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Por Achille Mbembe
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É preciso portanto começar de novo, se, para as necessidades da nossa própria sobrevivência, for imperativo devolver a tudo o que é vivo (incluindo a biosfera) o espaço e a energia de que necessitam. Na sua versão noturna, a modernidade foi, do princípio ao fim, uma interminável guerra travada contra os vivos. Ela está longe de acabar. A sujeição ao digital é uma das modalidades dessa guerra. Conduz directamente ao empobrecimento e à dessecação de áreas inteiras do planeta.
É de temer que, finda esta calamidade, longe de santificar todas as formas do estar vivo, o mundo infelizmente não evite um novo período de tensão e brutalidade. No plano geopolítico, a lógica da força e do poder continuará a prevalecer. Na ausência de infraestruturas comuns, uma feroz divisão do globo acentuar-se-á e as linhas de segmentação intensificar-se-ão. Muitos Estados procurarão reforçar as suas fronteiras na esperança de se proteger da exterioridade. Lutarão igualmente por reprimir a sua violência constitutiva, que descarregarão, como de costume, nos mais vulneráveis entre os seus. A vida atrás de écrans e em enclaves protegidos por segurança privada tornar-se-á a norma.
Em África, em particular, e bem dentro das regiões do Sul do mundo, a extracção consumidora de energia, a expansão agrícola e a predação, razão de ser da venda de terras e da destruição de florestas, continuarão sem entrave. A alimentação e o arrefecimento de chips e super-computadores disso depende. O fornecimento e o encaminhamento de recursos e de energia, necessários à infraestrutura da computação planetária, far-se-ão à custa de uma maior restrição da mobilidade humana. Manter o mundo à distância será a norma, para poder expulsar para o exterior todo o tipo de riscos. Porém, como não ataca a nossa precariedade ecológica, esta visão catabólica do mundo, inspirada em teorias de imunização e de contágio, não permitirá sair do impasse planetário em que nos encontramos. (Continua)