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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Jul21

Crimes do presidente e o superpoder do presidente da Câmara

Talis Andrade

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É de se perguntar, ao final, se diante da negativa do presidente Arthur Lira em examinar os 126 pedidos de impeachment, caso haja um pedido do STF para instaurar a ação penal, o que fará?

 

por Tânia Oliveira /ConJur

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É razoavelmente comum alguma confusão, inclusive nas divulgações jornalísticas, sobre o enquadramento e o processamento de crimes cometidos pelo presidente da República. E pode-se afirmar, sem muitas delongas, que a redação do texto constitucional e da legislação infraconstitucional que sustenta o tema não é muito precisa, o que termina por contribuir com os equívocos interpretativos que têm se acentuado agora com a conjuntura.

O presidente da República pode cometer crimes comuns ou de responsabilidade. Não se inclui nas possibilidades do regime da ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei nº 8.429/92, sendo as condutas ali descritas enquadradas nos crimes de responsabilidade, com foro estabelecido na Constituição Federal. Esse é o entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal.

Crimes comuns e crimes de responsabilidade facilmente se confundem nas análises, tendo em vista que a tipicidade das condutas descritas como crimes de responsabilidade conduzem a tipos abertos tanto no artigo 85 da Constituição Federal quanto na Lei 1.079/50. É necessário, em regra, que haja a correspondência na lei infraconstitucional própria ao se apontar um crime comum como crime de natureza político-administrativa, portanto de responsabilidade, em cumprimento a requisito básico.

O atual presidente Jair Bolsonaro possui 126 pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados até esta quarta-feira (7/7). Todos pendentes de recebimento pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.

Em paralelo, a ministra Rosa Weber acatou a notícia-crime apresentada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, para investigar Jair Bolsonaro pelo crime de prevaricação, definido no artigo 319 do Código Penal como o ato de "retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício ou praticá-lo contra a disposição expressa de lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal", determinando um prazo de 90 dias para a investigação por parte da Polícia Federal. No caso, o presidente, segundo afirmado pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) e até hoje não negado, foi formalmente informado de um esquema de corrupção na compra da vacina Covaxin e deixou de comunicar à autoridade pública para que o investigasse.

Estabelece o artigo 86 da Constituição Federal de 1988 que cabe à Câmara dos Deputados autorizar o processamento da acusação contra o presidente da República, com o quórum de dois terços de seus membros, em votação aberta em Plenário, tanto ao Supremo Tribunal Federal nas infrações penais comuns quanto ao Senado nos crimes de responsabilidade.

Isso após o presidente da Câmara dos Deputados receber os pedidos. E aqui começa o gargalo jurídico que pretende este artigo abordar.

No sistema de freios e contrapesos é coerente que nas duas modalidades de responsabilização do chefe do Poder Executivo haja a participação dos poderes Legislativo e Judiciário nos ritos, lembrando que cabe ao presidente do STF conduzir o processo de impeachment no Senado.

Problema evidente é o vazio jurídico, tanto na Constituição Federal quanto na Lei 1.079, causado pela ausência de regramento na fase de recebimento de ambas as denúncias, deixando a cargo dos artigos 217 e 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados o procedimento.

"Artigo 217  A solicitação do presidente do Supremo Tribunal Federal para instauração de processo, nas infrações penais comuns, contra o presidente e o Vice-presidente da República e os Ministro de Estado será recebida pelo presidente da Câmara dos Deputados, que notificará o acusado e despachará o expediente à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, observadas as seguintes normas:
A
rtigo 218  É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câmara dos Deputados o presidente da República, o Vice-presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade.
§2° Recebida a denúncia pelo presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos" (grifos da autora).

Nos mais recentes exemplos de processamentos ocorridos, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acatou o pedido de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff em dezembro de 2015, que foi aprovado no plenário da casa legislativa. Já Rodrigo Maia encaminhou a análise do pedido do STF para investigar Michel Temer em agosto de 2017, que foi rejeitado pelos parlamentares. Nenhuma das decisões, contudo, tratou do aspecto da discricionariedade do ato.

O verbo utilizado nos dispositivos regimentais, tanto no pedido de qualquer cidadão por crime de responsabilidade, como de autorização do Supremo Tribunal Federal para instaurar ação por crime comum, é o mesmo: receber.

Importante consignar que na legislação civil pátria, como nos regimentos internos dos tribunais, todas as vezes que se usa o verbo "receber" não se está concedendo à autoridade a possibilidade de deixar de despachar os pedidos. As normas não conferem poder para se promover qualquer antecipação ao juízo de admissibilidade de mérito a priori, competindo exclusivamente a aferição dos requisitos formais. São exemplos:

"O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias...", "ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante..." (artigos 406 e 422 do CPP). "Ao receber inquérito oriundo de instância inferior, o Relator verificará a competência do Supremo Tribunal Federal, recebendo-o no estado em que se encontrar" (artigo 230-a RISTF), "o presidente, ao receber o pedido: I - tomará as providências oficiais que lhe parecerem adequadas para remover, administrativamente, a causa do pedido; II - mandará arquivá-lo, se for manifestamente infundado, cabendo da sua decisão agravo regimental" (artigo 313, RISTJ).

Como se dessume, a aplicação dos artigos 217 e 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados não se coaduna com a melhor interpretação doutrinária. É facultado ao presidente da casa legislativa negar seguimento aos pedidos, por considerar inexistentes os pressupostos ou encaminhar por entendê-los presentes, mas nunca de deixar de examiná-los simplesmente.

É de se perguntar, ao final, se diante da negativa do presidente Arthur Lira em examinar os 126 pedidos de impeachment com inúmeras demonstrações do cometimento de crimes de responsabilidade pelo presidente Jair Bolsonaro, caso haja um pedido do STF para instaurar a ação penal, o que fará? Usará o mesmo verbo "receber" em sua acepção errônea e guardará em uma gaveta? A ver.

O que parece inexorável é a necessária e urgente mudança de procedimento nessa tomada de decisão, seja por nova interpretação dos dispositivos regimentais, seja por nova redação a eles conferida.

Casamento de Jair Bolsonaro e Arthur Lira. Por Amarildo Lima

21
Abr21

Os caminhos jurídicos do debate de suspeição no STF

Talis Andrade

Intercept revela que Barroso, Fachin e Fux blindaram a Lava Jato no STF –  Em Cima da Notícia

Por Kenarik Boujikian e Tânia M. S Oliveira

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Nesta quinta-feira (22/4), o Supremo Tribunal Federal irá concluir o julgamento do Habeas Corpus 193.726, decidido monocraticamente pelo ministro Edson Fachin no dia 8 de março, para analisar a parte dispositiva em que julgou extinto, por extensão de nulidade, o Habeas Corpus 164.493, que trata da suspeição do ex-juiz Sergio Moro, já julgado pela 2ª Turma do Tribunal no dia 23 de março.

Não se trata de recurso do que foi julgado na turma, o que, a propósito, não possui previsão no regimento interno da casa, já que todos os colegiados são soberanos em suas decisões. Portanto, o plenário do STF não irá apreciar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, já reconhecida na 2ª Turma, mas tão somente se houve prejudicialidade do julgamento, nos temos defendido pelo ministro Fachin, o que levaria à nulidade do que fora decidido.

Cabe, então, tratar dos fundamentos da decisão para enxergar as possibilidades jurídicas a serem adotadas.

A tese patrocinada pelo ministro Edson Fachin é que cabe ao relator ordenar e dirigir o processo, sendo sua competência privativa para decidir sobre prejudicialidade, com base no artigo 21, IX, do regimento interno do STF: “São atribuições do relator: (…) ix – julgar prejudicado pedido ou recurso que haja perdido o objeto”.

São de três ordens os fatores que esvaziam o argumento trazido pelo ministro.

O primeiro deles é de ordem legal. O artigo 96 do Código de Processo Penal possui o seguinte texto: “A arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente”. Significa que no sistema das nulidades do código, a primeira a ser verificada, quando arguida, é a da parcialidade do juiz, seguida das demais.

Desse modo, fácil concluir que decisão de incompetência, conquanto correta, não tem o condão de prejudicar o debate de suspeição que possui maior relevo, impacto e efeitos muito mais abrangentes, invalidando todos os atos praticados pelo juiz, inclusive os instrutórios e da fase pré-processual.

O segundo fator é que o julgamento do Habeas Corpus 164.493 teve início em 4/12/2018, no âmbito da 2ª Turma do STF, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista, com dois votos já proferidos. Naquele momento, o Habeas Corpus 193.726 sequer havia sido impetrado.

Embora o magistrado possa, de fato, na condição de relator, proferir decisão de caráter terminativo, sem resolução do mérito, isso ocorre em determinados momentos processuais, fora da hipótese presente.

Entender que uma ação possa ser extinta pelo relator quando está em processo de decisão, com votos já emitidos, seria conferir ao relator um poder maior do que o do órgão colegiado, o que não encontra qualquer amparo no regramento processual ou regimental.

Por derradeiro, uma vez finalizado o julgamento do Habeas Corpus 164.493 na 2ª Turma no último dia 23 de março, o acolhimento da tese do ministro Edson Fachin pelo plenário do STF equivaleria a uma espécie de recurso, como se houvesse hierarquia entre os colegiados do tribunal.

Os artigos 5º ao 11 do regimento interno do STF delineiam as competências dos órgãos colegiados em razão das causas, das espécies processuais e das pessoas, sem qualquer possibilidade de revisão de decisões das turmas pelo plenário, sob pena de subverter e comprometer o formato estrutural de funcionamento do tribunal.

Sobreleva nesse tema, à luz dos argumentos que estão postos,  o princípio do juiz natural, que coloca limites no próprio Poder Judiciário e que encontra amparo na normativa internacional e  regional (como no Pacto São José da Costa Rica), que foi acolhida em praticamente todas as constituições brasileiras e que encontrou guarida na Constituição Federal de 1988,  ao  estabelecer no artigo 5º, XXXVII e LIII: “Não haverá juízo ou tribunal de exceção; ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Trata-se de uma das mais relevantes garantias do sistema democrático, supedâneo de uma sociedade civilizada, para o jurisdicionado, as partes e a sociedade. De modo que o que está em jogo é a higidez desse princípio, que assegura a toda pessoa conhecer previamente aquele que a julgará no processo em que seja parte, revestindo este único juiz em jurisdição competente para a matéria específica do caso.

Vale lembrar a preciosa lição de Luigi Ferrajoli acerca do juiz natural em sua obra “Derecho y razón — teoria del garantismo penal”, 2001: “La garantia del juez natural indica esta normalidad, del régimen de competencias, preconstituida por la ley al juicio, entendiendo por competencia la medida de la jurisdicción de cada juez es titular. Significa, precisamente, tres cosas distintas aunque relacionadas entre sí: la necessidad de que el juez sea preconstituido por la ley y no constituido post factum; la inderogabilidad y la indisponibilidad de las competencias; la prohibición de jueces extraordinarios y especiales”.

No HC 164.493 o juiz natural, que é sempre único, é a 2ª Turma, onde de fato foi julgado.

Podemos findar nossos breves apontamentos com uma conclusão:

A questão suscitada pela inusitada decisão do ministro relator da “lava jato” no STF, Edson Fachin, nesse ponto da suspeição, para além de todo o debate político que suscita, é antijurídica. Não possui sobrevida com amparo legal, doutrinário ou jurisprudencial de qualquer natureza.

Do mesmo modo que foi derrotado por quatro a um na 2ª Turma no dia 9 de março, o veredito deverá ser no Plenário, para que não produza resultado em descompasso com alicerces fundamentais do Direito Processual Penal, da própria organização da corte e, especialmente, dos princípios constitucionais agasalhados para um processo penal democrático, reafirmando a vocação do STF de verdadeiro guardião da Constituição Federal.

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