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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

03
Jan23

Os redentores do Império e o sangue de Deus

Talis Andrade

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(Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21.com.br)

 

É através da distorção do cenário bíblico do Antigo Testamento que pregadores punitivistas argumentam a favor da pena de morte no Brasil

 

Por André Kanasiro | Revista Opera

O governo que assola nosso país desde 2018 tem feito aflorar o que muitos chamam de viúvas da ditadura — pessoas que, por falta de conhecimento ou excesso de ódio, sentem falta dos gorilas que mataram seus irmãos e desafetos a partir de 1964. Mas ele faz aflorar, dos ralos da História, ainda outro grupo: as viúvas do Pentateuco, que sentem falta de sua própria versão distorcida do Antigo Testamento. Enxergando em Moisés a repressão e a impiedade que envenenam suas próprias almas, pregam aos quatro ventos que a receita para superar o que consideram “a decadência do Ocidente” é seguir princípios supostamente divinos que, através de um endurecimento radical de nosso sistema penal, seriam capazes de colocar ordem na casa brasileira. Os semeadores de ervas daninhas encontram aqui um terreno especialmente fértil para suas mentiras, nossas mentes já aradas pelo sensacionalismo criminal de apresentadores de televisão, e tornam cada vez mais hegemônica a imagem de um Deus sociopata, que se alegra com o sangue do pobre escorrido pelas ruas.

Para enfrentar essas mentiras não basta nos apegarmos ao Novo Testamento, alegando que Cristo anulou todo o resto, e ignorar os séculos de tradição semita que o precederam. Temos que compreender o raciocínio e os princípios subjacentes ao que realmente está escrito no texto mosaico, para só então nos perguntarmos: o que isso tem a ver com o Brasil do século XXI?

Go’el: compreendendo os papéis do redentor

Um dos principais versos utilizados por nossas viúvas do Pentateuco precede o nascimento de Israel e está em Gênesis 9:6, no que seria uma prescrição universal à humanidade: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.”

Esse verso é um dos muitos que transmite um postulado teológico básico da Bíblia Hebraica: o sangue da violência e do homicídio poluem a terra, que clama a Deus e exige sua purificação para a aproximação da divindade. É a terra que engole o sangue de Abel derramado por Caim (Gn 4), o primeiro homicida, e é também a terra que a partir daí se nega a dar sua força ao assassino. É a violência que corrompe a terra até o ponto de não-retorno e motiva Deus a purificá-la com o Dilúvio (Gn 6). O homicídio não é só um crime contra o próximo, mas contra a própria natureza: o derramamento de sangue inocente introduz um desequilíbrio no cosmo, que só será restaurado à harmonia com o derramamento do sangue culpado.

Tal teologia não é exclusiva da religião de Israel; pelo contrário, variantes podem ser encontradas em várias de suas religiões contemporâneas no Antigo Oriente Médio (AOE). O mesmo se aplica à solução encontrada. A instituição da vingança de sangue, segundo a qual o parente mais próximo de uma vítima de assassinato tem o dever de matar o homicida e restaurar equilíbrio à terra em que habita, pode ser encontrada em todo o AOE. Mas é na Bíblia Hebraica que esta encontra um ápice em seu desenvolvimento teológico e, paradoxalmente, em sua adequação aos princípios divinos de misericórdia.

O vingador de sangue bíblico é uma das muitas faces do go’el, o redentor, que é responsável por restaurar o equilíbrio em diversas situações do dia-a-dia israelita: ele redime a descendência de seu parente que morreu sem deixar filhos ao casar-se com sua viúva, e redime seu irmão hebreu ao encontrá-lo escravizado  — comprando sua liberdade e até as propriedades que este perdeu. O próprio Deus de Israel é o go’el de seu povo, pois o redimiu da escravidão no Egito (Is. 41:14). O redentor restaura a descendência, liberdade e justiça à sociedade em que habita; e, apesar de por vezes trazer a morte, traz vida e liberdade ao seu povo.

Mas mesmo quando deve trazer a morte o redentor encontra um problema: o Deus bíblico é misericordioso demais. Caim, o primeiro homicida e alvo potencial de redentores, lamenta-se com Deus que “todo aquele que me achar, me matará” (Gn 4:14). Deus responde colocando-lhe uma marca, “para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4:15). A regra radicaliza a exceção: em Números 35, ao tratar da legislação penal na futura Terra Prometida, Deus introduz cidades de refúgio para as quais podem fugir os homicidas. Uma vez nestas cidades, o assassino não poderia ser morto por seu redentor, que deveria esperar pelo julgamento a ser feito na assembleia dos líderes de Israel. Caso o homicídio fosse julgado doloso, o redentor atuaria como o carrasco do Estado israelita; mas caso o homicídio fosse julgado culposo, o redentor não poderia matá-lo. O homicida então viveria na cidade de refúgio até que o sangue que ele derramara fosse redimido pelo redentor e expiador de Israel por excelência — é o sumo-sacerdote que, ao morrer, redime a culpa do homicida e permite que este volte pra casa.

A legislação israelita parte de seus paralelos no AOE, mas não sem antes subvertê-los a favor da misericórdia: ao mesmo tempo em que valoriza a vida a ponto de não reconhecer o pagamento de indenizações pela família do homicida à família da vítima, institucionaliza a justiça de forma a conter a espiral de violência. Ao contrário de outras nações da sua época, o redentor não pode restaurar o equilíbrio matando outros membros na família do homicida, e seu testemunho não é o bastante para culpabilizar o réu em julgamento. A justiça penal israelita tem suas próprias contradições, mas possivelmente representou progresso histórico e humanizador ao mundo de sua época.

O Brasil contemporâneo e a redenção da barbárie

É através da distorção desse cenário bíblico que os pregadores punitivistas argumentam a favor da instituição da pena de morte no Brasil, assim como de um sistema penal mais duro que diminua a ocorrência de crimes através do medo. Ignoram, porém, que a falta de justiça em nosso sistema penal só tende a ser exacerbada por tais medidas: a despeito de nossas instituições policiais quebradas e ineficientes, que até 2013 arquivavam quase metade das ocorrências de homicídios sem sequer investigá-las, temos a terceira maior população carcerária do mundo, com pelo menos 812 mil pessoas vivendo em condições subumanas em nossas prisões. Destes presos, mais de 40% sequer foram julgados para estarem ali, e 63% se declaram pretos ou pardos. Entre 2009 e 2013, por exemplo, 65% dos presos não usavam armas, não faziam parte de organizações criminosas, e foram presos em flagrante pelo uso ou pela negociação de substâncias ilícitas. Passarão anos em seus campos de concentração, aguardando julgamento em celas superlotadas enquanto muitos outros crimes sequer são investigados.

Como a radicalização de um sistema ineficiente e racista como esse, herança colonial de uma nação escravista e antipobres, poderia restaurar equilíbrio e justiça às terras da América Latina? Os pregadores não dizem, pois não lhes importa o equilíbrio — multiplicar a violência e a injustiça, ver o sangue dos pobres correndo pelas ruas, e clamar por um novo Dilúvio que os mate com toda a humanidade é o que os importa. Não redimem o sangue de vítimas, e sim a barbárie, pregando a guerra de um Estado contra seu próprio povo. Pregam a solução final — e matam dia após dia nosso grande sumo-sacerdote, Jesus Cristo, que expiou a humanidade e purificou toda a Terra ao derramar seu próprio sangue. Morreu, ironicamente, pelas mãos de um Estado que matava seus súditos e odiava seus pobres. Nossos piedosos pregadores não defendem a Cristo. Defendem o Império e seu direito de matar nosso Deus.

31
Jan21

De Olga Benário e Lula, a maldição que acompanha os que tergiversam

Talis Andrade

 

por Luis Nassif /Jornal GGN

A divulgação, pela revista Veja, de parte da peça de defesa de Lula, nos primeiros levantamentos nos arquivos da Vazajato, já basta para implodir definitivamente não a operação em si, suficientemente desmoralizada, mas o próprio sistema penal brasileiro.

Segundo a peça, foram analisados apenas 10% do material recebido – liberado por autorização expressa do Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. Pela página exposta, houve uma busca pelo nome de Lula. Ou seja, o material corresponde a 10% dos trechos identificados com o nome de Lula. Obviamente, no conjunto da obra haverá muito mais a ser revelado.

O  trecho mais revelador é o diálogo de 23 de fevereiro de 2016, no qual o procurador Deltan Dallagnol combina com Sérgio Moro como montaria uma das denúncias contra Lula. É uma das peças mais vergonhosas do sistema criminal brasileiro – apesar de amplamente intuída pelos críticos da Lava Jato.

Na conversa, Dallagnol mostra sua receita de criminalização de Lula.

  1. No mensalão havia o sistema de cooptação dos partidos aliados, manejados por José Dirceu. Como o sistema continuou após a saída de Dirceu, só poderia estar sendo comandado por Lula.
  2. Conta a Moro o trabalho que estavam fazendo com Pedro Corrêa “que dirá que Lula sabia da arrecadação via PRC (Paulo Roberto da Costa)”.
  3. Definida a lógica da acusação, diz que vai procurar antecedentes para justificar os benefícios – que iam de palestras contratadas à mera colocação de uma antena de celular pela Oi, perto do sítio frequentado por Lula.

Foi uma das manobras mais primárias e recorrentes da Lava Jato. E, por primária, desmoralizante para o sistema de justiça. Levantavam as palestras de Lula – que foi um dos palestrantes mais requisitados depois que deixou o governo -, ou uma antena de celular instalada pela operadora, ou uma reforma no sítio a ser frequentado por Lula. Identificavam entre os contratantes alguma empresa envolvida com a Lava Jato. Em seguida, pressionavam o executivo preso para que dissesse que a palestra ou a doação foi contrapartida ao contrato recebido. Era o que bastava. Nenhuma prova, nenhum documento, apenas a prova testemunhal, a prostituta de todas as provas.

Pouco importava se até a Globonews, da arquiinimiga Globo, contratou palestras de Lula, comprovando a demanda que recebia como palestrante.

Que juiz e procuradores provincianos tenham recorrido a essas manobras processuais não surpreende. O desmoralizante foi o endosso recebido de desembargadores do TRF-4, de ministros do Superior Tribunal de Justiça e dos ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

Entrarão para a história assim como o presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil, Ministro Edmundo Lins e o relator Bento de Farias, que, nos anos 30, autorizaram a entrega de Olga Benário aos nazistas.

A história costuma ser implacável com esses personagens, mais até do que com os assumidamente vilões.

Terá a condená-los, inicialmente, o calvário de Lula, jogada em uma cela, sendo impedido de velar o irmão morto, perdendo a esposa – assassinada pelas sucessivas humilhações impostas pela Lava Jato – tudo isso depois de ter se tornado uma das referências da paz mundial, no nível de um Mandela, de um Ghandi, e de ter ajudado a civilizar as disputas políticas no Brasil. Serão debitados na conta dos Minstros a invasão do quarto do casal Lula-Letícia, os colchões revirados, o notepad do neto carregado por policiais truculentos, a exposição impiedosa à máquina de moer reputações da mídia. Esqueçam Sérgio Moro, um juiz da província. Ele já era sobejamente conhecido por Barroso e Fachin, pelo amplo histórico de abusos processuais pré-Lava Jato. Ainda assim, endossaram todos seus abusos mesmo tendo conhecimento amplo do seu passado de juiz da Vara Especial da Justiça Federal de Curitiba.Ao citar inocência, deputado lembra iPad do neto Arthur que Lula viu morrer  na prisão política de Moro

SACANAGEM Moro não devolveu o ipad de Arthur - O CORRESPONDENTEBlogueira que comemorou morte de neto de Lula pede dinheiro para se  defender de processo

 

Não apenas isso. No futuro haverá um balanço da destruição do país, visando submetê-lo à financeirização mais deletéria, concentradora de renda, destruidora de direitos sociais básicos, destruidora de empregos e empresas, em parceria com um genocida que ainda será julgado e preso em um tribunal internacional. Já começa uma avaliação mundial sobre os desatinos da financeirização selvagem. Em algum ponto do futuro, a opinião pública será lembrada dos Ministros que, do alto de seus cargos, endossaram a selvageria, estimularam os linchamentos, permitiram a destruição de empresas e de instituições sabendo que a Lava Jato não passava de uma grande encenação destinada a escancarar o país para os negócios da privatização.

Ainda em vida sentirão a vergonha nos filhos e netos, se é que incutiram nos descendentes um mínimo de valores e de pudor cívico. Entenderão, posto que filhos e netos de pais intelectualmente preparados, que os elogios virão da parte mais superficial e interesseira da opinião pública, da parte menos republicana do Judiciário. E saberão avaliar o mal que seus parentes fizeram ao país.

Se não entenderem, é porque jamais terão a dimensão que se espera dos grandes homens.

 

16
Jan21

Omissões de Bolsonaro na pandemia configuram crime de responsabilidade, diz presidente do IBCCRIM

Talis Andrade

por Rogério Gentile

A advogada Marina Pinhão Coelho Araújo diz que o presidente tinha o dever de organizar uma campanha nacional para o enfrentamento da Covid-19

A advogada Marina Pinhão Coelho Araújo afirma que as ações e, sobretudo, as omissões do presidente Jair Bolsonaro na pandemia configuram crime de responsabilidade e são, portanto, passíveis de impeachment.

“Bolsonaro atrapalhou em vez de liderar.” Nova presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), entidade que reúne mais de 2100 filiados, entre os quais alguns dos advogados mais respeitados do país, Marina diz que o presidente tinha o dever de organizar uma campanha nacional para o enfrentamento da pandemia, mas optou por deixar os estados à deriva.

“O que está acontecendo no Amazonas é consequência dessa omissão”, afirma.

Em entrevista à coluna, a advogada, que é professora do Insper e doutora em direito penal pela USP, afirma também que o presidente debocha dos direitos humanos e que a sociedade precisa ficar alerta e reagir.

“O IBCCRIM quer somar esforços nessa batalha pelo respeito ao direito de todos.”

 

O IBCCRIM foi fundado em 1992 após o Massacre do Carandiru. Como a senhora avalia a questão dos direitos humanos em tempos de Jair Bolsonaro? Vivemos um período delicado. O governo Bolsonaro tem um discurso de confronto e, muitas vezes, de deboche em relação aos direitos humanos. A sociedade já percebeu que é preciso estar alerta e tem reagido. O IBCCRIM quer somar esforços nessa batalha pelo respeito ao direito de todos.

 

O país é melhor ou pior do que aquele de 1992? Os desafios do instituto hoje são diferentes dos daquela época? Desde 1992, o Brasil avançou em muitos campos. Por exemplo, na educação e na redução da pobreza. Mas os nossos desafios continuam sendo tão grandes que é difícil dizer que melhoramos. O sistema penal tem ainda enormes problemas de racismo, de reprodução de desigualdade, de ampliação de conflitos.

 

Bolsonaro é alvo atualmente de dezenas de pedidos de impeachment. A atuação do presidente Bolsonaro na pandemia, por exemplo, na sua opinião configura crime de responsabilidade? De 1950, a lei que especifica os crimes de responsabilidade é bastante ampla, admitindo diversas interpretações. Na minha opinião, há ações e omissões do presidente Bolsonaro na pandemia que poderiam ser enquadradas como crime de responsabilidade.

 

Quais ações e omissões? Bolsonaro tinha a responsabilidade de agir, de organizar uma campanha nacional para o enfrentamento da pandemia. Foi omisso. Os estados ficaram à deriva. O que está acontecendo no Amazonas é consequência disso. Não estou dizendo que ele é responsável diretamente pelas mortes.

Mesmo nos países que executaram políticas mais centralizadas as pessoas continuam morrendo. Mas ele não organizou o sistema para minimizar o impacto da doença, para que as pessoas pudessem ser melhores atendidas.

O STF ocupou esse espaço da Presidência em algumas decisões, permitindo que os estados buscassem soluções regionais. O conjunto de omissões é grave e a situação do país é muito complicada. Além disso, ao incentivar o uso de medicamento que não tem eficácia técnica-científica, ele também viola as obrigações da Presidência, podendo ser configurado que cometeu crime de responsabilidade. Bolsonaro atrapalhou em vez de liderar.

 

O STF decidiu que o Estado pode determinar que a vacinação seja obrigatória. A senhora concorda? O STF não impôs a vacinação forçada. Disse que, em casos de evidente necessidade para a coletividade, como a saúde pública, é possível determinar a obrigatoriedade. Pareceu-me uma decisão razoável, especialmente por fixar critérios objetivos nessa avaliação por parte do Estado.

 

Passados quase sete anos do início da Lava Jato, qual a avaliação que a senhora faz da operação e da conduta do Judiciário? De um lado, muitos corruptos foram presos e condenados. De outro, reclama-se que direitos individuais foram atropelados. A Lava Jato mudou a percepção da população sobre a eficiência do sistema penal e a impunidade, o que foi positivo. Ao mesmo tempo, são cada vez mais numerosos os indícios de que ela mesma não respeitou os estritos limites da legalidade, como se os fins justificassem os meios, o que é muito ruim para o sistema penal. Além disso, a Lava Jato foi muito usada politicamente, por vários setores. Penso que precisaremos ainda de muito tempo e muita reflexão para uma avaliação isenta do que foi a Lava Jato e de seus inúmeros efeitos.

 

Questões como a prisão em segunda instância ainda estão em debate no país. A senhora é a favor ou contra?A Constituição Federal é muito clara. Ela exige o trânsito em julgado para o início da aplicação da pena. Na minha opinião, a prisão em segunda instância para cumprimento antecipado da pena não é compatível com o nosso sistema jurídico-penal.

 

Como responder ao anseio de punição da sociedade brasileira em que processos criminais são contaminados pela opinião pública? Os anseios de punição e vingança da população não devem determinar a resposta do Estado. É preciso formar e informar a população sobre a importância do Estado de Direito e o respeito aos direitos de todos. Ponto muito importante é mostrar como, ao longo da história, muitos abusos e erros judiciários foram cometidos quando os direitos de defesa são enfraquecidos. A presunção de inocência é um direito fundamental.

 

A senhora é a favor da imunidade parlamentar? Sim. A imunidade parlamentar, que protege a liberdade de palavras, voto e opinião, é uma importante garantia do regime democrático. As ditaduras e autoritarismos sempre tentam diminuir a proteção jurídica do livre exercício da política.

 

O país tem presenciado nos últimos meses uma série de casos de censura judicial. Como a senhora vê a questão do conflito de direitos? De um lado, a liberdade de expressão e o direito de imprensa. De outro, os direitos individuais e de personalidade. Qual deve prevalecer? A liberdade de expressão é um direito fundamental constitucional. Proibida, pois, a censura. Todo ato de censura fere o sistema jurídico. Isso é ponto pacífico. Por outro lado, muitas vidas foram destroçadas com base em delações que depois não foram confirmadas. Assim, acredito que devemos investir esforços em apurar o que se publica e aperfeiçoar a responsabilização sobre o que foi publicado.

 

Recentemente uma juíza foi morta, assassinada pelo marido. A lei brasileira é suficiente em relação ao feminicídio ou é necessário um endurecimento?A lei brasileira me parece adequada. O problema não é que a pena seja branda. É preciso mudar a cultura. Há uma normalização de condutas ofensivas e discriminatórias em relação às mulheres. A forma como a mulher é vista na sociedade brasileira. A sociedade precisa se mobilizar urgentemente. São inaceitáveis os índices de violência contra a mulher no Brasil.

 

A pandemia e a consequente crise econômica acentuaram a judicialização da sociedade, o que evidentemente acarreta mais morosidade para a solução dos conflitos. As práticas de conciliação em curso no país estão no caminho certo para amenizar esse problema? O que pode ser feito ainda? São muito recentes no Direito brasileiro as transações penais e a utilização dos acordos penais antes do início dos processos. É um tema complexo, com muitos aspectos.

Gostaria apenas de destacar que não devemos apenas pensar na rapidez dos procedimentos, mas também na estabilização dos conflitos sociais. O objetivo da Justiça não pode ser simplesmente “encerrar procedimentos”, e sim oferecer, dentro de um tempo razoável, uma solução justa e efetiva. E é precisamente aí que o IBCCRIM deseja contribuir.

- - -

Entrevista publicada originalmente na Folha de S.Paulo

 
 
 
 
 

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