O alvoroço da semana é provocado pela possibilidade de ver um dos milionários tios golpistas do zap na cadeia.
É uma ilusão que vai e volta e enfeita os sonhos das esquerdas. Tem que chegar a hora de ver mais do que Sarah Winter e Zé Trovão nas grades.
Precisamos de um ricaço delinquente encarcerado, para que se cumpra uma etapa sempre adiada de reparação.
As esquerdas sonham com o momento em que um desses sujeitos graúdos que saíram do bueiro destampado por Bolsonaro entrarão num camburão.
É uma miragem recorrente. Mas dizem agora os juristas formados pelo lavajatismo que golpistas podem se articular em seus grupos de zap e conversar sobre a tomada do poder.
Eles teriam o direito de falar em voz alta entre eles. É o que dizem os justiceiros da direita, que desejam ferro e fogo para as esquerdas e moderação para a abordagem dos delitos de suas turmas.
De acordo com tese já disseminada, é preciso respeitar a privacidade dos golpistas descobertos pelo jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles.
É como se um delegado de Sorocaba, Barbacena ou Alegrete descobrisse que uma quadrilha se prepara para tomar e saquear um banco da cidade, mas respeitasse a privacidade dos bandidos.
Porque, de acordo com esse raciocínio, a conversa fechada no grupo tem efeitos naquela bolha. O delegado só iria intervir se o plano fosse tornado público pelo Twitter.
O certo é que a ilusão de ver um fascista grandão na cadeia é um direito de todos e uma possibilidade real.
O jurista Wálter Maierovitch já pulverizou em artigo na Folha a teoria do golpe mantido em conversa privada como galhofa ou liberdade de expressão.
O grupo de tios endinheirados do zap caracteriza, segundo Maierovitch, crime de associação delinquencial, que recebe o nome jurídico de formação de organização criminosa.
E a prisão cautelar é uma hipótese a ser considerada, ensina o jurista. Maierovitch não diz, mas é preciso levar em conta que essa é uma possibilidade improvável às vésperas da eleição.
Mesmo assim, o impasse político não afasta completamente a hipótese, considerando-se que o golpe estaria sendo planejado para evitar a posse de Lula.
Como o plano é dar o bote depois da eleição, é nesse momento, pós-pleito, que iria se configurar a ameaça real.
O que a realidade nos impõe, destruindo sonhos coloridos nesse sentido, é que poderemos ter, com Lula eleito, a acomodação das pacificações.
E o grupo dos tios milionários do zap seria visto com o tempo como uma subturma de gente que não frequenta altas rodas e se contenta com o que, na definição de Maierovitch, são apenas associações delinquenciais.
A força do empresariado fascista em geral é outra, em toda parte. Eles aplicam golpes contra o Fisco e contra concorrentes, mas não têm mais poder para golpes políticos.
Até a ameaça de golpe dos milionários pode ser, como também é o blefe de golpe de Bolsonaro, mais um estelionato do capitalismo brasileiro.
O senador Randolfe Rodrigues acionou o Supremo Tribunal Federal contra os empresários bolsonaristas que defendem um golpe de Estado caso o ex-presidente Lula vença as eleições
O parlamentar pediu à Corte que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal sejam acionados para avaliarem se é necessário a quebra de sigilo, congelamento de contas e prisão preventiva, em uma petição apresentada no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos.
O relator do inquérito é o ministro Alexandre de Moraes, do STF. O juiz é insultado de “skinhead do PCC” no grupo de empresários bolsonaristas que defendem o golpe de Estado.
Deputados da extrema direita nazi-fascistas e empresários trocaram o comunismo imaginário pelo PCC nesta campanha. Tudo é culpa do PCC, uma suposta organização criminosa em luta com as milícias e as polícias nos governos civis, pós-ditadura militar de 1964.
Uma misteriosa organização invisível que consome rios de dinheiro em armas e salários de polícias e militares em diligências, prisões e chacinas pra nada, que o PCC é cada vez mais invísivel e forte.
O PCC, impunemente domina o tráfico nacional e internacional de ouro, de pedras preciosas, de minérios estratégicos, de coca (inclusive no avião presidencial, no avião da comitiva de Bolsonaro), de madeira nobre, de dinheiro, de armas, de pessoas etc.
O PCC lida com invisíveis bilhões de dólares. Dólares que somem no ar nas batidas policiais e massacres nas miseráveis moradias das favelas nos morros e periferias. Eta dinheiro encantado!
Empresários que finaciam candidatos da extremma direita, apoiadores de Jair Bolsonaro, atacam STF, TSE e defendem uma guerra civil em caso de vitória de Lula
Empresários apoiadores de Jair Bolsonaro passaram a defender abertamente um golpe de Estado caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja eleito. Segundo o blog do jornalista Guilherme Amado, doMetrópoles, o não reconhecimento da derrota nas urnas, como apontam todas as pesquisas de intenções de voto para presidente, vem sendo a tônica do grupo de WhatsApp Empresários & Política, criado no ano passado.
Golpe armado significa ameaça de luta armada entre militares, entre policiais e contra o povo em geral democrata e desarmado.
Não se dá golpe sem listas estaduais de presos, sem lista nacional de lideranças marcadas para morrer.
O grupo golpista reúne grandes empresários de diversas partes do país, desde nomes conhecidos como Luciano Hang, dono da Havan; Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu; José Isaac Peres, dono da gigante de shoppings Multiplan; e outros menos famosos, como José Koury, dono do Barra World Shopping, no Rio de Janeiro; Ivan Wrobel, da construtora W3 Engenharia; e Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, dono da marca de surfwear Mormaii.
Empresários fregueses dos bancos oficiais e devedores dos fiscos, e inimigos da claridade.
Segundo o blog de Guilherme Amado, o apoio a um golpe de estado para impedir a eventual posse de Lula ficou explícito no dia 31 de julho. José Koury, proprietário do shopping Barra World e com extensa atuação no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, foi quem abordou o tema, ao dizer que preferia uma ruptura à volta do PT. Koury defendeu ainda que o Brasil voltar a ser uma ditadura não impediria o país de receber investimentos externos. “Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”, publicou.
Segundo a reportagem Marco Aurélio Raymundo, o Morongo é um dos empresários com visões mais extremistas no grupo e defende que o Brasil está em guerra contra os adversários de Bolsonaro. “Golpe foi soltar o presidiário!!! Golpe é o ‘supremo’ agir fora da constituição! Golpe é a velha mídia só falar merda”, escreveu o empresário.
O ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, é um dos alvos dos empresários bolsonaristas. Carlos Molina, dono da empresa de auditoria Polaris, tem o costume de chamar Moraes de “skinhead” em diferentes postagens. “Já nem o PCC tem paciência para aturar o skinhead de toga”, afirmou o empresário, em uma postagem datada de 25 de julho.
Alguns autores categorizam os skinheads em quatro tipos diferentes:
Skinheads tradicionais;
SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice) - Sigla que significa "skinheads contra o preconceito racial", e são contra manifestações racistas;
White Power - Os skinheads nacional socialistas e racistas, muitas vezes pertencentes a movimentos neonazistas;
RASH (Red and Anarchistic Skinheads) - Os skinheads comunistas e anarquistas que são contra as tendências e influências fascistas e neonazistas.
Para Molina "skinhead white power, Moraes é "rash".Também há projeções para o futuro do Brasil.
Segundo a reportagem, Luciano Hang revelou quem espera que seja eleito presidente nos próximos 12 anos. Para o dono da Havan, depois de reeleger Bolsonaro, o país deveria eleger o ex-ministro Tarcísio de Freitas para o Planalto, em 2026, e reelegê-lo em 2030. “Aí não terá mais espaço para os vagabundos”, completou.
"Empresários apoiadores de Jair Bolsonaro passaram a defender abertamente um golpe de Estado caso Lula seja eleito em outubro, derrotando o atual presidente. A possibilidade de ruptura democrática foi o ponto máximo de uma escalada de radicalismo que dá o tom do grupo de WhatsApp Empresários & Política, criado no ano passado e cujas trocas de mensagens vêm sendo acompanhadas há meses pela coluna. A defesa explícita de um golpe, feita por alguns integrantes, se soma a uma postura comum a quase todos: ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a quaisquer pessoas ou instituições que se oponham ao ímpeto autoritário de Jair Bolsonaro.
Mensagens anteriores já indicavam o grau de radicalismo entre alguns dos empresários do grupo. No dia 17 de maio, Morongo, da Mormaii, propôs ações extremas para defenderBolsonaro, citando casos como a Revolução Francesa e a Guerra Civil dos EUA.
“Se for vencedor o lado que defendemos, o sangue das vítimas se tornam [sic] sangue de heróis! A espécie humana SEMPRE foi muito violenta. Os ‘bonzinhos’ sempre foram dominados… É uma utopia pensar que sempre as coisas se resolvem ‘na boa’. Queremos todos a paz, a harmonia e mãos dadas num mesmo objetivo… masssss [sic] quando o mínimo das regras que nos foram impostas são chutadas para escanteio, aí passa a valer sem a mediação de um juiz. Uma pena, mas somente o tempo nos dirá se voltamos a jogar o jogo justo ou [se] vai valer pontapé no saco e dedo no olho”, escreveu.
É a defesa da volta da tortura de presos políticos, a volta da tortura nas delegacias e quartéis. A volta do pior que existe no animal, da fera que brinca com sua presa, principalmente o abuso do sadismo sexual dos tarados que se escondem nos templos religiosos, na ambição dos negócios, na tradição, família e propriedade.
Também há projeções para o futuro do Brasil. Segundo a reportagem, Luciano Hang revelou quem espera que seja eleito presidente nos próximos 12 anos. Para o dono da Havan, depois de reeleger Bolsonaro, o país deveria eleger o ex-ministro Tarcísio de Freitas para o Planalto, em 2026, e reelegê-lo em 2030. “Aí não terá mais espaço para os vagabundos”, completou.
Nossos senadores apresentaram à Justiça Federal do Distrito Federal uma notícia-crime contra o grupo de empresários bolsonaristas flagrados defendendo um golpe caso Lula vença as eleições. Saiba mais
Dom Pedro celebrava o Dia de Finados no mais pobre cemitério de São Félix do Araguaia (MT). Ali jazem os restos mortais de indígenas e trabalhadores atraídos à Amazônia pelo sonho de uma vida melhor. Muitos deles, além de verem suas expectativas frustradas, foram abatidos a bala.
O bispo manifestou ao povo e aos agentes pastorais da prelazia: “Escutem com ouvidos atentos. Vou falar algo muito sério. É aqui que eu quero ser enterrado.”
Para descansar / eu quero só esta cruz de pau / como chuva e sol; / estes sete palmos e a Ressurreição! (Poema “Cemitério do Sertão”, de Dom Pedro)
Atacado há anos pelo mal de Parkinson, ao qual se referia como “Irmão Parkinson”, Pedro, aos 92 anos, sofreu uma piora em seu estado de saúde na primeira semana de agosto. Os recursos em São Félix são precários, e a indigência é agravada pela pandemia do novo coronavírus. A congregação claretiana, à qual Pedro integrava, decidiu transferi-lo para Batatais (SP), onde seria melhor atendido. No sábado, 8 de agosto – festa de São Domingos, espanhol como Pedro – ele transvivenciou pouco depois de 9h da manhã. Seus confrades cumpriram o desejo dele de repousar no cemitério Karajá.
Pedro chegou ao Brasil, como missionário, em 1968, em plena ditadura militar. Veio implantar o Cursilho de Cristandade. Porém, ao se deparar com a exploração dos peões nas fazendas da Amazônia, fez uma radical opção pelos pobres. Trabalhadores desempregados e sem escolaridade se afundavam nas matas em busca de melhores condições de vida, atraídos pela expansão do latifúndio na região amazônica. Literalmente arrebanhados nas cidades, caíam na arapuca do trabalho escravo. Não tinham alternativas senão adquirir provimentos e roupas nos armazéns da fazenda, a preços exorbitantes que os prendiam nas malhas de dívidas impagáveis. Se tentavam fugir, eram perseguidos pelos capatazes, assassinados ou levados de volta, chicoteados, e muitas vezes mutilados, com uma das orelhas cortada.
Pedro nomeado bispo
São Félix é um município amazônico do Mato Grosso, situado em frente à Ilha do Bananal, numa área de 36.643 km2. Na década de 1970, a ditadura militar (1964-1985) ampliou a ferro e fogo as fronteiras agropecuárias do Brasil, devastando parte da Amazônia e atraindo empresas latifundiárias empenhadas em derrubar árvores para abrir pastos ao rebanho bovino.
Casaldáliga, pastor de um povo sem rumo e ameaçado pelo trabalho escravo, tomou-lhe a defesa e entrou em choque com grandes fazendeiros; empresas agropecuárias, mineradoras e madeireiras; políticos que, em troca de apoio financeiro e votos, acobertavam a degradação do meio ambiente e legalizavam a dilatação fundiária sem exigir respeito às leis trabalhistas.
Em 13 de maio de 1969, o Papa Paulo VI criou a Prelazia de São Félix do Araguaia. A administração foi confiada à congregação dos claretianos e, de 1970 a 1971, padre Pedro Casaldáliga foi o primeiro administrador apostólico da nova prelazia. Logo em seguida, nomeado bispo. Adotou como princípios que haveriam de nortear literalmente sua atividade pastoral: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”. No dedo, como insígnia episcopal, um anel de tucum, que se tornou símbolo da espiritualidade dos adeptos da Teologia da Libertação.
Na Carta Pastoral de 1971, “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”, Pedro posicionou, ao lado dos mais pobres, a recém-criada prelazia: “Nós – bispo, padres, irmãs, leigos engajados – estamos aqui, entre o Araguaia e o Xingu, neste mundo, real e concreto, marginalizado e acusador, que acabo de apresentar sumariamente. Ou possibilitamos a encarnação salvadora de Cristo neste meio, ao qual fomos enviados, ou negamos nossa Fé, nos envergonhamos do Evangelho e traímos os direitos e a esperança agônica de um povo que é também povo de Deus: os sertanejos, os posseiros, os peões, este pedaço brasileiro da Amazônia. Porque estamos aqui, aqui devemos comprometer-nos. Claramente. Até o fim”.
Poeta e profeta
Cinco vezes réu em processos de expulsão do Brasil, Casaldáliga morava em um casebre simples, sem outro esquema de segurança senão o que lhe asseguram três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Calçando apenas sandálias de dedo e uma roupa tão vulgar como a dos peões que circulavam pela cidade, Casaldáliga ampliou sua irradiação apostólica através de intensa atividade literária. Poeta renomado, trazia a alma sintonizada com as grandes conquistas populares na Pátria Grande latino-americana. Ergueu sua pena e sua voz em protestos contra o FMI, a ingerência da Casa Branca nos países do Continente, a defesa da Revolução Cubana, a solidariedade à Revolução Sandinista ou para denunciar os crimes dos militares de El Salvador e da Guatemala.
Certa ocasião, fez uma longa viagem a cavalo para visitar a família de um posseiro que se encontrava preso. Chegou sem aviso prévio. Diante de um prato de arroz branco e outro de bananas, a filha mais velha, constrangida, desculpou-se à hora do almoço: “Se soubéssemos que viria o bispo teríamos feito outra comida”. A pequena Eva, de sete anos, reagiu: “Ué, bispo não é melhor que nós!” Esta lição ele guardou, e sempre praticou, evitando privilégios e mordomias.
Quando os Karajá iam à cidade, vindos da Ilha do Bananal, o pouso era sempre na casa do Pedro. Ali comiam, tomavam água, descansavam das andanças por São Félix.
Fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Casaldáliga admitia que a sabedoria popular era a sua grande mestra. Indagou a um posseiro o que ele esperava para seus filhos. O homem respondeu: “Quero apenas o mais ou menos para todos”. Pedro guardou a lição, lutando por um mundo em que todos tenham direito ao “mais ou menos”. Nem demais, nem de menos.
Pedro em Cuba
Em setembro de 1985 viajei a Cuba com os irmãos e teólogos Leonardo e Clodovis Boff. Informamos a Fidel que Dom Pedro se encontrava em Manágua, participando da Jornada de Oração pela Paz. O líder cubano insistiu para que o levássemos a Havana. Tão logo desembarcou na capital de Cuba, a 11 de setembro, foi conduzido diretamente ao gabinete de Fidel, na época interessado na literatura da Teologia da Libertação. Pedro observou com a sua fina ironia: “Para a direita é preferível ter o papa contra a Teologia da Libertação do que Fidel a favor”.
Na mesma noite, discursou na abertura de um congresso mundial juvenil sobre a dívida externa: “Não é só imoral cobrar a dívida externa, também é imoral pagá-la, porque, fatalmente, significará endividar progressivamente os nossos povos”.
Ao reparar que os sapatos do prelado estavam em péssimo estado, Chomy Miyar, secretário de Fidel, lhe ofereceu um par novo de botas. “Deixo os meus sapatos ao Museu da Revolução”, brincou Dom Pedro.
Fomos juntos para a Nicarágua no dia 13 de setembro de 1985. Ali participou de inúmeros atos contra a agressão do governo dos EUA à obra sandinista e batizou o quarto filho de Daniel Ortega, Maurice Facundo.
Em sua segunda viagem a Cuba, em fevereiro de 1999, Casaldáliga declarou em público, em Pinar del Río: “O capitalismo é um pecado capital. O socialismo pode ser uma virtude cardeal: somos irmãos e irmãs, a terra é para todos e, como repetia Jesus de Nazaré, não se pode servir a dois senhores, e o outro senhor é precisamente o capital. Quando o capital é neoliberal, de lucro onímodo, de mercado total, de exclusão de imensas maiorias, então o pecado capital é abertamente mortal”.
E enfatizou: “Não haverá paz na Terra, não haverá democracia que mereça resgatar este nome profanado, se não houver socialização da terra no campo e do solo na cidade, da saúde e da educação, de comunicação e da ciência”.
Em conversa com Dom Pedro certa ocasião, ele me disse: - Penso na frase de Jesus: “haverá fé sobre a Terra quando eu voltar?” Haverá, mas não na sua palavra. Fé no mercado, o grande demiurgo. Só de pensar que, de cada três economistas premiados com o Nobel nos últimos trinta anos do século vinte, dois eram da Escola de Chicago... Portanto, a Academia Sueca acreditou nos modelos matemáticos criados para favorecer a especulação financeira e voltados a considerar a humanidade somatória de indivíduos motivados apenas por interesses pessoais e envolvidos na mais renhida competição com seus semelhantes. Hoje, só vão à igreja aqueles que não têm recursos para frequentar os templos de consumo. O novo lugar do culto é o centro comercial, o Shopping Center, considerado a porta de entrada no Paraíso, pois ali não há mendigos, lixo, crianças de rua, ameaças; tudo refulge em brilho paradisíaco. Somos todos fiéis seguidores do catecismo publicitário. Ele nos incute a convicção de que a salvação individual passa pelo consumo. Excluído não é quem tem pecado; é quem não tem dinheiro. Herege não é quem discorda dos dogmas da Igreja, mas quem se opõe aos dogmas do capitalismo. Apóstolo não é quem abjura a fé cristã, e sim quem professa outra crença convencido de que fora do mercado não há salvação.
Sucessão
Em 2003, ao completar 75 anos, Casaldágica apresentou seu pedido de renúncia à prelazia, como exige o Vaticano de todos os bispos, exceto ao de Roma, o papa. Em 2005, o Vaticano nomeou o sucessor. Antes, porém, enviou-lhe um bispo que, em nome de Roma, pediu que ele se afastasse da prelazia, de modo a não constranger o novo prelado. Dom Pedro não gostou do apelo e, coerente com o seu esforço de tornar mais democrático e transparente o processo de escolha de bispos, recusou-se a atendê-lo. O novo bispo, frei Leonardo Ulrich Steiner, pôs fim ao impasse ao declarar que Dom Pedro era bem-vindo a São Félix.
Ameaças
Dom Pedro foi alvo de várias ameaças de morte. A mais grave em 1976, em Ribeirão Cascalheira, em 12 de outubro – festa da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Ao chegar àquela localidade em companhia do missionário e indigenista jesuíta João Bosco Penido Burnier, souberam que, na delegacia, duas mulheres estavam sendo torturadas. Foram até lá e travaram forte discussão com os policiais militares. Quando o padre Burnier ameaçou denunciar às autoridades o que ali ocorria, um dos soldados esbofeteou-o, deu-lhe uma coronhada e, em seguida, um tiro na nuca. Em poucas horas o mártir de Ribeirão Cascalheira faleceu. Nove dias depois, o povo invadiu a delegacia, soltou os presos, quebrou tudo, derrubou as paredes e pôs fogo. No local, ergue-se hoje uma igreja, a única no mundo dedicada aos mártires.
Por suas posições evangélicas, Pedro era acusado de “bispo petista”. Nunca se importou com as acusações que sofria. Sabia que era o preço a pagar por não defender os privilégios dos latifundiários. Na campanha presidencial de 2018, um dia antes do primeiro turno da eleição, uma carreata pró Bolsonaro desfilou pela cidade e o buzinaço se acentuava ao passar diante de modesta casa do bispo.
Ninguém encarna e simboliza tanto a Teologia da Libertação quanto Dom Pedro. Ele se tornou referência mundial dessa teologia centrada nos direitos dos pobres.
Militante da utopia
Pedro era poeta. A poesia era a sua forma preferida de expressão e oração. Deixou-nos vários livros com poemas de sua lavra, verdadeiros salmos da atualidade.
Uma de suas músicas preferidas era esta versão de Chico Buarque e Ruy Guerra de “O homem de la Mancha”, espetáculo musical: “Sonhar mais um sonho impossível, / lutar quando é fácil ceder, / vencer o inimigo invencível, / negar quando a regra é vender”. Ele pedia à advogada e agente de pastoral Zezé para cantá-la na capela.
Pedro nasceu em uma família pobre, de pequenos agricultores, na Catalunha. Em 1940, aos 12 anos, levado pelo pai, ingressou no seminário disposto a se tornar missionário. Aos 24, foi ordenado sacerdote, em maio de 1952.
Em seu último ano de formação pastoral, na Galícia, manteve contato com operários e migrantes, muitos trabalhadores em fábricas de tecidos. Ganhou as alcunhas de “padre dos malandros” ou “pai dos desvalidos”. Após a passagem pela cidade fabril, sua próxima parada foi Barcelona. Aos 32 anos, foi para a Guiné Equatorial, então colônia espanhola, para implantar os Cursilhos de Cristandade. Ali ele percebeu que o modelo europeu de Igreja não deveria ser exportado para as nações periféricas.
Como bispo no Brasil, Pedro nunca usou nenhum distintivo que o diferenciasse das outras pessoas e o identificasse como prelado.
Me chamarão subversivo. / E lhes direi: eu o sou. / Por meu Povo em luta, vivo. / Com meu Povo em marcha, vou / Tenho fé de guerrilheiro / E amor de revolução.” (“Canção da Foice e do Feixe”)
Agora tenho plena consciência de que conheci um santo e profeta: Pedro Casaldáliga. Santo por sua fidelidade radical (no sentido etimológico de ir às raízes) ao Evangelho, e profeta pelos riscos de vida enfrentados e as adversidades sofridas.