O advogado Fernando Augusto Fernandes lança, nesta sexta-feira (31/3), aniversário de 59 anos do golpe militar, o portal Voz Humana — os arquivos sonoros de presos políticos. O site disponibiliza mais de 10 mil horas de gravações de julgamentos secretos de presos políticos ocorridos entre 1975 e 1979 no Superior Tribunal Militar.
O objetivo é ajudar os brasileiros a ter um conhecimento mais aprofundado da história do país, disse Fernandes à ConJur. O portal busca facilitar o trabalho de pesquisadores, ao disponibilizar as gravações e arquivos das ações contra presos políticos. E tem um blog com reportagens sobre os processos no STM, voltado a jornalistas e o público em geral.
"É preciso olhar para o passado, para os erros cometidos no passado, para o presente recente e os riscos à democracia, como o ataque de 8 de janeiro, e para o futuro. Temos que pensar na necessidade de manutenção da democracia, de não ampliarmos a competência da Justiça Militar, restringindo-a a crimes exclusivamente entre militares e contra militares, e na modificação das estruturas do Judiciário e do Ministério Público, para que não tenhamos desvios de jurisdição, como ocorreram na "lava jato'", afirma o advogado.
As gravações de julgamentos do STM revelam que os ministros tinham conhecimento das torturas, que eram denunciadas pelos advogados, aponta Fernandes. Mas os magistrados faziam vista grossa para as sevícias, exceto o general Rodrigo Octávio, que tentava tomar providências, diz.
"A tortura sempre existiu no Brasil. Mas a ditadura militar de 1964 institucionalizou a tortura como método de investigação", destaca o advogado.
Na visão dele, a ditadura deixou um legado negativo que engloba execuções nas periferias das cidades, a "lava jato" e o bolsonarismo.
"A operação 'lava jato', com a questão do lawfare, não é nada menos do que a guerra híbrida decorrente da doutrina de segurança nacional, que inverteu a máxima de Clausewitz, tornando a política a guerra por outros meios. A perseguição ao inimigo interno, que deixou de ser mero opositor, é uma decorrência da doutrina. E a 'lava jato' é o desvio da judicialização, tornando o Judiciário parte da guerra política."
De acordo com Fernando Fernandes, o fato de o Brasil não ter julgado e punido militares da ditadura, como fizeram países como Argentina, Uruguai e Chile, contribui para a visão positiva que uma parcela dos brasileiros tem sobre o período. Afinal, muitos desconhecem as torturas e desaparecimentos de presos políticos.
Outra parcela da sociedade, no entanto, é abertamente favorável a um regime que persegue e mata opositores, avalia o advogado. "Quando o ex-presidente Jair Bolsonaro fez uma homenagem ao coronel Carlos Brilhante Ustra, um torturador, qual foi o seu objetivo a não ser o de manifestar uma deliberada opção de apoiar atos desumanos, a tortura e, nos tempos modernos, a eliminação de pessoas pelos assassinatos nas periferias das cidades?"
O portal Voz Humana — os arquivos sonoros de presos políticos será lançado nesta sexta-feira (31/3), às 18h, na sede da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil.
Descoberta dos arquivos
Em 1997, Fernandes pesquisava a atuação de advogados em defesa de presos políticos durante a ditadura. Ao conversar com o advogado Lino Machado Filho, ele percebeu que havia fitas de gravações dos julgamentos no STM, que nunca tinham sido descobertas. Fernandes e Machado obtiveram autorização para acessar as fitas. Eles conseguiram copiar algumas sustentações orais de advogados como Sobral Pinto, Antônio Modesto da Silveira e do próprio Lino Machado Filho.
Porém, era evidente que o material iria ser colocado em sigilo, disse Fernandes à ConJur. Dito e feito: bastou a pesquisa chegar a uma sessão secreta em que se debatia caso envolvendo o guerrilheiro Carlos Lamarca para que proibissem o acesso ao arquivo.
Fernandes recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e a 2ª Turma da corte, em 2006, liberou o acesso ao material por entender que a Constituição Federal só permite a restrição da publicidade dos atos processuais quando houver a necessidade de defesa da intimidade da pessoa ou no interesse da sociedade e do Estado, o que não seria o caso.
O problema, segundo o advogado, é que o STM só atendeu parcialmente a decisão, apenas disponibilizando áudios sobre sessões públicas. Com isso, ele apresentou reclamação ao Supremo. Em 2017, o Plenário do STF decidiu que o STM havia descumprido ordem da corte ao limitar o acesso às gravações. Dessa maneira, o foi obrigado a fornecer inclusive as falas de ministros e sustentações orais durante sessões secretas.
Com a decisão do STF, o ministro do STM José Coêlho Ferreira entregou a Fernandes um disco rígido externo contendo dez mil horas de gravações dos julgamentos.
Mesmo depois disso, Fernandes localizou diversos casos julgados pelo STM durante a ditadura, dos quais ele encontrou acórdãos e outros documentos, cujos áudios não foram a ele disponibilizados. Por isso, ele pediu ao STF, em janeiro, que o STM forneça acesso a todas as suas gravações de julgamentos desde a década de 1970.
Yahoo! /FolhaPress - Sob os holofotes após a gestão Jair Bolsonaro (PL) e os ataques antidemocráticos do 8 de janeiro, a Justiça Militar passou a reforçar o discurso de que não é permissiva e que tem julgado e punido integrantes das Forças Armadas que cometeram irregularidades.
A subida no tom vem acontecendo em meio ao início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República e à troca no comando do STM (Superior Tribunal Militar) para o tenente-brigadeiro do ar Francisco Joseli Parente Camelo.
Além disso, as atribuições desse ramo do Judiciário têm sido discutidas em processos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal) e que visam restringi-las.
O debate sobre a melhoria na divulgação dos trabalhos da Justiça Militar não é novo e já foi tratado em 2021 entre a corte e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas acabou atropelado em meio à série de ameaças golpistas feitas por Bolsonaro e sem reação contrária das Forças Armadas.
Também havia intensa participação de militares, inclusive da ativa, em postos-chave do governo Bolsonaro.
Agora, um mantra repetido pela Justiça Militar é que não será tolerado que seus integrantes se manifestem de forma político-partidária ou que se posicionem de forma a ameaçar o Estado democrático de Direito.
A posição da Justiça Militar está em consonância com a do novo comandante do Exército, o general Tomás Paiva, que em teleconferência no início do mês com todos oficiais e sargentos da Força orientou que eles também não podem ter perfis em redes sociais com identificação de função militar e patente.
Em movimento semelhante, a Marinha enviou comunicado a seus oficiais definindo prazo de 90 dias para que os militares da ativa se desfiliem de partidos políticos, sob risco de punição.
A Constituição já proíbe que membros das Forças Armadas tenham filiação partidária, mas a fiscalização passa ao largo disso.
"Com o propósito de cumprir a legislação vigente, decorrido o prazo estipulado de 90 dias sem que haja a correspondente desfiliação, serão adotadas as medidas disciplinares cabíveis em decorrência do eventual descumprimento da norma constitucional", diz trecho do comunicado, obtido pela Folha.
No dia seguinte à invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, e ataque violento de bolsonaristas às instituições federais, a RFI conversou com o cientista político Gaspard Estrada, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences Po, para analisar as consequências desses eventos, que foram manchete no mundo todo nesta segunda-feira (9).
RFI:Mais uma vez, o Brasil esteve na capa do jornalThe New York Times,da mesma forma como aconteceu quando o presidente Lula tomou posse. Porém, dessa vez não pelas boas razões. Qual é o principal impacto não só internacional, mas principalmente dentro do Brasil? Qual a primeira leitura que se pode fazer desse episódio inédito na história recente do Brasil?
Gaspard Estrada:Sem dúvida, há o ineditismo da situação. Eu acho que devemos enfatizar esse caráter inédito que, esperamos, seja a primeira e a última vez que aconteça. Desde a eleição do presidente Lula, há um sentimento de uma parte dessa militância bolsonarista mais radical de querer contestar o resultado das eleições. É por isso que eles estiveram acampados na frente dos quartéis. Houve, também, uma tentativa de atentado, no aeroporto de Brasília, antes da posse. Não podemos esquecer que isso foi evitado porque o motorista de um caminhão percebeu que tinha uma coisa estranha. Então, havia sinais de que poderíamos ter um desfecho violento. Agora, é claro que, num primeiro momento, a opção do presidente Lula foi de tentar esvaziar aos poucos esses movimentos golpistas. Havia uma espécie de debate no gabinete do presidente: de um lado, o ministro da Justiça, Flávio Dino, que foi muito claro e muito assertivo na tentativa de acabar de vez com esses acampamentos. E, por outro lado, oministro da Defesa, José Múcio, que ficava numa posição meio dúbia a respeito desses acampamentos. Eu acho que esta discussão acabou com o que aconteceu ontem. Hoje, é muito claro que os acampamentos não podem ficar. Eles têm que acabar nas próximas 24 horas. Foi a decisão da Justiça, do ministro Alexandre de Moraes. Então, eu acho que isso vai dar mais clareza ao governo. Agora, a resposta será a lei.
É possível imaginar que haja uma continuidade desses movimentos, desses radicais golpistas ou uma ação enérgica da Justiça rapidamente vai fazer com que isso se disperse? Qual você acha que vai ser o futuro desse movimento a partir dos episódios de ontem?
G.E:Eu acho que agora a Justiça vai agir. Houve uma nota muito relevante não só do STF, mas de todos os tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal Militar, condenando a invasão. Então, eu acho que há uma resposta da Justiça que vai ser célere. Agora, o que nós temos que ver é qual será a reação do Exército, porque até hoje o Exército não queria deixar de apoiar as pessoas que estavam nos acampamentos. E só após essa decisão do STF, assinada por todas as cortes superiores, que o Exército está começando a desmontar esses acampamentos. Então, eu acho que é muito claro que a decisão tem que ser firme, no sentido que o Exército tem que cumprir as orientações do poder civil. Então, eu acho que é isso que vai ser o ponto central da questão.
Muito se questiona em relação às investigações que devem ser feitas para apontar as eventuais falhas que efetivamente houve em relaçãoa esses episódios. Já é possível identificar algum tipo de falha, algum tipo de responsabilidade de alguma autoridade, seja do governo, do Distrito Federal ou em nível federal?
G.E: Acho que tem dois pontos. O primeiro é que a Justiça já decidiu e o ministro Alexandre de Moraes afastou o governador do Distrito Federal durante 90 dias por causa de uma negligência. Isso já é um fato, enfim, consumado. Houve uma conivência da polícia do Distrito Federal. O próprio presidente Lula fez uma intervenção na Secretaria de Segurança Pública do DF. Então, isso é uma mostra, uma prova dessa conivência. Agora, outro ponto que para mim é mais preocupante a longo prazo, é como o governo federal vai rearticular os serviços de inteligência do governo? Porque claro que o governo federal pode até ter essa informação. Só que o governo acabou de tomar posse, há sete dias,estão começando a fazer as nomeações. Então, é claro que também na Abin, no GSI e no próprio Exército, precisará haver uma troca de lideranças para que o governo federal possa estar informado do que está acontecendo no país.
Você acredita que haveria cooperação do governo americano para a extradição de pessoas envolvidas nesses atos que estão nos Estados Unidos? Talvez Anderson Torres ou o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro?
G.E:Eu acho que tem dois pontos. O primeiro é que, se houver um caso juridicamente claro, sustentado para justificar uma extradição, eu não vejo nenhum impedimento político para o governo americano não extraditar o ex-presidente Bolsonaro e os seus familiares. Agora, tem outro ponto, que é a pressão política que está acontecendo dentro do próprio Partido Democrata para tomar uma providência já e expulsar o presidente Bolsonaro. Então, acho que tem essas duas vias, uma via jurídica e outra via política.
Para a consolidação da democracia no país, é preciso que venham à tona os crimes cometidos pela ditadura contra seus adversários políticos. Só assim serão criados anticorpos para que aquela barbárie não se repita. O povo foi pra rua, pelas diretas já. Para tirar os militares da presidência do Brasil. Tortura nunca mais
A partir do trabalho do historiador Carlos Fico e de uma matéria da jornalista Miriam Leitão, voltou à pauta na semana passada a tortura de presos políticos na ditadura e o papel da Justiça Militar no aparato de repressão. Dou, então, aqui um depoimento pessoal que ajuda a esclarecer o papel que ela cumpriu nos chamados anos de chumbo.
Fui preso em 21 de abril de 1970. Segundo o DOI-Codi, eu seria o responsável pelo setor armado do MR-8 e, individualmente, o militante que tinha participado do maior número de ações de guerrilha urbana no Rio de Janeiro até então.
Mais ou menos uns 20 dias depois, período em que estive sempre incomunicável, fui retirado da cela em que estava recolhido, vestido com roupas e sapatos de outros presos, pois já não tinha mais os meus, e levado para um local que, a princípio, não tinha como identificar. Era a 1ª Auditoria do Exército.
Só nesse dia a minha prisão foi legalizada. Até então não havia registro oficial dela.
Chegando na auditoria, vi ao longe meus pais e meu irmão Leo. Com eles estava um valoroso advogado que conhecia de fotos em jornais, como defensor de presos políticos: Augusto Sussekind. Eu era o único réu presente e aquela era uma sessão em que estava sendo julgado por participação no sequestro do embaixador Charles Elbrick, dos Estados Unidos, ocorrido em setembro do ano anterior.
A sessão era conduzida por um juiz togado, ladeado por quatro oficiais do Exército fardados. Identifiquei um deles, porque acompanhava futebol e ele participava da comissão técnica da seleção brasileira. Era um capitão de nome José Bonetti.
Não me foi dado o direito de falar com meu advogado antes daquela sessão. Aliás, só pude saber o que acontecia ali quando o juiz passou a palavra para o promotor. Este último leu uma extensa peça de acusação, na qual eu e outros companheiros éramos acusados de ter executado o sequestro de Elbrick.
Terminada a leitura, para a minha surpresa o juiz perguntou se eu admitia ser culpado do que era acusado. Já tinha resolvido admitir em juízo a minha militância política contra a ditadura e a participação no sequestro – que, por sua repercussão, permitiria fazer algum proselitismo. Mas negaria qualquer envolvimento nas demais ações armadas de que era acusado. Disse, então, que sim, que reconhecia a minha participação no sequestro, mas não corroborava a acusação a qualquer outro nome citado pelo promotor.
Para minha surpresa, porém, em seguida o juiz perguntou se eu gostaria de dizer algo mais. Diante da oportunidade, fiz um discurso denunciando a ditadura e descrevendo com minúcias as torturas sofridas. Disse que tinha muitas marcas no corpo, inclusive queimaduras nos órgãos genitais, pois os choques elétricos que tinha sofrido eram muito fortes e prolongados, com os fios presos ao meu corpo. Por isso, além das marcas de pancadas as mais variadas, em muitos lugares a pele estava queimada devido aos choques. O mal estar tomou conta do ambiente. Afinal, estavam ali apenas militares ligados ao DOI-Codi e à Justiça Militar, além de meus parentes.
À medida que eu falava, o juiz ia reproduzindo as minhas palavras para que um escrivão as datilografasse, mas omitia as partes mais contundentes,. O constrangimento era geral.
Quando cheguei ao fim, meu advogado fez um pedido de exame de corpo de delito – direito reconhecido a qualquer preso que alega maus tratos. O promotor se alvoroçou e solicitou que o pedido não fosse atendido. Segundo ele, eu havia resistido à prisão – o que era verdade - e as marcas que tinha no corpo poderiam ser resultado da briga que travei com os cerca de 20 agentes do DOI-Codi que me prenderam. Naturalmente não explicou como queimaduras no pênis poderiam ser resultado de uma briga. Pois bem, perdi por quatro a zero (na minha memória o juiz togado não votou, talvez tivesse apenas o voto de minerva). Os quatro militares não aceitaram o pedido de Sussekind.
Em seguida, como eu tinha advertido que sofreria represálias por estar fazendo aquelas denúncias, o advogado pediu que fosse quebrada a minha incomunicabilidade. Seria uma defesa contra novas violências. Mais uma vez o promotor interveio pedindo que a solicitação não fosse aceita. Segundo ele, eu era um dos “chefes da subversão” e poderia passar instruções para companheiros em liberdade.
Perdi de novo. Mais uma vez por quatro a zero.
Essa era a Justiça Militar.
É verdade que em seu escalão mais alto, o Superior Tribunal Militar (STM), a cumplicidade com os DOI-Codi era menos escancarada. Muitas penas foram reduzidas em recursos àquela corte.
Mas, ainda assim, é de uma ingenuidade atroz pensar que o STM não tinha conhecimento do que se passava nos porões. E – é preciso afirmar com todas as letras - quase sempre foi omisso.
Esta é a verdade dos fatos.
Por fim, deve ser dito que, para a consolidação da democracia no país, é preciso que venham à tona os crimes cometidos pela repressão da ditadura contra seus adversários políticos. Só assim serão criados anticorpos para que aquela barbárie não se repita e o País não corra o risco de voltar a eleger um facínora defensor da tortura para a Presidência da República.
A jornalista Miriam Leitão publicou em seu blog em O Globo uma série de relatos em que juízes e advogados falam abertamente sobre torturas cometidas pela ditadura militar brasileira (1964-1985), inclusive cometidas contra mulheres grávidas.
Durante 10 anos as sessões do Superior Tribunal Militar (STM) foram gravadas, inclusive as secretas, as quais o historiador titular de História do Brasil da UFRJ, Carlos Fico, teve acesso.
São 10 mil horas de gravações.
“O Superior Tribunal Militar passou a gravar as sessões a partir de 1975, mesmo as secretas. Até 1985 são 10 mil horas. Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso. Não conseguiu. Foi ao Supremo, que mandou liberar. O STM não obedeceu. Em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso irrestrito aos autos. O plenário acompanhou a ministra. Em 2015, as centenas de fitas de rolo foram digitalizadas. Fernandes analisou apenas 54 sessões. Em 2017 consegui copiar a totalidade das sessões. Aprimorei o áudio e passei a ouvir”, explica o professor.
O general Rodrigo Octávio continua, no mesmo dia, a falar de torturas em grávidas.
“Lícia Lúcia Duarte da Silveira desejava acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada, apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo que presenciar as torturas infligidas a seu marido”.
Ouça aquitrechos das sessões que ocorreram entre 1975 e 1985.
Leia abaixo as transcrições publicadas por Miriam Leitão:
Transcrições
1) Voz do general Rodrigo Octávio, em 24/6/77. Apelação 41.048 (tempo do áudio: 3:48)
Tenham pacientes, isto me deu muito trabalho. Fato mais grave talvez suscita exame da presente apelação, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes à tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-Doi. Em síntese, os relatos são esses: José Roberto Monteiro, folha 419, que tem uma única declaração a fazer, com pesar, no sentido de deixar claro perante esse conselho que aqui negou muitas das suas afirmativas feitas durante a fase iniciária porque naquela ocasião fora torturado, o mesmo ocorrendo com a sua mulher, o qual inclusive sofreu um aborto no próprio Codi-Doi em virtude de choques elétricos em seu aparelho genital, fato ocorrido no dia 8 de abril de 1974.
De Nádia Lúcia do Nascimento, verso, folha 445: na verdade não participou de qualquer ação delituosa, nem mesmo estava ligada ao MR8, e que se por acaso for considerada responsável por aquilo que disse, pede que seja tomada em consideração o fato, como salientou, não aguentava mais a pressão à qual fora submetida e até mesmo coação. Deseja ainda esclarecer suas atitudes, pois estava grávida de três meses ao ser presa, tinha receio de perder o filho, o que veio a acontecer no dia 7 de abril nas dependências da Oban. Licia Lucia Duarte da Silveira folhas 442 verso que desejava ainda acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo inclusive que presenciar as torturas inflingidas a seu marido, razão porque se viu obrigada a assinar todo o interrogatório, sem reagir. Norma Sá Pereira, diz que foi seviciada no Doi durante um mês, tendo recebido ameaça de morte por parte de policiais. Flora Neide Pavanelli, testemunha, que sofreu maus-tratos físicos, testemunha, hein, tomando choques e ouvindo palavrões que ocorrem no Doi, que Nádia Lucia do Nascimento também recebeu maus-tratos quando esteve presa, que foi constatada pela depoente porque ambas estavam presas na mesma cela e que, segundo a depoente, na ocasião Nádia estava grávida.
Segundo a depoente, Nádia terminou perdendo o filho, abortando. Na defesa das salvaguardas dos direitos e garantias individuais, expresso no artigo 153, parágrafo 14 da emenda constitucional 69, como consequência não só de nossa evolução política, lastreada em secular vocação democrática e formação humanística, espírito cristão, com o compromisso assumido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado pela Assembleia das Nações Unidas, tais acusações, a meu ver, devem ser devidamente apuradas através de competente inquérito, determinado com base no inciso 21 do artigo 40, da lei judiciária militar, Decreto Lei 1003 de 69.
É preciso que se evidencia de maneira clara e insofismável que o governo, as Forças Armadas e os órgãos de segurança não podem responder pelo abuso e a ignorância e a maldade de irresponsáveis que usam torturas e sevícias para obtenção de pretensas provas comprometedoras na fase investigatória, pensando, em sua limitação cerebral, que estão bem servindo a estrutura política e jurídica, quando na realidade concorrem apenas na prática desumana, ilegal em denegrir a revolução retratando a sua configuração jurídica do Estado de Direito e abalando a confiança nacional pelo crime de terror e insegurança criados na consecução dos objetivos revolucionários.
2) Voz do advogado Sobral Pinto, em 20/6/1977. Apelação 41.301 feita por Marco Antonio Tavares Coelho, que havia sido condenado a cinco anos
Os senhores ministros não acreditam na tortura. É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha para ver como essa tortura se realiza permanentemente. E nesse processo senhores juízes há prova documental da tortura que sofreu Marco Antonio. Há um laudo firmado por médicos militares atestando essa tortura. O ilustre eminente advogado de Marco Antonio, doutor Mario Simas vai mostrar aos senhores ministros esse documento.
3) Voz do general Augusto Fragoso, em 9/6/1978. Apelação 41.593 (Tempo de áudio: 1:53)
Eu queria fazer uma ponderação, uma referência, que já tinha escrito aqui no início da sessão quando estava ausente o ministro Reinaldo e os primeiros advogados começaram a falar no Doi- Codi, Doi-Codi, Doi-Codi. De maneira que, eu como único representante do Exército na hora aqui presente, eu experimentei um grande constrangimento em ver essas organizações do Exército tão acusadas, e como mostrou o relator, elas não foram apuradas devidamente. De maneira que como foi um pronunciamento público, não vou ler agora pelo adiantar da hora, mas vou inserir na ata publicamente esta ponderação sobre as acusações ao Doi-Codi que vêm se repetindo. E eu, nesses 50 e tantos anos de serviço, vivendo crises militares de 30, 32 e 35, nunca vi, nunca ouvi, acusações desse jaez feitas a órgãos do Exército. Acho que nosso Exército, seguindo exemplo das forças irmãs, devia rapidamente ser recolher aos afazeres profissionais, como então recomendou no discurso de 31 de março o presidente da República. Não posso deixar assim passar em brancas nuvens essas acusações que foram feitas na tribuna contra esses órgãos do Exército. E sabemos que muitas delas são destituídas completamente de fundamento, mas algumas delas têm aparência de veracidade. Pelo menos aparência de veracidade. Vou fazer constar na ata relativamente a esse processo essa declaração. Depois o farei por escrito.
4) Voz do ministro togado Waldemar Torres da Costa, em 13/10/1976. Apelação 41.229. (Tempo de áudio: 3:50)
Eu não ponho em dúvidas, senhores ministros, e aqui eu começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que estão realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e as vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente. Mas eu fico nessa preocupação de atribuir o que constituiria uma desmoralização a prática de tortura por oficiais do Exército que estão apurando crimes contra a segurança nacional. Eu não me recuso a me convencer dessas torturas, mas exijo que essa torturas tragam uma prova e não fiquem apenas no terreno da alegação. Reconheço, senhores ministros, que também é difícil o indivíduo provar as torturas pela maneira como é feita. Ele próprio não conhece, não tem elementos para a individualizar e ele sofre, presume-se que sofre, as torturas.
Mas como juiz a proferir um voto no tribunal e com responsabilidade de afirmar através de um acórdão que houve torturas, criando-se a obrigação de propor aos meus pares apurar essas violências. Porque como juiz eu não posso reconhecer torturas individualizadas e comprovadas sem que consequentemente eu determine, eu vote, no sentido de ser apurado, porque isso é crime também. Então, nesse inquérito que ensejam que eu examine em primeira mão a acusação do Dalton Godinho, cuja as declarações são longas, me parece que com 14 folhas relatando com pormenores. E é por causa desses pormenores essas particulares é que me custa a acreditar que tenha sido um trabalho, uma farsa, da autoridade investigante. Porque dentro da lógica, todos nós lemos uma determinada confissão no inquérito, e encontramos dentro da lógica a aceitação ou não de tais declarações.
5) Voz do Almirante Julio de Sá Bierrenbach, em 19/10/1976. Apelação 41.264. (Tempo do áudio 4:34)
Como ministro do STM, entretanto, nessa elevada instância, onde não temos contato com os indiciados, antes de julgar os homens, devemos julgar os papéis, isto é, a procedência dos autos do processo. E é esta é a nossa maior dificuldade. Muito se tem falado em direitos humanos. Com profunda tristeza tenho tomado conhecimento da repercussão no exterior de fatos que se passam no Brasil. Fatos esses que também ocorrem em todos os demais países civilizados do mundo. Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui um verdadeiro prato para os inimigos do regime e para a oposição ao governo. Imediatamente as agências telegráficas e os correspondentes os jornais estrangeiros, com a liberdade que aqui lhes é assegurada, disseminam a notícia e a imprensa internacional em poucas horas publicam os atos de crueldade e desumanidade que se passam no Brasil, generalizando e dando a entender que constituímos uma nação de selvagens. Evidentemente essa não é a realidade, o brasileiro de um modo geral não admite a violência. Por isso mesmo há tremenda exploração quando surge um desses lamentáveis casos. É possível que isso venha a ocorrer em torno da presente apelação em que sou revisor. Paciência. É o preço que pagaremos no esforço de por cobro aquilo que todos nós repudiamos. Devo lembrar, entretanto, para livrar qualquer mal-entendido que continuo intransigente no combate à subversão e a corrupção. Rendo minhas homenagens a todos os que participaram da Operação Bandeirantes em São Paulo ao fim da década de 60. Naquela oportunidade, tombaram em ação membros das Forças Armadas, da Polícia Civil e da Polícia Militar, mas a guerrilha urbana foi extinta. Morreram também subversivos, defendendo seus pontos de vista, mas também tombaram em ação. O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado. Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram e tudo isso é realizado por policiais sádicos, a fim de manterem elevadas as suas estatísticas de eficiência no esclarecimento de crimes. Longe de contribuírem para a elucidação dos delitos invalidam processos, trazendo para os tribunais a incerteza sobre o crime e a certeza sobre a violência. A ação nefasta de uns tantos policiais estende a toda a classe, sem dúvida, na grande maioria, honesta, útil e laboriosa, um manto de suspeita no modo de proceder. Essa ação sinistra de poucos é que extravasa além das nossas fronteiras repercutindo no exterior, como se todos nós fôssemos uns infratores dos direitos humanos, sei o que pensa o nosso preclaro presidente da República sobre o assunto. Tenho contatos com os oficiais generais das três forças Armadas que em sua totalidade deploram tais fatos. Diariamente vejo o cuidado com que vossas excelências examinam os processos em julgamento. É quase sistemática a pergunta: essas declarações foram prestadas em juízo ou na polícia? Também já se tornou um hábito as defesas apelarem, generalizando, que as declarações prestadas na polícia foram feitas sob maus tratos, dando a entender que nos organismos policiais não se salva mais ninguém. Se o Executivo e o Legislativo não se conformam com essas ocorrências, é claro que o Judiciário não as admite e nós, autoridades da organização judiciária militar, temos o dever de propugnar pela extinção desses cancros, as sevícias.
6) Voz do brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira. Sessão de 19/10/1977. (Tempo do áudio: 1:03)
Senhor presidente, senhores ministros, nós estamos discutindo o voto da turma. E eu desejava dar a minha opinião sobre esse voto e uma dúvida que eu tenho. Me impressionou muito os fundamentos do voto do relator, sobretudo na parte em que ele se refere ao fato de que nós não podemos receber aqui indiscriminadamente toda e qualquer suspeita de sevícia, sob pena de nós podermos comprometer aqueles que, de boa fé, com idealismo e patriotismo, se contrapõem à subversão e com isso matarmos e até esmorecer o entusiasmo com que essas forças anti subversivas têm agido no Brasil, no anonimato, no sacrifício, nas perdas de vida e em outras contribuições extraordinárias que não se reconhecem em determinadas horas.
7) Voz do ministro togado Amarílio Lopes Salgado, em 15/6/1976, Apelação:41.027 (Tempo do áudio: 2:33)
(Assaltos a bancos também eram julgados pelo STM mesmo quando eram crimes comuns, não políticos.)
Senhor presidente, recapitulando rapidamente, Documento de Folha 192, é um ofício firmado pelo diretor do presídio, e de Folha 203 é assinado pelo diretor da divisão jurídica. Abri inquérito contra esses dois, acho uma barbaridade. Apenas no meu acórdão se vossas excelências tiverem de acordo e revisor também. É o seguinte é que ele alega que para fazer essa confissão na polícia – ele assaltou dois bancos – mas eu esse ele não podia porque estava preso. “Eu tô preso, estava preso na Ilha Grande”. Faz uma diligência e vem isso aí. Vou dar uma cópia para o procurador geral porque esse moço apanhou um bocado, baixou hospital, e citou o nome das duas pessoas que martelaram ele. Estou inteiramente com o ministro Rodrigo Octávio, às vezes discordo de sua excelência, quando é difícil apurar. Eles podem negar, mas que os nomes dos dois estão aí estão. É fulano e beltrano. Martelaram esse moço, daí a confissão dele. Em juízo, ele confessa que não podia “eu estava lá na Ilha Grande” no dia 26. No dia 30 eu fugi e assaltei o banco tal no dia 31 e no dia 4 assaltei outro banco, mas no dia 26 não. As declarações dele são longas, acho que no acórdão devia ser feito menção a isso.
8) Voz do Brigadeiro Faber Cintra, em 15/2/1978. Apelação: 41.648 (tempo do áudio: 5:47)
As lesões sofridas, caso acontecessem, seriam facilmente constatadas através do exame de corpo e delito ou mesmo laudo médico particular, posto que nenhum dos acusados foi mantido preso por prazo superior ao previsto em lei. As alegações dos acusados em juízo, no sentido de que sofreram coações morais e físicas, não podem ser consideradas, pois desprovidas de qualquer elemento probatório por mais simplório que fosse um laudo médico particular que à época constatasse qualquer lesão, mesmo superficial do acusado.
Reforça o nosso argumento o fato de que os acusados, na ânsia de elidir as confissões feitas, prestam depoimentos os mais dispares possíveis senão vejamos: Orlando Magalhães e Francisco Carcará afirmam que foram bem tratados na Vila Militar, local de suas prisões posteriores. Ana Maria Mandim afirma que sofreu coações na Vila Militar, ao tempo que acrescenta que pôde ver seu pai após dez dias de presa. Francisco Carcará que não pode fazer exame de corpo de delito, diz ele, porque esteve preso incomunicável. Esse acusado ficou preso 40 dias. Sergio (…) Simões prestou depoimento na Vila Militar, sofrera muitas sevícias e coações. Newton Medeiros que estava preso em local ignorado e posteriormente na Vila Militar prestou declarações que esteve preso em local ignorado. Antonio Alberto Souza ficou preso 55 dias. Não concide muito com as datas de prisão e soltura. Antonio Viana Sad que saiu da prisão vertendo sangue pelo nariz, problema que perdura até hoje. Há três ou quatro anos está botando sangue pelo nariz. Antonio Forges que esteve preso que esteve preso em 40 dias em local ignorado. Romeiro Passos que ficou oito dias sem comer na Vila Militar ratificou suas declarações. Antonio Botelho que prestou declarações sob coação e que seu advogado vai provar as suas afirmativas.
Isso tudo porque todos confessaram minuciosamente no inquérito e em juízo negaram tudo aquilo que disse (sic) e até negaram que se conheciam entre si. Inicialmente, manifesto a minha discordância com um dos argumentos contidos na sentença, que passo a transcrever, aspas, tais declarações na fase inquisitória foram prestados dos próprios acusados em seus interrogatórios em juízo sob violenta coação, após haverem permanecido preso cada qual cerca de 30 dias em unidades militares, locais que não puderem identificar pelo fato de terem sido aquinhoados entre aspas com um capuz na cabeça e assim levados para prestar depoimento. Entendo que opiniões dessa espécie inseridos na sentença aviltam de modo geral o interesse da justiça em termos de credibilidade da prova colhida no inquérito, ao tempo que ocasiona efeitos perniciosos na repressão policial exigida e efetuada tão somente no interesse do estado e da sociedade. Essa egrégia corte, recentemente, através de pronunciamento ministro Almirante Bierrenbach já expressou seu repúdio aos maus tratos ocasionados às pessoas que se encontram sob custódia de órgãos policiais, na oportunidade, entretanto as provas da coação física eram inequívocas.
Tais exemplos, mercê de sua autonomia e excepcionalidade, não podem ser erigidos em respaldo generalizado para que a autoridade judicante, sem o menor resquício de elemento probatório, confiando pura e simplesmente na palavra dos acusados, invista contra a dignidade das funções policiais, exercidas por oficial superior do nosso Exército, no caso o coronel Iris Lustosa, agravado pelo fato do uso de expressões pejorativas, como entre aspas aquinhoadas, inaceitáveis frente à seriedade como deve ser encarada a prestação jurisdicional. Compreende-se que por parte dos réus, na falta de outras alegações, seja usado esse meio indireto de defesa, cuja finalidade sabemos é elidir a prova consignada na fase inquisitorial, inquisitória, principalmente a autoria. No entanto, o agasalho indireto de tais afirmativas por parte de autoridades judicantes, tem servido de incentivo a que todos os indiciados em juízo, através de voz uníssona, deixam de se defender, oferecendo apenas alegações de maus tratos, como se tais afirmativas, sem qualquer elemento de convicção, se prestassem a anular autos de apreensão, laudos de avaliação, e todos os outros atos processuais que, na forma da lei, são efetuados obrigatoriamente na instrução provisória e algumas vezes com total independência em relação ao depoimento dos indiciados.
As acusações de sevícias praticadas por autoridades militares, desde que procedentes, devem ser apuradas. Simples alegações além de não merecerem qualquer crédito, visam denegrir a prova colhida e afrontar autoridade constituída, pois em última análise trata-se de palavra contra palavra e nesse aspecto endosso do digno procurador Oswaldo Lima Rodrigues que disse “sinto-me em melhor companhia confiando na palavra do encarregado do inquérito”.
9) Vozes do ministro general Rodrigo Octávio e do ministro general Augusto Fragoso no julgamento de Marcio Moreira Alves no STM na sessão 98ª Secreta, em 15/12/1976 (Tempo de áudio 11:14)
Ministro general Rodrigo Octávio
Acredito que devíamos ter feito juridicamente era ter feito de acordo com o artigo 5º da Lei de Segurança Nacional, feito um novo processo desse moço, tendo em vista as publicações que ele fez no estrangeiro. Um desserviço que ele está prestando à Pátria.
Agora condená-lo em bases jurídicas é completamente inexequível. Agora nós vamos tomar e eu vou tomar também uma decisão revolucionária. Porque em 1968, solicitei ao ministro do Exército de então que se tomasse uma providência drástica contra ele, inclusive a cassação. (…) De maneira, eu vou tomar uma decisão revolucionária que vou deixar de lado a lei, porque pela lei não se pode condená-lo de maneira nenhuma. Ele é inviolável. E só se pode condenar algum deputado, pela Constituição de 1967, se a Câmara tivesse dado licença. E ela não deu e desencadeou esse processo. Desde 1968, eu era comandante militar na Amazonas. De maneira que hoje estamos preservando o regime revolucionário, e a irreversibilidade dos objetivos revolucionários, não podemos deixar de maneira nenhuma deixar de fazer isso. Não estamos julgando aqui como verdadeiro Tribunal da Justiça, estamos julgando como tribunal de segurança. Essa é a realidade dos fatos.
Tudo que a procuradora disse é uma inverdade dentro dos fatos e realidades jurídicas apontada pelos mestres de Pontes de Miranda e outros e no interessante parecer do doutor Djalma Marinho, que explicita isso muito bem. Tanto que pediu imediatamente a demissão da Comissão de Constituição e Justiça, que foi toda substituída para poder conseguir a licença.
Agora a licença é um ato técnico, jurídico, da Comissão de Constituição e Justiça. Não tendo aprovado, eu, representando, o Amazonas e todos os meus comandados, passei um rádio para o ministro do exército pedindo uma providência enérgica dos fatos, que não era possível proceder dessa forma. Compete às Forças Armadas a preservação da política nacional, da organização nacional, da sobrevivência do país. Por isso proclamou o AI-5.
Agora querer julgar no Tribunal de Justiça baseado em lei e fatos, na minha opinião, é um completo absurdo. Vamos condená-lo nas mesmas penas. Mas ainda: proponho que se faça outro processo tendo em vista estes sucessivos livros que ele mandou publicar no estrangeiro.
Ministro general Augusto Fragoso
Também queria acrescentar um comentário, sobretudo depois das declarações do ministro Rodrigo Octavio. Os relatórios que se ouviram aqui foram minuciosos demais. E ficou uma certa difusão sobre o que estamos julgando. Estamos julgando, segundo os estudos feitos à margem desse processo, a incitação talvez contida em muitos pronunciamentos do acusado, visando despertar animosidade entre as Forças Armadas, como diz o 33 paragrafo 3º, mas no exercício do mandato de deputado.
Negada a licença para o processo, ele foi imediatamente cassado e saiu do Brasil. A denúncia diz respeito apenas aos pronunciamentos dele como deputado. E a constituição de 67, repetindo ipsis litteris o texto da constituição de 46, não deixava dúvidas: os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato por suas opiniões, palavras e votos.
Ouviu-se aqui também certas invocações do processo do deputado Francisco Pinto. Mas é um processo completamente diferente. Porque a Emenda Constitucional 69 alterou esse dispositivo da Constituição de 67. Manteve aquela redação e acrescentou “salvo nos casos de injúria, difamação ou calúnia ou previstos na Lei de Segurança”. Então, a primeira conclusão que se tira, nós estamos analisando a atitude deste deputado nos pronunciamentos que ele fez no exercício do mandato. A Constituição não diz no recinto da Câmara e sim no exercício do mandato, ou seja, onde quer que seja. E figuras insuspeitas da revolução como Cordeiro de Farias e Daniel Krieger mostraram que havia nesta representação do ministro da Justiça injuridicidade. Isso é claro. Mas é como diz o eminente ministro Rodrigo Octávio, nós temos que encaminhar para um outro sentido. Mas daí eu discordo do eminente companheiro em considerar que o tribunal, nessa votação, iria funcionar como tribunal de segurança e não como Tribunal de Justiça.
Eu não acho. Se ele for condenado, estaremos agindo como um Tribunal de Justiça. Porque a questão é controversa. Basta ler a mensagem que o presidente Costa e Silva respondendo a carta do Daniel Krieger e que cita os argumentos dele, baseado no parecer do ministro de então, o veemente, o radical Gama e Silva. Não vou ler porque estamos cansados, mas para mostrar que podemos agir como um tribunal de Justiça, basta dizer o seguinte, houve controvérsia na questão. A própria Câmara dos Deputados através do parecer da Comissão de Justiça, toda ela reformulada, mas afinal de contas funcionou como comissão de justiça. A comissão de justiça diz que poderia ser processado pelos discursos que fez. E no plenário, embora a maioria de 216 votos negasse a licença, 141 congressistas, ou seja, 34% dos que votaram, acharam que ele podia ser processado. Eu não quero discutir o mérito desses homens. Então acho que pelo que ele fez, ele pode ser processado. E podendo ser processado pode ser condenado.
Tudo que ele fez, ele fez como deputado. Agora a lei não pode retroagir. Que se processe, como lembrou muito bem o ministro Rodrigo Octávio, o cidadão Márcio Moreira Alves, inclusive pelos livros, como esse outro que o general Reinaldo me cedeu por empréstimo, “O despertar da revolução brasileira”, em que ele é veemente. A gente analisando o caso, vê que a própria representação que deu origem a isso, assinada pelo general Lira Tavares apenas dizia que o Exército estava sentido com aquilo e pedia ao presidente as providências que ele julgasse necessárias.
Sabemos que o Congresso ofereceu suspender o mandato do deputado. E o governo, naturalmente alimentado pelos radicais do tempo, não aceitou, dizendo que era tarde. E há um depoimento do general Cordeiro de Farias, que era ministro do Castelo, mostrando que o governo não se conduziu ali com, a juízo dele, com o equilíbrio e habilidade que eram necessários.
Estamos julgando o acusado pelo discurso que ele pronunciou como deputado. Como diz a sentença ‘amparada pelas imunidades parlamentares agasalhadas no artigo 34’.
Não há dúvida. Agora é uma questão controvertida e ele pode ser processado ou não? Uns acham que pode. Outros acham que não pode. Nós podemos achar que pode e condená-lo. Acho que deve ficar bem claro isso porque houve muita difusão, muita coisa que nem precisamos ouvir. Todos somos alfabetizados, lemos, os pareceres forçam um pouco. Ele foi absolvido por prescrição, passou em julgado nas acusações do artigo 14. Estamos o 33, parágrafo 3º e, como sabemos, o decreto de lei 314 dizia “incitar publicamente”. O item terceiro diz “a animosidade entre Forças Armadas ou contra estas e as classes sociais”. O decreto de lei 510 alterou esse artigo, ficou só incitando a administração, detenção de um a três anos.
Isso que estamos julgando. A sentença absolveu por maioria contra o voto de um capitão, que condenava a um ano, absolveu por maioria o acusado por entender que os fatos foram praticados no exercício de mandato de deputado federal e amparado pelas imunidades parlamentares. Eram essas observações que eu gostaria de fazer até mesmo por desencargo de consciência. Estamos julgando pelo pronunciamento dele como deputado. Agora, podemos agir não com o Tribunal de Segurança, longe disso, um tribunal de justiça.
10) Voz não confirmada. O historiador avalia que pode ser o Almirante Sampaio Ferraz que faz um aparte no voto do ministro togado Amarílio Lopes Salgado. Apelação 41.027. Data: 16/6/1976. Logo após o ministro dar o voto há um aparte. Tempo do aúdio: 1:22
Eu sou revisor de um processo que aparece…que eram quatro indiciados no inquérito, todos eles confessaram direitinho na Polícia, que tinham tomado parte, uns acusaram os outros, mas na ocasião do sumário ficou provado que um deles não tinha nada a ver com a história. Esse trabalhava direitinho. Por que razão ele havia confessado e ele disse: “ou a gente confessa ou entra no pau”. E é o que está acontecendo. Entrou dessa vez e muita gente tem entrado, por isso que muitas vezes a gente acha que o inquérito na Polícia não tem valor por causa desses casos, desses casos. Eles apanham mesmo. Por isso, quando vejo um inquérito na polícia eu fico logo com um pé atrás. Como revisor, eu tomo muito cuidado, examinando isso, porque o que se sente é que na polícia, no Dops, eles entram no pau. Ou confessam ou então apanham. Então não tem valor quase esse inquérito policial, a não ser um inquérito policial militar. Então estou de pleno acordo que é preciso acabar com isso.
Fonte: O Globo
Foto: Reprodução
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Nesta semana, quando o apreço pela ideia de civilização ainda se recuperava da declaração cretina do vice-presidente Hamilton Mourão, debochando da descoberta de 10 mil horas de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) onde os próprios ministros reconhecem a prática da tortura durante a ditadura militar, inclusive em mulheres grávidas, outro personagem medalhado, o presidente atual do STM, resolveu pontificar.
“Não estragou a Páscoa de ninguém”, foi o pitaco do general Luis Carlos Gomes Mattos sobre a tortura. O que faz pensar que, naquele tempo de escuridão, decepar seios de mulheres, enfiar-lhes baratas na vagina ou violá-las com cassetetes não deve ter estragado nenhuma das 21 páscoas dos generais e muito menos a dos torturadores, diversos deles premiados com a inacreditável Medalha do Pacificador.
Foi numa semana da Páscoa de 1971, que Devanir José de Carvalho foi torturado até a morte pelo delegado , o cão de caça dos porões depois do Ato Institucional no. 5. No mesmo mês, Joaquim Alencar de Seixas foi espancado até a morte. Poucos dias antes da Páscoa do ano seguinte, foi a vez de Antonio Marcos Pinto de Oliveira, Maria Regina Figueiredo, Ligia Maria Salgado Nóbrega e Wilton Ferreira serem torturados e/ou assassinados.
Fleury serial killer
Em 1974, num dia 3 de abril, quando as famílias aguardavam a Sexta-Feira Santa, o ex-oficial do exército, Walter de Souza Ribeiro, desapareceu em São Paulo. Nos anos 1950, Ribeiro fizera algo que provocaria sua expulsão da corporação: assinou um documento em favor da paz mundial, condenando as armas atômicas e manifestando-se contra o cogitado envio de tropas brasileiras para lutar na Coréia.
Se não abalou a Páscoa da caserna, a desaparição de Ribeiro por certo amargurou muitas páscoas de seus familiares. Ele continua desaparecido. Em 1992, o ex-sargento Marival Chaves do Canto declarou à revista Veja que Ribeiro foi capturado pelo DOI-Codi e conduzido para o Rio onde foi assassinado e teve o corpo esquartejado para ser enterrado em lugares diferentes e não ser identificado, como consta no Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964, elaborado pela Comissão Especial que investigou o assunto.
Armada contra o regime apenas com o seu verbo e sua fúria, a estilista Zuleika Angel Jones sofreu um atentado na noite de 14 de abril de 1976. Havia cinco anos procurava seu filho Stuart Angel Jones. Stuart fora preso, torturado, amarrado e arrastado por um jipe na Base Aérea do Galeão e executado por agentes do governo. A ditadura urdiu para Zuzu Angel aquilo que, no jargão repressivo, ganhou o nome de “Código 12”: assassinato através da simulação de acidente ou assalto.
Naquela madrugada, o carro de Zuzu foi perseguido e abalroado por outro veículo e jogado numa ribanceira na estrada Lagoa-Barra, no Rio.
A Páscoa dos generais transcorreu dentro da mais completa normalidade.
Para o general do STM, as 10 mil horas são “notícia tendenciosa”, propositalmente ignorando que a “notícia tendenciosa” saiu da boca de generais que sentaram nas cadeiras onde assenta hoje o seu traseiro.
Mattos suspeita que, atrás de tudo, está a intenção de “atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica”. É um erro medonho o do general.
Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que a vassalagem a um governo que tem a sua testa um personagem destinado à lata de lixo da história. Aliás, uma criatura que os próprios generais repudiaram no passado. Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que dilapidar dinheiro público na compra de próteses penianas, viagra, botox e gel lubrificante íntimo.
Não é a História e sim a vergonha que deveria estragar a Páscoa dos generais.
Nesta semana, quando o apreço pela ideia de civilização ainda se recuperava da declaração cretina do vice-presidente Hamilton Mourão, debochando da descoberta de 10 mil horas de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) onde os próprios ministros reconhecem a prática da tortura durante a ditadura militar, inclusive em mulheres grávidas, outro personagem medalhado, o presidente atual do STM, resolveu pontificar.
“Não estragou a Páscoa de ninguém”, foi o pitaco do general Luis Carlos Gomes Mattos sobre a tortura. O que faz pensar que, naquele tempo de escuridão, decepar seios de mulheres, enfiar-lhes baratas na vagina ou violá-las com cassetetes não deve ter estragado nenhuma das 21 páscoas dos generais e muito menos a dos torturadores, diversos deles premiados com a inacreditável Medalha do Pacificador.
Foi numa semana da Páscoa de 1971, que Devanir José de Carvalho foi torturado até a morte pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury , o cão de caça dos porões depois do Ato Institucional no. 5. No mesmo mês, Joaquim Alencar de Seixas foi espancado até a morte. Poucos dias antes da Páscoa do ano seguinte, foi a vez de Antonio Marcos Pinto de Oliveira, Maria Regina Figueiredo, Ligia Maria Salgado Nóbrega e Wilton Ferreira serem torturados e/ou assassinados.
Fleury serial killer
Em 1974, num dia 3 de abril, quando as famílias aguardavam a Sexta-Feira Santa, o ex-oficial do exército, Walter de Souza Ribeiro, desapareceu em São Paulo. Nos anos 1950, Ribeiro fizera algo que provocaria sua expulsão da corporação: assinou um documento em favor da paz mundial, condenando as armas atômicas e manifestando-se contra o cogitado envio de tropas brasileiras para lutar na Coréia.
Se não abalou a Páscoa da caserna, a desaparição de Ribeiro por certo amargurou muitas páscoas de seus familiares. Ele continua desaparecido. Em 1992, o ex-sargento Marival Chaves do Canto declarou à revista Veja que Ribeiro foi capturado pelo DOI-Codi e conduzido para o Rio onde foi assassinado e teve o corpo esquartejado para ser enterrado em lugares diferentes e não ser identificado, como consta no Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964, elaborado pela Comissão Especial que investigou o assunto.
Armada contra o regime apenas com o seu verbo e sua fúria, a estilista Zuleika Angel Jones sofreu um atentado na noite de 14 de abril de 1976. Havia cinco anos procurava seu filho Stuart Angel Jones. Stuart fora preso, torturado, amarrado e arrastado por um jipe na Base Aérea do Galeão e executado por agentes do governo. A ditadura urdiu para Zuzu Angel aquilo que, no jargão repressivo, ganhou o nome de “Código 12”: assassinato através da simulação de acidente ou assalto.
Naquela madrugada, o carro de Zuzu foi perseguido e abalroado por outro veículo e jogado numa ribanceira na estrada Lagoa-Barra, no Rio.
A Páscoa dos generais transcorreu dentro da mais completa normalidade.
Para o general do STM, as 10 mil horas são “notícia tendenciosa”, propositalmente ignorando que a “notícia tendenciosa” saiu da boca de generais que sentaram nas cadeiras onde assenta hoje o seu traseiro.
Mattos suspeita que, atrás de tudo, está a intenção de “atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica”. É um erro medonho o do general.
Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que a vassalagem a um governo que tem a sua testa um personagem destinado à lata de lixo da história. Aliás, uma criatura que os próprios generais repudiaram no passado. Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que dilapidar dinheiro público na compra de próteses penianas, viagra, botox e gel lubrificante íntimo.
Não é a História e sim a vergonha que deveria estragar a Páscoa dos generais.
Daniel Silveira, soldado pm como qualquer outro soldado raso do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, não pode frequentar os luxuosos e elitistas e segregadores e discriminadores e separados e distanciados clubes militares. Nem soldado, nem cabo, nem sargento, nem subtenente. São clubes restritos, privativos para os limpos de sangue. Exclusivamente para oficiais, a farda - que um dia servirá de mortalha - recheada de medalhas de guerras jamais acontecidas, travadas com inimigos imaginários, torturados na ditadura militar de Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Tempos de chumbo, de paus-de-arara, de cadeiras do dragão. De porões comandados por serie killers de nomes conhecidos: coronel Ustra, coronel Paulo Manhães e outras e outras altas patentes, os nomes citados nos áudios das sessões do Superior Tribunal MIlitar - STM.
Daniel Silveira soldado pode entrar para realizar os serviços considerados humilhantes: de cozinheiro, confeiteiro, servente, copeiro, garçom, camareiro, carregador de mala, cabeleireiro, enfermeiro, costureiro, diferentes profissões a serviço de oficiais e familiares, notadamente as parasitas filhas solteiras, que recebem do Governo Civil ricas pensões vitalícias para a vida maneira dos gigolôs e filhos.
O presidente do Clube Militar, o general Eduardo José Barbosa, publicou nesta sexta-feira (22) no site da entidade um texto de apoio ao decreto de Jair Bolsonaro que deu indulto a Daniel Silveira.
O baboso general aposentado repete o tom de desprezo aos ministros do Supremo, usado pelo ex-capitão que hoje ocupa a presidência da República.
Escreveu Barbosa: "Lamentável termos, no Brasil, ministros cujas togas não serviriam nem para ser usadas como pano de chão, pelo cheiro de podre que exalam".
Esse general tem a boca suja de arruaceiro. Tem a boca do protegido soldado pm Daniel Silveira, que possui mais grandeza, desde que conseguiu se eleger deputado federal.
Os áudios do STM recém-divulgados devassam com inesperada clareza os crimes da ditadura para as jovens gerações
O general Mourão continua o mesmo, aquele que foi exonerado do Comando Militar do Sul pela presidenta Dilma Rousseff, em 2015, por comemorar o golpe de 1964 que instalou a ditadura no Brasil. Até que ele se esforçou em se diferenciar de seu presidente, mas não conseguiu. Agora mesmo, perguntado sobre investigação sobre a tortura, respondeu: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”.
No início dos anos 1970, Carlos Zílio foi preso pelo regime militar e executou essa série de desenhos no cárcere. Eles foram expostos ao público pela primeira vez em 1996
Lamentavelmente, os oficiais superiores das forças armadas brasileiras, com poucas e notáveis exceções, estão no mesmo diapasão do vice-presidente. Basta lembrar a deplorável nota conjunta do atual ministro da Defesa e dos três comandantes militares que guindaram a ditadura militar – com uma penca de violações e crimes contra a humanidade impunes – como “marco histórico da evolução política” no Brasil.
Em vez dessa visão dissimuladora e edulcorada da ditadura, depois do projeto Brasil: Nunca Mais (1985), criado sob o empenho dos saudosíssimos cardeal Dom Paulo e pastor Jaime Wright, e de toda a luta dos familiares dos desaparecidos políticos, não havia mais dúvida alguma sobre a culpabilidade da ditadura por aquelas violações. Na mesma direção, a lei sobre os desaparecidos políticos e reparações a suas famílias, em 1995, no início do governo Fernando Henrique, afirmou que os crimes comuns praticados por agentes do governo na ditadura, como os desaparecimentos, eram da responsabilidade do Estado brasileiro e, portanto, passíveis de reparações às famílias das vítimas.
Apesar desse reconhecimento, a abrangência da Lei da Anistia para casos de tortura e crimes comuns, cometidos por civis e agentes do Estado durante a ditadura militar (1964-1985) continua valendo. Apesar de acordão da Corte Interamericana de Direitos Humanos ter considerado a anistia no Brasil nula, pois tratava-se de uma autoanistia aos agentes da ditadura, consagrando sua impunidade.
Em 2014, o relatório da Comissão Nacional Verdade (CNV) demonstrou que a tortura e outros crimes não eram abusos cometidos por uma “tigrada” autônoma. Mas remetiam à cadeia de comando que partia dos generais presidentes e ministros militares, chegando até os operadores da tortura. O coronel Ustra, um dos chefes maiores dos torturadores, celebrado pelo atual presidente da República, tinha assento no gabinete do ministro do Exército como muitos outros colegas seus. Depois do governo golpista de Michel Temer, e no presente governo, o relatório da CNV e suas recomendações foram jogados no lixo.
Por todas essas razões, é notável feito a pesquisa do professor e historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que, graças ao Supremo Tribunal Federal, pode ter acesso às 10 mil horas de áudios de gravações de julgamentos entre 1975 e 1985, no Superior Tribunal Miliar (STM). Ao contrário da galhofice do general Mourão, é vital ouvir as vozes daqueles membros do STM, como o almirante Julio de Sá Bierrenbach e os generais Rodrigo Otávio Jordão Ramos e Augusto Fragoso, que acreditaram nas denúncias de tortura contra os prisioneiros políticos da ditadura.
Esses áudios devassam com inesperada clareza os crimes da ditadura para as jovens gerações, permitem reabrir investigações e condenam a lamentável celebração da tortura pelo chefe da Nação brasileira.
Os dias recentes mostram que a literatura sempre chega antes. A angústia dos torturados, o riso dos torturadores... De "Memórias do Cárcere" à "Colônia Penal", a literatura é implacável.
No romance "À Espera dos Bárbaros", do Prêmio Nobel J.M. Coetzee, o personagem-juiz descobre que havia tortura no forte e fica num dilema: o que fazer agora que sabe?
Diz o juiz, meditabundo:
"De forma que agora parece que meus anos de sossego estão chegando ao fim, quando eu poderia dormir com o coração tranquilo, sabendo que com um cutucão aqui e um toque ali o mundo continuaria firme em seu curso. Só que, mas, ai! eu não fui embora: durante algum tempo tapei os ouvidos para os ruídos que vinham da cabana junto ao celeiro onde guardam as ferramentas, depois, à noite, peguei uma lanterna e fui ver por mim mesmo."
Torturavam. Fui ver por mim mesmo...! E agora, pensa o juiz-personagem, o que fazer? Durante anos tapei os ouvidos. Não, eu não queria ouvir.
Assim como fez a sociedade brasileira. Não, não, não me fale desse assunto, diria o general. "Não atrapalhou minha Santa Páscoa", diz o presidente do STM (interessante a ironia da história: o general-presidente-do-STM foi escolhido para integrar o Tribunal Militar, em 2011, por ninguém menos do que Dilma Rousseff). O general poderia, ao menos, ter treinado a sua fala. O assunto requeria, pois não? Não foi adequada ao seu cargo e a quem o indicou ao tribunal fazer desdém. Não somente pelas vítimas, mas também pelos seus colegas de Superior Tribunal Militar de então.
A posição do presidente do STM rima e compete, em desdém, com o riso do vice-presidente da República. Como se diz no popular, fez cascata com o sofrimento e com a morte.
Há uma pergunta no ar: como podemos nos comportar com dignidade ao nos depararmos com as recentes divulgações dos áudios do Superior Tribunal Militar brasileiro que atestam algo que todos sabíamos... a tortura?
Sabíamos que sabíamos, até porque vimos o presidente da República homenagear um torturador. Não podemos negar que sabíamos.
E fizemos ouvidos moucos?
Sabemos que sabemos! Não dá para tapar os ouvidos. Parabéns ao advogado Fernando Fernandes, por seu incansável trabalho para disponibilizar as milhares horas de gravações. O Brasil lhe deve, querido Amigo. Nada mais precisa ser dito. E cumprimentos ao professor Carlos Fico. Todos lhe devemos também.
Resta saber se quem deve saber já sabe que sabe.
Porque todos nós sabemos que sabemos. Sabemos que sabemos que sabemos.
Resta saber o que fazer quando se sabe que se sabe.