuizada antes de existir qualquer decisão a violar a ADPF 130. Desenho de Cícero
Relatora, a ministra Rosa Weber apontou que as ações são padronizadas, foram ajuizadas em um diminuto espaço de tempo e em diferentes comarcas, o que só foi possível porque os autores escolheram usar os Juizados Especiais.
Com isso, jornal e jornalistas se viram obrigados a lidar com audiências em diversas comarcas paranaenses em datas e horários próximos, senão simultâneos, o que indica uma ação dolosa para prejudicar o exercício do fundamental do direito de defesa.
"Nesse diapasão, e porque independente de configuração de culpa, entendo caracterizada, no caso dos autos, a prática do exercício disfuncional — e ilegítimo — do direito de ação em desfavor dos ora reclamantes, utilizada com o propósito intimidatório da imprensa", afirmou a ministra.
Ação antecipada
Abriu a divergência o ministro Alexandre de Moraes, com base em óbices processuais. Em sua análise, o uso da reclamação é inviável porque, quando ela foi ajuizada, não havia nenhum ato decisório proferido pelos juízos reclamados.
"Ou seja, no momento em que provocada a corte, não seria possível sequer falar em eventuais violações aos paradigmas apontados como violados, tendo em vista a ausência de qualquer manifestação de méritos."
Assim, segundo Alexandre, o receio do jornal e dos jornalistas sobre a possibilidade de os juizados ferirem o que o STF decidiu na ADPF 130, ainda que justo e fundado, não autoriza que eles usem a reclamação constitucional para acionar o tribunal.
Clique aqui para ler o voto da ministra Rosa Weber Clique aqui para ler o voto do ministro Aleandre de Moraes Rcl 23.899
"A Corregedoria-Geral da Justiça, órgão deste tribunal, já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração dos fatos", afirma o TJ-SC em nota à imprensa. O tribunal também diz que o processo está sob segredo de Justiça, "pois envolve menor de idade, circunstância que impede sua discussão em público".
A menina, acompanhada de sua mãe, foi para o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina, para realizar o aborto com 22 semanas e dois dias. Como as normas do hospital permitem o procedimento até a 20ª semana de gestação, a equipe médica exigiu uma autorização judicial.
A juíza Zimmer afirmou, em audiência, que o aborto após esse prazo "seria uma autorização para homicídio" e perguntou se a garota poderia "esperar um pouquinho" antes de abortar.
Informam as jornalistas Paula Guimarães, Bruna de Lara e Tatiana Dias: Criança está há mais de um mês em um abrigo, longe da família, para que não tenha acesso a seu direito: um aborto legal.
Deputada federal Natália Bonavides denunciou: Uma CRIANÇA de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, está sendo induzida criminosamente pela justiça de Santa Catarina a evitar que interrompa a gestação. Querem submetê-la à segunda violência de ter um filho de um estuprador. Que a menina tenha seus direitos respeitados!
Em audiência, juíza de SC induz menina de 11 anos grávida após estupro a desistir de aborto
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Uma criança de 11 anos, grávida após ser vítima de um estupro, está sendo mantida pela justiça de Santa Catarina em um abrigo há mais de um mês para evitar que faça um aborto legal. Dois dias após a descoberta da gravidez, a menina foi levada ao hospital pela mãe para realizar o procedimento. O Código Penal permite o aborto em caso de violência sexual, sem impor qualquer limitação de semanas da gravidez e sem exigir autorização judicial. A equipe médica, no entanto, se recusou a realizar o abortamento, permitido pelas normas do hospital só até as 20 semanas. A menina estava com 22 semanas e dois dias. Foi então que o caso chegou à juíza Joana Ribeiro Zimmer.
A criança, que tinha 10 anos quando foi ao hospital, corre risco a cada semana que é obrigada a levar a gestação adiante devido à sua idade, segundo laudos da equipe médica anexados ao processo e especialistas consultados pelo Intercept. Ribeiro afirmou, em despacho de 1º de junho, que a ida ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a criança do agressor, mas agora havia outro motivo. “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.
Na data de publicação desta reportagem, a menina já caminha para a 29ª semana de gravidez. Uma gestação leva, em média, 40 semanas.
Em 4 de maio, quando foram ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, o HU, ligado à UFSC, a mãe e a menina afirmaram à psicóloga do hospital que não queriam manter a gravidez, segundo laudo da profissional.
Dois dias depois, a promotoraMirela Dutra Alberton, do Ministério Público catarinense, ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina, onde deveria “permanecer até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”. No texto, a promotora reconhece que a gravidez é de alto risco: “Por óbvio, uma criança em tenra idade (10 anos) não possui estrutura biológica em estágio de formação apto para uma gestação”.
Na autorização da medida protetiva, a juíza compara a proteção da saúde da menina à proteção do feto. “Situação que deve ser avaliada como forma não só de protegê-la, mas de proteger o bebê em gestação, se houver viabilidade de vida extrauterina”, escreve. “Os riscos são inerentes à uma gestação nesta idade e não há, até o momento, risco de morte materna”, ela escreveu, repetindo a avaliação que consta em um laudo médico do hospital emitido em 5 de maio.
A menina, então, foi levada a um abrigo, longe da família. Em 9 de maio, durante audiência judicial em que ela, sua família e sua defensora foram ouvidas pela juíza e pela promotora, todos se comprometeram a tomar medidas para evitar novos abusos. Para preservar os envolvidos, não iremos mencionar os suspeitos ou a investigação criminal.
As imagens dessa audiência permanecem sob sigilo judicial, mas foram enviadas ao Intercept por uma fonte anônima. Os vídeos são um raro registro da conduta de autoridades nesse tipo de audiência e mostram que, apesar de ser mencionada a possibilidade do aborto legal, prevalece a defesa da manutenção da gravidez e do parto antecipado. Os rostos da menina e da mãe, assim como suas vozes, foram alterados para preservar suas identidades.
A proposta feita pela juíza e pela promotora à criança no dia 9 de maio é que se mantenha a gravidez por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a chance de sobrevida do feto. “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza. A promotora Alberton, lotada na 2ª Promotoria de Justiça do município de Tijucas, diz: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”. Ela continua: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.
A psicóloga Thais Micheli Setti, funcionária da prefeitura de Tijucas – uma cidade localizada entre Balneário Camboriú e Florianópolis, no litoral catarinense –, acompanha a menina. Após atendê-la em 10 de maio, registrou que a criança mostrou que não entende o que está acontecendo. “Apresentou e expressou medo e cansaço por conta da quantidade de consultas médicas e questionamentos, além do expresso desejo de voltar para casa com a mãe. Relatou estar se sentindo muito triste por estar longe de casa e que não consegue entender o porquê de não poder voltar para o seu lar”, diz o laudo.
Sem mencionar à menina o direito previsto em lei, a juíza afirma que o aborto não poderia ser realizado. “A questão jurídica do que é aborto pelo Ministério da Saúde é até as 22 semanas. Passado esse prazo, não seria mais aborto, pois haveria viabilidade à vida”, diz a juíza.
Ribeiro se refere ànorma técnica do Ministério da Saúde sobre agravos resultantes de violência sexual. O documento, que tem caráter de recomendação, estabelece como referência o prazo de 20 a 22 semanas para o abortamento. Para a juíza, o aborto após esse prazo “seria uma autorização para homicídio, como bem a dra. Mirela lembrou. Porque, no Código Penal, está tudo muito especificadamente o tipo penal”, ela fala durante a audiência.
“Isso não é verdade”, disse ao Intercept a jurista Deborah Duprat, ex-subprocuradora da República, que estudou a fundo o tema na época do julgamento do STF sobre oaborto em caso de anencefaliado feto. “O Código Penal permite [o aborto] em qualquer época, ainda mais em uma criança. Além do impacto psicológico, tem a questão da integridade física. É um corpo que não está preparado para gravidez”, explicou a jurista.
A audiência avança, e a conversa retoma a ideia de que a gestação deve prosseguir para que o bebê seja entregue à adoção. A juíza Ribeiro e a criança travam o seguinte diálogo:
– Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer? – pergunta a juíza.
– Não – responde a criança.
– Você gosta de estudar?
– Gosto.
– Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?
– Sim.
Faltavam alguns dias para o aniversário de 11 anos da vítima. A juíza, então, pergunta:
– Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?
– Não – é a resposta, mais uma vez.
Após alguns segundos, a juíza continua:
– Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção? – pergunta, se referindo ao estuprador.
– Não sei – diz a menina, em voz baixa.
A audiência com a mãe da vítima segue no mesmo tom. “Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, afirma Ribeiro. Ela responde, aos prantos: “É uma felicidade, porque não estão passando o que eu estou”.
Após ser questionada pela juíza sobre qual seria a melhor solução, a mãe segue: “Independente do que a senhora vai decidir, eu só queria fazer um último pedido. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um, dois meses, três meses [grávida], não sei quanto tempo com a criança… Mas deixa eu cuidar dela?”, suplica. “Ela não tem noção do que ela está passando, vocês fazem esse monte de pergunta, mas ela nem sabe o que responder”.
Nós procuramos a juíza Joana Ribeiro para que comentasse seu procedimento. Ela informou que “não se manifestará sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa. Não só por se tratar de um caso que tramita em segredo de justiça, mas, sobretudo para garantir a devida proteção integral à criança”. Anota, enviada pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, afirma ainda que “seria de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça, com toda a responsabilidade e ética que a situação requer e com a devida proteção a todos os seus direitos [da menina]”.
Questionamos a promotora Mirela Dutra Alberton sobre o impedimento de a menina acessar o aborto legal. Ela respondeu que o hospital “se recusou a realizar a interrupção da gravidez” e que, caso houvesse “uma situação concreta de risco”, seria “obrigação” dos médicos agirem, o que não aconteceu. “Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento”, afirmou, emnota.
Pedimos também que Alberton comentasse a forma como falou com a criança sobre o aborto legal. Ela afirmou que, como a menina não sabia o que era o abortamento, a frase “em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando” foi dita “no sentido de esclarecimento sobre as consequências do procedimento de interrupção da gravidez, já que o avançado estado da gravidez viabilizava a vida extrauterina”. Ela ressaltou que, na época, não sabia que o aborto era realizado de forma que o feto saísse do útero já sem batimentos cardíacos.
Apesar de o primeiro laudo ter apontado que não havia risco de morte para a menina, outros médicos do mesmo hospital avaliaram o contrário em depoimentos na audiência e em outros laudos anexados ao processo. Em um deles, de 10 de maio, a médica Maristela Muller Sens, também do HU, recomenda a interrupção da gestação da menina alegando riscos como anemia grave, pré-eclâmpsia, maior chance de hemorragias e até histerectomia – a retirada do útero, consequência irreversível.
Ainda assim, foi mantida a autorização para “interrupção de gravidez assistida”, ou parto antecipado, pedida em 12 de maio pela promotora Alberton, para “salvaguarda da vida da criança e do concepto, a critério da equipe médica responsável, encaminhando-se o concepto imediatamente aos cuidados médicos”.
No mesmo dia, o juiz Mônani Menine Pereira, do Tribunal do Júri de Florianópolis, autorizou o aborto legal. “A negativa de pretensão pelo Judiciário sujeitaria não só a criança, mas toda a família da paciente ao sofrimento psicológico intenso, inclusive diante dos riscos que a gravidez representa à própria vida da infante, conforme anotações médicas juntadas”, argumentou o juiz.
Contudo, no dia seguinte, o alvará foi cassado pelo próprio Pereira. Foi uma resposta à petição feita pelo Ministério Público sob alegação de que o caso já era acompanhado pelas varas da Infância e pela Vara Criminal da Comarca de Tijucas, “com adoção de medidas judiciais em favor da infante e do nascituro antes da propositura desta ação”. Neste mesmo dia, uma decisão foi expedida pela Vara Criminal de Tijucas, autorizando uma cesariana antecipada “de modo a salvaguardar a sua vida [da menina] e a do concepto”.
A advogada da família entrou, então, com um requerimento para que a menina fosse liberada para realizar o aborto legal, mas ele foi negado pela desembargadora Cláudia Lambert de Faria. Ela argumentou que, embora houvesse o “risco geral de uma gravidez em tenra idade”, a menina não se encontrava em “risco imediato”. Em 8 de junho, a advogada Angela Marcondes, que integra a Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina, já havia apresentado um agravo ao Tribunal de Justiça e pedido à Vara Cível de Tijucas que a criança saísse do abrigo. “Nesse momento, a pessoa precisa estar com a mãe. É um momento muito delicado da vida dela”, a advogada nos afirmou por telefone.
Entramos em contato com a mãe da criança. Muito abalada, ela preferiu não dar entrevistas.
CONDUÇÃO DA AUDIÊNCIA É ‘ABERRAÇÃO’, DIZ JURISTA
Na sexta-feira, 13 de maio, o procurador Paulo Ricardo da Silva concordou com o pedido feito pela advogada da mãe e da filha, “a fim de que, de forma imediata e urgente, seja revogada a medida de proteção de acolhimento”. O procurador diz que a promotora Mirela Dutra Alberton e a juíza Joana Ribeiro teriam cometido uma série de irregularidades. “Não é demais afirmar que o desenvolver processual se torna um ‘show de horrores’, desvirtuando-se da sua finalidade e se tornando, explícita e sistematicamente, cenário de violação de direitos da infante interessada”, alegou na manifestação. Apesar de a liminar não ter sido atendida, o mérito do pedido ainda não foi julgado pelo Tribunal de Justiça.
A nosso pedido, a desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, também vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, analisou as imagens da audiência.
“Estuprada uma menina de 10 anos de idade, simplesmente a justiça decidiu que era melhor aguardar que o bebê nascesse, ainda que prematuro, para dá-lo em adoção. Tentou-se convencer a menina e a mãe dela para aguardarem o prazo com uma linguagem perversa, falando em ‘neném’, em ‘bebezinho, seu filhinho’, perguntando se ela queria escolher um nome”, falou a jurista. “Na minha trajetória de 50 anos, entre magistratura e advocacia, eu não tinha visto uma aberração dessas. Isso porque os médicos disseram que estavam prontos para simplesmente suspender a gravidez. E a juíza, junto com a promotora, resolveu que não”.
A ex-subprocuradora-geral da República Deborah Duprat também analisou o vídeo e destacou o fato de que a audiência se desenvolve sem a garantia de que a criança está entendendo o que se passa. “É tudo muito desconforme daquilo que se presume ser uma proteção integral à criança”, disse Duprat, que classifica a audiência como “violência”. “Uma criança pedindo um socorro judicial, e o socorro não veio. Veio a culpa, a criminalização, porque ela vai cometer ‘um homicídio’”.
Do ponto de vista legal, a realização de um aborto não pode ser equiparada a um homicídio. A advogada Sandra Lia Bazzo, co-coordenadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, lembrou que o Código Penal gradua de forma diferente os diversos estágios da vida. Quando se trata de vida em gestação, é aborto. O homicídio só existe quando se mata uma pessoa já nascida. “O próprio Código Civil diferencia o conceito de pessoa do de ‘nascituro’ porque a personalidade civil começa a partir do nascimento com vida”, explicou Bazzo.
Já a advogada Mariana Prandini, professora da Universidade Federal de Goiás, afirmou que a juíza e o estado brasileiro praticam uma “violência que poderíamos enquadrar como cárcere, porque a menina foi institucionalizada e retirada do convívio familiar para justificar a proteção a um feto”.
Em nova audiência, em 23 de maio, a juíza Ribeiro chegou a nomear um advogado como curador do feto, de modo a garantir que a criança que o carregava não acessasse o direito ao aborto legal. “Isso de curador do feto é um absurdo, não tem pé nem cabeça, não sei de onde ela tirou isso”, criticou José Henrique Torres, juiz titular da 1ª Vara do Júri de Campinas.
Ele e quatro outros especialistas concordaram que manter uma gestação contra a vontade da menina caracteriza, em tese, uma forma de violência institucional. “A única coisa que precisa ser preservada nesse momento é a vida dessa menina”, completou Torres.
A DESCOBERTA DA GRAVIDEZ
Independentemente de consentimento ou violência, a situação vivida pela menina configura estupro de vulnerável, crime previsto no artigo 217 do Código Penal, já que uma criança não tem desenvolvimento suficiente para verdadeiramente consentir com um ato sexual.
Segundo o processo, a gravidez foi descoberta alguns dias antes do aniversário de 11 anos da menina por meio de um teste rápido de farmácia, realizado depois que a mãe estranhou os enjoos da criança e o crescimento de sua barriga. Em 3 de maio, o resultado do teste feito no dia anterior foi confirmado por uma ultrassonografia em uma consulta particular. No dia seguinte, a família buscou o Conselho Tutelar de Tijucas e, depois, o hospital de referência no serviço de aborto legal, o HU da UFSC.
No serviço, a menina foi internada para a realização dos exames e, no dia seguinte, foi liberada. O protocolo interno do serviço limitava a realização do aborto legal à 20ª semana de gestação, seguindo a recomendação mais conservadora da norma técnica do Ministério da Saúde. Por causa das duas semanas e dois dias acima do limite interno, a equipe exigiu uma autorização judicial para fazer o aborto.
“É tradicional que o aborto seja feito até 22 semanas porque, depois disso, o feto é considerado viável. Alguns dizem que é viabilidade teórica, outros dizem que é real, alguns defendem estender o prazo. Quando chega nesse ponto, costuma envolver tensão e isso é judicializado”, explicou ao Intercept Getúlio Souza, psicólogo e mestre em psicologia institucional. “Existem protocolos para realizar depois de 22 semanas, mas depois desse prazo há outras questões médicas”, disse Souza, que atuou no Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual do Hospital das Clínicas do Espírito Santo.
Um parecer de bioética, realizado em 7 de junho a pedido da juíza, deu respaldo à decisão de estender a gestação. “Predomina em Bioética a necessidade de profissionais de saúde atuarem em respeito às normas legais do país, de modo a respeitar os direitos estabelecidos em lei, salvaguardando a liberdade de escolha da mãe (neste caso a vítima de violência sexual), quando a idade gestacional é menor que 20 semanas. Sabe-se que este não é o caso”, diz o documento, assinado por Mário Antonio Sanches, doutor em teologia e pós-doutor em bioética, Angelita Wisnieski da Silva, psicóloga e mestra em bioética, e Rafaela Wagner, pediatra.
“Em um caso tão grave quanto esse, tanto faria se ela estivesse com 24 semanas. Quando a gente trata de risco de morte, não há que se falar em idade gestacional”, avaliou o médico Jefferson Drezett, que por mais de 20 anos esteve à frente do serviço de aborto legal do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Segundo ele, a gravidez nessa idade é “sabidamente de muito alto risco”, e é preciso lembrar que o risco de morte não é necessariamente iminente – ou seja, não significa que a criança esteja prestes a morrer.
Contatamos o HU, que confirmou exigir autorização judicial para realizar o aborto após as 20 semanas. “Realizamos inúmeros encaminhamentos ao poder judiciário que, normalmente, defere o pedido com agilidade, compreendendo a complexidade e urgência da situação”, afirmouem nota. “No entanto, há situações, pontuais, cuja conduta do poder judiciário não corresponde à expectativa da equipe”.
A nota afirma ainda que o HU “discorda” que “o parecer técnico dos profissionais desta instituição tenha respaldado o encaminhamento do MP”. Apesar da afirmação do hospital, o Ministério Público citou nos autos do processo argumentos de dois médicos da instituição para defender a manutenção da gravidez.
ABRIGADA PARA NÃO CONSEGUIR O ABORTO
Além dos riscos à vida da menina, médicos também questionaram a proposta de parto antecipado. “Levar algumas semanas adiante, para nós não é uma coisa que a gente pode dizer: ‘vai ser bom para os dois’. Porque, assim, [para] uma criança [de] até 27, 28 semanas de gestação, o risco é 50% de mortalidade”, afirmou a médica Emarise Medeiros Paes de Andrade na audiência de 17 de maio, frisando o grande risco que criança e feto correriam.”É muito menos danoso que fosse um abortamento nessa fase do que um parto [normal] ou cesárea para a idade dessa menina”.
Segundo o depoimento da médica, mãe e menina “tiveram um convencimento emocional de que deveriam levar a gravidez adiante”. Ela afirmou ainda: “O que eu posso dizer, tecnicamente, é que uma criança de 10 anos é uma criança de 10 anos. É uma pessoa que tem imaturidade cognitiva, biológica e emocional para tomar uma decisão. É uma criança que tem biologicamente danos para ela poder levar uma gravidez”.
No entanto, o depoimento que baseia parte da tese da juíza é de outro médico, da UTI do HU. “Trata-se de um bebê em gestação, que não tem como expressar sua voz, mas cujo interesse é o direito à vida, já assegurado pela tecnologia médica a partir da 23ª semana com os recursos atuais do Hospital Universitário da UFSC, conforme depoimento do médico neonatal Marcelo José Panzenhagen. Logo, havendo 50% de chance de vida, há interesse real do bebê garantir seu direito a nascer”, afirmou a juíza na audiência de 23 de maio.
O fato de a mãe e a menina reiterarem o desejo de fazer o aborto aumentou a resistência da juíza em tirar a menina do abrigo. “A situação é clara: há o risco para o bebê em gestação, como bem acentuou o curador nomeado para o bebê em gestação, e há o risco de violência psicológica com a menina”, argumentou Ribeiro em um despacho de 1º de junho.
Ela afirmou que, após nova visita ao hospital, a criança foi convencida a mudar o que tinha dito em juízo – apesar de a menina ter deixado claro no início da audiência que não gostaria de seguir com a gravidez.
Ouvida durante a audiência de 23 de maio, a psicóloga Amanda Kliemann, que atendeu a menina no HU, mostrou preocupação com a forma que a saúde mental da criança estava sendo abordada na justiça – o laudo psicológico e os de outros profissionais sustentam o desejo da menina de interromper a gestação.
Uma decisão autorizou em 3 de junho que a menina e a mãe ficassem em um abrigo para vítimas de violência. Contudo, foi só na última sexta-feira, 17 de junho, que elas conseguiram ficar juntas.
LIMITE DE SEMANAS NÃO EXISTE
Em 8 de março deste ano, a Organização Mundial de Saúde, a OMS, publicou o documentoAbortion Care Guideline– em português, Diretrizes de Atenção ao Aborto –, que atualiza as recomendações para protocolos de abortamento. O órgão enfatiza que os limites gestacionais não são baseados em evidências científicas e estão associados ao aumento das taxas de mortalidade materna e a maus resultados de saúde. “Embora os métodos de aborto possam variar de acordo com a idade gestacional, a gravidez pode ser interrompida com segurança, independentemente da idade gestacional”, diz o documento.
Para respaldar o argumento de que a proteção da vida do feto é equiparável ao direito da criança de acessar o aborto legal, a juíza Joana Ribeiro citou aConvenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, de que o Brasil faz parte. Ele dispõe, em seu artigo 4º, que os estados devem proteger o direito à vida “pela lei e, em geral, desde o momento da concepção”.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsável por interpretar o pacto, se manifestou nocaso Artavia Murillo vs. Costa Rica, de 2012, que tratava de fertilização in vitro. Concluiu-se que um direito absoluto de vida pré-natal seria contrário à proteção dos direitos humanos, porque significaria que o direito à vida do feto teria um valor superior ao do direito à vida da pessoa nascida e gestante.
Para Deborah Duprat, o tema já foi interpretado pela própria Corte Interamericana e pelo Brasil no julgamento do aborto em casos de anencefalia. “Já houve explicação suficiente de que o pacto não é impeditivo de aborto. Tanto que há países signatários da convenção que permitem o aborto”, explicou.
Desde 2016, o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulherdenunciaque a gravidez infantil forçada é um tratamento cruel e degradante, equivalente à tortura. “O estado retarda o dever legal de prestar o serviço de saúde, a ponto que não haja mais tempo para o aborto, obrigando crianças a serem mães. Mesmo que ela doe, ela vai ter parido”, argumentou a advogada Sandra Lia Bazzo. “E aí vem a tortura, porque esse foi um ato que ela não procurou, que está sendo imposto ilegalmente a ela e que vai ter repercussão para o resto da vida, nos casos em que elas [as meninas grávidas] sobrevivem”.
Colaboração: Daniela Valenga, Fernanda Pessoa e Schirlei Alves.
Aperseguição a jornalistas por meio de processos judiciais vai além das ações impetradas pelos próprios magistrados e sempre ameaçou a liberdade de imprensa. Nos últimos anos, porém, essa prática aumentou tanto que ganhou até um nome: assédio judicial. Isso acontece quando são orquestradas várias ações contra um mesmo veículo ou jornalista, por várias pessoas ou entidades diferentes, e quando uma mesma pessoa processa um jornalista várias vezes, explica a advogada Tais Gasparian, que há mais de 10 anos defende vítimas de processos como esses.
Um exemplo é um caso ocorrido no Paraná em 2016, em quedezenas de juízes e promotoresdo Ministério Público se incomodaram com uma reportagem sobre seus supersalários, publicada na Gazeta do Povo. De forma simultânea, os juízes e promotores citados no texto moveram mais de 40 processos contra todos os profissionais que assinaram a matéria, incluindo os repórteres e um analista de sistemas.
As ações foram movidas em várias cidades, obrigando os profissionais a viajarem o estado inteiro para audiências. Somados, os pedidos de indenização ultrapassaram a quantia de R$ 1 milhão. O caso foi tão absurdo que o Supremo Tribunal Federalsuspendeutodas as ações. A corte agora decide se elas devem ser julgadas pelo Judiciário local ou pelo próprio STF. Valores de indenização muito altos, reforça Gasparian, cumprem a função de intimidar e prejudicar financeiramente o jornalista.
Segundo umlevantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, com dados até 2021, jornalistas e veículos de comunicação foram alvo de mais de 4 mil processos por calúnia, injúria e difamação desde 2002 – 97% das ações, contudo, foram movidas nos últimos 10 anos. A maioria delas são de políticos, mas há também os casos que envolvem magistrados, como revela o mapeamento que fiz para esta reportagem. Mesmo quando não é praticado pelo Judiciário, o assédio judicial conta com o apoio de juízes e desembargadores, pois são eles quem condenam os jornalistas ou os veículos a pagarem altas indenizações ou a retirarem conteúdo do ar. Em outras palavras, são os magistrados que ajudam a censura a se concretizar.
Se você fizer uma busca na internet pelo blog paraense Rondon Sem Censura, por exemplo, não vai encontrá-lo. Ele foi censurado. Em 2012, o juiz Gabriel Costa Ribeiro alegou que sua honra estava sendo atacada pelas publicações e conseguiu uma liminar que obrigava o Google a retirar“do mundo virtual”não apenas os textos que o citavam, mas todo o blog. Caso o Google não cumprisse a determinação, a multa diária seria de R$ 100 mil. Como o site ficou no arpor mais de um mês, a justiça do Pará ainda mandou bloquearR$ 3 milhões nas contas da multinacional.
97% dos processos por crimes contra a honra que miraram jornalistas desde 2002 foram movidos nos últimos 10 anos.
A liminar requerida pelo juiz Ribeiro foi julgada em apenas dois dias na comarca de Rondon do Pará, cujo único magistrado, na época, era ele mesmo. A decisão foi tomada por um colega, o juiz substituto Jonas da Conceição, que estava temporariamente responsável pelos processos na cidade durante os dois dias que Ribeiro se ausentou por uma licença-médica.
Por considerar que a decisão feria “os princípios constitucionais da livre manifestação de pensamento e liberdade de expressão”,o Google recorreu. A empresa alegou que a maior parte das publicações do blog sequer citavam o juiz Ribeiro e, por isso, excluí-lo por completo causaria “uma gritante desproporção na aplicação da razoabilidade”.
Para Gasparian, obrigar a retirada de uma reportagem do ar é uma ordem extrema que afeta gravemente não apenas a liberdade de expressão, mas a liberdade de informação. “Os sistemas de publicação dos sites de notícias permitem que um texto seja corrigido, se for o caso. Mas excluir um conteúdo e banir informação do conhecimento público é censura”, diz a advogada.
Argumentos como esses não convenceram a desembargadora do Tribunal de Justiça do Pará, Gleide Pereira de Moura, que analisou o recurso do Google. Ela manteve a decisão de retirar o blog do ar e apenas reduziu a multa diária para R$ 2 mil.“Nada há de pedagógico ou informativo no blog referido, mas sim comentários pueris e injuriosos”, escreveu a magistrada. Como queria o juiz Ribeiro, o Rondon Sem Censura desapareceu da internet.
Todos os magistrados foram procurados por meio da assessoria do Tribunal de Justiça do Pará, que não respondeu aos questionamentos feitos.
Em 2014, foi a vez da justiça do Rio Grande do Sul, que censurou uma matéria do repórter Rogério Barbosa, publicada no Conjur, site especializado em assuntos jurídicos. Ele escreveu que a juíza Fabiana dos Santos Kaspary usava o espaço das notas de expediente, publicadas no site do tribunal estadual, para dar conselhos amorosos como esse: “Não precisa agir como um ogro.O amor acabou, mas vocês já se divertiram um bocado juntos”.
Essa e outras dicas para o fim de um relacionamento realmente estavam lá, mas a juíza alegou que foi um “erro cartorário” e que o jornalista se aproveitou disso para ridicularizá-la com “matéria de cunho vexatório”. Ele e o site foram condenados a pagar, juntos, R$ 12 mil. O texto foi excluído do Conjur, maso encontreireproduzido em outra página.
Por meio da assessoria do tribunal, a juíza Kaspary respondeu que “o processo em questão não tem relação com liberdade de imprensa e nem com assédio judicial”, portanto, o caso “não se enquadraria no tema abordado” pela reportagem.
Em Pernambuco, a juíza Blanche Maymone Pontes Matos ganhou, após acordo, R$ 10 mil e um direito de resposta no UOL. Ela moveu dois processos contra o veículo e a jornalista Fabiana Moraes, então colunista do site e atualmente colunista do Intercept. A magistrada se incomodou com o texto“Ministra Rosa, juíza Blanche e preso preto: tudo é cor no Brasil de Kafka”, no qual a jornalista recorreu a um jogo de palavras e cores para tratar do racismo estrutural no Judiciário. A juíza foi citada porque, entre outras decisões questionáveis mencionadas no texto, ela considerou legal a prisão em flagrante de um homem negro, acusado de furtar uma bicicleta de aluguel – mas o objeto sequer tinha sido encontrado com ele. Em sua defesa, a juíza Blanche alegou que não é racista, pois é até “casada com um negro”.
Os argumentos dela convenceram o juiz Sérgio Paulo Ribeiro da Silva, da comarca de Recife, que concedeu o direito de resposta à colega de toga. Embora tenha reconhecido que é “inegável e nefasta a existência de racismo estrutural” – exatamente o ponto principal do texto da jornalista –, o magistrado se recusa a admitir que as decisões judiciais tenham alguma coisa a ver com isso, pois acredita que não “sejam eivadas de discriminação racial, a ponto de serem elas as responsáveis pelo perfil dos detentos do país”. Umrelatório do Conselho Nacional de Justiçade 2020, contudo, aponta que combater o racismo no Judiciário é urgente.
Os dois magistrados foram procurados por meio da assessoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que não respondeu aos questionamentos e me orientou a enviá-los para a associação de magistrados do estado. A assessoria da entidade, porém, disse que “não responde por processos movidos individualmente por magistrados e magistradas” e que não tem autorização para passar seus contatos de telefone.
Mais recentemente, em fevereiro deste ano, o jornalista Rubens Valente foi obrigado a pagar cerca de R$ 310 mil por danos morais ao ministro Gilmar Mendes pela publicação do livro “Operação Banqueiro”. A sentença, reformada pelo STJ e confirmada pelo STF, mesmo tribunal do qual Mendes faz parte, ainda impôs ao jornalista que inclua, em uma futura edição do livro, a sentença e a transcrição da petição do ministro, que tem cerca de 200 páginas.
De acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, noticiado pela Agência Pública, a jurisprudência criada pelo STF para condenar o jornalista Valente foi usada em quatro processos no STJ e em outros 10 julgamentos nos tribunais estaduais de primeira e segunda instâncias até dezembro de 2021. Os mesmos argumentos serviram como parâmetro também para o cálculo de reparação por danos morais, com valores semelhantes aos milhares cobrados de Valente.
Em abril de 2021, a Abraji lançou o Programa de Proteção Legal para Jornalistas, para dar apoio jurídico a profissionais de imprensa. A iniciativa, diz otexto de apresentaçãodo projeto, é uma “resposta ao crescimento das ameaças à liberdade de imprensa e do assédio judicial”.
Outra iniciativa para coibir a perseguição à imprensa vem da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI, queentrou com duas ações, atualmente em andamento no STF. Uma delas cobra que “apenas a divulgação dolosa ou gravemente negligente de notícia falsa possa legitimar condenações”. A outra pede que os ministros assegurem aos jornalistas “o direito de não responder a ações penais por calúnia ou por difamação pelo simples fato de exercerem com destemor seus ofícios”.
Atualização: 10 de maio, 19h18 No dia seguinte à publicação deste texto, a Associação dos Magistrados Piauienses enviou uma nota afirmando que “o desembargador Erivan Lopes é um cidadão e, como tal, tem direitos” e agiu conforme a lei permite para “defender sua imagem e honra que, no seu entender, estavam sendo atacadas criminosamente pelo jornalista” Arimatéia Azevedo. A Amapi continua, dizendo que a reportagem “omite sabidamente” que Azevedo já havia sido preso em 2005 e tece “considerações tendenciosas”, por, no passado, “a autora da matéria” ter trabalhado no “mesmo grupo de comunicação” que ele. Esclarecemos que o processo a que se refere a nota não tinha relação com o tema desta reportagem, por não haver indício de que o caso configure assédio judicial. Reforçamos ainda que toda a investigação está ancorada em fatos, além de apresentar diversas outras histórias para além da de Azevedo, não havendo qualquer motivação escusa para a publicização do que vem ocorrendo com este e outros profissionais da imprensa.
[Nota deste correspondente: Em mais de 70 anos de jornalismo, escrevendo texto, editando jornais, criei dezenas de termos. Assédio Judicial, inclusive]
Desgostosos por serem citados em reportagens, juízes e desembargadores contam com colegas para ganhar processos contra jornalistas e censurar a imprensa.Ilustração: Amanda Miranda para o Intercept Brasil
Levou menos de um mês para o desembargador Erivan Lopes, então presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, levar a melhor num acordo contra três jornalistas em 2016. Ele se irritou com uma reportagem que dizia que sua filha, servidora do Judiciário piauiense desde 2011, tinha sido favorecida com uma transferência para exercer cargo com gratificação no Tribunal de Justiça do Maranhão, antes de cumprir os três anos de estágio probatório.
O magistrado ganhou quase R$ 16 mil de indenização por difamação, e a reportagem foi excluída dos sites em que foi publicada. Alguns veículos que replicaram a matériatambém publicaram retratação. Já os jornalistas tiveram que pedir desculpas na audiência e publicar um texto admitindo que erraram como parte do acordo, embora não haja o reconhecimento judicial de que a difamação ocorreu de fato. O resultado da audiência também foi rapidamente anunciado no site do tribunal, sob o título “Jornalistas que difamaram presidente do TJ-PI vão pagar indenizações”. Profissionais da imprensa do estado que leram aquele texto entenderam o recado: não mexam com o desembargador Lopes.
Três anos depois, contudo, o jornalista Arimatéia Azevedo mexeu com o magistrado. Ele cobre a política e a polícia do Piauí há cinco décadas e, em julho de 2019, teve acesso a informações exclusivas sobre umadenúncia feita ao CNJpelo Ministério Público do Piauí. O desembargador Lopes havia sido acusado de comprar um terreno sem documentos e depois usar da sua influência para legalizar a terra – a tradicional grilagem. Azevedo publicou reportagens e notas sobre o caso no seu site, o Portal AZ, e em uma coluna que mantinha no Jornal O Dia, do Piauí. Não deu outra – o jornalista foi processado por Lopes. Embora não haja uma relação direta entre o que aconteceu nos anos seguintes, chama atenção que após contrariar o desembargador, Azevedo tenha passado a sofrer censura na sua atividade profissional e a enfrentar uma série de outras denúncias que culminaram em processos por estelionato e extorsão e em mandados de prisão em 2020, 2021 e 2022.
Em resposta aos questionamentos enviados ao desembargador, eleafirmaque tem “apreço e respeito à liberdade de imprensa”, e reconhece a sua importância para a democracia. Mas, “como qualquer outro direito protegido pela Constituição, a liberdade de expressão encontra limites, de modo a não ofender o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem das pessoas”. O magistrado diz, ainda, que busca inibir os ataques contra a sua honra “com o amparo das normas legais”.
De norte a sul do país, magistrados têm interferido na liberdade de imprensa e ganhado um bom dinheiro com isso. Mapeei uma série de casos em que membros do judiciário seguiram o exemplo do desembargador Lopes: desgostosos com o que leem, apelam a colegas de profissão para calar jornalistas. Na maioria das situações, há também pedidos de indenização que chegam a milhares de reais, extrapolando os valores cobrados em ações do mesmo tipo, mas que não têm a imprensa como alvo. Com dívidas judiciais, a sobrevivência financeira – principalmente de profissionais independentes ou de pequenos veículos de comunicação – é dificultada.
Conseguir informações oficiais sobre esses processos não é tarefa fácil. Pedi a todos os estados brasileiros, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre ações de magistrados contra jornalistas porcalúnia,injúriaedifamaçãomovidas entre 2010 e 2020, mas só os fóruns do Amapá e de Roraima me responderam no prazo legal de 20 dias. Para chegar aos casos que cito nesta reportagem, contei com levantamentos feitos pela Associação Brasileira de Jurimetria, a ABJ, pela Associação Brasileira de Jornalismo, a Abraji, e pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, além de notícias divulgadas pela imprensa.
Todos os processos têm em comum o uso da justiça para censurar, intimidar e prejudicar financeiramente jornalistas ou veículos. Como são ações movidas por magistrados e julgadas entre colegas de tribunal, o corporativismo exerce forte influência nas decisões.
Nove anos de prisão
O inferno judicial vivido por Azevedo começou depois que o desembargador Lopes apresentou uma queixa-crime contra o jornalista em julho de 2019. Incomodado com as reportagens publicadas no Portal AZ sobre a denúncia de grilagem de terras, o magistrado concluiu que Azevedo tinha a intenção de ofendê-lo moralmente por meio de “sistemática campanha difamatória” e o acusou de calúnia, injúria e difamação. O desembargador também pediu uma indenização por danos morais, que deveria ser determinada pela justiça.
Por e-mail, Lopes me disse que o jornalista, “aproveitando-se da vulnerabilidade da minha imagem perante a opinião pública”, colocou em prática a sua “pistolagem digital” para o ofender agressivamente com “insultos e adjetivações degradantes até publicações mentirosas e caluniosas que abalaram minha honra e saúde” – diferentemente, a seu ver, dos demais jornalistas e órgãos de imprensa, que apenas noticiavam os fatos relacionados à reclamação disciplinar a que o magistrado respondia no CNJ.
O processo movido pelo magistrado ainda estava em andamento quando a denúncia contra ele no CNJfoi arquivada, em setembro de 2019, e o jornalista repercutiu a informação. Por e-mail, Lopes me disse que as reportagens reiteravam “as ofensas criminosas”. Por conta disso, alegando “fatos novos”, o desembargador fez pedidos mais extremos à justiça. Ele queria que Azevedo fosse proibido de escrever reportagens envolvendo seu nome e que fossem retiradas do Portal AZ todas as notícias que o citavam. Em caso de descumprimento, o magistrado pedia uma multa de R$ 50 mil por matéria e, “sendo necessário”, a prisão preventiva do jornalista.
Liberdade de expressão pode ser censurada quando há excessos e abusos’.
Foram necessários apenas dois meses para que o juiz Almir Abib Tajra Filho, da 8ª Vara Criminal de Teresina, considerasse que os pedidos de Lopes eram apropriados e concedesse uma liminar, em dezembro de 2019, que obrigava Azevedo a cumprir a ordem judicial em 24 horas, sob risco de ser preso. Para Tajra Filho, a “liberdade de expressão pode ser censurada quando há excessos e abusos”. Em março de 2021, o processo foi concluído em primeira instância, com a condenação do jornalista a três anos de prisão pelos três crimes de que foi acusado. Ele recorreu e ainda aguarda decisão em segunda instância. Tajra Filho não respondeu aos meus questionamentos sobre o caso.
Antes dessa sentença, Azevedo já tinha sido preso em junho de 2020, devido a uma denúncia de extorsão. Ele foi acusado de cobrar R$ 20 mil para retirar do ar uma reportagem sobre o erro médico de um cirurgião, que havia esquecido a gaze dentro de uma paciente. O inquérito sobre esse caso foi instaurado no dia 5 de junho pelo Grupo de Repressão ao Crime Organizado, o Greco, e andou rápido. No dia 11, policiais entraram na casa do jornalista para cumprir um mandado de prisão preventiva e apreender seus celulares. Curiosamente, algum tempo depois dessa operação, a imprensa passou a receber vazamentos de informações que só estavam nesses aparelhos, inclusive contatos da lista telefônica de Azevedo.
O mandado de prisão preventiva foi expedido pelo juiz Valdemir Ferreira Santos, da Central de Inquéritos. Ele também proibiu o jornalista de publicar matérias que citassem o médico, o Greco ou qualquer um dos policiais da unidade. Entre abril de 2020 e março deste ano, o magistrado exerceu uma função da confiança do desembargador Lopes, que era o corregedor do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí – Santos foi seu juiz auxiliar.
Por e-mail, o magistradoalegouque, por lei, é proibido de se manifestar sobre processos em andamento, mas destacou que “em todos os referidos procedimentos, não se investiga o exercício constitucional do direito fundamental da liberdade de expressão, e sim a suposta prática de delitos graves de extorsão”.
Azevedo tem 69 anos e, à época, sequer conseguiu da justiça estadualo direito de cumprir prisão domiciliar, mesmo sem ter sido condenado nesse caso e com a recomendação do CNJ para que os magistradosreavaliassema situação dos idosos em prisão provisória por conta da pandemia. A decisão só foi revertida cinco meses depois, em novembro de 2020, por decisão unânime do STJ. Para a relatora do pedido de habeas corpus, ministra Laurita Vaz, não existiam motivos para prendê-lo, especialmente porque o crime não teria sido cometido com violência e não ficou comprovado que o jornalista oferecia algum perigo caso fosse solto. Para o ministro Rogério Schietti, a medida mais estranha e “desproporcional” foi a proibição do exercício da profissão. O caso segue em andamento e ainda não teve decisão.
Depois do habeas corpus do STJ, Azevedo voltou ao trabalho, mas foi novamente preso em outubro de 2021, por outra denúncia de extorsão. O mandado de prisão preventiva é do mesmo juiz Santos, que tem cargo de confiança do desembargador Lopes na Corregedoria do TRE do Piauí. Dessa vez, a prisão foi justificada por umainvestigação da Polícia Civil, que apontou que Azevedo e o advogado Rony Samuel estavam tentando tirar dinheiro do empresário Thiago Duarte, proprietário da empresa Saúde e Vida, por meio de notas publicadas no Portal AZ. Tendo o advogado como fonte, o jornalista publicou em sua coluna que o empresário tinha recebido do governo do Piauí pagamentos suspeitos por serviços que não foram comprovadamente oferecidos.
O curioso nesse caso é queo advogado disse, em depoimento à polícia, que repassou as informações a Azevedo porque queria pressionar o empresário Duarte e que o jornalista não sabia das suas verdadeiras intenções. Por meio de lobby, Rony conseguiu que o governo quitasse um débito de quase R$ 500 mil com a empresa Saúde e Vida e ele esperava receber uma comissão por isso, o que não aconteceu. Mesmo assim, o advogado não foi preso, enquanto Azevedo ficou na cadeia por 48 dias, até conseguir um habeas corpus para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
A prisão mais recente do jornalista aconteceu em março de 2022, após sua condenação por estelionato a nove anos de cadeia em regime fechado. Em uma ação movida pelo Ministério Público do Piauí, o jornalista é acusado de falsificar certidões da Receita Federal para receber R$ 68 mil de um contrato com o governo estadual.
Embora três pessoas tenham sido processadas, apenas Azevedo foi condenado pelo juiz Ulysses Gonçalves da Silva Neto. A denúncia contra Maria Thereza Azevedo, que é citada no processo como dona do Portal AZ e é filha do jornalista, foi separada em outro processo que está em andamento. Já Welson Souza Costa, que tinha 1% do capital social do site, foi absolvido. O juiz entendeu que ele estava alheio às “questões gerenciais e diretivas” do veículo e que executava apenas “afazeres de menos importância”.
Para Azevedo, porém, a sentença foi a prisão, mesmo com a condenação apenas em primeira instância. Ele sequer poderia recorrer em liberdade, devido à sua “periculosidade social”, principalmente por causa do “fácil acesso que o réu tem à internet e a dispositivos que permitam continuar utilizando seu jornal, o Portal AZ, como forma de perpetrar crimes”. O jornalista ficou na cadeia pouco mais de um mês e conseguiu um novo habeas corpus. Atualmente, segue cumprindo prisão domiciliar, usando tornozeleira e impedido de exercer a profissão.
Por telefone, a filha do jornalista, Haidyne Azevedo, me disse que existe um “complô judicial” contra seu pai. “É uma articulação voltada a criminalizar o exercício da sua atividade jornalística para que ele perca a credibilidade, tenha honra, reputação e saúde atingidas”, acredita. Já o desembargador Lopes diz que essa “narrativa” de perseguição por parte de autoridades do Judiciário a um jornalista sério e respeitado é falsa. “O fato público e notório é que ele há muito tempo faz uso criminoso da profissão para caluniar e extorquir pessoas na busca de proveito financeiro”, diz Lopes.
Para Giuliano Galli, coordenador da área de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog, a tentativa de censura e o assédio judicial a Azevedo se tornam mais evidentes quando se juntam todas as peças de como a justiça respondeu às denúncias contra ele e os termos usados na última condenação. “Falar que um jornalista representa periculosidade social para pedir a sua prisão é um absurdo”, afirmou. “Sem entrar no mérito da culpa, pois isso cabe à investigação, defendemos que os profissionais tenham direito a um sistema de justiça de forma ampla e que qualquer acusação seja investigada dentro da lei, não de uma forma abusiva, como está acontecendo nesse caso” (Continua)
Condenação de Dallagnol expõe conivência da imprensa com o terror jurídico. Que o jornalismo não mais abandone a Justiça em favor de justiceiros
Em sua coluna na Folha de S.Paulo desta sexta-feira (25), o jornalista Reinaldo Azevedo afirma que a imprensa corporativa "deveria ter aproveitado a punição aplicada pelo STJ a Deltan Dallagnol para fazer um mea-culpa".
Azevedo registra que "o agora pré-candidato a deputado federal está indignado e já anunciou uma suposta vaquinha espontânea na internet, que teria arrecadado quase o dobro desse valor. Faz chacota da Justiça".
O jornalista critica severamente a imprensa corporativa, que "condescendeu com todos os métodos ilegais a que recorreu a Lava Jato" e chama de "grotesco" o "espetáculo" da apresentação do PowerPoint por Dallagnol no dia 14 de setembro de 2016.O texto denuncia o terror jurídico em que a Operação Lava Jato consistia:
"Prisões preventivas a perder de vista, conduções coercitivas ilegais, mandados de busca e apreensão despropositados, criminalização de doações legais de campanha... Era o terror jurídico a tratar as garantias do devido processo legal como conivência com corruptos. Moro, Dallagnol e outros subiram na vida, mas a indústria de construção pesada no Brasil quebrou, destruindo milhares de empregos".
Deltan Dallagnol, investidor imobiliário e latifundiário, demonstrando sua "imparcialidade" e santidade, fez jejum pela prisão do presidente Lula da Silva.
Os 11 presos na operação Agro Fantasma foram absolvidos em 2017 pela juíza substituta da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt (a mesma que condenou o ex-presidente Lula no caso do Sítio de Atibaia), por falta de provas. No dia da prisão, os policiais invadiram as residências com armas de grande porte, segundo os produtores rurais, reviraram os objetos e acusaram os suspeitos na frente de seus familiares. Moro autorizou os agentes a utilizarem algemas e um dos agricultores foi levado algemado para a delegacia.
Gelson Luiz de Paula, outro agricultor preso, ficou 48 dias na sede da Superintendência da PF em Curitiba, no bairro Santa Cândida. Com problemas intestinais, não conseguia se alimentar e perdeu 9 kg em poucos dias. Ele relata que teve dificuldade para receber a visita de familiares (seu pai só foi autorizado a visitá-lo um mês depois da prisão). Chegou a dividir com 15 pessoas a cela que tinha apenas dois beliches. Depois que foi solto, passou a ter ansiedade e dificuldade para dormir.
A família do agricultor Nelson José Macarroni recebeu a visita da PF às 6h da manhã naquele dia 24 de setembro de 2013, mas ele estava na sede da Associação São Francisco de Assis. Os policiais fizeram uma busca na casa e teriam dito para os familiares do produtor que se tratava de uma investigação sobre tráfico de drogas. Eles estariam ali em busca de entorpecentes. Nada foi apreendido. Nelson foi preso nasede da associação e algemado pela cintura. Permaneceu algemado das 8h30 às 17h30. A prisão na 14.ª subdivisão policial, em Guarapuava, durou 64 dias.
Roberto Carlos dos Santos (o suspeito de esconder um iate) só foi autorizado a receber visitas depois de 30 dias preso. Ele diz que até hoje é estigmatizado e visto como “culpado” na comunidade. Precisou de acompanhamento psicológico. Sua filha, com 13 anos na época da prisão, teve síndrome do pânico e apresentou um quadro de depressão.
“Eles nem sabiam que a investigação estava em curso. Foram presos com abuso da polícia e foram impelidos a falar sem a presença de um advogado. Tudo isso corrobora que essa instrução processual foi eivada de erros”, afirma a advogada Naiara Bittencourt. “O argumento utilizado foi que a prisão impediria a interferência no curso processual e que seria um crime de colarinho branco. O fato de o MPF não recomendar a prisão é um dos fatores que demonstra a ilegalidade e a arbitrariedade dessa prisão preventiva.”
“Cadê a mídia?”
Ao chegar à delegacia, logo após ser preso, Nelson Macarroni conta que ouviu um dos policiais federais perguntando “Cadê a mídia? Cadê a mídia?” Em seguida, o agente teria ligado a televisão para acompanhar as notícias sobre a operação. A Agro Fantasma já estava em todos os sites de notícias. Em muitos deles, a sentença já havia sido dada.
O jornalista Reinaldo Azevedo, em seu blog no site da revistaVeja, escreveu que os “companheiros” (alusão a filiados ao PT) estavam “tirando comida da boca de crianças pobres”. “Os ‘companheiros’ definitivamente, não estão na política a passeio. Vieram para colonizar o estado brasileiro e estão fazendo isso”, escreveu Azevedo.
Uma das vozes mais críticas aos governo dos PT na década passada, Azevedo também usou uma carta do MST (Movimento Rural dos Trabalhadores Sem-Terra) sobre a operação e o PAA para tentar ligar o movimento a práticas criminosas. “ESCÂNDALO”, escreveu o jornalista com letras maiúsculas. “MST e seus satélites divulgam carta contra a PF, que investiga roubalheira na área da agricultura familiar. Estão com medo do quê?”, questionou o blogueiro. “Roubalheira”, sentenciou ele. Sem provas, mas nestes termos.
Interpretação “livre” e semelhante foi a adotada pelo jornalA Tarde: “PF desmonta quadrilha que fraudava programa do governo”, sentencia o título da matéria. “Não pegamos nem metade”, diz o delegado responsável pela operação. Segundo ele, entre os principais crimes cometidos pela “quadrilha” estavam “falsidade ideológica, estelionato, peculatos culposo e doloso e prevaricação”.
Para Naiara Bittencourt, existe a possibilidade, caso a União seja condenada na ação movida pelos agricultores, de se buscar a responsabilização do juiz que determinou as prisões e dos agentes da PF que cometeram arbitrariedades. “Nesse caso (de condenação), a União poderia entrar com uma ação de regresso contra os servidores públicos da época e cobrar esse ressarcimento.”
Há 12 anos, um juiz substituto de Moro, divergindo de Moro, já alertava que o Brasil estava prestes a seguir o “indesejado” caminho apontado por um jurista e ideólogo do Terceiro Reich
A propósito da defesa do “direito a um partido nazista” no Brasil pelos vendedores de hidromel Monark e Kim Kataguiri, este último recém-alçado a escudeiro da candidatura de Sergio Moro à presidência da República, vale a pena retroceder à Curitiba do ano de 2010, quando Moro ainda vivia em seu habitat natural, a insignificância, mas já tinha hábitos alimentares de gafanhoto defronte a Constituição Federal.
Nestes dias de defesa aberta do “direito a um partido nazista” no Brasil, portanto, vale a pena voltar à Curitiba de mais de uma década atrás para verificar a formação no Brasil de um partido nazista do Direito, e com direito a um magistrado curitibano, substituto de Moro, alertando que o caminho que o futuro juiz da Lava Jato estava prestes a trilhar era o apontado por um jurista do Terceiro Reich.
Em despacho do dia 11 de fevereiro de 2010, Moro, então titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, autorizou o “monitoramento ambiental do contato entre presos do Presídio Federal de Catanduvas e os seus visitantes, inclusive advogados, além da realização de outras escutas ambientais no presídio”.
Pensar em gravar a defesa, até um estagiário de Frederick Wassef sabe, só em caso de indiciamento do advogado.
Na época, o então secretário geral da seccional do Panará da Ordem dos Advogados do Brasil, Juliano Breda, encaminhou ofício ao então presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, dizendo que “o conteúdo da decisão [de Moro] revela um grave e frontal atentado contra as prerrogativas profissionais dos advogados, ao determinar que todos – absolutamente todos – os contatos entre presos e advogados na Penitenciária Federal de Catanduvas sejam monitorados e gravados, independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.
“Com efeito, trata-se de uma suspensão evidente e indiscriminada do direito à confidencialidade que informa a relação entre advogado e cliente, desdobramento natural do princípio constitucional da ampla defesa, corolário do devido processo legal”, dizia ainda o ofício.
Moro: ‘nenhum advogado reclamou’
Ao tomar conhecimento da grave, frontal e evidente suspensão de um princípio constitucional por um certo juiz da 1ª instância do Paraná, Ophir Cavalcante reagiu dizendo que daquele jeito abriam-se as portas do arbítrio e da falência da ampla defesa: “juiz não pode ter a brilhante ideia de monitorar tudo e todos para alcançar o advogado envolvido [em crime]”.
Sergio Moro, por seu turno, respondeu às críticas com seu inato caradurismo, dizendo que os advogados eram informados sobre a vigia e que “nenhum advogado reclamou”.
Mas a contraposição mais contundente àquela decisão de Moro partiu do outro lado da parede da sala que Sergio Fernando ocupava em seus tempos de 2ª Vara Federal de Curitiba. Despachando do gabinete ao lado, e em voto proferido antes da decisão do juiz titular sobre a matéria, o à época juiz substituto Flávio Antônio da Cruz alertou para a “mitigação das garantias constitucionais”, lembrou que nada poderia justificar “a conformação de um Direito Penal do Terror” e que “mesmo a existência de graves facções criminosas não autoriza a flexibilização de garantias fundamentais”.
“Essa flexibilização – redigiu o juiz Cruz – caminha para o resgate da divisão maniqueísta entre ‘amigos e inimigos’, de Carl Schmitt, ou a figura da ‘aversão ao direito’, de Edmund Mezger, de cunho evidentemente nazi‐fascista, repudiado pela Doutrina e legislação dos países democráticos”.
Da Constituição de Weimar à de 1988: bum!
Carl Schmitt. Guardem este nome. Voltaremos a ele daqui a três parágrafos. Por enquanto, seguimos com o voto – e uma profecia – do juiz Flávio Antônio da Cruz:
“Rechaço soluções pontuais, predestinadas a específicos grupos, definidos previamente como ‘inimigos da Nação’ (em que pese a gravidade dos crimes imputados). Ainda aqui – e talvez sobremodo aqui – as garantias devem ser asseguradas. O que se autorizará nestes casos terá repercussões futuras, redefinindo a relação ‘sujeito/Estado’ em uma direção indesejada”.
Seis anos depois, em 2016, o mesmo Moro, mas já na 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizou o Ministério Público Federal do Paraná a espionar conversas telefônicas de 25 advogados do escritório da defesa de Lula, além de mandar gravar – e divulgar – o próprio Lula em conversa com Dilma Rousseff, presidenta do país no exercício do cargo.
É quando voltamos a Carl Schmitt, o jurista do Partido Nazista que destruiu a Constituição Democrática de Weimar e que ajudou Hitler a chegar ao poder com sua doutrina de que as leis podem ser ignoradas em situações excepcionais. A nenhuma jurisprudência, senão a de Carl Schmitt, seria mais adequado o TRF-4 recorrer para livrar Sergio Moro, como livrou, da representação feita contra ele por ter vazado conversa da presidenta da República.
E foi exatamente o que fez, recorrer a Carl Schmitt, o relator do caso no TRF-4, o desembargador federal Rômulo Pizzolatti. O relatório de Pizzolatti foi aprovado por 13 votos a um. O único divergente, única exceção no apoio ao estado de exceção, foi o desembargador Rogério Favreto. Em seu voto, Favreto alertou assim, não sem alguma sátira:
“Vale dizer que o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais
e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias
fundamentais. Sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal,
evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado
sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator e dos demais
membros desta corte”.
404
Por fim, uma dessas curiosidades cabalísticas que pontuam a Grande Marcha Para Trás em que o Brasil se meteu, ou em que meteram o Brasil.
Aquela decisão de Moro autorizando gravar advogados no presídio de Catanduva foi na verdade publicada a quatro mãos. Além de Moro, outro juiz de execuções penais do Paraná assinou aquele despacho. O nome dele é Leoberto Simão Schmitt Júnior.
Um Schmitt, como o velho Carl.
Após a divulgação do áudio de Lula e Dilma, em março de 2016, centenas de juízes deste país, centenas, assinaram um manifesto em “irrestrito apoio às decisões que foram proferidas, em Curitiba, pelo juiz federal Sérgio Moro”.
Quando dizemos imprensa vendida significa que jornalistas batem calçada para vender o corpo, vender a alma, como qualquer prostituta de rua.
Por que jornalistas, empregados dos barões da mídia, partiram para a autodenominada república de Curitiba, para publicar releases da autodenominada liga da justiça da autodenominada lava jato?
Pauta dos donos de jornais? Ou simplória crença de donatários da verdade? De quem não escuta o outro lado, principalmente os pobres, os miseráveis, os sem teto, os sem terra, os sem nada, os pequenos agricultores presos em Irati. No caso, os perseguidos pela polícia federal, os assediados pela justiça, as vítimas do terrorismo do MPF, do MP do Paraná. Os acossados por juízes, procuradores, promotores, policiais e carcereiros comandados por Sergio Moro, o juiz queridinho dos bilionários que assaltaram o Banco do Estado do Paraná - o BanEstado.
Juiz safado, de um passado maculado, que o deputado Glauber Braga chamou na cara de "ladrão". Chamou bem chamado, que Moro não reclamou. Nas duas vezes que foi denominado, designado, bateu em retirada da Câmara dos Deputados. E esse "juiz ladrão" é presidenciável, passível de ser eleito no dia 2 de outubro próximo. Pobre Brasil! O Brasil dos ministros Aha Uhu Fachin É Nosso, 1 Barroso Vale 100 PGR, In Fux We Trust - os Três Reis Luís do STF! O Brasil dos generais de Bolsonaro e coronéis da vacina! O Brasil do Centrão no Congresso, metendo a mão no Orçamento Secreto, o Orçamento Paralelo!. O Brasil do presidente dos filhos zero à esquerda: senador, deputado e 'vereador federal'! O Brasil do capitão de fita de melão!
Contra a ditadura da Liga da Justiça apareceram os jornalistas Kennedy Alencar e Cristina Serra, participando da live “O papel da imprensa na Lava Jato”, da TV GGN, comandada pelos também jornalistas Luiz Nassif e Marcelo Auler.
Registra o jornal do Sindicato dos Metalúrgicos: A live é um desdobramento do documentário “Sergio Moro: A construção de um juiz acima da lei”, projeto elaborado pela redação do portal GGN sob coordenação de Nassif.
Por Moro ser candidato a presidente é importante lembrar a luta dos jornalistas verdadeiros, livres. Recordar textos.
Cristina Serra publicou um artigo intitulado “A praga do jornalismo lava-jatista”. Afirmou que essa discussão do papel da imprensa é absolutamente prioritária e que a Lava Jato ainda é um assunto que gera mobilização.
“A imprensa precisa se olhar no espelho e reconhecer que cometeu um erro. Erro entre aspas, porque acho que uma parte dos jornalistas realmente se equivocou, mas também que uma outra parte embarcou de cabeça em um projeto político. Isso precisa ser discutido”, destacou.
Já Alencar lembrou que em um primeiro momento da Lava Jato havia uma falsa imagem de que a imprensa estava sendo manipulada. Isso porque naquele período o ex-juiz Sérgio Moro, em um artigo sobre a Operação Mãos Limpas na Itália, comentou sobre a importância de uma aliança com os veículos de comunicação para fazer valer seus pontos de vista.
“A Vaza Jato mostrou que não era manipulação. Havia ali um jogo combinado e esse lote de mensagens liberado pelo [juiz do Supremo] Lewandowski mostra que há uma cumplicidade de parte do jornalismo brasileiro, que topou ser uma correia de transmissão e fazer assessoria de imprensa do Moro. O que é grave!”, afirmou.
Alencar destacou que o ex-juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol passaram a fazer uso da informação de forma violenta.
“Fizeram o uso de privilégio para alguns jornalistas, que passaram a ser ‘sócios’ deles e de seus interesses. Eles perseguiam jornalistas, vazavam informações, demandavam solidariedade, perseguiam veículos de comunicação e muitos aceitavam essas pressões. A imprensa, que sempre foi uma perna importante da sociedade civil para fiscalizar o poder, evitar os abusos e proteger a democracia, topou uma parceria que foi danosa para a nossa democracia”, assegurou.
Ainda segundo o jornalista é fato que o ex-presidente Lula não teve um julgamento imparcial e a imprensa brasileira precisa fazer uma autocrítica sobre sua responsabilidade.
“Em uma democracia todo acusado tem direito a um julgamento imparcial. A imprensa endossou uma prática antidemocrática de ditaduras e abriu mão do papel de ser imprensa. O que se sabe hoje só é de conhecimento porque houve a Vaza Jato. Esse material é autêntico. É vergonhoso ver jornalistas endossando a desculpa esfarrapada do Moro e dos procuradores”, disse Alencar.
Cristina também destacou que o jornalismo foi capturado pela política desqualificada que é feita pelo atual governo brasileiro e seus aliados desde o golpe de 2016.
“É claro que depois de tudo o que aconteceu após o golpe o jornalismo não pode sair incólume. Até porque ele também teve sua participação com graus variados. Independência jornalística é cláusula pétrea. Não há margem possível de negociação da independência jornalística. A cobertura da Lava Jato é uma página infeliz do jornalismo brasileiro.”
Marcelo Auler também comentou que a cegueira está generalizada nas redações dos grandes jornais e a que a manipulação da narrativa foi decisão editorial.
“Os jornalistas desde o início não cumpriram seu papel. A TV Globo passou a ler nota do Moro e da Lava Jato e não comenta nem o julgamento nem o voto do Gilmar. Chegamos ao ponto de a imprensa esconder os fatos para não se auto comprometer”, alertou.
A imprensa erra. A polícia erra. Quando todos erram, o somatório dos erros acaba se tornando gigante e, para piorar, “inconsertável”. Quando se diz que uma pessoa é corrupta, com espetacularização em toda a imprensa, mesmo sem provas cabais e sem processos finalizados por juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acabou: mesmo que seja inocentada, meses ou anos depois, ficará como condenada aos olhos do público.
Tal aconteceu com o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, da Universidade Federal de Santa Catarina. Sob suspeita de corrupção, sem acusação formal provada, com indícios amplos, o professor foi preso. Ao ser solto, envergonhado, tanto pela prisão quanto pela injustiça, o mestre se matou, dentro de um shopping — como se quisesse chamar a atenção para a tragédia de um indivíduo (lembrando histórias de Kafka) —, em 2017.
No caso de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, a Polícia Federal errou, talvez por açodamento e não má intenção, e a imprensa, no geral, errou junto. Lembro-me que poucos jornais e revistas publicaram reportagens nuançadas. Posteriormente, a revista “Veja”, e talvez uma ou duas outras publicações, “reabriu” o caso e mostrou os erros cometidos.
Mas era tarde. O mestre já havia se matado, deixando enlutada a sua família.
Paulo Markum
Agora, quase quatro anos depois, o jornalista Paulo Markun conta a história, de maneira detalhada, no livro “Recurso Final — A Investigação da Polícia Federal Que Levou ao Suicídio de um Reitor em Santa Catarina” (Objetiva, 304 páginas).
Em última carta, reitor se diz perplexo e amedrontado
“Reitor exilado”.
“Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia”.
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.
Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.
Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.
Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.
Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.
De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento.
Lançada, a Operação Ouvidos Moucos falava-se em desvio de R$ 80 milhões das verbas destinadas à educação à distância na UFSC. O valor correspondia a tudo o que foi gasto em anos e anos de cursos. Mas foi sacado pela PF para garantir mídia e justificar uma operação que envolveu 120 policiais de todo o país.
Logo depois que os professores foram detidos, os valores de desvio foram reduzidos para R$ 500 mil. A maneira como se chegou a esses valores é um dos clássicos modernos da fabricação de provas.
O documentário detalha as principais acusações contra Cancellier e demais funcionários:
Foi acusado de tentar atrapalhar as investigações.
As investigações foram conduzidas pelo corregedor da UFSC, indicado pela antiga reitora, notadamente parcial e desequilibrado. Ele manteve as investigações sob sigilo.
Na qualidade de reitor, Cancellier solicitou o acesso ao relatório, algo plenamente dentro de suas atribuições. Foi acusado de boicotar as investigações.
O curso foi acusado de distribuir bolsas para carteiros e motoristas.
Os personagens em questão, eram o símbolo máximo do que a mídia celebra, de meritocracia. Trabalharam duro em empregos simples e de baixa remuneração e conseguiram completar o mestrado. Serviram de álibi para que Cancellier e professores fossem presos, submetidos a revistas íntimas e colocados em celas com criminosos, porque a PF não podia aceitar que um carteiro fizesse pós-graduação. Nem se deram ao trabalho de analisar que as bolsas eram pagas diretamente pela Capes (do governo federal) a cada bolsista.
Também incluíram como desvios pagamentos de outros serviços necessários para a operação, como pagamento de gráficas.
3. Direcionamento de licitações.
A universidade tem várias empresas credenciadas para transporte de professores. Muitas delas são micro-empresas cujo dono é o motorista do único veículo. Cabe aos gestores escolher os motoristas e atender às demandas dos professores. Alguns não querem motoristas homens, outros não querem motoristas que correm demais. A escolha dos motoristas foi tratada como crime de corrupção.
Em outros casos, comparou-se uma viagem de ida e volta a determinada cidade com outra, de ida e volta e pernoite, e se considerou que a diferença de preços era sobrepreço criminoso.
Os Relatórios da Controladoria Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU) são a demonstração do clima persecutório irresponsável que perpassou todos os órgãos de controle. (Continua)