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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

30
Dez22

A loucura do trabalho

Talis Andrade

 

Franklyn Dzingai, Espaço Entre Nós 2

 

Comentário sobre o livro de Christophe Dejours

 

por André Márcio Neves Soares /A Terra É Redonda

A psicopatologia do trabalho, tão bem apresentada por Christophe Dejours, apesar de não ser nova, tem sido muito escanteada pelos pesquisadores da atualidade histórica. Não é para menos. Afinal, nas últimas décadas de predomínio hegemônico do grande capital financeiro internacional, falar sobre a saúde do trabalhador pode parecer, no mínimo excêntrico. Nesse sentido, perceber o subdesenvolvimento desse fenômeno histórico de aprofundar o entendimento sobre o movimento operário e suas correlações de forças inter e intra-classes é varrer para debaixo do tapete as particularidades que nortearam, e ainda norteiam, o contínuo adoecimento do trabalhador na modernidade.

Nesse sentido, para Christophe Dejous, a história da saúde dos trabalhadores está coligada com a evolução das condições de vida e de trabalho que estes conseguiram alcançar através das lutas operárias ao longo do tempo. Com efeito, se no passado a luta pela saúde significava lutar pela sobrevivência, a atual “crise civilizacional” perpassa a mera questão da vida em si para chegar ao contexto do sofrimento mental. Em pleno século XXI, não basta mais atentar para a duração excessiva e precária do trabalho, mas também para a organização do atual trabalho alienado numa sociedade de consumo fetichista.

As mudanças capitalistas do século XX e início deste século impactaram sobremaneira o mundo do trabalho. Depois de 30 (trinta) anos de ouro do capitalismo pós-guerras, a nova fase liberal tem deixado marcas indeléveis na redução da qualidade de vida dos trabalhadores. A nova divisão internacional do trabalho, com a respectiva redução do proletariado industrial, reconfigurou a sociedade estabelecida ao longo dos últimos 200 anos, onde o trabalho fixo em algum local pré-determinado, e a vida decorrente dessa premissa, está se desfazendo rapidamente (POLANYI, 2000).

No Brasil, especialmente na ditadura militar entre 1964-1985, período que evidenciou os dois períodos do capitalismo pós-guerra e sua derrocada para o novo capitalismo liberal, ou neoliberalismo, a industrialização dependente reforçou a superexploração do trabalho, com baixos salários, aumento da jornada de trabalho, desorganização do movimento operário e sindical e reestruturação produtiva. Nesse sentido, o novo sistema neoliberal, herdeiro do fordismo, articula um novo processo de acumulação primitiva do capital CASTEL (1995).

Para Antunes e Praun (2015, p. ), a implantação de programas de qualidade total, dos sistemas just-in-time e kanban, além da introdução de ganhos salariais vinculados à lucratividade e à produtividade (de que é exemplo o programa de participação nos lucros e resultados — PLR), sob uma pragmática que se adequava fortemente aos desígnios neoliberais, possibilitou a expansão intensificada da reestruturação produtiva, tendo como consequências a flexibilização, a informalidade e a profunda precarização das condições de trabalho e vida da classe trabalhadora brasileira.

Os efeitos dessa reestruturação produtiva podem ser vistos no crescente aumento das taxas de acidente no trabalho, com o consequente aumento dos óbitos dos trabalhadores. Além disso, o nexo entre a deterioração laboral e os acidentes sem óbitos/adoecimentos têm se manifestado de forma cada vez mais evidente nas crescentes pesquisas realizadas (MPT, 2017).

Para além das discussões de cunho ideológicas, alguns fatores estão intimamente interligados com o aumento dos acidentes de trabalho e adoecimentos. Assim, a flexibilização do trabalho, encurtando as fronteiras entre a vida privada e a vida pública dos indivíduos; a individualização e solidão no trabalho; as metas cada mais vez menos tangíveis; os diversos tipos de assédios como forma de exploração do(a) trabalhador(a); e a terceirização dos serviços sem a devida fiscalização do poder público, são as portas de entradas para o aumento das estatísticas negativas sobre a saúde do trabalhador (idem, 2017).

Como se não bastasse esses fatores de risco, apontados acima, que são responsáveis diretos por mais de 6,3 mil mortes por acidente de trabalho por dia, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2018), mais de 61% da população empregada no mundo – 2 bilhões de pessoas – está na economia informal.

Ainda segundo a OIT (2018), a (falta de) educação é o principal fator dessa alta informalidade pois, segundo ela (OIT), quanto maior o nível de escolaridade, menor o nível de informalidade. E acrescenta o estudo da OIT que: “Pessoas que concluíram a educação secundária e superior têm menos chance de estar no mercado informal na comparação com trabalhadores que não têm escolaridade ou só completaram a educação primária.

No Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina – CFM – existe uma subnotificação muito grande das doenças causadas pelo trabalho, sendo notificadas menos de 2% de adoecimentos e menos de1% das mortes, quando a própria entidade máxima mundial, OIT, estabelece que as doenças causadas pelo trabalha representam 86%, em média (CFM, 2018).

Segundo Christophe Dejours: “A organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos e uma organização do trabalho que os ignora.”

Embora o atual ocaso da modernidade (muitos já falam em pós-modernidade, o que não é o entendimento deste escriba, nem objeto de estudo desse trabalho) não apresentar muitos horizontes favoráveis para o mundo do trabalho, é mister tentar fazer um pequeno passeio pela recente história política-econômica-social mundial e, especificamente, o Brasil, postulando melhor entendimento sobre o desvio histórico que o capitalismo tomou, depois de passar várias décadas de bonança bem-estar social e crescimento econômico, ainda que a periferia do sistema, ou seja, os países em desenvolvimento e/ou subdesenvolvidos, tenham ficado com a menor fatia do bolo, apesar de concentrar a maioria da população mundial.

Dessa maneira, é fundamental entender como a política estatal foi sendo cooptada pelo capital, em todas as suas esferas de atuação, inclusive e especialmente a esfera da saúde pública, promovendo o desmantelamento das redes sociais de apoio. O desamparo do fim da centralização da vida familiar pelo trabalho, a falta de condições materiais e psicológicas de apoio ao trabalhador e o aumento da rigidez das relações sociais, são fatores importantes para o esgarçamento do tecido social de outrora, quando o trabalho, e sua remuneração constante, fixa, concreta, dava o tom psicológico da vida capitalista (aqui também não entraremos no mérito da questão do trabalho como fator de alienação do ser humano, tanto o trabalho abstrato, quanto o trabalho concreto) (DELGADO, 2017).

No Brasil, diante de um cenário econômico adverso desde a última crise financeira mundial em 2008, a volta da supremacia do mercado, e suas políticas ortodoxas de gestão pública, ainda no governo Dilma, o aumento acelerado do desemprego foi fator de desgaste político público, do grupo que detinha o poder ou parte dele, e de adoecimento privado dos trabalhadores cada vez menos seguros nos seus empregos. Os desarranjos políticos e institucionais desde então, e que provocaram a ascensão de uma nova corrente política em 2018, só fizeram aumentar a vida precária do trabalhador brasileiro, elevando os índices de acidentes do trabalho e de adoecimento laboral (idem, 2017).

Como diz Antunes e Praun (2015): “Não se trata, portanto, de mero acaso que a maior incidência de casos de lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER/ Dort) e de transtornos mentais ocorra simultaneamente à disseminação em escala 424 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 123, p. 407-427, jul./set. 2015 global dos processos de reorganização do trabalho e da produção e, de maneira articulada, à expansão das diferentes formas de precarização do trabalho, entre elas a expansão da terceirização” (ANTUNES E PRAUN, 2015, p. 423-424).

Uma visada importante para ajudar a minimizar os danos já efetuados pelo ainda mais radical sistema neoliberal, alguns chamam de ultraliberal, no mundo e nos países periféricos, notadamente no Brasil, é a psicopatologia do trabalho de Christophe Dejours. Com efeito, para este autor, o objetivo maior do seu estudo foi estabelecer as relações entre a organização do trabalho e o sofrimento psíquico. Apesar do estudo dele ser majoritariamente eurocêntrico, é possível estender seu estudo para a esfera global em relação à exploração do sentimento de medo e de ansiedade para a extração máxima da produtividade do trabalhador na sua “relação de trabalho”.[i]

Por conseguinte, na fase de ouro do capitalismo industrial – século XIX – até a fase áurea do taylorismo, precisamente na chamada época dos “trintas anos gloriosos”,[ii] os habitantes de favelas nas grandes cidades representavam o grosso do operariado das fábricas mundo afora e eram as principais vítimas, junto com seus familiares, de uma alta taxa de morbidez, pois viviam em situação precária quanto à materialidade da pobreza endêmica.

Nesse sentido, a saúde mental desses trabalhadores expostos a condições degradantes de convívio social encetou estratégias defensivas para mitigar os efeitos dessas condições insalubres de vida. Para tal desidério, Christophe Dejours identificou as reações dessas pessoas como “válvula de escape”, a saber, o alcoolismo, atos de violência antissocial, loucuras de todas as formas e morte. Para ele, o sofrimento dos trabalhadores estava atrelado a insatisfação e a ansiedade/medo.

A pesquisa realizada pelo autor trouxe o sentimento de indignidade desses trabalhadores por realizarem tarefas desinteressantes, por não terem condições adequadas para a realização delas, tanto materiais como emocionais, e mesmo assim serem forçadas a realizar determinadas tarefas incompreendidas por esses trabalhadores em relação à finalidade do trabalho.

Destarte, ainda segundo o autor, o sentimento de indignidade está relacionado com a vivência depressiva do trabalhador assalariado, a qual se manifesta pelo cansaço deste, não apenas o cansaço físico, mas o esgotamento mental a influenciar seu desempenho e sua produtividade na concretização das tarefas que lhe são impostas.

Realmente, o que o autor verificou foi que os trabalhadores jamais abandonam a “tensão nervosa”, mesmo onde a carga de trabalho é menos elevada. Assim, as representações de ignorância em relação ao sentido do trabalha efetuado, este fragmentado de propósito para proporcionar a máxima produtividade do trabalhador, o sentimento penoso de estar sempre sendo controlado pelos superiores e a convicção de que o próprio local de trabalho é perigoso para a vida do trabalhador, especialmente os trabalhadores que participam diretamente do processo de produção mostram, segundo Dejours: “… a extensão do medo que responde, no nível psicológico, a todos os riscos que não são controlados pela prevenção coletiva”. (Idem, p. 88)

O que daí resulta é o que o autor chamou de “exploração do sofrimento”, ou seja, que a exploração desse sentimento da/o ansiedade/medo acarreta a erosão da saúde mental dos trabalhadores é benéfico para a implementação de um condicionamento a favor da produção. Em outras palavras, a vida mental de cada trabalhador, individualmente, nada mais é do que um intermediário necessário à submissão do corpo.

Por consequência, os exemplos das telefonistas e da indústria petroquímica que Christophe Dejours deu para que o sofrimento advindo da insatisfação e do medo, respectivamente, são essenciais para entender como funciona a engrenagem da organização do trabalho. Esses sentimentos produzem uma agressividade indeterminada, difusa e manipulável para a exploração do trabalhador pela organização do trabalho. De fato, na impossibilidade de escapar desse meio panóptico, o trabalhador passa para a fase da autoagressão, quando a agressividade se transforma em culpa e a frustração alimenta a disciplina, que é a base do comportamento condicionado.

Logo, para Christophe Dejours: “De maneira que a única saída para a agressividade, aliás, bem restrita, é trabalhar mais depressa. Eis aí um fato extraordinário, que conduz a fazer aumentar a produtividade…”. (Ibidem, 134)

Isto posto, se por um lado Dejours entende que a angústia serve como correia de transmissão da repressão, de outro a irritação e a tensão nervosa é capaz de promover um aumento da produção. Daí que ele entende que, para trabalhos repetitivos como o da telefonista: “o sofrimento psíquico, longe de ser um epifenômeno, é o próprio instrumento para a produção do trabalho”. (ibidem, p. 134).

Nesse ponto, seu estudo deixa bem claro que a organização do trabalho explora não o sofrimento em si mesmo, mas principalmente os mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento. Os relatos das telefonistas sobre o trabalho “robotizante”, fragmentado, repetitivo que a organização do trabalho proporciona as trabalhadoras resulta na expulsão do desejo próprio de cada uma. Pois é, precisamente, a frustração e a agressividade da jornada laboral sofrida e tensionada que vai propiciar o aumento do ritmo de trabalho.

Ademais, o sofrimento psíquico na organização de trabalho é pouco reconhecido pelo próprio sujeito. As estratégias de defesa atuam para mitigar tal sofrimento, fazendo com que cada trabalhador/a administre seu sofrimento de acordo com as condições objetivas que cada um dispõe, como uma espécie de “válvula de escape”, podendo ocasionar com o tempo casos de depressão, neurose e psicose.

Por tudo isso, Christophe Dejours entende que a organização de trabalho “robotizado”, perigosa, fragmentada como tem sido a tônica desde o auge do capitalismo pode acarretar na perda de esperança e de sonhos por parte da classe trabalhadora. Assim, pode ocorrer o que ele chama de bloqueio na relação entre o homem e o trabalho. Esse bloqueio patogênico, para ele, está relacionado ao modo predatório que o trabalho atinge as necessidades da estrutura mental do trabalhador.

Referência


Christophe Dejours. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo, Cortez. 2017, 224 págs.

Bibliografia


ANTUNES, Ricardo; PRAUN, Luci. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Revista de Serviço Social. São Paulo, No. 123, págs. 407-427, 2015.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social – Uma crônica do salário. Petrópolis. Editora Vozes. 1995.

DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. São Paulo. Editora LTr. 2017.

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro. Editora Elsevier. 2000.

Notas


[i] Dejours entende “relação de trabalho” como todos os laços humanos criados pela organização do trabalho: relações com a hierarquia, com as chefias, com a supervisão com os outros trabalhadores – e que são às vezes desagradáveis ou mesmo insuportáveis. (2017, pág. 96)

[ii] Fase pós-guerras – de 1946 ao início dos anos 1970 – que engloba a três décadas de esplendor do Estado de Bem-Estar Social na Europa, especialmente, mas também de reconstrução global do mundo solapado por duas guerras mundiais.

17
Set22

Suicídio pode estar ligado à questão socioeconômica e à identidade de gênero

Talis Andrade

OAB Pernambuco se engaja na campanha Setembro Amarelo - OAB-PE

 

A constatação é de um estudo da psicóloga Vera Paiva e revela que o suicídio nem sempre é motivado por doenças mentais e que pode estar atrelado a motivos sociais

 
 
Texto Jornal  USP
 

- - -

Neste mês comemora-se o Setembro Amarelo, uma campanha de conscientização da população acerca do suicídio, criada em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens entre 15 a 29 anos e 77% deles ocorre em países pobres.

O artigo Prevalência e determinantes sociais da ideação suicida entre estudantes brasileiros em escolas públicas do ensino médio busca sanar uma lacuna nas estatísticas de suicídio entre jovens brasileiros. Comumente associado a doenças mentais, o suicídio pode estar atrelado a motivos sociais, “à desigualdade econômica, um crescimento de desemprego, da flexibilidade de emprego, a falta e a destruição das políticas de proteção social”, como explica a professora do Instituto de Psicologia da USP e um dos autores do estudo, Vera Paiva. Ela também ressalta que esse problema “tem sido associado com desigualdade de gênero”. 

O estudo revela que a taxa de suicídio é maior entre meninos e que está diretamente ligada a fatores socioeconômicos, de bem-estar social e pertencimento, como a renda baixa, bullying e até ao estudo no período noturno. Ainda assim, jovens que estão diretamente expostos à LGBT+ fobia e que se assumem parte da comunidade LGBTQIA+ são o grupo mais afetado.

Mesmo que o número de suicídios não tenha aumentado consideravelmente na pandemia, o que aconteceu foi uma mudança nos grupos que o idealizam. “A gente não viu um aumento expressivo, a gente viu mudanças dos grupos que estão mais ou menos afetados”, explica a professora. 

 

O papel da escola

 

O projeto, financiado pela Fapesp e liderado pela professora e por Marcos Roberto Vieira Garcia, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), surgiu a partir de uma demanda das escolas e dos professores para que o assunto de saúde mental fosse abordado nas escolas.

 “A escola não tem condições plenas de resolver esse assunto, mas tem sim condições de evitar a discriminação, o bullying baseado em qualquer uma desses elementos e fazer o compartilhamento das situações de sofrimento”, ressalta Vera. “As professoras não são capacitadas para lidar com um evento de saúde mental ou lidar com famílias”, observa. 

A atuação das escolas na prevenção do suicídio e na diminuição do sofrimento psicossocial desses grupos mais afetados é muito importante, porém, deve ser direcionado. Abordar o assunto, promover um ambiente de segurança a esses grupos, pautar temas como a LGBT fobia e estar atento a sinais são medidas que podem ser tomadas por essas instituições. Uma das melhores formas de prevenção, segundo Vera Paiva, é o sentimento de pertencimento e poder conversar e se reunir com pessoas parecidas.  

 
 

Vera Paiva 

 

Sistema de saúde

 

A culpabilização dos pacientes e o encaminhamento destes não são o mais recomendado. O Sistema Único de Saúde, que oferece acompanhamento nesses casos, não dispõe de atenção individualizada, o que é imprescindível. “A maior parte do que é oferecido para eles é o atendimento em grupo, e na primeira chegada eles querem ser recebidos individualmente, querem ser escutados individualmente”, explica a pesquisadora. “É necessário mudar o modo como o serviço de saúde acolhe os jovens”, finaliza Vera. 

24
Jun21

A improbidade sanitária em tempos de Covid-19

Talis Andrade

Image

Por Nésio Fernandes, Edson Pistori e Thiago Campos /ConJur

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A probidade é a qualidade do que é íntegro, reto ou honesto; é a virtude de quem tem comportamento moralmente irrepreensível.

O seu oposto, a improbidade, não é apenas a ausência de probidade, mas a existência de maldade, perversidade ou falseamento proposital da verdade com intuito de enganar ou ludibriar.

A improbidade está diretamente relacionada à ideia da má-fé, que se caracteriza pela atitude contra a lei praticada de plena consciência, com deslealdade e sem justa causa.

A probidade, assim como a boa-fé, são valores intrínsecos à Administração Pública, cujo fundamento está na base da confiança entre os cidadãos e o Estado.

Constitui-se, portanto, em improbidade sanitária os atos ou omissões intencionais que atentem contra o dever do Estado de "garantir a saúde" e de reduzir os "riscos de doenças e de outros agravos" (artigo 196 da Constituição Federal).

Mais grave do que a improbidade administrativa, que se refere à lesão ao patrimônio público e ao enriquecimento ilícito às custas do erário, a improbidade sanitária atenta contra o bem-estar físico, mental, social das pessoas e da coletividade, quando não solapa a própria vida.

A situação sanitária do Brasil é uma tragédia superlativa.

A perda de meio milhão de vidas, em pouco mais de um ano, é a consequência da alta capacidade de transmissão do vírus e da sua natureza letal, mas, sem dúvida alguma, isso foi agravado exponencialmente pela desigualdade social no país, e pela irresponsabilidade do presidente da República e de seus auxiliares.

Não se trataram de meros erros de avaliação quanto às alternativas de políticas governamentais disponíveis, e, sim, de um descaso deliberado, um desprezo absoluto pela vida, pela dor e pelo sofrimento alheios.

Alertas críticos foram dados insistentemente, porém a gravidade da crise sanitária sempre foi minimizada, com um desdém cínico e insofismável.

Diante do número colossal de óbitos e da doença fora de controle, é improbidade sanitária pregar o não uso de máscaras ou deixar de usá-las.

É improbidade sanitária colocar em dúvida a efetividade de vacinas, relativizar a necessidade de tomá-las.

Improbidade maior é causar obstáculos à aquisição de imunizantes ou retardar o início e a velocidade da imunização, sob o falso pretexto de obstáculos legais ou falta de vantajosidade econômica.

Essa improbidade sanitária tem o preço impagável de 500 mil sepulturas até agora, e o fim disso ainda está longe do horizonte.

Para se mostrar ativo, porém com notório propósito divisionista, para levar vantagens diante das divergências ou dissensões, incentivou-se o uso indiscriminado pela população de medicamentos sem nenhuma eficácia contra a doença, o que também é um ato de improbidade sanitária.

A Lei nº 1079, de 1950, estabeleceu que os atos do presidente da República e dos ministros que atentarem contra a probidade da Administração são considerados crimes de responsabilidade.

Temos um crime continuado acontecendo, caracterizado pela unidade de propósito em minimizar a tragédia, falsear intencionalmente a verdade e a gravidade da situação, pela sabotagem as soluções e a prevenção necessária, por se esquivarem das responsabilidades legais que lhes foram conferidas e por ludibriar a boa-fé de algumas pessoas ao custo da vida de milhares de outras.

Tudo isso asfixia a democracia e atenta contra o caráter civilizatório da República, enunciado pela Constituição de 1988.

Há mais de 500 mil consequências graves da improbidade sanitária praticada no Brasil, outras ainda estão por vir. Quantas vidas perderemos a mais até colocarmos um fim nessa loucura?

Image

11
Mai21

Fome no Brasil volta a patamares de décadas atrás

Talis Andrade

Marcio Vaccari | Humor Político – Rir pra não chorar

 

Por Luisa Costa /Jornal da USP

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A combinação das crises econômica, política e sanitária, causada pela covid-19, agravou um problema histórico no Brasil: a insegurança alimentar. Hoje, 116 milhões de pessoas – 55,2% das casas brasileiras – não têm acesso pleno e permanente a alimentos e 19 milhões de brasileiros enfrentam a fome em seu dia a dia.

É o que mostrou a pesquisa desenvolvida pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), realizada entre 5 e 24 de dezembro de 2020, com moradores de 2.180 domicílios. A pesquisa mostrou que a insegurança alimentar aumentou em 54% desde 2018 e acompanha desigualdades regionais, fazendo-se mais presente nas áreas rurais, no Norte e Nordeste do País. Além disso, é acentuada por condições individuais: a fome atinge mais casas chefiadas por mulheres, pessoas pretas e pardas e com baixa escolaridade.

Adriana Salay Leme – Foto FFLCH/USP

A pesquisadora Adriana Salay Leme, doutoranda em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica que a escala brasileira de insegurança alimentar determina três níveis de insegurança – leve, moderada ou grave –, a partir de um questionário que investiga o acesso ao alimento. A escala, assim como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), considera a fome insegurança alimentar grave.

Situação agravada pelo desmonte de políticas públicas

Adriana explica que a fome é um problema histórico no Brasil, fruto da desigualdade social, mas que estava sendo combatida nas últimas décadas, principalmente por políticas públicas do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2013, por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que a parcela da população em situação de fome havia caído para 4,2% – o nível mais baixo registrado até então. Assim, a FAO finalmente excluiu o Brasil do Mapa da Fome. Entretanto, segundo a pesquisadora, o problema se agravou recentemente pela crise econômica e política, com o aumento do desemprego, da perda real de renda e do trabalho informal, junto ao desmonte de políticas públicas – situação agravada pela pandemia da covid-19.

A pesquisa da Rede Penssan foi realizada quando o fim do auxílio emergencial preocupava a população. Atualmente, foi anunciada nova rodada do auxílio, mas os valores serão menores do que em 2020, assim como o número de pessoas contempladas. Adriana destaca a importância da manutenção do auxílio emergencial, mas também de políticas de médio e longo prazo para o combate à fome no País, como o aumento do poder real de compra das pessoas em vulnerabilidade e medidas de mudanças estruturais da sociedade, visto que “a fome é causada por um problema social de desigualdades estruturais constituídas, como raça, classe e gênero”. A pesquisadora destaca que, entretanto, “o que a gente vê são políticas muito incipientes e insuficientes do Estado”.

Betzabeth Slater Villar – Foto Fapesp

A professora Betzabeth Slater Villar, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, explica que as consequências da insegurança alimentar são, principalmente, físicas, muitas vezes associadas às carências nutricionais e à perda de peso. “Mas essa situação afeta as pessoas em muitos outros aspectos, como na saúde mental, pois está ligada à exclusão social, perda de autoestima, estresse e sofrimento emocional”, afirma.

Já Adriana destaca que a insegurança alimentar pode trazer problemas sociais mais generalizados: “Historicamente, as crises de fome trazem o aumento do êxodo [rural], do índice de mortalidade e da criminalidade, por exemplo”. Assim, “o combate à fome tem que ser o primeiro plano da produção e manutenção de direitos da nossa sociedade”, afirma.

 

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