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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

26
Dez21

Lições de resistência em 2021

Talis Andrade

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por Cristina Serra

- - -

Este ano que chega ao fim me ensinou novos significados para a palavra “resistir”. Aprendi a resistir com a sabedoria de Ailton Krenak e suas ideias para adiar o fim do mundo. Com as aulas de humanidade do padre Júlio Lancellotti, que quando precisa faz justiça a marretadas. Com a voz de Txai Suruí e os ecos da floresta que ela levou a Glasgow.

O muro da resistência é feito de amor, solidariedade e riso. “Rir é um ato de resistência”. Obrigada, Paulo Gustavo, por este ensinamento. Resisti torcendo por Rebeca Andrade e Rayssa Leal, em Tóquio, e pelo tanto de Brasil bonito que as duas carregaram com suas medalhas no peito.

A resistência é feita da lucidez das palavras. Foi assim quando ouvi o senador Fabiano Contarato, na CPI da Covid no Senado. Ele falou de sonhos que são os mesmos de tantos de nós: “Eu sonho com o dia em que eu não vou ser julgado por minha orientação sexual. Sonho com o dia em que meus filhos não serão julgados por serem negros. Eu sonho com o dia em que minha irmã não vai ser julgada por ser mulher e que o meu pai não será julgado por ser idoso”.

Os servidores públicos que resistem ao esfacelamento do Estado também nos ensinam sobre resistência. Os que fizeram o Enem, os que se arriscam para proteger o meio ambiente, os que cuidam do nosso patrimônio histórico. Os que aprovam vacinas e os que sustentam o SUS. Resistimos abraçando a vacinação e as máscaras para nos abraçar de novo. Resistimos porque em hospitais e UTIs tem gente com muito zelo e coragem salvando vidas.

Resistimos porque milhares de professores acordam todos os dias pensando em dar a melhor aula para seus alunos. Resistimos porque cantamos e escrevemos, porque fazemos arte e poesia. Resisti lendo Itamar Vieira Júnior e Jeferson Tenório. Resisti com a urgência de Solano Trindade: “tem gente com fome, tem gente com fome”. Resisto com Thiago de Mello. “Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”.

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04
Dez21

Tem gente com fome

Talis Andrade

 

 

É desesperador o desalento angustiado com o qual pegam determinado produto nas mãos, olham o preço e devolvem na prateleira

06
Jul20

Bia só confirma a política de João Doria, quem diria

Talis Andrade

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Com jatos de água fria sobre os “feios, sujos e malvados”, o governador João Dória já havia dito ao que vinha e a primeira-dama só confirma a sua política

“Tem gente com fome/ tem gente com fome/ tem gente com fome”. Escuto o poeta pernambucano Solano Trindade (1908/1974) e o seu poema em ritmo de barulho de trem do subúrbio encobrindo a voz da artista plástica Bia Doria, primeira-dama do Estado de São Paulo. “Tem gente com fome/ tem gente com fome/ tem gente com fome”, seguem os vagões ferroviários chacoalhando os viventes.

A primeira-dama versa no seu solo palaciano: “Não é correto você chegar lá na rua e dar marmita, porque a pessoa tem que se conscientizar que ela tem que sair da rua. Por que a rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua”.

A socialite Val Marchiori, interlocutora de Bia Dória no vídeo gravado à sombra do Palácio dos Bandeirantes, pontua a prosa com o seu “hello” característico e a presidente do Fundo Social do governo enumera os abusos e os quereres dessa gente das calçadas: “A pessoa quer, ela quer receber, ela quer a comida, ela quer roupa, ela quer uma ajuda e não quer ter responsabilidade. Então isso tá muito errado, porque se a gente quer viver num país...”.

Solano Trindade, o primeiro rapper brasileiro, dá o tom na cadência dos trilhos suburbanos. “Só nas estações/ quando vai parando/ lentamente começa a dizer/ se tem gente com fome/ dá de comer/ se tem gente com fome/ dá de comer/ se tem gente com fome/ dá de comer/ Mas o freio do ar/ todo autoritário/ manda o trem calar/ Psiuuuuuuuuuu”.

Que gente abusada é essa que escolhe viver nas ruas de São Paulo, uns mal-agradecidos, as autoridades dão do bom e do melhor, mesmo assim “os feios, sujos e malvados” - como na fita do cinema italiano de Ettore Scola - insistem em querer a fina pasta das marmitas à luz de velas e fogueiras no inverno dos minhocões e alamedas. Hello, rafameia, hello, ralé folgada, mais respeito com o high society que acabou de declarar, honestamente, seu Imposto de Renda.

São abusados e não é de hoje. Porca miséria. É só lembrar o esperneio diante de uma das primeiras tentativas arrojadas de assepsia na cidade de SP. O marido da Bia, o então gestor -como na propaganda eleitoral - e prefeito João Doria (PSDB), em julho de 2017, implementara uma ação de limpeza com jatos de água nos habitantes dos arredores da praça da Sé. Sim, naquela fase do calendário em que a moça do tempo havia registrado na tevê a madruga mais fria do ano, 7,9ºC . Que falta de responsabilidade dos maltrapilhos e zumbis, hello, com suas barracas e cobertores Parayba a estragar a paisagem da modernidade paulistana. Só fotoshop salva.

Como criar um ambiente de negócios perfeito, meu, digo, meu Deus mercado? Como atrair investidores e as parcerias público-privadas mais rentáveis e assépticas? A locomotiva do Brasil, ao contrário do trem de Solano Trindade, tem pressa, depois a gente privatiza tudo e aí vem nego reclamar em protesto ali bem na fronteira da Faria Lima com o largo da Batata, o jardim dos caminhos dos dois Brasis que não se bifurcam. Essa gente que descarrila e faz de tudo para viver sobre os dormentes, que chance perdida na bolsa de mercadorias & futuro.

Repare no padre Júlio Lancellotti, que péssimo exemplo, segue alimentando os famintos, sob o sol camusiano dos estrangeiros refugiados d'África ou diante frio dos novos baianos que um dia sonharam em curtir Sampa numa boa.

A fome não preenche quadradrinho com o xis na ficha para saber sexo, gênero, donde veio e qual destino.

Marmita é o encontro da fome com o mínimo papel alumínio da justiça divina. Alguém esquenta? Ser humano é microondas.

 

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