por Maurício Thuswohl, da RBA
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Rio de Janeiro – Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), a cientista social e escritora Silvia Ramos é uma atenta observadora da evolução dos problemas ligados à segurança pública no Rio de Janeiro, que se encontra sob intervenção militar decretada por Michel Temer. Em conversa com a Rede Brasil Atual, ela demonstra preocupação com o aumento das ações ilegais cometidas por policiais, registrado no estado desde que foi proclamado o resultado do primeiro turno das eleições de 2018.
Silvia diz ter a impressão de que "grupos paramilitares desejavam dar um recado de empoderamento advindo dos resultados eleitorais". Além disso, avalia que o gradual aumento da violência das forças de segurança desde o início da intervenção federal no Rio indica um "descontrole dos policiais na ponta, que estão matando mais e não estão sendo contidos, com raras exceções, e do empoderamento de grupos de milícia junto a batalhões inteiros".
A cientista social lamenta a "aderência ingênua aos bordões vazios e irresponsáveis de políticos da extrema direita", mas diz que isso foi uma decorrência de o Brasil não ter realizado "uma revisão profunda da política de guerra às drogas, do superencarceramento e da ineficiência das polícias em investigar crimes, especialmente das grandes quadrilhas".
De acordo com centenas de relatos vindos de favelas em diversos pontos do Rio, aumentaram a truculência e a arbitrariedade contra moradores nas ações policiais realizadas nos últimos doze dias. O mesmo acontece no que diz respeito à ação de milicianos. Muitos dizem que essa "ofensiva" se deve à expectativa de vitória de um candidato do "meio" nas eleições presidenciais. Como a senhora analisa este contexto?
Silvia: Realmente, as cenas no dia seguinte ao primeiro turno das eleições, de aproximadamente 40 milicianos fazendo incursões na favela do Rola, na zona oeste, como se fossem de comandos policiais – usando fardas da polícia e armas que podem ter sido desviadas da polícia – e a demora da reação do comando do BPM local, tudo isso produziu a impressão de que esses grupos paramilitares desejavam dar um recado de empoderamento advindo dos resultados eleitorais.
É comum que, no início de novos períodos políticos, tanto os grupos de facções do tráfico como outros grupos ilegais – grupos de extermínio, esquadrões ou milicianos – façam demonstrações de força e "testem" a capacidade de resposta das autoridades. As cenas do dia 8, bem como o aumento de mais de 40% das mortes decorrentes de ação policial no período da intervenção no Rio de Janeiro, são indicadores preocupantes do descontrole dos policiais na ponta, que estão matando mais e não estão sendo contidos, com raras exceções, e do empoderamento de grupos de milícia junto a batalhões inteiros.
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Silvia: ativismo digital e coletivos que lutam por direitos nas favelas e periferias têm papel fundamental Foto Tânia Rêgo/ Abr
Do ponto de vista do Cesec, qual impacto teria a proposta, apresentada por Jair Bolsonaro, de conceder imunidade a policiais que participam de ações, de modo que estes não possam ser responsabilizados por eventuais mortes "em confronto"?
Silvia: Bolsonaro e outros candidatos podem repetir os bordões demagógicos tradicionais – comigo a bandidagem vai morrer; vou condecorar policiais que matam muito; bandido bom é bandido morto etc. – mas coisa diferente é mudar a Constituição, o Código Penal, regulamentos, instruções normativas e uma série de mecanismos de controle do uso da força pela polícia e de regulação da institucionalidade.
É claro que os discursos, em si, podem gerar efeitos graves, porque policiais que cometem ilegalidades se sentem acobertados e o "fazer a coisa errada" pode crescer. Principalmente se não houver freios dos comandos superiores, as ilegalidades, exatamente como a corrupção policial, crescem. Mas não basta que um presidente brade que "bandido bom é bandido morto" ou que "vamos abater" para que as execuções extrajudiciais, o uso ilegal da força, o racismo ou a brutalidade policiais se tornem legais.
As Defensorias, o Ministério Público, as Corregedorias e, acima de tudo a mídia, as redes sociais e o celular que filma o mau policial, tudo isso vai continuar existindo e será acionado com mais força do que nunca se governadores e presidente com discursos violentos forem eleitos. O ativismo digital e os coletivos que lutam por direitos nas favelas e periferias serão, mais do que nunca, importantes numa nova conjuntura onde retrocessos democráticos podem ocorrer.
Pelo que demonstraram as urnas, a população do Rio anseia por respostas na Segurança Pública e isso foi determinante para o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no estado. Com capital político por ter acabado de vencer as eleições, qual caminho alternativo à política de confronto poderia seguir o próximo presidente para reduzir a sensação de insegurança pública no Rio e em todo o Brasil?
Silvia: Há muito tempo, uma parte expressiva da população apoia ideias do tipo "bandido bom é bandido morto". A Alerj e a Câmara Federal já contavam com representantes da chamada "bancada da bala". Eles advogam a violência policial sem freios, a redução da maioridade penal, a flexibilização do estatuto do desarmamento e outros mecanismos de ampliação da violência. Nas eleições de 2018 esses segmentos políticos – com o apoio de uma parte ainda mais expressiva da população – cresceu. Além disso, ganhou o governo em alguns estados e talvez ganhe a presidência da República.
Há uma onda regressiva em várias partes do mundo. No caso do Brasil, essa onda está vindo forte e com certeza foi favorecida por administrações federais incompetentes e com presença de corrupção – além de uma crise das democracias representativas, com dezenas de partidos e o sentido de que políticos não nos representam.
No caso brasileiro, a incompetência de respostas na área da segurança pública é um motor poderoso para a onda reacionária e antidemocrática. Estamos recolhendo os efeitos amargos das nossas taxas de homicídios – entre as mais altas do mundo há duas décadas – dos nossos índices de roubos, furtos e principalmente das ameaças pela presença de grupos ilegais (ligados às facções das drogas ou às polícias e forças paramilitares) nos bairros pobres do Brasil metropolitano.
Não termos feito uma revisão profunda da política de guerra às drogas, do superencarceramento (mais de 700 mil presos) e da ineficiência das polícias em investigar crimes, especialmente das grandes quadrilhas (e não do varejista que está descalço na favela). Tudo isso, me parece, resultou nessa explosão de insatisfação e aderência ingênua aos bordões vazios e irresponsáveis de políticos da extrema direita.
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