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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

13
Set22

Psicologia do fascismo tupiniquim

Talis Andrade

Imagem: Markus Spiske
 
 

 

Idiotas sem consciência de fazer mal a si mesmo e aos outros, não conseguem aceitar pontos de vista, ideias ou culturas divergentes de sua doutrina

 

por Fernando Nogueira da Costa /A Terra é Redonda

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Ao optar por viver apartado da vida em comunidade com formação acadêmica, em vez de estudar mais, o idiota se julga superior a esse coletivo desprezado por ele. Transmite essa intolerância ou negacionismo científico para seus descendentes e a compartilha com os amigos de sua “câmara de eco”.

Idiotas sem consciência de fazer mal a si mesmo e, pior, aos outros, não conseguem aceitar pontos de vista, ideias ou culturas divergentes de sua doutrina, imposta pela família, tradição religiosa e pela ideia deturpada de pátria como submissa às Forças Armadas. Estas receberam a missão constitucional exclusiva de defesa do território nacional, mas isso não é compreendido por gente inculta sem esforço educacional.

Os reacionários reagem contra, pois têm muita dificuldade de compreensão da diversidade pela qual é formado o mundo. Quem pensa diferentemente seria um doutrinado, seja pela “esquerda ateia e personificação do diabo”, seja pela Ciência, pesquisada em Universidades públicas, todas dominadas por essa “gente cumunista”.

Anacrônicos, imaginam pensar por si só ao compartilhar os memes de maneira robótica. O idiota acha estar bem defendido de questionamentos se ficar fechado na sua “bolha”.

Resolvi testar essas hipóteses, de maneira impressionista, ao assistir depoimentos apresentados na reportagem da BBC News Brasil, intitulada “Eleitores de Bolsonaro falam sobre governo e corrupção”.

Típicos velhos reacionários, moradores de Copacabana, todos vestidos de verde-e-amarelo, disseram o seguinte. “Eu me considero bolsonarista porque não vejo outro político. O Brasil não tem outro”. “Eu não sou bolsonarista, mas sim um patriota”. “Eu não sou bolsonarista, sou sim contra a corrupção!” “Eu sou bolsonarista, sou pela família, por tudo normal, isto é, é a gente ter moral, ter princípios”.

Uma jovem com aparência de classe média alienada afirmou ter votado no dito cujo, “apesar de seu jeito agressivo contra as mulheres, para o Partido dos Trabalhadores não voltar ao Poder”. Outra idosa reconheceu: “ele é temperamental, ele fala tudo aquilo vindo à sua mente, e a gente estranha gente autêntica. Assusta um pouco, mas ele é maravilhoso!”

Disse uma agressiva: “Ele é franco, como eu…” Disse um macho: “Sempre foi assim mal-educado, não vejo por qual razão ele mudar no cargo de presidente”.

Uma adepta fervorosa clama: “Ele fez o possível dele fazer. Houve a pandemia… Mas ele acertou mais em relação a errar”. Um jovem não vê alternativa: “Ele hoje é o cavalo encilhado para a gente montar”. Outro condescendente justifica sua escolha: “Ele reduziu o preço da gasolina e concedeu o auxílio para melhorar muito a vida no dia a dia”.

Outra senhora reconhece: “eu não entendo nem acompanho política, mas sou contra qualquer tipo de corrupção, se for provado a da sua família, tem de punir”. Um senhor mais popular acha “a família dele está envolvido em ‘rachadinhas’, assim como todos os políticos. O mal dele é passar a mão na cabeça dos filhos. Quanto a ele, não vejo nada!”.

Uma jovem fantasiada também de bandeira brasileira é perguntada sobre corrupção nos ministérios e na família do presidente desqualificado – e não consegue responder: “Hum… [ri]” Você vai votar nele?! “Lógico, aquele cara… como chama mesmo?” Alexandre Moraes. “Ah, é um homem super-corrupto! Tudo feito pelo presidente ele derrubou, soltou culpados, prendeu inocentes”.

Outra idosa afirma: “Quando a gente sai em passeata, pedindo liberdade, não diz respeito ao presidente, mas sim à ditadura da Suprema Corte”. Sem resposta para o argumento contraditório da repórter, ela só pergunta: “Você é comunista?!”.

Esta é uma amostra do comportamento político desse nicho da classe média. É base de apoio para emergência do fascismo tupiniquim sobre a ordem armada na base de ameaças de violência e assassinatos. Para o compreender vale reler o livro de Wilhelm Reich Psicologia de massas do fascismo (Martins Fontes, original de 1933).

Acusar o comportamento conservador das massas de “irracional”, de constituir uma “psicose de massas” ou uma “histeria coletiva” em nada contribui para jogar luz sobre a raiz do problema e compreender a razão pela qual essa fração de classe social respalda o discurso fascista. Afinal, o neofascista ataca os interesses coletivos e reserva, para seu clã, uma riqueza imobiliária, adquirida com dinheiro vivo/sujo.

Wilhelm Reich localiza a expressão da psicologia de massas do fascismo em uma certa forma de família, tendo no centro a repressão à sexualidade, e no caráter da “classe média baixa”. Para ele, a repressão à satisfação das necessidades materiais difere da repressão aos impulsos sexuais. A primeira leva à revolta, enquanto a segunda impede a rebelião. Isto porque a retira do domínio consciente, “fixando-a como a defesa da moralidade”.

O próprio recalque do impulso é inconsciente, não visto pela pessoa como uma característica de seu caráter. O resultado, segundo Wilhelm Reich, “é o conservadorismo, o medo a liberdade, em resumo, a mentalidade reacionária”.

 

O FASCISMO EM CAMISAS VERDES: DO INTEGRALISMO AO NEOINTEGRALISMO -  1ªED.(2020) - Leandro Pereira Gonçalves; Odilon Caldeira Neto - Livro

 

Essa amostra de classe média (carioca/paulistana/brasiliense) não é composta dos únicos a viver esse processo conservador, mas ela vive de maneira singular. Imagina-se estar acima dos outros (adversários a serem extirpados) e representarem a nação. Praticam a defesa das barreiras sociais, impostas como garantia da sobrevivência da autoestima. Temem a quebra da ordem na qual se equilibram, precariamente, e, por isso, pedem controle e repressão dos pobres e negros desejosos de emergência social.

Alinhados à defesa militar da “nação” (pátria armada), adotam o “moralismo” quanto aos costumes, ligado a preconceitos, à misoginia, à homofobia, ao racismo etc. Arrematam esse discurso com a defesa da “família” e o clamor pela “ordem”. O comportamento fascista não pode ser reduzido à manipulação e à cilada, mas encontra-se sim na consciência imediata e nas relações afetivas quanto ao reconhecimento ou acolhimento por gente inculta também vestida de verde-e-amarelo.

O ato de acolher expressa uma ação de aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão social, ocorrida também em templos evangélicos, mesmo sob a cobrança de dízimos para obter essa sensação de reconhecimento individual. Essa atitude implica na busca de estar em relação presencial com muita gente parecida consigo, seja em aparência, seja em posse de poucas ideias inteligentes.

Daí a leviana substituição do Datafolha, pesquisa feita com método científico de amostragem, pelo Datapovo, visualização impressionista de manifestações de rua. Tanto à direita, quanto à esquerda, muitos imaginam essas serem decisivas para o resultado eleitoral, como a minoria ruidosa em espaços delimitados em algumas poucas metrópoles expressasse uma vontade reprimida de a maioria silenciosa gritar em praça pública. Aquela não representa esta, pelo contrário, a maioria quer paz e não violência!

Uma amostra visual é uma pequena porção de alguma coisa dada para ver, mas não é suficiente para provar ou analisar determinada qualidade do todo. A visão holista necessita de uma amostra representativa para o comportamento coletivo de todo o eleitorado ser avaliado ou julgado a priori.

Em metodologia da pesquisa quantitativa, uma amostra é um conjunto de dados coletados e/ou selecionados de uma população estatística por um procedimento definido. Como a população é muito grande, fazer um censo ou uma enumeração completa de todos os valores existentes é impossível rapidamente com poucos recursos.

A amostra geralmente representa um subconjunto de tamanho manejável. Há método científico para se fazer inferências ou extrapolações da amostra à população. No entanto, a massa ignara não o (re)conhece.

A melhor forma de evitar viés ou não representatividade, presente em manifestações de rua, é selecionar uma amostra aleatória, também conhecida como amostra probabilística. Nela, cada membro individual da população tem uma chance conhecida e diferente de zero de ser selecionado como parte dela.

A amostragem estratificada, como é a sociedade, consiste em dividir ou estratificar a população em um certo número de subpopulações. Elas deveriam não se sobreporem, de modo a extrair uma amostra de cada estrato. Mas este tipo de amostragem nem sempre é usado, quando métodos diferentes de coleta de dados são aplicados em diferentes partes da população.

Na amostra da Datafolha, a faixa até dois salários mínimos é 51%, enquanto a preferência pelo PT é 27%. Isso representa 42,2 milhões de votos. Minha “tese”, hipótese defendida com dados, é a esperada vitória de Lula, apesar da melhora do rival, se dar basicamente por causa dos pobres simpatizantes do PT. Nem todas as pesquisas eleitorais fazem amostra por partido de preferência. Um fator eleitoral decisivo é o PT ser o único partido com massa popular simpatizante. Esta é a verdadeira razão do “antipetismo”. Ressentimento.

30
Ago22

Caso Vera Magalhães: Bolsonaro odeia as mulheres porque odeia a democracia

Talis Andrade

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por David Nemer /Publica Agência de Jornalismo Investigativo

 

 

  • Ataques de Jair Bolsonaro à jornalista da TV foram complementados por campanha de assédio online no Twitter e Telegram
  • Robôs foram usados para inflar apoio feminino ao presidente
  • Relembramos o histórico de ataques às mulheres de Jair Bolsonaro
  • Caso Vera Magalhães: Bolsonaro odeia as mulheres porque odeia a democracia

 

 

No último debate presidencial, no domingo (28/08), ao ser questionado pela jornalista Vera Magalhães sobre a queda da cobertura vacinal e desinformação difundida por ele, o presidente Jair Bolsonaro (PL), em mais uma demonstração de misoginia, respondeu: “Vera, não pude esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão em mim. Não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.

 

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Na tarde de segunda-feira, o termo difamatório “Verba Magalães”, uma referência ao salário da jornalista na Tv Cultura, chegou aos Trending Topics do Twitter. 

Porém Vera Magalhães não estava só. Uma corrente liderada por mulheres ocupou o Twitter para demonstrar o apoio e solidariedade à jornalista. As contas mais relevantes foram da Fátima Bernardes (@fbbreal), Simone Tebet (@simonetebetbr), Andreia Sadi (@andreiasadi), Natuza Nery (@natuzanery), Patrícia Campos Mello (@camposmello), e Miriam Leitão (@miriamleitao).

 

Misoginia como projeto autoritário 

 

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O Bolsonarismo tende a aumentar seus ataques quando o alvo é mulher. Outro exemplo é a postura das redes de apoio ao presidente sobre a cantora Anitta. 

Ultimamente, devido ao posicionamento político da cantora, que declarou voto em Lula, os grupos bolsonaristas no Telegram têm se ocupado a deslegitimar o poder e a influência de Anitta, assim, como manchar a sua reputação. Desde o início de 2022, nos mesmos grupos bolsonaristas no Telegram monitorados pelo Sentinela Eleitoral, já foram proferidos mais de 1520 mensagens com tons misóginos e sexistas contra Anitta.

Durante o século 20, mulheres se organizaram e conquistaram diversos direitos ao redor do mundo, como o de votar, o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva, inserção social, educação, entre outros. A jornada para a conquista da igualdade de gênero parecia não ter volta. Porém, nos últimos anos, a ascensão de líderes autoritários em diversos países – apoiados em estratégias de desinformação online – não só comprometeu a democracia, mas promoveu sérios retrocessos aos direitos das mulheres. 

Segundo as pesquisadoras de Harvard Erica Chenoweth e Zoe Marks descreveram no artigo “A vingança dos Patriarcas – Por que os autocratas temem as mulheres” (aqui, em inglês), não é coincidência que a igualdade das mulheres esteja sendo revertida ao mesmo tempo em que o autoritarismo está em ascensão. Os direitos civis das mulheres e a democracia andam de mãos dadas, porém há uma geral dificuldade em reconhecer que o primeiro é uma pré-condição para o segundo.

De acordo com as pesquisadoras, autocratas e autoritários patriarcais têm boas razões para temer a participação política das mulheres: quando as mulheres participam de movimentos de massa, esses movimentos são mais propensos a ter sucesso e mais propensos a levar a uma democracia mais igualitária. Em outras palavras, mulheres totalmente livres e politicamente ativas são uma ameaça para líderes autoritários e de tendência autoritária – e, portanto, esses líderes têm uma razão estratégica para serem sexistas. Compreender a relação entre sexismo e retrocesso democrático é vital para aqueles que desejam lutar contra ambos.

Assim, nessa coluna, vale a pena dissecar pontos traduzidos do artigo de Erica Chenoweth e Zoe Marks para demonstrar como o bolsonarismo e seu líder Jair Bolsonaro atacam as mulheres como um meio para desmantelar a democracia brasileira. 

 

Histórico de misoginia 

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Jair Bolsonaro tem um histórico de falas machistas e de ataques às mulheres

  • Em 1998, quando era deputado federal, Bolsonaro agrediu pelas costas Conceição Aparecida Aguiar, na época gerente da Planajur, empresa de consultoria jurídica e que atendia ao Exército; 
  • Em 2011, Bolsonaro atacou Preta Gil quando ela o perguntou como ele reagiria se algum de seus filhos se envolvesse com uma mulher negra. “Eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu”, respondeu;
  • Em 2012, Bolsonaro votou contra a PEC das Domésticas que visava lhes assegurar direitos trabalhistas;
  • Em 2014, disse que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia. Bolsonaro também já afirmou que mulheres que decidem ser mães deveriam ganhar menos e, caso não estejam contentes, que busquem outro emprego;
  • Em 2016, durante o impeachment de Dilma, ele celebrou um torturador que inseriu baratas nas vaginas de mulheres, para mostrar que ele era “o terror”;
  • Em 2017, Bolsonaro afirmou que a sua única filha “veio uma mulher” porque ele deu “uma fraquejada”;
  • Em 2019, Bolsonaro em uma fala sexista e homofóbica, afirmou que o Brasil não poderia ser um país de turismo gay, mas que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade”.

Por outro lado, Bolsonaro ataca constantemente a imprensa, um dos pilares da democracia, porém não é de se surpreender que jornalistas mulheres são o seu alvo preferido. 

Em 2018, ao se pronunciar sobre um furo de reportagem da jornalista da Folha Patrícia Campos Mello, que revelou a contratação de disparos em massa com fake news na campanha de 2018, Bolsonaro disse que ela ” queria dar um furo a qualquer preço contra mim”. A declaração, com os tweets do seu filho Eduardo Bolsonaro amplificaram os ataques misóginos que já estavam acontecendo no Twitter e em grupos de WhatsApp. 

No seu artigo, Chenoweth e Marks afirmam que, apesar da flagrante misoginia, autoritários e autocratas conseguem recrutar mulheres como protagonistas de seus movimentos políticos, como é o caso da Damares Alves e da primeira dama, Michelle Bolsonaro. 

Damares Alves promove discursos em que valoriza a maternidade e a família tradicional para obscurecer políticas desiguais de gênero. Já a Michelle Bolsonaro tem sido instrumental para tentar diminuir a rejeição do seu marido no eleitorado feminino — ela tem participado de comícios e convenções partidárias para promover a percepção que Bolsonaro se importa com as mulheres, ela chegou a afirmar que ele “sancionou 70 novas leis de proteção à mulher”. 

Porém, Bolsonaro sancionou 46 projetos, nenhum de autoria do seu governo, e vetou seis propostas que beneficiavam diretamente as mulheres, incluindo o trecho de uma lei que distribuiria absorventes de forma gratuita para pessoas em vulnerabilidade social. 

 

Fakes para demonstrar apoio feminino

 

O Bolsonarismo também usa as redes para demonstrar de forma artificial que as mulheres o apoiam. No dia seguinte ao debate presidencial (29/08), as hashtags #SouMulherEVotoBolsonaro e #MulheresComBolsonaro foram parar nos assuntos mais comentados do Twitter (Trending Topics).

Na visão do autoritário patriarcal, os homens não são homens de verdade, a menos que tenham controle sobre as mulheres em suas vidas. Bolsonaro, após ter o apoio incondicional da deputada Joice Hasselman, ao sentir que ela seria uma ameaça à sua liderança, cortou relações e, junto com a sua base, focou em atacá-la com mensagens e memes misóginos com referências à sua condição física. Diversas vezes em que Carla Zambelli se manifestou em coletivas com Bolsonaro, foi avisada para ficar quieta. Bolsonaro também demonstra controle sobre a primeira dama, Michelle, ao fazer insinuações sobre a vida sexual do casal.

 

Por que tanta raiva das mulheres?

 

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No último debate presidencial, a candidata Simone Tebet perguntou a Bolsonaro: “Por que tanta raiva das mulheres?” 

A resposta é simples: porque Bolsonaro odeia a democracia. Por mais que as mulheres brasileiras, e seus direitos, estejam sendo atacadas e ameaçadas, é preciso mais do que nunca reconhecer os seus esforços de resistência. É nelas que está a saída do Bolsonarismo.

Estudiosos da democracia muitas vezes enquadraram o empoderamento das mulheres como resultado da democratização ou mesmo como função da modernização e do desenvolvimento econômico. No entanto, como afirmam Chenoweth e Marks, as mulheres exigiram inclusão e lutaram por sua própria representação e interesses por meio de movimentos contenciosos de sufrágio e campanhas de direitos que, em última análise, fortaleceram a democracia em geral. 

Alguns, como o movimento pró-democracia do Brasil em meados da década de 1980, tiveram ampla participação feminina: pelo menos metade dos participantes da linha de frente eram mulheres. Atualmente, as mulheres são 52,7% do eleitorado brasileiro e assim podem ser decisivas na derrota não só do Jair Bolsonaro mas na derrota do bolsonarismo como um todo.

Se a história servir de guia, as estratégias autoritárias falharão a longo prazo. Como explicam Chenoweth e Marks, as feministas sempre encontraram maneiras de exigir e expandir os direitos e liberdades das mulheres, potencializando o avanço democrático no processo. 

Mas, no curto prazo, autoritários patriarcais descontrolados podem causar grandes danos, apagando conquistas que levaram gerações para serem alcançadas.

Colaboraram Natalia Viana, Yasodara Cordova e Laura Scofield

20
Set21

Ameaça a aluno em colégio militarizado mostra confusão entre disciplina e submissão

Talis Andrade

 

Vida Loca

 

21
Jun21

Pazuello, a “coisa de internet” e a distorção fascista da linguagem

Talis Andrade

 

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por Sylvia Debossan Moretzsohn /Objethos

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“Jamais alguém pôs em dúvida que verdade e política não se dão muito bem uma com a outra, e até hoje ninguém, que eu saiba, incluiu entre as virtudes políticas a sinceridade”.

Gosto de recordar esta afirmação de Hannah Arendt na abertura de seu ensaio sobre “Verdade e Política”, publicado originalmente há quase setenta anos, para desfazer algumas ilusões que costumam acompanhar as esperanças sobre a ética na política. Sempre achei curioso o espanto diante do recrudescimento da mentira deslavada dos tempos atuais, a ponto de se inventar a expressão “pós-verdade” para defini-los. Afinal, Arendt viveu o nazismo, quando a mentira deslavada era a regra. Mas nem em tempos de democracia se pode imaginar que prevaleça a sinceridade – ou a “transparência”, como está na moda dizer –, dado que a política envolve interesses e, por isso, segredos. Inevitavelmente, em qualquer época histórica.

Mas também deveria ser evidente que em uma democracia as coisas decorrem de outra forma, diferentemente do momento atual em países como o Brasil e, até recentemente, os Estados Unidos então comandados por Trump. E a tecnologia digital favoreceu enormemente a ascensão e o protagonismo desse tipo de liderança demagógica, com uma penetração muito distinta da do período pré-internet, devido à possibilidade de selecionar algoritmicamente o público a ser atingido e, mais ainda, formar bolhas para blindá-lo de ações que possam eventualmente despertar-lhe alguma dúvida em relação às informações distorcidas que recebe.

É aí que se insere a tentativa de defesa do general Pazuello, na CPI da Covid. Especialmente sua resposta sobre o cancelamento da compra de 46 milhões de doses da Coronavac, em outubro do ano passado, que ele mesmo havia comemorado, para logo depois dizer, sem qualquer constrangimento, que “um manda, o outro obedece”. Na época, o destaque da notícia foi para a humilhação de um general subordinado a um capitão.

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Agora, diante dos senadores, o general alegava que a manifestação de Bolsonaro, num tuíte em resposta ao protesto de um de seus apoiadores contra a compra da vacina chinesa, era apenas uma postagem na internet. Questionado, disse que uma coisa era falar publicamente, outra era dar uma ordem a um ministro. E não importava se, por alguma incrível coincidência, essa ordem supostamente não dada acabou sendo cumprida, ainda por cima arrematada com aquela declaração sorridente sobre quem manda e quem tem juízo.

Das muitas mentiras descaradas na CPI, esta foi das que mais repercutiram na imprensa. José Casado, na Veja, ironizou a revelação do “avatar político” do presidente: “pela descrição do ex-ministro da Saúde, existe o Bolsonaro real e o Bolsonaro avatar. Um manda, o outro não. E ambos nem sempre estão de acordo”. Malu Gaspar, no Globo, lembrou que Pazuello havia tentado se esquivar do depoimento à CPI mas, diante da decisão do STF – de que ele poderia, sim, ficar calado sobre o que se referia a suas ações durante a pandemia, mas teria de responder, sem mentir, ao que dissesse respeito a outras pessoas –, “produziu uma inovação simbólica dos tempos que vivemos: a ‘coisa de internet’”.

Era sempre como reagia, a cada questionamento sobre uma ordem de Bolsonaro contra a compra de vacinas ou pela adoção da cloroquina como “tratamento precoce”: tudo “coisa de internet”, bravatas, balelas que não se deveria levar a sério.

É claro que é fundamental desmontar a farsa produzida pelo general nessa encenação comum a toda CPI – embora sejam raros os que apontem a aberração da obediência a esses rituais num momento de urgência que o próprio tema do inquérito impõe, porque as pessoas estão morrendo aos milhares todos os dias –, mas o principal ficou por dizer: a “coisa de internet” não é uma banalidade, é decisiva na condução da política e facilita a operação da inversão discursiva já apontada em clássicos da literatura como 1984, de George Orwell, ou no estudo de Victor Klemperer sobre a Linguagem do Terceiro Reich.

O primeiro a se notar nessa “coisa da internet” é a facilidade de se editar informações de maneira distorcida, ou simplesmente produzi-las para fazer propaganda – como se pode ver aqui no levantamento da agência Aos Fatos – e enviá-las a determinado público, para que ele se convença do contrário do que de fato ocorreu e ajude a disseminar a mentira.

Mas o mais importante é a formação de referências para a sedimentação dessa operação de inversão discursiva, já visível na campanha eleitoral de 2018 – o programa de Bolsonaro denunciava o que o próprio candidato praticava contra seus oponentes e, no mesmo estilo de Trump, alertava para as alegadas fake news de que estaria sendo vítima, prometendo restabelecer “a verdade” – e na crítica às instituições, entre elas a imprensa, numa apropriação canhestra da crítica historicamente produzida por pesquisadores, na academia e fora dela. 

O mais relevante em todo esse processo é a apropriação da ideia de dúvida, esvaziada da fundamentação iluminista original. Durante a pandemia isso ficou mais visível porque nem os especialistas tinham certezas a oferecer. No estudo “Ciência contaminada: analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via youtube”, publicado há um ano, em maio de 2020, o Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) dava como um dos exemplos o canal “Desperte – Thiago Lima”, que na época contava com mais de 1 milhão de assinantes e misturava símbolos místicos a apelos racionais: “Pense”, “Raciocine”, “Faça a sua escolha”.

São apelos visíveis em perfis bolsonaristas na internet, que formalmente assumem o valor da racionalidade para invertê-lo e degradá-lo, do mesmo jeito que Bolsonaro justifica suas sucessivas ofensas à democracia como forma de defendê-la, ou como os vídeos que circularam no início deste ano, contestando o uso de máscara, o lockdown ou a vacinação e exaltando a liberdade individual. “Paz sem voz é medo”, dizia-se num desses vídeos, numa evidente distorção do famoso verso de Marcelo Yuka.

Mais ou menos na mesma época em que Hannah Arendt escrevia seu ensaio sobre Verdade e Política, Lukács publicava A Destruição da razão – traduzido para o português apenas em 2020 –, em que desenvolvia uma teoria crítica dos fascismos em geral e do nazismo em particular, buscando entender, no campo filosófico, o caminho que a Alemanha percorreu até eleger Hitler. Observava que a emergência do irracionalismo naquela época tinha suas raízes na vida cotidiana das massas.

Em momentos dramáticos como o que estamos vivendo, é muito difícil encontrar serenidade para refletir. Mas é exatamente nesses momentos que a reflexão é mais necessária. É preciso entender melhor os mecanismos históricos de apropriação, deturpação e degradação da linguagem, que se repetem agora com recursos mais sofisticados proporcionados pela tecnologia digital, para tentar enfrentar a barbárie.

Não creio que haja saída fora da identificação do que se enraizou “na vida cotidiana das massas”, a ponto de vermos cartazes afirmando que Bolsonaro foi escolhido por Deus – e me parece ocioso assinalar o tamanho da regressão que essa simples frase indica, como negação dos ideais republicanos que há mais de dois séculos demoliram a justificativa do poder por direito divino.Presidente Bolsonaro, o escolhido por DEUS - Home | Facebook

Perceber o papel da religião nesse processo – como faz, por exemplo, Evandro Bonfim num artigo recente, sobre “O espírito santo e o ‘rei do fim do mundo’”, mostrando as raízes arcaicas da mobilização do apoio a Bolsonaro – pode ser um bom início para reorientar o esforço de esclarecimento, empreendido por tantas e tão distintas iniciativas de combate à mentira.A cristologia cristofascista de Jair Bolsonaro - CartaCapital

 

16
Dez20

Revista íntima: Há sempre um nome de mulher

Talis Andrade

 

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Por Saulo Dutra de Oliveira /Justificando

Por trás da história que acompanha o tema revista íntima e vexatória há sempre um nome de uma mulher[1]. Convido conhecer o disco duplo lançado em 1987, no qual cada canção retrata diferentes histórias/estórias de mulheres: músicas, autores e intérpretes imortalizados em nossa cultura. A arte é uma viagem no tempo e na retratação: Conceição, Luiza, Maria, Clementina, Betânia …

Na vida ou na arte, o sofrimento retratado nalgumas dessas canções seguem roteiros transmutados em casos atuais e rotineiros, com destaque ao tratamento cruel e desumano destinado às visitantes de unidades prisionais. 

A espoliação espetaculosa e humilhante traz em seu âmago a violência de gênero, a misoginia, a objetificação e submissão da mulher. Afinal, se dentro do cárcere o país é o das calças beges, nas portas de suas entradas, são as mulheres que estão devidamente uniformizadas, nos termos dos padrões de cores impostas pela Secretaria Penitenciária.

Um breve escorço temporal traz alguns casos. Já em 1989, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos passaria a se debruçar sobre o tema. Mas, foi somente no ano de 1996, aos 15 de outubro, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, RELATÓRIO Nº 38/96 CASO 10.506 (Argentina) publicizava:

Em 29 de dezembro de 1989, a Comissão recebeu denúncia contra o Governo da Argentina, relacionada à situação da Senhora X e sua filha Y, de 13 anos. A denúncia alega que o Estado argentino, e especialmente as autoridades penitenciárias do Governo Federal, que efetuam revisões vaginais rotineiras das mulheres que visitam a Unidade Nº 1 do Serviço Penitenciário Federal, violaram os direitos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Em todas as visitas realizadas ao seu esposo, que se encontrava detido na Prisão de Réus Processados da Capital Federal, a Senhora X, juntamente com a filha do casal, de 13 anos de idade, foi submetida a revistas vaginais. Em abril de 1989, a Senhora X impetrou recurso de amparo, solicitando a eliminação desses exames. A petição alega que a prática do Serviço Penitenciário Federal (“SPF”) representa uma violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, já que é lesiva à dignidade das pessoas submetidas a tal procedimento (artigo 11), constituindo medida de caráter penal degradante que transcende a pessoa do condenado ou processado (artigo 5.3); além disso, é discriminatória em prejuízo das mulheres (artigo 24), em função do artigo 1.1.[2]

Em conclusão, a CIDH sedimentou que ao impor uma condição ilegal para a realização das visitas à penitenciária sem dispor de mandado judicial ou oferecer as garantias médicas apropriadas, e ao efetuar revistas e inspeções nessas condições, o Estado argentino violou os direitos da Senhora X e sua filha Y consagrados nos artigos 5, 11 e 17 da Convenção, em correlação com o artigo 1.1, que dispõe pela obrigação do Estado argentino de respeitar e garantir o pleno e livre exercício de todas as disposições reconhecidas na Convenção. No caso da menor Y, a Comissão conclui que o Estado argentino também transgrediu o artigo 19 da Convenção.[3]

Neste diapasão, escapando do ambiente prisional, relembra-se o caso da ex-escrivã da Polícia Civil de São Paulo, que em 2009 foi desnudada por seus pares, dentro de uma Delegacia. O vídeo ganhou notoriedade nacional.  Acusada e processada criminalmente, restou absolvida. O juiz Antônio de Oliveira Angrisani Filho deliberou que houve clara violação ao direito da mulher investigadaSe sequer o homem pode tocar o corpo da mulher para a realização da busca, conquanto mais desnudá-la. Se foram apreendidas ou não as cédulas previamente xerocopiadas na posse da ré é fato a ser considerado como inexistente nos autos pela notória nulidade da prova.[4]

Em 2012, tivemos a oportunidade de impetrar Habeas Corpus Coletivo ao TJSP, para Taubaté e região, visando proibir a prática patentemente atentatória às normas humanitárias. A liminar foi deferida, destacando-se que o exame invasivo, sem permissão do titular de direitos, acaba por se constituir em violência inadmissível num estado democrático de direito. O Desembargador Marco Nahum asseverou que em nome de eventual segurança carcerária, o Estado não pode violentar a dignidade do ser humano, obrigando-lhe a se submeter a exame invasivo, para que a autoridade possa proceder ‘a retirada do corpo estranho do interior da pessoa investigada, com ou sem o consentimento da mesma’.[5]

Mais tarde, o processo foi vindicado pelo Órgão Especial, num esforço hermenêutico do Regimento Interno da Corte. O placar de votação de mérito final do writ: 24 x 1 pela denegação da ordem. 

 

Notas:

[1] Há sempre um nome de mulher. Vinil: BMG Ariola Discos Ltda. Vários artistas. Produtor: Ricardo Cravo Albin. 1987.

[2] https://cidh.oas.org/annualrep/96port/Caso11506.htm#1.5

[3] Idem.

[4] http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/05/ex-escriva-que-teve-roupa-tirada-em-delegacia-e-absolvida-em-sp.html

[5] HC do TJSP número 0269428-71.2012.8.26.0000 – 1ª Câmara de Direito Criminal.

08
Set20

Lula: Discurso da Independência ou Morte do Brasil

Talis Andrade

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Minhas amigas e meus amigos.

Nos últimos meses uma tristeza infinita vem apertando meu coração. O Brasil está vivendo um dos piores períodos de sua história.

Com 130 mil mortos e quatro milhões de pessoas contaminadas, estamos despencando em uma crise sanitária, social, econômica e ambiental nunca vista.

Mais de duzentos milhões de brasileiras e brasileiros acordam, todos os dias, sem saber se seus parentes, amigos ou eles próprios estarão saudáveis e vivos à noite.

A esmagadora maioria dos mortos pelo Coronavírus é de pobres, pretos, pessoas vulneráveis que o Estado abandonou.

Na maior e mais rica cidade do país, as mortes pelo Covid-19 são 60% mais altas entre pretos e pardos da periferia, segundo os dados das autoridades sanitárias.

Cada um desses mortos que o governo federal trata com desdém tinha nome, sobrenome, endereço. Tinha pai, mãe, irmão, filho, marido, esposa, amigos. Dói saber que dezenas de milhares de brasileiras e brasileiros não puderam se despedir de seus entes queridos. Eu sei o que é essa dor.

Teria sido possível, sim, evitar tantas mortes.

Estamos entregues a um governo que não dá valor à vida e banaliza a morte. Um governo insensível, irresponsável e incompetente, que desrespeitou as normas da Organização Mundial de Saúde e converteu o Coronavírus em uma arma de destruição em massa.

Os recursos que poderiam estar sendo usados para salvar vidas foram destinados a pagar juros ao sistema financeiro.

O Conselho Monetário Nacional acaba de anunciar que vai sacar mais de 300 bilhões de reais dos lucros das reservas que nossos governos deixaram.

Seria compreensível se essa fortuna fosse destinada a socorrer o trabalhador desempregado ou a manter o auxílio emergencial de 600 reais enquanto durar a pandemia.

Mas isso não passa pela cabeça dos economistas do governo. Eles já anunciaram que esse dinheiro vai ser usado para pagar os juros da dívida pública!

Nas mãos dessa gente, a Saúde pública é maltratada  em todos os seus aspectos.

A substituição da direção do Ministério da Saúde por militares sem experiência médica ou sanitária é apenas a ponta de um iceberg. Em uma escalada autoritária, o governo transferiu centenas de militares da ativa e da reserva para a administração federal, inclusive em muitos postos-chave, fazendo lembrar os tempos sombrios da ditadura.

O mais grave de tudo isso é que Bolsonaro aproveita o sofrimento coletivo para, sorrateiramente, cometer um crime de lesa-pátria.

Um crime politicamente imprescritível, o maior crime que um governante pode cometer contra seu país e seu povo: abrir mão da soberania nacional.

Não foi por acaso que escolhi para falar com vocês neste 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil, quando celebramos o nascimento do nosso país como nação soberana.

Soberania significa independência, autonomia, liberdade. O contrário disso é dependência, servidão, submissão.

Ao longo de minha vida sempre lutei pela liberdade.

Liberdade de imprensa, liberdade de opinião, liberdade de manifestação e de organização, liberdade sindical, liberdade de iniciativa.

É importante lembrar que não haverá liberdade se o próprio país não for livre.

Renunciar à soberania é subordinar o bem-estar e a segurança do nosso povo aos interesses de outros países.

A garantia da soberania nacional não se resume à importantíssima missão de resguardar nossas fronteiras terrestres e marítimas e nosso espaço aéreo. Supõe também defender nosso povo, nossas riquezas minerais, cuidar das nossas florestas, nossos rios, nossa água.

Na Amazônia devemos estar presentes com cientistas, antropólogos e pesquisadores dedicados a estudar a fauna e a flora e a empregar esse conhecimento na farmacologia, na nutrição e em todos os campos da ciência – respeitando a cultura e a organização social dos povos indígenas.

O governo atual subordina o Brasil aos Estados Unidos de maneira humilhante, e submete nossos soldados e nossos diplomatas a situações vexatórias. E ainda ameaça envolver o país em aventuras militares contra nossos vizinhos, contrariando a própria Constituição, para atender os interesses econômicos e estratégico-militares norte-americanos.

A submissão do Brasil aos interesses militares de Washington foi escancarada pelo próprio presidente ao nomear um oficial general das Forças Armadas Brasileiras para servir no Comando Militar Sul dos Estados Unidos, sob as ordens de um oficial americano.

Em outro atentado à soberania nacional, o atual governo assinou com os Estados Unidos um acordo que coloca a Base Aeroespacial de Alcântara sob o controle de funcionários norte-americanos e que priva o Brasil de acesso à tecnologia, mesmo de terceiros países.

Quem quiser saber os verdadeiros objetivos do governo não precisa consultar manuais secretos da Abin ou do serviço de inteligência do Exército.

A resposta está todos os dias no Diário Oficial, em cada ato, em cada decisão, em cada iniciativa do presidente e de seus assessores, banqueiros e especuladores que ele chamou para dirigir nossa economia.

Instituições centenárias, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, que se confundem com a história do desenvolvimento do país, estão sendo esquartejadas e fatiadas – ou simplesmente vendidas a preço vil.

Bancos públicos não foram criados para enriquecer famílias. Eles são instrumentos do progresso. Financiam a casa do pobre, a agricultura familiar, as obras de saneamento, a infraestrutura essencial ao desenvolvimento.

Se olharmos para o setor energético, veremos uma política de terra arrasada igualmente predadora.

Depois de colocar à venda por valores ridículos as reservas do Pré-Sal, o governo desmantela a Petrobrás. Venderam a distribuidora e os gasodutos foram alienados. As refinarias estão sendo esquartejadas. Quando só restarem os cacos, chegarão as grandes multinacionais para arrematar o que tiver sobrado de uma empresa estratégica para a soberania do Brasil.

Meia dúzia de multinacionais ameaçam a renda de centenas de bilhões de reais do petróleo do Pré-Sal – recursos que constituiriam um fundo soberano para financiar uma revolução educacional e científica.

A Embraer, um dos maiores trunfos do nosso desenvolvimento tecnológico, só escapou da sanha entreguista em função das dificuldades da empresa que iria adquiri-la, a Boeing, profundamente ligada ao complexo industrial militar dos Estados Unidos.

O desmanche não termina aí.

O furor privatista do governo pretende vender, na bacia das almas, a maior empresa de geração de energia da América Latina, a Eletrobrás, uma gigante com 164 usinas – duas delas termonucleares – responsável por quase 40% da energia consumida no Brasil.

A demolição das universidades, da educação e o desmonte das instituições de apoio à ciência e à tecnologia, promovidos pelo governo, são ameaça real e concreta à nossa soberania.

Um país que não produz conhecimento, que persegue seus professores e pesquisadores, que corta bolsas de pesquisas e nega o ensino superior à maioria de sua população está condenado à pobreza e à eterna submissão.

A obsessão destrutiva desse governo deixou a cultura nacional entregue a uma sucessão de aventureiros. Artistas e intelectuais clamam pela salvação da Casa de Ruy Barbosa, da Funarte, da Ancine. A Cinemateca Brasileira, onde está depositado um século da memória do cinema nacional, corre o sério risco de ter o mesmo destino trágico do Museu Nacional

Minhas amigas e meus amigos.

No isolamento da quarentena tenho refletido muito sobre o Brasil e sobre mim mesmo, sobre meus erros e acertos e sobre o papel que ainda pode me caber na luta do nosso povo por melhores condições de vida.

Decidi me concentrar, ao lado de vocês, na reconstrução do Brasil como Nação independente, com instituições democráticas, sem privilégios oligárquicos e autoritários. Um verdadeiro Estado Democrático e de Direito, com fundamento na soberania popular. Uma Nação voltada para a igualdade e o pluralismo. Uma Nação inserida numa nova ordem internacional baseada no multilateralismo, na cooperação e na democracia, integrada na América do Sul e solidária com outras nações em desenvolvimento.

O Brasil que quero reconstruir com vocês é uma Nação comprometida com a libertação do nosso povo, dos trabalhadores e dos excluídos.

Dentro de um mês vou fazer 75 anos.

Olhando para trás, só posso agradecer a Deus, que foi muito generoso comigo. Tenho que agradecer à minha mãe, dona Lindu, por ter feito de um pau-de-arara sem diploma um trabalhador orgulhoso, que um dia viraria presidente da República. Por ter feito de mim um homem sem rancor, sem ódios.

Eu sou o menino que desmentiu a lógica, que saiu do porão social e chegou ao andar de cima sem pedir permissão a ninguém, só ao povo.

Não entrei pela porta dos fundos, entrei pela rampa principal. E isso os poderosos jamais perdoaram.

Reservaram para mim o papel de figurante, mas virei protagonista pelas mãos dos trabalhadores brasileiros.

Assumi o governo disposto a mostrar que o povo cabia, sim, no orçamento. Mais do que isso, provei que o povo é um extraordinário patrimônio, uma enorme riqueza. Com o povo o Brasil progride, se enriquece, se fortalece, se torna um país soberano e justo.

Um país em que a riqueza produzida por todos seja distribuída para todos – mas em primeiro lugar para os explorados, os oprimidos, os excluídos.

Todos os avanços que fizemos sofreram encarniçada oposição das forças conservadoras, aliadas a interesses de outras potências.

Eles nunca se conformaram em ver o Brasil como um país independente e solidário com seus vizinhos latino-americanos e caribenhos, com os países africanos, com as nações em desenvolvimento.

É aí, nessas conquistas dos trabalhadores, nesse progresso dos pobres, no fim da subserviência, é aí que está a raiz do golpe de 2016.

Aí está a raiz dos processos armados contra mim, da minha prisão ilegal e da proibição da minha candidatura em 2018. Processos que – agora todo mundo sabe – contaram com a criminosa colaboração secreta de organismos de inteligência norte-americanos.

Ao tirar 40 milhões de brasileiros da miséria, nós fizemos uma revolução neste país. Uma revolução pacífica, sem tiros nem prisões.

Ao ver que esse processo de ascensão social dos pobres iria continuar, que a afirmação de nossa soberania não iria ter volta, os que se julgam donos do Brasil, aqui dentro e lá fora, resolveram dar um basta. 

Nasce aí o apoio dado pelas elites conservadoras a Bolsonaro.

Aceitaram como natural sua fuga dos debates. Derramaram rios de dinheiro na indústria das fake news. Fecharam os olhos para seu passado aterrador. Fingiram ignorar seu discurso em defesa da tortura e a apologia pública que ele fez do estupro.

As eleições de 2018 jogaram o Brasil em um pesadelo que parece não ter fim.

Com ascensão de Bolsonaro, milicianos, atravessadores de negócios e matadores de aluguel saíram das páginas policiais e apareceram nas colunas políticas.

Como nos filmes de terror, as oligarquias brasileiras pariram um monstrengo que agora não conseguem controlar, mas que continuarão a sustentar enquanto seus interesses estiverem sendo atendidos.

Um dado escandaloso ilustra essa conivência: nos quatro primeiros meses da pandemia, quarenta bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em 170 bilhões de reais.

Enquanto isso, a massa salarial dos empregados caiu 15% em um ano, o maior tombo já registrado pelo IBGE. Para impedir que os trabalhadores possam se defender dessa pilhagem, o governo asfixia os sindicatos, enfraquece as centrais sindicais e ameaça fechar as portas da Justiça do Trabalho. Querem quebrar a coluna vertebral do movimento sindical, o que nem a ditadura conseguiu.

Violentaram a Constituição de 1988. Repudiaram as práticas democráticas. Implantaram um autoritarismo obscurantista, que destruiu as conquistas sociais alcançadas em décadas de lutas. Abandonaram uma política externa altiva e ativa, em favor de uma submissão vergonhosa e humilhante.

Este é o verdadeiro e ameaçador retrato do Brasil de hoje.

Tamanha calamidade terá que ser enfrentada com um novo contrato social que defenda os direitos e a renda do povo trabalhador.

Minhas queridas e meus queridos.

Minha longa vida, aí incluídos os quase dois anos que passei em uma prisão injusta e ilegal, me ensinou muito.

Mas tudo o que fui, tudo o que aprendi cabe num grão de milho se essa experiência não for colocada a serviço dos trabalhadores.

É inaceitável que 10% da população vivam à custa da miséria de 90% do povo.

Jamais haverá crescimento e paz social em nosso país enquanto a riqueza produzida por todos for parar nas contas bancárias de meia dúzia de privilegiados.

Jamais haverá crescimento e paz social se as políticas públicas e as instituições não tratarem com equidade a todos brasileiros.

É inaceitável que os trabalhadores brasileiros continuem sofrendo os impactos perversos da desigualdade social. Não podemos admitir que nossa juventude negra tenha suas vidas marcadas por uma violência que beira genocídio.

Desde que vi, naquele terrível vídeo, os 8 minutos e 43 segundos de agonia de George Floyd, não paro de me perguntar: quantos George Floyd nós tivemos no Brasil? Quantos brasileiros perderam a vida por não serem brancos? Vidas negras importam, sim. Mas isso vale para o mundo, para os Estados Unidos e vale para o Brasil.

É intolerável que nações indígenas tenham suas terras invadidas e saqueadas e suas culturas destruídas. O Brasil que queremos é o do marechal Rondon e dos irmãos Villas-Boas, não o dos grileiros e dos devastadores de florestas.

Temos um governo que quer matar as mais belas virtudes do nosso povo, como a generosidade, o amor à paz e a tolerância.

O povo não quer comprar revólveres nem cartuchos de carabina. O povo quer comprar comida.

Temos que combater com firmeza a violência impune contra as mulheres. Não podemos aceitar que um ser humano seja estigmatizado por seu gênero. Repudiamos o escárnio público com os quilombolas. Condenamos o preconceito que trata como seres inferiores pobres que vivem nas periferias das grandes cidades.

Até quando conviveremos com tanta discriminação, tanta intolerância, tanto ódio?

Meus amigos e minhas amigas,

Para reconstruirmos o Brasil pós pandemia, precisamos de um novo contrato social entre todos os brasileiros.

Um contrato social que garanta a todos o direito de viver em paz e harmonia. Em que todos tenhamos as mesmas possiblidades de crescer, onde nossa economia esteja a serviço de todos e não de uma pequena minoria. E no qual sejam respeitados nossos tesouros naturais, como o Cerrado, o Pantanal, a Amazônia Azul e a Mata Atlântica.

O alicerce desse contrato social tem que ser o símbolo e a base do regime democrático: o voto. É através do exercício do voto, livre de manipulações e fake news, que devem ser formados os governos e ser feitas as grandes escolhas e as opções fundamentais da sociedade.

Através dessa reconstrução, lastreada no voto, teremos um Brasil um democrático, soberano, respeitador dos direitos humanos e das diferenças de opinião, protetor do meio ambiente e das minorias e defensor de sua própria soberania.

Um Brasil de todos e para todos.

Se estivermos unidos em torno disso poderemos superar esse momento dramático.

O essencial hoje é vencer a pandemia, defender a vida e a saúde do povo. É pôr fim a esse desgoverno e acabar com o teto de gastos que deixa o Estado brasileiro de joelhos diante do capital financeiro nacional e internacional.

Nessa empreitada árdua, mas essencial, eu me coloco à disposição do povo brasileiro, especialmente dos trabalhadores e dos excluídos.

Minhas amigas e meus amigos.

Queremos um Brasil em que haja trabalho para todos.

Estamos falando de construir um Estado de bem-estar social que promova a igualdade de direitos, em que a riqueza produzida pelo trabalho coletivo seja devolvida à população segundo as necessidades de cada um.

Um Estado justo, igualitário e independente, que dê oportunidades para os trabalhadores, os mais pobres e os excluídos.

Esse Brasil dos nossos sonhos pode estar mais próximo do que aparenta.

Até os profetas de Wall Street e da City de Londres já decretaram que o capitalismo, tal como o mundo o conhece, está com os dias contados. Levaram séculos para descobrir uma verdade inquestionável que os pobres conhecem desde que nasceram: o que sustenta o capitalismo não é o capital. Somos nós, os trabalhadores.

É nessas horas que me vem à cabeça esta frase que li num livro de Victor Hugo, escrito há um século e meio, e que todo trabalhador deveria levar no bolso, escrita em um pedacinho de papel, para jamais esquecer:

“É do inferno dos pobres que é feito o paraíso dos ricos…”

Nenhuma solução, porém, terá sentido sem o povo trabalhador como protagonista. Assim como a maioria dos brasileiros, não acredito e não aceito os chamados pactos “pelo alto”, com as elites. Quem vive do próprio trabalho não quer pagar a conta dos acertos políticos feitos no andar de cima.

Por isso quero reafirmar algumas certezas pessoais:

• Não apoio, não aceito e não subscrevo qualquer solução que não tenha a participação efetiva dos trabalhadores.

• Não contem comigo para qualquer acordo em que o povo seja mero coadjuvante.

• Mais do que nunca, estou convencido de que a luta pela igualdade social passa, sim, por um processo que obrigue os ricos a pagar impostos proporcionais às suas rendas e suas fortunas.

E esse Brasil, minhas amigas e meus amigos, está ao alcance das nossas mãos.

Posso afirmar isso olhando nos olhos de cada um e de cada uma de vocês. Nós provamos ao mundo que o sonho de um país justo e soberano pode sim, se tornar realidade.

Eu sei – vocês sabem – que podemos, de novo, fazer do Brasil o país dos nossos sonhos.

E dizer, do fundo do meu coração: estou aqui. Vamos juntos reconstruir o Brasil.

Ainda temos um longo caminho a percorrer juntos.

Fiquem firmes, porque juntos nós somos fortes.

Viveremos e venceremos.

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16
Mai20

Bolsonaro precisa de um Mengele

Talis Andrade

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por Fernando Brito

Tijolaço

 - - -

Participar do governo Bolsonaro, como disse ontem ao falar na TVT é como entregar a alma para entrar no Inferno.

Por isso, não supreende nem desperta piedade a demissão do ministro da Saúde, Nélson Teich, menos depois de ter assumido a cadeira do “fritado” Luiz Mandetta.

Não bastava a sua anomia, não chegava o ar lúgubre, não era suficiente a sua covardia tatibitati.

Bolsonaro precisa de um cão, de um completo vagabundo, de um borra-botas que seja seu cúmplice na tarefa de juncar de cadáveres o chão do Brasil.

Ele quer um Mengele.

Alguém tem de soar o alarme: Jair Bolsonaro não é apenas indiferente às mortes aos milhares.

Ele as quer, ele quer a explosão de dor e desespero para pavimentar seu caminho ao poder absoluto, tal como as milícias precisam de corpos no chão para impor seu império de medo e submissão às comunidades.

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