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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

19
Nov23

PF investiga navio cabaré com sertanejos

Talis Andrade

Reserve sua cabine navio cabaré 2023 leonardo e bruno e marrone

Por Altamiro Borges
 
Famosos por terem apoiado ostensivamente o “capetão” Jair Bolsonaro, muitos milionários sertanejos seguem metidos em confusões e histórias sinistras. Nesta sexta-feira (17), o jornal O Globo noticiou em primeira mão que “a Polícia Federal investiga uma suspeita de sequestro, assédio sexual e tráfico de pessoas envolvendo o ‘Navio Cabaré’, cruzeiro da empresa Promoação, que contou com atrações como os sertanejos Leonardo e Bruno e Marrone. Quatro mulheres, com idades entre 18 e 21 anos, teriam sido vítimas do esquema”. 

De acordo com a reportagem, a luxuosa embarcação partiu do Porto de Santos (SP) e foi abordada pela PF na segunda-feira (13) em Angra dos Reis (RJ). Na operação, a polícia resgatou as jovens, naturais dos estados de Santa Catarina e São Paulo, que “foram contratadas por uma agência para trabalhar como modelos”. Em nota, a empresas responsável por organizar o evento e fretar o navio negou qualquer irregularidade. “A Polícia Federal, no entanto, afirma continuar investigando o caso e que ‘há elementos que indicam indícios de crime’”. 

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Os relatos das quatro jovens

Entre outros “indícios”, “as quatro jovens relataram terem percebido que os funcionários do local forneciam bebidas suspeitas de conter substâncias incomuns. Além disso, as vítimas eram impedidas de se comunicar externamente e só podiam se locomover no navio sob vigilância. Uma das jovens conseguiu ter acesso a um telefone e fez contato com a família, que acionou a PF. As quatro jovens foram levadas à Delegacia de Polícia Federal em Angra dos Reis, de onde foram encaminhadas ao Instituto Médico-Legal para a realização de exames de corpo de delito. O inquérito segue para apurar se houve participação de outras pessoas”. 

Em outro matéria publicada neste sábado (18), O Globo dá mais detalhes sobre o Navio Cabaré. O cruzeiro com shows dos sertanejos ocorreu entre 12 e 15 de novembro no luxuoso MSC Preziosa, fretado pela empresa Promoação. “Entre as principais atrações estavam o cantor Leonardo e a dupla Bruno e Marrone, além de Diego & Victor Hugo e outros cantores. O MSC Preziosa conta com spa, teatro, cinema 4D, pistas de boliche, além de bares, restaurantes e piscinas e jacuzzi. O preço das cabines variava entre R$ 6,5 mil e R$ 8,5 mil”. 

Já o site Splash “entrou em contato com as assessorias dos cantores, que não se manifestaram. A assessoria de Bruno & Marrone afirmou que os esclarecimentos seriam prestados pela empresa Promoação, que organiza o cruzeiro e contrata as atrações”. A matéria ainda relata que “um homem foi preso em flagrante na embarcação e pode responder pelos seguintes crimes: sequestro ou cárcere privado, assédio sexual, importunação sexual e tráfico de pessoas. As jovens foram encaminhadas ao IML para a realização de exames. A Delegacia de Polícia Federal em Angra dos Reis instaurou um inquérito para apurar a participação de outras pessoas”.

08
Nov22

O sinistro do golpismo

Talis Andrade

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Por Juan Manuel Palomino Domínguez 

Sair às ruas, interditar rodovias e estradas, vestindo a camisa da seleção brasileira, portando a bandeira do país, se apropriando do hino nacional, para pedir para o exército que aponte seus fuzis para irmãos compatriotas que tem uma ideologia diferente, com o fim de amedrontá-los, até de atentar contra sua integridade física, é algo bem sinistro. 

Como cidadão, como humano, quem pede golpe de estado é um ser sinistro, macabro, funesto. Não tem outra forma de nomear essas pessoas que hoje estão na rua  prejudicando a economia do país de forma deliberada por não admitir um resultado eleitoral. A ignorância e a alienação, alimentadas de forma permanente pelas redes de comunicação do gabinete do ódio, tem solo fértil no mau caratismo de quem acredita estar certo em impedir o percurso da história democrática da nação por mera intolerância e mesquinidade, além da incompetência cognitiva para entender os limites que a cidadania tem dentro do campo de ação democrático.    

Não existe hoje na situação institucional e social brasileira nenhum fenômeno que possa servir de argumento para pedir a intervenção das forças armadas, a não ser que seja a intolerância política, religiosa, classista, racista e patriarcal. É uma combinação lúgubre dos piores sentimentos cidadãos.   O ódio pelo ódio mesmo. 

As agressões já não tem somente como alvo militantes petistas, comunistas, professores, cientistas, ativistas sociais.  Hoje se agride jornalistas da Globo, da Record, do SBT, da Jovem Pan. A situação está chegando a limites onde o bolsonarismo está a um degrau de se tornar uma forma de terrorismo de extrema-direita (se não é que já se tornou isso há tempo). A  imprensa toda tornou-se um empecilho entre a realidade paralela, a idolatria obcecada, o delírio místico e violento. 

A agressão tornou-se uma prática legitimada pela própria insanidade e perversão da massa golpista. Passou-se da agressão verbal, praticada pelo presidente Bolsonaro contra jornalistas sobre tudo, que questionassem qualquer ação do governo, a agressão física praticada pelos grupos golpistas contra todo aquele que não se submeta aos pedidos e reclamações lunáticas que os mantêm na rua.

Foram agredidos trabalhadores, estudantes menores de idade, famílias dentro de carros, pessoas que precisavam chegar a algum lugar com urgência por questões de saúde, caminhoneiros, motoristas de ônibus e transeuntes.

Percebe-se uma ostensiva despreocupação por parte dos bolsonaristas em partir para  agressão física ante qualquer obstrução aos seus pedidos.  O preocupante é ver como essa gente consegue ter proximidades assustadoras com as forças policiais e do exército. O golpismo é um caldo assassino conformado por diversos setores sociais decididos a exterminar toda oposição, toda diversidade e pluralismo.  A imprensa toda hoje mostra sua preocupação. É preocupante. Não vale de nada agora sinalizar a responsabilidade óbvia da mídia tradicional brasileira que alimentou a barbárie desde os atos apropriados pela direita no ano 2013. Que foi cúmplice do golpe constitucional de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff.

As feras estão descontroladas. Acreditam que se foi possível dar o golpe uma vez, podem dar um golpe as vezes que quiserem. Só que dessa vez o pedido é mais radical. O pedido hoje é pela militarização da sociedade, o que barraria de vez com todos os privilégios dos setores civis que foram comparsas durante o destituição ilegal da Dilma. A militarização da sociedade é algo que iria prejudicar setores de poder que estão ferreamente interligados: setores da alta burguesia junto a setores da alta cúpula do judiciário.  Esses setores são hoje o muro de contenção entre o golpe de estado e a democracia no Brasil. Como diria Cazuza no plural, “estamos sobrevivendo pela caridade de que nos detesta”. A democracia nesse país, poderia se dizer, sobrevive hoje em parte, graças à resistência de setores de poder que detestam, em essência, a democracia.

O que fica no ar é esse ambiente de medo, de pasmo, ante essa loucura violenta que parece ter tido seu pico de evolução durante o feriado do dia 2 de novembro. A transição já  foi iniciada por Geraldo Alckmin. E Bolsonaro não tem poder nem competência para dar um golpe. Essa direita, tão perigosa, que se agigantou tanto, sabemos, está conformada por um bando de ratos cobiçosos e medrosos. As armas são o instrumento do medo para destruir a liberdade e o amor.

Por sorte, não existem no Brasil hoje armas suficientes para demolir o ato de amor à democracia encarnado por uma grande proporção do povo brasileiro durante as eleições do dia 30 de outubro de 2022.

26
Dez21

A guerra do Brasil e a naturalização da barbárie

Talis Andrade

Chacina no Salgueiro e balsas do garimpo ilegal no Rio Madeira: duas cenas recentes se somam à galeria da barbárie bolsonarista

 

Por Marco Aurélio Weissheimer / Extra Classe

Quando estamos em meio a um turbilhão de acontecimentos, é difícil ter uma percepção clara sobre as suas implicações e sobre a direção na qual ele nos coloca. O Brasil, mesmo antes do início da pandemia, já vivia um cenário dessa natureza, a partir da eleição de um governo de extrema-direita, em uma aliança sinistra entre militares, agronegócio e sistema financeiro, entre outros setores. O discurso de violência, preconceito e discriminação, emulado pelo presidente eleito, já era claro e explícito desde a campanha eleitoral. Logo, não foi surpresa para ninguém. Os aliados e cúmplices de toda a violência e violação de direitos que se seguiriam ao início deste governo jamais poderão dizer que “não sabiam”. Sabiam, sabem e seguem justificando atos diários de barbárie e violência.

Em um artigo publicado em outubro de 2018 (A barbárie está autorizada. O horror saiu do armário), o antropólogo Luiz Eduardo Soares antecipou, em tom profético, o que estava por vir. Soares chama atenção para o simbolismo do gesto de dois homens brancos, os então candidatos a deputado federal Daniel Silveira e a deputado estadual Rodrigo Amorim; ao lado do candidato ao governo do Rio de Janeiro Wilson Witzel, que rasgaram uma placa de rua com o nome de Marielle Franco, vereadora do PSol assassinada na capital fluminense, morte cujos mandantes até hoje não foram identificados. Fizeram da placa, escreveu Soares, “uma lápide e da lápide partida o símbolo do esquecimento. Isso se chama profanação e promove a segunda morte de Marielle”.

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O horror como método

Esse foi apenas um dos tantos sinais que indicavam o que estava por vir. Lembrando que “grande parte de nossas vidas é regida pelo que é invisível – emoções, afetos, expectativas, desejos, memórias, fantasias”, o antropólogo assinalou que, na política, não é diferente: “Por isso, não é preciso incluir no programa de governo referências a um plano de extermínio, não é preciso apresentar publicamente um programa genocida. Não é necessário exaltar a violência e o preconceito, ou incitar o ódio, explicitamente – ainda que isso tenha sido feito. O que põe em circulação a barbárie não está nos argumentos racionais da candidatura ou em suas propostas de políticas públicas. A mensagem já foi passada à sociedade. E a mensagem se resume a uma autorização. Autorização à barbárie. A morte foi convocada. A barbárie está autorizada. O horror saiu do armário”.

Passados mais de três anos, os atos de barbárie são tantos no Brasil que quase já se incorporaram à nossa rotina. O “quase” não se aplica às populações que são alvo diário desses crimes (homens, jovens e meninos negros, mulheres, jovens e meninas negras em sua maioria, moradores de periferia, povos indígenas, pequenos agricultores, população LGBT, estudantes, trabalhadores…a lista é extensa). A situação é tanto mais dramática, na medida em que esse caráter diário da barbárie provocou uma certa naturalização desse cenário. A “sociedade” brasileira (expressão que vai entre aspas pois precisa ser melhor descrita) está anestesiada pela violência, o que não diminui em nada o crime da cumplicidade para com o que está ocorrendo no Brasil.

No final de novembro deste ano, mais duas imagens se somaram à galeria da barbárie bolsonarista brasileira. A “descoberta” de dez mortos em um mangue dentro do Complexo do Salgueiro, no Rio de Janeiro, que, segundo a Polícia Militar, foram mortos em um confronto durante uma “operação de estabilização”. Os corpos apresentavam sinais de tortura e de execução. Segundo o programa Fantástico, da Rede Globo, os policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) dispararam mais de 1.500 tiros na “operação de estabilização”. Justificando a ação policial, o governador daquele estado, Cláudio Castro, afirmou: “Coisa boa não estavam fazendo”.

A segunda cena foi a da invasão de centenas de balsas de garimpo ilegal Rio Madeira adentro, na Floresta Amazônica. A prática de garimpo ilegal na região, inclusive dentro de terras indígenas, não é uma novidade exatamente, mas ganhou força nos últimos dois anos com o enfraquecimento da fiscalização e com os discursos e as ações de apoio a essa atividade ilegal por parte do governo Bolsonaro.  São cenas da guerra em curso no Brasil, uma guerra contra o povo brasileiro, que está sendo atacado pelo exército bolsonarista e sua aliança macabra, que reúne militares, fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros, banqueiros, parlamentares, prefeitos e governadores cúmplices dessa barbárie.

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31
Out21

“ISTOÉ”, esgoto da imprensa, cola a cabeça de Moro na foto de Trump

Talis Andrade

Vergonha! candidato da "IstoÉ" é fabricado com photoshop

Vergonha! candidato da "IstoÉ" é fabricado com photoshop
 
Nem pra fazer um retrato a revista "IstoÉ" serve! Basta um photoshop tosco para fabricar o candidato da terceira via
 
12
Jul21

Radiografia ideológica do neofascismo bolsonarista

Talis Andrade

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por Eugênio Trivinho /Cult

 

Transpolítica e neofascismo bolsonarista

O primeiro artigo desta série sobre a transpolítica da ideologia evocou a regressão ideológica do Brasil pós-2018. A série, prevista em três esclarecimentos, cobre aspectos estruturais esquecidos do funcionamento material e subjetivo do capitalismo. O tamanho do estrago bolsonarista no país justifica o pressuposto da reflexão: a operação do absurdo macabro faz antigas noções cumprirem função crucial em tempos de ameaças espalhadas.

Do ponto de vista macroestrutural, o neofascismo brasileiro não altera, evidentemente, o modus operandi sociofenomenológico da transpolítica. Equivalendo a uma mudança artificial na ordem dos fatores, o retrocesso neofascista (dissecado no próximo tópico) concorre, ao contrário, para aprofundar a dissuasão em relação à conservação do modo de produção majoritário, com um detalhe de monta: essa necropolítica acaba por conceder considerável alívio a elites econômicas ao ofuscar, na espuma multimediática contínua, seus esquemas corporativo-estatais de corrupção endêmica. A cortina de fumaça representada pelo bolsonarismo (militar, policial, miliciano e civil), como ideologização discursiva e narrativa cabal, cauciona e nutre, por assim dizer, esse ímpeto de perpetuação estrutural. O sinistro neofascista se serve da sombra de injunções tradicionais secularmente instituídas para arquitetar reverberações multilaterais.

Aparentemente, extremismos de direita e de esquerda, seja como governos, seja como movimentos, transitam à vontade no arco da transpolítica. O rodamoinho necessário a ela convive com polarizações agudas: ao mesmo tempo que patenteiam o arco – como um escândalo de arromba –, não o abolem. O regime político do momento – a democracia formal, no caso – é empurrado contra a parede, não a dinâmica transpolítica do modo de produção.

Aliás, a história da alucinação do lucro como valor de status no capitalismo – lucro econômico-financeiro, lucro político-ideológico, lucro de ascensão social, lucro subjetivo e do corpo, enfim, a alucinação do lucro como gozo – é, majoritariamente, mais compatível com retrocessos políticos do que com saltos ideológicos progressistas. Ao fim e ao cabo, sobretudo em economias subdesenvolvidas, assoladas pela miséria e pelo analfabetismo – atrasos estruturais aos quais se somam as recentes barbarias –, o reconhecimento sistemático e expansivo de direitos humanos, políticos, civis, sociais, trabalhistas e previdenciários é sempre demonizado pelos setores economicamente elitizados: ao confrontar a lógica de exclusão e segregação vigente, desencadeia fobias alucinatórias que, na cabeça do abismo, “anteveem” o próprio modo de produção em risco de entropia.

Nesse contexto, um efeito colateral bizarro do neofascismo recobra registro, a título de ressalva. Somente uma ideologia tão rústica e reacionária como o bolsonarismo poderia, por mazelas infindas, escancarar, sem arranhões, o casulo operacional mais superficial da transpolítica, ao possibilitar que compareçam, facilmente, na mesa de discussão política, jornalística e acadêmica, parte dos nomes e faces de mandantes e executores implicados em mais de 500 mil mortes por Covid-19 no país. Como sói ocorrer, a superexposição excetua eternas eminências oclusas.

Bolsonarismo como regressão histórica estrutural

A propósito, adornando as injunções transpolíticas do capitalismo (aludidas no primeiro artigo da série), a regressão ideológica posterior a 2018 permite apreender um movimento de pêndulo histórico mais vultuoso. A colérica melancolia política de extrema direita sob antifacho bolsonarista equivale a uma regressão histórica estrutural e sem precedentes desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Tal empuxe autoritário arrasta todos os setores sociais para décadas pregressas na escalada histórica da razão humanista como manancial ocidental dos direitos humanos, civis e sociais. Esta fonte greco-clássica, relida pelo movimento iluminista do final do século 18 e então legada ao presente, segue, mesmo aos farrapos, acolhida, nos fundamentos e na letra, por tratados internacionais e constituições republicanas e democráticas. A razão humanista sustenta, com amplo reconhecimento jurídico, político e ético, o que, para o bem e para o mal, se conhece como mundo civilizado – forma de organização sedentária da vida humana que, sob o estirão do capitalismo tardio, o eufemismo liberal conveniente e salvacionista pretexta como o “menos pior” dos horizontes históricos para as relações sociais, num contexto de superconcentração populacional no espaço geográfico.

Alega-o sem reconhecer papel decisivo às forças de resistência em favor da redução gradativa da jornada de trabalho e às lutas por direito ao tempo livre e ao lazer citadino, além das demais garantias de vida digna. (A horrenda história de impérios, totalitarismos e ditaduras sequer instiga a se imaginar quão mais brutal teria sido algo diverso do “menos pior” como “conquista” da razão ocidental e “imagem do progresso”.

Qualquer asserção eufemista não deixa de constituir logro, para além da própria linguagem que o demarca. No fundo, seria necessário questionar a natureza, o fundamento e as consequências de cada vetor em jogo: a razão e suas manifestações, o modelo humanista conservador e suas conivências, a civilização e seu processo de aculturação técnica etc. – em suma, tanto a história herdada, quanto o próprio capitalismo e sua futuridade, como reprodução ampliada do presente.)

Mal dourando a mencionada marcha a ré, um conjunto de tendências conhecidas, tão estapafúrdias quanto qualquer das regressões em jogo, vive progresso multilateral e simultâneo: o fardamento expansivo do Estado, a “milicianização” metropolitana e da vida cotidiana, a depredação grileira e garimpeira de zonas rurais e de conservação, o desmatamento pró-madeireiro indiscriminado etc. – setores que concentram poder repressivo e respondem pelo arruinamento sistemático do regime civil-democrático, por dentro do Estado e por fora dele. O rasto brasileiro da crescente pólvora ultradireitista cavou ninho alucinatório no ressentimento anticomunista para galvanizar saltos reacionários como valor histórico.

A propósito, a gravidade desse pendor merece enfoque ampliado. Pouco mais de um biênio de bolsonarização institucional do país como tema mediático e político prioritário, o arco estrutural das regressões históricas encontra-se, por setor social, na etapa avançada da maquete, com talhes inconstitucionais. Tudo o mais repercutirá aprofundamento, com expansão remodulada aqui e acolá. A lista, com itens conexos, é extensa, por incompleta que seja. Vale a pena, porém, revê-la. Além dos aspectos reportados, a radiografia do neofascismo bolsonarista como ideologia – das ruas aos parlamentos, dos bastidores às redes sociais – envolve:

 

  • destilação de ódio na política partidária, com perseguição vandálica online da oposição para esgarçamento de reputações e imposição de ostracismo (morte simbólica);
  • militarização no aparelho estatal e no sistema escolar (no estrato da infância e da adolescência);
  • liberação armamentista no âmbito da população civil, do campo à cidade, com incentivo à expansão metropolitana de grupos milicianos;
  • condecoração orgulhosa de defensores da ditadura militar e de seus porões, com inclinações pré-republicanas e vezos pró-escravistas;
  • nacionalismo messianista e populista na relação com o eleitorado, sob suposta superioridade a partidos políticos;
  • obsessão pelo “comunismo imaginário” como álibi de referência para decisões e investidas políticas, não raro veladas;
  • insultos, deboches e ameaças de morte na interação com imprensa e jornalistas, como gesticulação de asfixia a direitos civis, em especial à liberdade de expressão;
  • desinformação generalizada na comunicação institucional, com farta mobilização de bolhas de fake news em redes sociais;
  • estipulação de factoides multimediáticos, em episódios grotescos, objetivando fins dissuasórios e escamoteadores (principalmente para obnubilar tendências negativas ao governo e/ou à família miliciana no Palácio);
  • distorção na hermenêutica da Constituição Federal, como forma de interpretação desfiguradora do Estado de Direito;
  • afronta insolente a instituições e mecanismos democrático-republicanos, visando testagem intermitente dos limites do sistema de freios e contrapesos vigente;
  • neoliberalismo patrimonialista na governança, norteado pelo princípio do Estado mínimo e entremeado por recuos estratégicos e temporários ante a inaceitabilidade popular, parlamentar e/ou judicial de propostas enviadas ao Congresso Nacional;
  • nepotismo, fisiologismo e clientelismo na administração pública, com excesso de orçamentação secreta (para escambo entre emendas parlamentares e escora ao Palácio);
  • plutocracia e privatização indiscriminada na economia, com dilapidação financeirista do patrimônio nacional e dos recursos naturais;
  • omissão deliberada ante a gravidade da situação agrária no país, com estímulo oficioso à mineração e ao garimpo em territórios indígenas e quilombolas;
  • “oligarquização” no circuito público-privado, mediante destinação de verbas a empresas apoiadoras do governo;
  • constrição jurídica, política e administrativa no âmbito dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários;
  • aparelhamento, com instrumentalização política, nas Forças Armadas, no judiciário e na polícia (em todos os escalões), bem como nos esportes e em igrejas de vertentes diversas (especialmente pentecostais e evangélicas);
  • anticientificismo e reducionismo empirista no campo da razão e dos saberes, repercutindo em desinvestimento em pesquisa, tecnologia e inovação, desqualificação da inteligência especializada e suas recomendações, e precarização do potencial competitivo do país;
  • indiferença e insensibilidade genocidas em saúde pública, sob sanha de negócios igualmente privatista e desmanteladora do acesso universal ao Sistema Único de Saúde (SUS);
  • capitalização degradante no meio ambiente, marcada sobretudo pela destruição incendiária na Amazônia e pelo descaso doloso em relação a atividades econômicas ilegais, à criminalidade crescente e ao comprometimento da biodiversidade pela máfia ambiental na maior floresta e bioma tropicais do planeta;
  • “ideologização” intensa na educação (em todos os níveis), mediante engajamento de propostas ultraconservadoras (como o finado Programa “Escola sem Partido”, com discurso e movimento ativos) na “guerra cultural” em curso;
  • estigmatização das Universidades como lugar qualificado de contradito, mirando desidratação da diversidade de posições políticas por meio de cortes orçamentários paulatinos;
  • “direitização” e estetização nazi no universo da cultura e das artes – um rebaixamento civilizatório acentuado da criatividade e da diversidade nacionalmente assentadas;
  • ataques à doutrina dos direitos humanos e a seus defensores;
  • autoisolamento xenófobo em relações internacionais, com forte negligência quanto à depreciação global da imagem do país;
  • subserviência aduladora ao Estado norte-americano e ao seu programa de supremacia militar, política e cultural na América Latina; 
  • bairrismo quase absoluto na agenda de preocupações governamentais, com desprezo antiprotagonista pelo tratamento de temas globais e pelo reposicionamento nacional no radar das discussões dos países afluentes;
  • heterossexualismo patriarcal na esfera familiar, rechaçada a diversidade de matrizes socioafetivas emergentes;
  • exclusão e segregação no domínio da cidadania, com aberta promoção de repugnância escarnecedora da diferença – preconceito estimulador de eliminações sem remorso;
  • apagamento oficial de nomes, obras e interpretações alinhados ao espectro político de esquerda;
  • racismo nas interações sociais, com desinteresse total para as suas consequências;
  • machismo, homofobia e misoginia nas relações de gênero, igualmente na fronteira com o aniquilamento;
  • tendência à “queima de arquivo” na horda própria; e assim por diante.

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Esse conjunto de regressões, articulado por várias formas de violência (física, simbólica e invisível) e regado a mentira e vileza em matéria moral, catapulta o Brasil a escombros pré-modernos.

Como várias vozes já o notaram, o cúmulo do retrocesso bolsonarista como ideologia – característica que o gendarme do Palácio e sua malta negam; ideologia é só a do inimigo – é o semeio da extrema retalhação do país, através da instilação de guerra civil no plano simbólico (“guerra cultural”, em modalidade híbrida, por todos os lados e meios possíveis) e do incentivo oportunista ao caos. A fantasia é a da capitalização do resultado para bulício e soluços de golpe.

Sob tal necropolítica, longínqua até mesmo de uma mera social-democracia reformista e conservadora, o Brasil persegue o pior dos futuros, coincidente com nenhum. Em vez de um projeto de nação a longo prazo, o país se precipita num arremedo de devir sem redenção, sob o fantasma renovado de uma expansão dos quartéis para âmbitos civis –deslocamento que se supunha superado em 1988.

09
Mai21

Fuga do general Eduardo Pazuello é covardia

Talis Andrade

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Mesma covardia que o impediu de repelir ordens contrárias ao dever do cargo e à vida de milhares

Janio de Freitas /Folha

Se a balbúrdia na CPI da Covid continuar como nas primeiras sessões de interrogatórios e proposições, pode-se esperar que traga contribuição importante, apesar de não se pressentir qual seja. O tumulto dá a medida da fragilidade e do medo bolsonaristas diante da cobrança por sua associação à voracidade letal da pandemia.

Mas a clarinada do “não me toques”, protetora de militares acusados ou suspeitos de qualquer impropriedade, não resolverá o caso Pazuello. Militares valendo-se do Exército para fugir da responsabilidade por seus atos, convenhamos, até parece parte da concepção de ética militar. Os generais que mantiveram a ditadura de Getúlio, os do golpe de 64, do golpe de 68, os oficiais da tortura e dos assassinatos, os do Riocentro, esses e muitos outros construíram a praxe.

Nisso há distinção. Os escapismos que recaem na reputação do Exército cabem, antes de tudo, à corporação, à oficialidade, não à instituição. É a deseducação cívica em atos. A fuga de Eduardo Pazuello vai além: não vem da arrogância infundada, ou de uso do Exército para se imaginar acobertado por conveniência da instituição. É covardia, a mesma covardia que o impediu de repelir ordens contrárias ao bom senso, ao dever do cargo e à vida de milhares.

novo comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, mostrou-se preocupado com reflexos, sobre o Exército, do que haja no depoimento de Pazuello à CPI. Esse problema é de Pazuello e de Bolsonaro. Não é assunto militar, logo, o Exército não tem de se envolver. Se o fizer, aí sim, merecerá arcar com todos os reflexos dos crimes contra a humanidade presentes em grande parte do morticínio de mais de 400 mil brasileiros.

O massacre do Carandiru pela polícia de São Paulo, o maior da história com o extermínio de 111 presos encurralados, motivou incontáveis protestos sob formas variadas. Com efeito que não foi além dos próprios assassinatos. Na Amazônia, massacres policiais ocorrem em sequência só igualada pela inconsequência punitiva. No Rio, os 28 mortos da favela do Jacarezinho compõem o maior massacre policial na cidade e motivam protestos incontáveis. Três exemplos da rotina sinistra que todo o Brasil mantém, com diferenças apenas aritméticas.

Nem a rotina, nem os protestos, nem a insegurança —nada interfere na correnteza desumana. A mais recente solução prometida para o Rio foi protagonizado pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto. Chefe da intervenção federal na Segurança do estado, feita por Michel Temer, chegou proclamando a “limpeza da polícia” como prioridade e eixo da solução. Com um bilhão para tal. De notável, comprou enorme frota de carros, armas e equipamentos de comunicação. No mais, a tal limpeza talvez tenha ficado nos muros de quartéis, onde vigora a obsessão por pintura de paredes e postes. Os métodos ficaram intocados.

O armamento dado como apreendido no Jacarezinho é espantoso. Pela quantidade e, ainda mais, pela qualidade: todo moderno e novo, incluindo duas submetralhadoras. É sempre arriscado aceitar essas apreensões como verdadeiras, mas não há dúvida de que armas continuam entrando a granel no Brasil. Por ora, para uso bandido. E ainda imaginam que o perigo de conflito está na Amazônia, com estrangeiros.

Todo o problema policial foi construído na ditadura, com as PMs postas sob comando de militares do Exército e métodos norte-americanos. E com os seus esquadrões da morte, “homens de ouro” e impunidade. Todo plano de solução é ineficaz se não busca eliminar esse legado.

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Riqueza fácil

A juíza Mara Elisa Andrade determinou a devolução da madeira ilegal, objeto da maior apreensão já feita, que causou o incidente entre o delegado Alexandre Saraiva e, defensores dos madeireiros, o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota. A juíza considerou faltarem, no inquérito, as datas de corte das árvores, o período em que a estrada clandestina foi aberta e se o uso dela é exclusivo.

É assim, com esses desvios, que nunca prendem nem prenderão os grandes e enriquecidos desmatadores-contrabandistas. E Mara Elisa é juíza, não por acaso, na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas.

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08
Jan21

Covid-19 e o verão dos assassinos

Talis Andrade

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Por Ayrton Centeno

Assassino é uma palavra pesada. Assassinato é, diz o dicionário Aurélio, “matar traiçoeiramente, matar um ser humano, extinguir, destruir, aniquilar”. É uma palavra que pesa toneladas. Embora pesada, a palavra é muito mais leve do que a morte que provoca. 

Chegou a hora de usarmos esta palavra pesada e dura como rocha para nomear quem infringe as determinações da saúde pública e se aglomera em festas, farras e similares seja onde fôr. Quem vai e participa assume de caso pensado todos os riscos de contrair e espalhar a covid-19 para pais, avós, irmãos, parentes, amigos, vizinhos, colegas.

Este está sendo o verão deles, o verão dos assassinos. Verão que se converte em inverno eterno nos postos de saúde, corredores dos hospitais, unidades de tratamento intensivo, velórios e cemitérios.

Para eles, não importa transformar-se em mensageiro da morte, carregando-a no toque, no hálito, no abraço. Mas importa para o Código Penal. Está lá, no artigo 268, o delito de infração de medida sanitária preventiva destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Lei existe mas falta vontade política aos governantes. Sentem-se mais dispostos a conjugar o verbo “flexibilizar”, biombo que pretende ocultar o “Topa Tudo por Dinheiro” em nome do mercado. Onde o direito à vida vem sempre depois da ganância. 

“Assassino”, “assassinar “ e “assassinato” não são substantivos e verbo empunhados pelas autoridades públicas para apontar os agentes e as ações que cospem no direito alheio à sobrevivência em meio a mais mortal pandemia dos últimos 100 anos. Nas peças de propaganda ou nas entrevistas chovem conselhos e gestos macios para tentar convencer gente boçal, sem alma e sem empatia, que põe sua diversão ocasional acima da vida do próximo.

Após as comemorações de Natal e Ano Novo, as quais se agregaram as férias e o amontoamento nas areias, as perspectivas são as mais desgraçadas para janeiro e fevereiro. Ainda mais para uma nação sem vacina, sem seringas, sem agulhas, sem ministro da saúde, sem presidente, sem plano de combate ao coronavírus e que ocupa os últimos lugares do planeta na fila para a imunização. 

Significa que, cada dia a mais sem vacina, será mais um dia com mil mortes que não precisariam acontecer. Batendo nos 200 mil óbitos, o Brasil, extraoficialmente, já teria ultrapassado os 250 mil, por conta da subnotificação.

Um dado a mais promete uma tempestade perfeita nas emergências para fevereiro. Será quando o arrastão da covid-19 deve se juntar ao pico dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que ocorre tradicionalmente a partir da 7ª semana do ano com a aproximação do outono.

Assim, é preciso dar nome aos feitos e seus efeitos. Por isso, quem mata, querendo ou não, é assassino. E o que pratica chama-se assassinato. Mesmo que o ato de matar seja visto com condescendência pelo poder central. 

Chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome pode ser um exercício interessante. Pode, quem sabe, despertar o país da letargia e da complacência que arrasta centenas de milhares para o fundo das covas. Um lugar escuro que só deveria tragar para a eternidade o governo deste palhaço sinistro que infelicita, envergonha e maltrata a maioria dos brasileiros.
 

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