O curta-metragem “Ash Wednesday”, uma produção alemã de alma brasileira, estreou na mostra Perspektive Deutsches Kino da 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Os diretores deste autêntico musical sobre violência policial, João Pedro Prado e Bárbara Santos, conversaram com a RFI na capital alemã.
por Daniela Franco /RFI
A trama de “Ash Wednesday” (“Quarta-feira”, título em português) gira em torno da personagem Demétria, uma mulher negra, mãe solteira, que mora em uma favela no Rio de Janeiro. Ela aguarda a filha, Cora, voltar da escola quando se inicia uma operação policial no local.
A partir daí, Demétria é impedida de sair de casa. Bloqueada e desesperada, tenta argumentar com três personagens masculinos – o policial, o pastor e o governador – que se sentem no direito de invadir o espaço pessoal da personagem como bem entendem.
Segundo João, o objetivo era, por meio de um cenário de violência policial em uma comunidade do Rio, contar uma história épica. “Parte do filme é baseado no mito grego de Deméter e Perséfone, que contado na Antiguidade através de Romero, eram hinos. Afinal, existe algo muito forte nessa história de uma mulher que enfrenta os deuses que querem definir o destino dela e da filha, que é aquilo que a gente vê na nossa protagonista que enfrenta homens que se julgam ser deuses”, explicam.
Machismo, racismo, desigualdade social, violência policial – uma realidade comum e banalizada – que ganha uma perspectiva ainda mais impactante por meio do gênero musical. “A gente pensou em uma forma de contar essa história que não fosse realista, afinal, é impossível ser fidedigno à realidade do Rio de Janeiro, que é muito absurda. Tínhamos certeza de que não daria para contar como é de verdade, só através de um documentário. Não queríamos competir com o absurdo da realidade e o musical dá esse distanciamento”, ressalta Bárbara.
Segundo a cineasta, utilizando esse formato, o espectador é convidado a refletir sobre a complexidade da trama apresentada como um musical e não como um documentário. “O nosso maior objetivo era não banalizar essa história, era não normalizá-la. Às vezes, há filmes em que a violência é a grande estrela. Mas a gente não queria que no nosso filme a violência fosse a protagonista”, sublinha.
Reconstrução de um universo típico brasileiro
Com atores brasileiros, cantado em português, e reconstituindo um cenário típico do Brasil, “Ash Wednesday” foi inteiramente filmado em Potsdam, na Alemanha, um desafio que os dois cineastas se deram. “A gente contou com uma equipe extraordinária que tornou tudo isso possível. Fazer isso acontecer é algo que supera a nossa capacidade como diretores”, diz João. “O filme foi uma grande mistura intercultural e internacional de pessoas que trouxeram visões e experiências completamente diferentes para fazer o projeto se tornar realidade”, completa.
O cineasta não esconde o orgulho ao falar sobre sua equipe de música, que embora não conte com nenhum brasileiro, soube captar com maestria a essência do enredo. As composições vieram de um grupo formado por três alemães, uma croata e um argentino.
“Eles tiveram a tarefa de compor um funk carioca, uma percussão próxima do candomblé e da umbanda, um samba: gêneros musicais tipicamente brasileiros, com os quais eles nunca tinham trabalhado antes, mas eles estavam tão abertos a aprender, a nos ouvir e a pesquisar, que no final virou uma mistura nem só brasileira, nem alemã, mas algo muito único”.
Uma universalidade que tem relação com o tema do filme que, como lembra Bárbara, “não é só sobre o Brasil”. “É importante que a gente esteja consciente de que se trata de um problema do mundo. O avanço da direita, a normalização da violência, o sexismo e o patriarcado são problemas do mundo. Então, a gente não está só falando do Brasil, a gente está falando do mundo através dessa história particular”, enfatiza.
Por isso, segundo os dois diretores, o filme não terá dificuldade de alcançar o público da Berlinale. João lembra que o filme foi escolhido para competir na mostra Perspektive Deutsches Kino, dedicada a produções alemãsno Festival de Berlim, o que demonstra que o trabalho sensibilizou um comitê internacional.
Mas a expectativa de compartilhar o trabalho com o público brasileiro também é grande. “A gente tem visto que além de ter esse alcance intelectual de entender os conflitos que estão sendo mostrados, existe um apelo emocional muito forte. Pessoas do Rio e nossos amigos pretos que assistiram ao filme foram tocados de forma muito inesperada. Há referências que pessoas do Brasil e do Rio vão notar, mas o público alemão não necessariamente, então acreditamos que o filme ainda vai tocar em lugares mais profundos”, conclui João.
Dora Longo Bahia, Revoluções (projeto para calendário), 2016 Acrílica, caneta à base de água e aquarela sobre papel (12 peças), 23 x 30.5 cm cada
Escreve Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português
Prezado amigo Presidente Lula da Silva,
Quando o visitei na prisão em 30 de agosto de 2018, vivi no pouco tempo que durou a visita um turbilhão de ideias e emoções que continuam hoje tão vivas quanto nesse dia. Pouco tempo antes tínhamos estado juntos no Fórum Social Mundial de Salvador da Bahia, conversando, na companhia de Jacques Wagner, na cobertura do hotel onde Lula estava hospedado. Falávamos então da sua possível prisão. Lula ainda tinha alguma esperança de que o sistema judicial suspendesse aquela vertigem persecutória que desabara sobre si.
Eu, talvez por ser sociólogo do direito, estava convencido de que tal não aconteceria, mas não insisti. A certa altura, tive a sensação de que estávamos a pensar e a temer o mesmo. Pouco tempo depois, prendiam-no com a mesma indiferença arrogante e compulsiva com que o tinham tratado até então. Sérgio Moro, o lacaio dos EUA (é tarde demais para sermos ingênuos), tinha cumprido a primeira parte da missão. A segunda parte seria a de o manter preso e isolado até que fosse eleito o candidato que lhe daria a tribuna a ser utilizada por ele, Sérgio Moro, para um dia chegar à presidência da República.
Quando entrei nas instalações da Polícia Federal senti um arrepio ao ler a placa onde se assinalava que o presidente Lula da Silva tinha inaugurado aquelas instalações onze anos antes como parte do seu vasto programa de valorização da Polícia Federal e da investigação criminal. Um primeiro turbilhão de interrogações me assaltou. A placa permanecia ali por esquecimento? Por crueldade? Para mostrar que o feitiço se virara contra o feiticeiro? Que um presidente de boa-fé entregara o ouro ao bandido?
Fui acompanhado por um jovem polícia federal bem parecido que no caminho se vira para mim e diz: lemos muito os seus livros. Fico frio por dentro. Estarrecido. Se os meus livros fossem lidos e a mensagem entendida, nem Lula nem eu estaríamos ali. Balbuciei algo neste sentido e a resposta não se fez esperar: “cumprimos ordens”. De repente, o teórico nazi do direito Carl Schmitt irrompeu dentro de mim. Ser soberano é ter a prerrogativa de declarar que é legal o que não é, e de impor a sua vontade burocraticamente com a normalidade da obediência funcional e a consequente trivialização do terror do Estado.
Prezado Presidente Lula, foi assim que cheguei à sua cela e certamente nem suspeitou do turbilhão que ia dentro de mim. Ao vê-lo, acalmei-me. Estava finalmente na frente da dignidade em pessoa, e senti que a humanidade ainda não tinha desistido de ser aquilo a que o comum dos mortais aspira. Era tudo totalmente normal dentro da anormalidade totalitária que o encerrara ali. As janelas, os aparelhos de ginástica, os livros, a televisão. A nossa conversa foi tão normal quanto tudo o que nos rodeava, incluindo os seus advogados e a Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores.
Falámos da situação da América Latina, da nova (velha) agressividade do império, do sistema judicial convertido emersatzde golpes militares, das sondagens que o continuavam a destacar, do meu receio que a transferência de votos não fosse tão massiva quanto esperava. Era como se o imenso elefante branco naquela sala – a repugnante ilegalidade da sua prisão por motivos políticos nem sequer disfarçados – se transformasse em inefável leveza do ar para não perturbar a nossa conversa como se, em vez de estarmos ali, estivéssemos em qualquer lugar de sua escolha.
Quando a porta se fechou atrás de mim, o peso da vontade ilegal de um Estado refém de criminosos armados de manipulações jurídicas caiu de novo sobre mim. Amparei-me na revolta e na raiva e no desempenho bem-comportado que se espera de um intelectual público que à saída tem de fazer declarações à imprensa. Tudo fiz, mas o que verdadeiramente senti é que tinha deixado atrás de mim a liberdade e a dignidade do Brasil, aprisionadas para que o império e as elites ao seu serviço cumprissem os seus objetivos de garantir o acesso aos imensos recursos naturais do Brasil, a privatização da previdência e o alinhamento incondicional com a geopolítica da rivalidade com a China.
A serenidade e a dignidade com que o Lula enfrentou 582 dias de reclusão é a prova provada de que os impérios, sobretudo os decadentes, erram muitas vezes os cálculos, precisamente por só pensarem no curto prazo. A imensa solidariedade nacional e internacional, que fez de si o mais famoso preso político do mundo, mostraram que o povo brasileiro começava a acreditar que pelo menos parte do que fora destruído a curto prazo poderia ser reconstruído a médio e longo prazo. A sua prisão passou a ser o preço da credibilidade dessa convicção.
Prezado amigo Presidente Lula da Silva,
Escrevo-lhe hoje antes de tudo para o felicitar pela vitória nas eleições de 30 de outubro. É um feito extraordinário sem precedente na história da democracia. Costumo dizer que os sociólogos são bons a prever o passado, não o futuro, mas desta vez não me enganei. Nem por isso tenho maior certeza no que sinto necessidade de lhe dizer hoje. Como sei que não tem tempo para ler grandes elaborações analíticas, serei telegráfico. Tome estas considerações como expressão do que de melhor desejo para si pessoalmente e para o exercício do cargo que vai assumir.
(1) Seria um erro grave pensar-se que com a sua eleição tudo voltou ao normal no Brasil. Primeiro, o normal anterior a Jair Bolsonaro era para as populações mais vulneráveis algo muito precário ainda que o fosse menos do que é agora. Segundo, Jair Bolsonaro infligiu um dano na sociedade brasileira difícil de reparar. Produziu um retrocesso civilizatório ao ter reacendido as brasas da violência típica de uma sociedade que foi sujeita ao colonialismo europeu: a idolatria da propriedade individual e a consequente exclusão social, o racismo, o sexismo, a privatização do Estado para que o primado do direito conviva com o primado da ilegalidade, e uma religião excludente desta vez sob a forma de evangelismo neopentecostal.
A fratura colonial é reativada sob a forma da polarização amigo/inimigo, nós/eles, própria da extrema-direita. Com isto, Bolsonaro criou uma ruptura radical que torna muito difícil a mediação educativa e democrática. A recuperação levará anos.
(2) Se a nota anterior aponta para o médio prazo, a verdade é que a sua presidência vai ser por agora dominada pelo curto prazo. Jair Bolsonaro fez regressar a fome, quebrou financeiramente o Estado, desindustrializou o país, deixou morrer desnecessariamente centenas de milhares de vítimas da covid, propôs-se acabar com a Amazônia. O campo emergencial é aquele em que o Presidente se move melhor e em que estou certo mais êxito terá. Apenas duas cautelas. Vai certamente voltar às políticas que protagonizou com êxito, mas, atenção, as condições são agora muito diferentes e mais adversas.
Por outro lado, tudo tem de ser feito sem esperar a gratidão política das classes sociais beneficiadas pelas medidas emergenciais. O modo impessoal de beneficiar, que é próprio do Estado, faz com que as pessoas vejam nos benefícios o seu mérito pessoal ou o seu direito e não o mérito ou a benevolência de quem os torna possível. Para mostrar que tais medidas não resultam nem de mérito pessoal nem da benevolência de doadores, mas são antes produto de alternativas políticas só há um caminho: a educação para a cidadania.
(3) Um dos aspectos mais nefastos do retrocesso provocado por Bolsonaro é a ideologia anti-direitos capilarizada no tecido social, tendo como alvo os grupos sociais anteriormente marginalizados (pobres, negros, indígenas, Roma, LGBTQI+). Manter firme uma política de direitos sociais, económicos e culturais como garantia de dignidade ampliada numa sociedade muito desigual deve ser hoje o princípio básico dos governos democráticos.
(4) O contexto internacional é dominado por três mega-ameaças: pandemias recorrentes, colapso ecológico, possível terceira guerra mundial. Qualquer destas ameaças é global, mas as soluções políticas continuam dominantemente limitadas à escala nacional. A diplomacia brasileira foi tradicionalmente exemplar na busca de articulações, quer de âmbito regional (cooperação latino-americana), quer de âmbito mundial (BRICS). Vivemos um tempo de interregno entre um mundo unipolar dominado pelos EUA que ainda não desapareceu totalmente e um mundo multipolar que ainda não nasceu plenamente. O interregno manifesta-se, por exemplo, na desaceleração da globalização e no regresso do protecionismo, na substituição parcial do livre comércio pelo comércio com parceiros amigos.
Os Estados continuam todos formalmente independentes, mas só alguns são soberanos. E entre os últimos não se contam sequer os países da União Europeia. O Presidente Lula saiu do governo quando a China era o grande parceiro dos EUA e regressa quando a China é o grande rival dos EUA. O presidente Lula foi sempre adepto do mundo multipolar e a China é hoje um parceiro incontornável do Brasil. Dada a crescente guerra fria entre os EUA e a China, prevejo que a lua de mel entre Biden e Lula não dure muito tempo.
(5) O presidente Lula tem hoje uma credibilidade mundial que o habilita a ser um mediador eficaz num mundo minado por conflitos cada vez mais tensos. Pode ser um mediador no conflito Rússia/Ucrânia, dois países cujos povos necessitam urgentemente de paz, num momento em que os países da União Europeia abraçaram sem Plano B a versão norte-americana do conflito e condenaram-se ao mesmo destino a que está destinado o mundo unipolar dominado pelos EUA. E será também um mediador credível no caso do isolamento da Venezuela e no fim do vergonhoso embargo contra Cuba. Para isso, o Presidente Lula tem de ter a frente interna pacificada e aqui reside a maior dificuldade.
(6) Vai ter de conviver com a permanente ameaça de desestabilização. É a marca da extrema direita. É um movimento global que corresponde à incapacidade de o capitalismo neoliberal poder conviver no próximo período com mínimos de convivência democrática. Apesar de global, assume características específicas em cada país. O objetivo geral é converter diversidade cultural ou étnica em polarização política ou religiosa.
No Brasil, tal como na Índia, há o risco de atribuir a tal polarização um carácter de guerra religiosa, seja ela entre católicos e evangélicos ou entre cristãos fundamentalistas e religiões de matriz africana (Brasil) ou entre hindus e muçulmanos (Índia). Nas guerras religiosas a conciliação é quase impossível. A extrema-direita cria uma realidade paralela imune a qualquer confrontação com a realidade real. Nessa base, pode justificar a mais cruel violência. O seu objetivo principal é impedir que o Presidente Lula termine pacificamente o seu mandato.
(7) O presidente Lula tem neste momento a seu favor o apoio dos EUA. É sabido que toda a política externa dos EUA é determinada por razões de política interna. O presidente Joe Biden sabe que, ao defender o presidente Lula, está a defender-se de Donald Trump, seu rival em 2024. Acontece que os EUA são hoje a sociedade talvez mais fraturada do mundo, onde o jogo democrático convive com uma extrema direita plutocrata suficientemente forte para fazer com que cerca de 25% da população norte-americana continue hoje convencida que a vitória de Joe Biden em 2020 foi o resultado de uma fraude eleitoral. Esta extrema direita está disposta a tudo. A sua agressividade fica demonstrada pela tentativa recente de raptar e torturar Nancy Pelosi, líder dos democratas na Câmara dos Representantes.
Pensemos nisto: o país que quer produzirregime changena Rússia e travar a China não consegue proteger um dos seus mais importantes líderes políticos. E, tal como se irá observar no Brasil, logo após o atentado, uma bateria de notícias falsas foi posta a circular para justificar o ato. Portanto, hoje, os EUA são um país duplo: o país oficial que promete defender a democracia brasileira e o país não oficial que a promete subverter para ensaiar o que pretende conseguir nos EUA. Recordemos que a extrema direita começou por ser a política do país oficial. O evangelismo hiper conservador começou por ser um projeto norte-americano (vide o relatório Rockfeller de 1969) para combater “o potencial insurrecional” da teologia da libertação. E diga-se, em abono da verdade, que durante muito tempo o seu principal aliado foi o Papa João Paulo II.
(8) Desde 2014, o Brasil vive um processo de golpe de Estado continuado, a resposta das elites aos progressos que as classes populares obtiveram com os governos do Presidente Lula. Esse processo não terminou com a sua vitória. Apenas mudou de ritmo e de táctica. Ao longo destes anos e sobretudo no último período eleitoral assistimos a múltiplas ilegalidades e até crimes políticos cometidos com uma impunidade quase naturalizada. Para além dos muitos que foram cometidos pelo chefe do governo, vimos, por exemplo, quadros superiores das Forças Armadas e das forças de segurança apelarem a golpes de Estado e a tomarem publicamente partido por um candidato presidencial durante o exercício das suas funções.
Estes comportamentos golpistas devem ser punidos exemplarmente quer por iniciativa do sistema judiciário quer por meio de passagens compulsórias à reserva. Qualquer ideia de amnistia, por mais nobres que sejam os seus motivos, será uma armadilha no caminho da sua presidência. As consequências podem ser fatais.
(9) É sabido que o presidente Lula não põe grande prioridade em caracterizar a sua política como sendo de esquerda ou de direita. Curiosamente, pouco antes de ser eleito Presidente da Colômbia, Gustavo Petro afirmava que a distinção para ele importante não era entre esquerda e direita, mas antes entre política de vida e política de morte. Política de vida é hoje no Brasil a política ecológica sincera, a continuidade e aprofundamento das políticas de justiça racial e sexual, dos direitos trabalhistas, do investimento na saúde e na educação públicas, do respeito pelas terras demarcadas dos povos indígenas e da promulgação das demarcações pendentes.
Acima de tudo, é necessária uma transição gradual, mas firme da monocultura agrária e do extrativismo de recursos naturais para uma economia diversificada que permita o respeito por diferentes lógicas socioeconômicas e articulações virtuosas entre a economia capitalista e as economias camponesa, familiar, cooperativa, social-solidária, indígena, ribeirinha, quilombola que tanta vitalidade têm no Brasil.
(10) O estado de graça é curto. Não dura sequer cem dias (vide Gabriel Boric no Chile). O presidente Lula tem de fazer tudo para não perder o povo que o elegeu. A política simbólica é fundamental nos primeiros tempos. Uma sugestão: reponha de imediato as Conferências Nacionais para dar um sinal inequívoco de que há outra maneira mais democrática e mais participativa de fazer política.
Jornalistas mulheres são agredidas e não têm apoio dos colegas homens e dos empregadores. Fonte: Freepik
Janara Nicoletti Doutora em Jornalismo e pesquisadora do objETHOS
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A última semana começou com o ataque misógino do então ocupante da cadeira do Planalto a uma jornalista no debate eleitoral da Band, e terminou com o mesmo personagem atiçando sua militância contra uma comunicadora grávida ao postar indiretas contra ela em suas redes sociais. Em ambos os casos, além do ódio à mulher, o desrespeito à liberdade de expressão alheia e a falta de decoro, os ataques da militância cega mostraram como a violência de gênero contra as jornalistas brasileiras é usado para intimidar e deslegitimar a voz das mulheres que cometem o sacrilégio de fazer o seu trabalho. Mais importante, o que se viu em comum nesses e tantos outros casos de violência contra jornalistas é o silêncio dos donos da mídia. A falta de posicionamento dos contratantes das profissionais atacadas não apenas evidencia a falta de proteção da categoria frente aos ataques, mas também revela o descaso com um problema presente, mas invisibilizado pela omissão: a misoginia e os assédios contras as mulheres jornalistas nas redações.
No dia 28 de agosto, a Band, em parceria com Folha de S. Paulo, UOL e TV Cultura, promoveu o primeiro debate eleitoral de 2022 com os candidatos à presidência da República. No terceiro bloco, quando jornalistas das empresas promotoras faziam perguntas aos candidatos, Vera Magalhães, da TV Cultura, perguntou a Ciro Gomes, com comentário de Jair Bolsonaro sobre a baixa cobertura vacinal e sua relação com informações falsas. Ao ter seu momento de comentário, Bolsonaro disparou: “Vera, não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse, fazer acusações mentirosas ao meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”. Em seguida, atacou a candidata Simone Tebet que atuou na CPI da Covid após sua reação solidária à jornalista.
O que se viu no primeiro debate dos presidenciáveis 2022 foi a representação clara da violência de gênero como forma de desqualificar uma profissional. Ao comentar o caso, o presidente da república usou do ataque duplo às mulheres no lugar de dar resposta. Como consequência, a repercussão da atitude machista e grosseira tomou o espaço do que deveria ter sido dedicado ao questionamento da jornalista. Mais uma vez, a misoginia foi usada como forma de evitar responder o óbvio.
Naquele domingo, um segundo fator de misoginia chamou a atenção: o descaso dos demais candidatos. Enquanto Bolsonaro atacou a jornalista e a candidata Simone Tebet, Ciro Gomes riu e depois passou a mão na cabeça parecendo estar desconcertado com a situação. Porém, em seu momento de fala sequer demonstrou qualquer tipo de aversão ou repúdio ao sexismo do seu oponente, falando em pacificar o país. Depois daquilo, as mulheres reagiram de alguma forma, mesmo buscando capitalizar para si. Entre os homens, apenas Luiz Inácio Lula da Silva manifestou solidariedade à jornalista, mas somente nas considerações finais do debate. O silenciamento dos homens que estavam em condições de agir imediatamente contra o ataque no seu primeiro momento de fala escancarou o descaso com a agressão misógina. Eles não disseram nada, assim como as empresas de mídia organizadoras do debate transmitido em TV aberta e pela internet.
Responsabilidade por omissão
Logo após o episódio, uma onda de declarações contra a fala do presidente e em solidariedade à jornalista tomou conta das redes sociais, desencadeando por lá uma nova onda de ataques. Jornalistas, a maioria mulheres, e entidades representativas repudiaram a fala agressiva. Porém, até o último domingo (4), as empresas organizadoras do debate não se posicionaram a respeito. Infelizmente, esta é uma prática recorrente no caso de violência contra jornalistas: profissionais são agredidos, ofendidos ou atacados online e offline e as corporações empregadoras não se manifestam publicamente. Muitos jornalistas sequer recebem suporte, enquanto outros acabam punidos.
A omissão nesses casos evidencia um vácuo na proteção dos profissionais da mídia. Faltam mecanismos de defesa dos trabalhadores, principalmente às mulheres vítimas de qualquer tipo de violência. Um relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras demonstrou que o Brasil ainda precisa avançar muito neste sentido. Na prática, os mecanismos de Estado existentes não atendem aos jornalistas brasileiros.
Nos últimos anos aumentou o número de ações para monitorar e dar suporte às jornalistas vítimas de violência. Elas aparecem como reação à escalada de hostilidade contra a mídia, porém, ainda há muito a ser feito, especialmente do ponto de vista organizacional. É preciso que as empresas de mídia, assim como as novas iniciativas, tenham como princípio desenvolver ações para ampliar a segurança dos profissionais e oferecer suporte àqueles que sofrerem violência, especialmente as mulheres, que estão mais expostas e vulneráveis a assédios moral e sexual. Ações que precisam levar em conta a misoginia presente dentro do próprio setor e omitida por vários empregadores.
De acordo com o monitoramento Violência de Gênero da Abraji, somente em 2022 foram registrados 55 ataques com viés de gênero contra jornalistas no Brasil, sendo que 56,4% dos casos contêm discursos estigmatizantes, que buscam difamar ou constranger as vítimas. Segundo o monitoramento, 30,9% dos casos são ataques de gênero. Em 2021, foram 119, sendo 38% considerados violência de gênero. Já a pesquisa “O impacto da Desinformação e da violência política na internet contra jornalistas, comunicadoras e LGBT+” constatou que 53% das jornalistas que sofreram violência online admitiram que isso impactou sua rotina de trabalho.
Em “The Chilling: global trends in online violence against women journalists; research discussion paper”, 73% das mulheres jornalistas afirmaram já terem sido atacadas online, porém, somente um quarto delas informaram os casos a seus empregadores. Mesmo assim, parte delas não recebeu suporte. Entre as respostas recebidas, segundo o estudo da Unesco, estavam o descaso, orientações para endurecerem frente aos ataques, além de casos em que elas foram questionadas sobre o que haviam feito para provocar as agressões.
Em 2022, a Unesco lançou um novo relatório para debater soluções e a responsabilização das empresas de mídia na proteção das jornalistas. Segundo o documento, as ações dos empregadores frente à violência de gênero era inexistente ou inadequada. Muitas vezes, elas acabavam gerando ainda mais dolo às mulheres expostas à violência. Com isso, o relatório destaca a sensação de abandono de muitas profissionais. As autoras do estudo avaliam que a relutância em denunciar os ataques online pode estar ligada a falhas sistêmicas como culturas organizacionais misóginas, patriarcais ou hostis no local de trabalho. Além de lideranças fracas e ausência de protocolos de denúncia e tratamento destas situações.
A violência contra mulheres na mídia deve ser observada a partir de uma perspectiva interseccional, uma vez que mulheres pertencentes a grupos considerados minoritários estão mais vulneráveis à violência, como por exemplo, indígenas, LGBTQIA+, negras, quilombolas. “Em outras palavras, uma abordagem feminista para a proteção de mulheres jornalistas consideraria sua segurança não apenas no trabalho, mas também no caminho para o trabalho, nas redações, e como preucupações com segurança podem envolver aspectos de suas vidas privadas”, aponta o relatório Equally Safe: Towards a feminist approach to the safety of journalists, da Artigo 19.
Devido à natureza da profissão, a jornalista é uma pessoa pública. Independente de estar ou não em uma empresa de mídia, a pessoa física se confunde com a identidade profissional. Esta visibilidade, somada ao mundo digital, a coloca num teto de vidro, amplificando a exposição e os riscos aos quais está exposta. No caso das mulheres que são jornalistas, pensar e expor suas opiniões, acaba sendo o suficiente para se tornar alvo de ataques misóginos. Muitas vezes, eles extrapolam a vida profissional e afetam também familiares.
Em 2020, a Comissão de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas destacou que no universo midiático é esperado que as mulheres se encaixem em papeis estereotipados e atuem em um sistema com relações de poder desiguais entre homens e mulheres. Segundo o texto, elas são frequentemente visadas pelo seu trabalho, devido a sua voz, “especialmente quando estão quebrando as regras de desigualdade de gênero e estereótipos”.
No final de 2020, Andressa Kikuti alertou que a misoginia é um risco à liberdade de expressão ao debater os ataques online contra jornalistas mulheres. “Se eu dissesse que a maior parte das pessoas responsáveis por noticiar os assuntos mais importantes do dia o fazem sob condições de vulnerabilidade e violência? Seria preocupante, não é mesmo? Pois bem, infelizmente essa não é apenas uma afirmação hipotética.” Essas pessoas são as mulheres, afirmou a pesquisadora. Em 2021, Kikuti debateu outro tipo de violação de gênero presente no jornalismo brasileiro: a desigualdade do mercado de trabalho e suas consequências. As mulheres são maioria nas redações, são as que trabalham mais horas, recebem menos e estão mais expostas a assédios e violências.
A violência de gênero não se limita aos abusos e ataques feitos por terceiros. Ela aparece em estruturas de poder e dominação que as coloca em condição de inferioridade frente aos seus colegas homens, que são maioria em cargos de chefia. Se materializa por toques inadequados de colegas ou chefes, comentários ofensivos ou embaraçosos sobre corpo, peso, comentários depreciativos de suas habilidades e qualificações profissionais, entre outras situações cotidianas que aparecem naturalizadas no dia a dia das redações, porém, podem gerar danos profissionais e psicológicos em longo prazo.
Para se ter uma ideia, 83,6% das participantes da pesquisa Mulheres no Jornalismo Brasileiro afirmaram já terem sofrido algum tipo de violência psicológica nas redações. Outras 70,4% admitiram já ter recebido cantadas que as deixaram desconfortáveis enquanto exerciam seu trabalho. O estudo de 2017 mostra que 65,7% das participantes tiveram sua competência questionada por colegas ou superiores ou viram uma colega nesta situação, enquanto 64% relataram abuso de poder ou autoridade de chefes ou fontes. Além disso, 46% das respondentes informaram não existirem canais adequados para denúncias de assédio ou discriminação de gênero em seu local de trabalho.
É imprescindível que as empresas de mídia assumam seu papel em defesa das jornalistas e desenvolvam medidas efetivas de proteção às profissionais vítimas de violência, dentro e fora do seu local de trabalho. Além de posicionamento público, defesa jurídica e suporte psicológico, é preciso implementar protocolos de ações efetivas que combatam as violações aos direitos das mulheres, além de mecanismos de segurança para combater ataques externos. O relatório “The Chilling: What More Can News Organisations Do to Combat Gendered Online Violence?” destaca medidas que vem sendo adotadas por algumas organizações jornalísticas ao redor do mundo para garantir a proteção às jornalistas. Entre elas, estão os empregadores defenderem publicamente seus jornalistas vítimas de ataques, ampliar ações sobre questões interseccionais que precisam ser enfrentadas e criação de novas funções dedicadas a enfrentar de forma mais efetiva a violência contra os jornalistas.
Também é essencial que jornalistas homens tomem partido. É triste ver que maior parte das notas de repúdio a agressões contra mulheres venham de mulheres. Homens jornalistas devem assumir o papel de defensor da liberdade de expressão também quando mulheres são atacadas. E muito mais que cobrar decoro e se solidarizar pela vítima, a sociedade civil organizada precisa cobrar insistentemente a responsabilização das empresas de mídia pelo suporte e proteção de seus profissionais. O caso do primeiro debate eleitoral de 2022 escancarou a permissividade dessas organizações ao ataque misógino. Duas mulheres foram agredidas verbalmente em cadeia nacional. No decorrer da semana, a jornalista sofreu ainda mais ataques. Uma nota de repúdio não resolveria o problema central, porém ao menos demonstraria respeito a quem foi violada no seu direito profissional e civil de se expressar.
por David Nemer /Publica Agência de Jornalismo Investigativo
Ataques de Jair Bolsonaro à jornalista da TV foram complementados por campanha de assédio online no Twitter e Telegram
Robôs foram usados para inflar apoio feminino ao presidente
Relembramos o histórico de ataques às mulheres de Jair Bolsonaro
Caso Vera Magalhães: Bolsonaro odeia as mulheres porque odeia a democracia
No último debate presidencial, no domingo (28/08), ao ser questionado pela jornalista Vera Magalhães sobre a queda da cobertura vacinal e desinformação difundida por ele, o presidente Jair Bolsonaro (PL), em mais uma demonstração de misoginia, respondeu: “Vera, não pude esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão em mim. Não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.
Na tarde de segunda-feira, o termo difamatório “Verba Magalães”, uma referência ao salário da jornalista na Tv Cultura, chegou aos Trending Topics do Twitter.
Porém Vera Magalhães não estava só. Uma corrente liderada por mulheres ocupou o Twitter para demonstrar o apoio e solidariedade à jornalista. As contas mais relevantes foram da Fátima Bernardes (@fbbreal), Simone Tebet (@simonetebetbr), Andreia Sadi (@andreiasadi), Natuza Nery (@natuzanery), Patrícia Campos Mello (@camposmello), e Miriam Leitão (@miriamleitao).
Misoginia como projeto autoritário
O Bolsonarismo tende a aumentar seus ataques quando o alvo é mulher. Outro exemplo é a postura das redes de apoio ao presidente sobre a cantora Anitta.
Ultimamente, devido ao posicionamento político da cantora, que declarou voto em Lula, os grupos bolsonaristas no Telegram têm se ocupado a deslegitimar o poder e a influência de Anitta, assim, como manchar a sua reputação. Desde o início de 2022, nos mesmos grupos bolsonaristas no Telegram monitorados pelo Sentinela Eleitoral, já foram proferidos mais de 1520 mensagens com tons misóginos e sexistas contra Anitta.
Durante o século 20, mulheres se organizaram e conquistaram diversos direitos ao redor do mundo, como o de votar, o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva, inserção social, educação, entre outros. A jornada para a conquista da igualdade de gênero parecia não ter volta. Porém, nos últimos anos, a ascensão de líderes autoritários em diversos países – apoiados em estratégias de desinformação online – não só comprometeu a democracia, mas promoveu sérios retrocessos aos direitos das mulheres.
Segundo as pesquisadoras de Harvard Erica Chenoweth e Zoe Marks descreveram no artigo “A vingança dos Patriarcas – Por que os autocratas temem as mulheres” (aqui, em inglês), não é coincidência que a igualdade das mulheres esteja sendo revertida ao mesmo tempo em que o autoritarismo está em ascensão. Os direitos civis das mulheres e a democracia andam de mãos dadas, porém há uma geral dificuldade em reconhecer que o primeiro é uma pré-condição para o segundo.
De acordo com as pesquisadoras, autocratas e autoritários patriarcais têm boas razões para temer a participação política das mulheres: quando as mulheres participam de movimentos de massa, esses movimentos são mais propensos a ter sucesso e mais propensos a levar a uma democracia mais igualitária. Em outras palavras, mulheres totalmente livres e politicamente ativas são uma ameaça para líderes autoritários e de tendência autoritária – e, portanto, esses líderes têm uma razão estratégica para serem sexistas. Compreender a relação entre sexismo e retrocesso democrático é vital para aqueles que desejam lutar contra ambos.
Assim, nessa coluna, vale a pena dissecar pontos traduzidos do artigo de Erica Chenoweth e Zoe Marks para demonstrar como o bolsonarismo e seu líder Jair Bolsonaro atacam as mulheres como um meio para desmantelar a democracia brasileira.
Em 1998, quando era deputado federal, Bolsonaro agrediu pelas costas Conceição Aparecida Aguiar, na época gerente da Planajur, empresa de consultoria jurídica e que atendia ao Exército;
Em 2011, Bolsonaro atacou Preta Gil quando ela o perguntou como ele reagiria se algum de seus filhos se envolvesse com uma mulher negra. “Eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu”, respondeu;
Em 2012, Bolsonaro votou contra a PEC das Domésticas que visava lhes assegurar direitos trabalhistas;
Em 2014, disse que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia. Bolsonaro também já afirmou que mulheres que decidem ser mães deveriam ganhar menos e, caso não estejam contentes, que busquem outro emprego;
Em 2016, durante o impeachment de Dilma, ele celebrou um torturador que inseriu baratas nas vaginas de mulheres, para mostrar que ele era “o terror”;
Em 2017, Bolsonaro afirmou que a sua única filha “veio uma mulher” porque ele deu “uma fraquejada”;
Em 2019, Bolsonaro em uma fala sexista e homofóbica, afirmou que o Brasil não poderia ser um país de turismo gay, mas que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade”.
Por outro lado, Bolsonaro ataca constantemente a imprensa, um dos pilares da democracia, porém não é de se surpreender que jornalistas mulheres são o seu alvo preferido.
Em 2018, ao se pronunciar sobre um furo de reportagem da jornalista da Folha Patrícia Campos Mello, que revelou a contratação de disparos em massa com fake news na campanha de 2018, Bolsonaro disse que ela ” queria dar um furo a qualquer preço contra mim”. A declaração, com os tweets do seu filho Eduardo Bolsonaro amplificaram os ataques misóginos que já estavam acontecendo no Twitter e em grupos de WhatsApp.
No seu artigo, Chenoweth e Marks afirmam que, apesar da flagrante misoginia, autoritários e autocratas conseguem recrutar mulheres como protagonistas de seus movimentos políticos, como é o caso da Damares Alves e da primeira dama, Michelle Bolsonaro.
Damares Alves promove discursos em que valoriza a maternidade e a família tradicional para obscurecer políticas desiguais de gênero. Já a Michelle Bolsonaro tem sido instrumental para tentar diminuir a rejeição do seu marido no eleitorado feminino — ela tem participado de comícios e convenções partidárias para promover a percepção que Bolsonaro se importa com as mulheres, ela chegou a afirmar que ele “sancionou 70 novas leis de proteção à mulher”.
O Bolsonarismo também usa as redes para demonstrar de forma artificial que as mulheres o apoiam. No dia seguinte ao debate presidencial (29/08), as hashtags #SouMulherEVotoBolsonaro e #MulheresComBolsonaro foram parar nos assuntos mais comentados do Twitter (Trending Topics).
Na visão do autoritário patriarcal, os homens não são homens de verdade, a menos que tenham controle sobre as mulheres em suas vidas. Bolsonaro, após ter o apoio incondicional da deputada Joice Hasselman, ao sentir que ela seria uma ameaça à sua liderança, cortou relações e, junto com a sua base, focou em atacá-la com mensagens e memes misóginos com referências à sua condição física. Diversas vezes em que Carla Zambelli se manifestou em coletivas com Bolsonaro, foi avisada para ficar quieta. Bolsonaro também demonstra controle sobre a primeira dama, Michelle, ao fazer insinuações sobre a vida sexual do casal.
Por que tanta raiva das mulheres?
No último debate presidencial, a candidata Simone Tebet perguntou a Bolsonaro: “Por que tanta raiva das mulheres?”
A resposta é simples: porque Bolsonaro odeia a democracia. Por mais que as mulheres brasileiras, e seus direitos, estejam sendo atacadas e ameaçadas, é preciso mais do que nunca reconhecer os seus esforços de resistência. É nelas que está a saída do Bolsonarismo.
Estudiosos da democracia muitas vezes enquadraram o empoderamento das mulheres como resultado da democratização ou mesmo como função da modernização e do desenvolvimento econômico. No entanto, como afirmam Chenoweth e Marks, as mulheres exigiram inclusão e lutaram por sua própria representação e interesses por meio de movimentos contenciosos de sufrágio e campanhas de direitos que, em última análise, fortaleceram a democracia em geral.
Alguns, como o movimento pró-democracia do Brasil em meados da década de 1980, tiveram ampla participação feminina: pelo menos metade dos participantes da linha de frente eram mulheres. Atualmente, as mulheres são 52,7% do eleitorado brasileiro e assim podem ser decisivas na derrota não só do Jair Bolsonaro mas na derrota do bolsonarismo como um todo.
Se a história servir de guia, as estratégias autoritárias falharão a longo prazo. Como explicam Chenoweth e Marks, as feministas sempre encontraram maneiras de exigir e expandir os direitos e liberdades das mulheres, potencializando o avanço democrático no processo.
Mas, no curto prazo, autoritários patriarcais descontrolados podem causar grandes danos, apagando conquistas que levaram gerações para serem alcançadas.
Colaboraram Natalia Viana, Yasodara Cordova e Laura Scofield
Nunca fez nada para combater o incesto, o estupro, o feminicídio, o machismo, a misoginia, a homofobia, a lesbofobia, a transfobia, o sexismo, o trabalho infantil, a prostituição infantil. Nunca condenou a tortura da ditadura militar, as chacinas da polícia militar nem o genocídio dos jovens negros e o genocídio dos povos indígenas. Inclusive defendeu a matança da imunidade de rebanho como política bolsonarista de combate a Covid que já matou quase 700 mil brasileiros. Mentirosa, safadamente espalha informação falsa, ajudou Bolsonaro divulgar uma cartilha gay agora substituída por uma cartilha crack
O nome de Damares Alves (Republicanos) tem repercutido negativamente nas redes sociais em função de algumas publicações que a candidata ao Senado faz contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A última é um vídeo dizendo que o governo Lula ensinava em cartilha como os jovens deveriam usar crack. Internautas resolveram pedir a cassação da ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Em vídeo, ela afirma que vai “relembrar como eram as políticas públicas de prevenção ao uso de álcool e drogas nos governos das trevas”. “Ele [a cartilha lida por ela no vídeo] está mandando o menino, a menina, o adolescente conhecer o traficante, conhecer o fornecedor. Isso sabe o que é? Associação ao crime organizado”.
A cartilha, criada pelo Programa Nacional de DST/Aids com a intenção de ser distribuída para profissionais de saúde para auxiliar na diminuição do contágio de HIV e outras doenças pelo compartilhamento de seringas e objetos usados no consumo de drogas, nunca chegou a ser publicada.
No Twitter, internautas pedem que Damares seja denunciada por conta da disseminação de fake news contra Lula e Alckmin e o PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Agir (antigo PTC).
Confira a repercussão abaixo:
Deixo aqui o pedido para que vcs divulguem ao @Alexandre e outros ministros.
Em maio, foi dito por Alexandre de Moraes que "candidato que divulgar fakenews nas redes deve ter registro cassado".
Damares Alves fez isso conscientemente, DE NOVO. Algo precisa acontecer. https://t.co/anghbt8e3W
@alexandre exigimos a cassação de candidatura pois o senhor disse que se repetissem o que foi feito em 2018 aconteceria isso. Damares acaba de espalhar fake news no youtube e no próprio twitter. Contamos com sua ação junto ao TSE!
É mais que uma simples fake news, é pura mentira! Que governo iria ensinar jovens a usar crack? Essa mentira da Damares Alves é pior que a mamadeira de piroca. Eleitores acordem e denunciem!#mentirosahttps://t.co/TbSL3DzHLB
O futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, prometeu cassar o registro de candidatura de quem usasse fake news nas eleições. A serviçal de bolsonaro Damares Alves espalhou mentiras criminosas nas redes. Ou ela é punida ou o TSE não existe.
Damares , a louca fundamentalista, tem que ser denunciada ao TSE por fake news contra Lula e denunciada ao Twitter pelo mesmo motivo pra que perca o perfil.
Na fala ela afirma que vai “relembrar como eram as políticas públicas de prevenção ao uso de álcool e drogas nos governos das trevas”. “Ele [o livro lido por ela no vídeo] está mandando o menino, a menina, o adolescente conhecer o traficante, conhecer o fornecedor. Isso sabe o que é? Associação ao crime organizado”, contou ela.
Assista ao vídeo:
Para combater a prostituição infantil, o incesto e estupro de crianças a proposta de Damares:
Pênis inflável verde e amarelo vira atração em manifestação 7 de Setembro bolsonarista na Avenida Paulista
São Paulo – Um pênis inflável nas cores verde e amarelo foi atração na Avenida Paulista, em São Paulo, durante a manifestação em favor de Jair Bolsonaro, dia 7 de setembro.
Um apoiador do presidente, que estava no local, gravou um vídeo e compartilhou nas redes sociais. O pênis inflável estava preso em um carrinho de supermercado durante o ato em SP.
Tiago Barbosa
@tiagobarbosa_
A campanha de Lula decidiu processar a infame e criminosa Damares Alves pela mentira contada sobre o ex-presidente. É essencial a busca por reparação para excretar da vida pública essa anomalia fundamentalista membro do núcleo de esgoto bolsonarista. Ou o TSE pune ou concorda.
É absurdo. A presença do deputado Dudu Bolsonaro num encontro de nazistas na Flórida foi tratada com banalidade pela mídia
por Paulo Moreira Leite
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Em primeiro lugar, estamos falando de um personagem de confiança absoluta de Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição depois de administrar o Brasil como um governo de traição nacional.
Também estamos falando de nazismo, com quem a família presidencial cultiva relações comprovadamente próximas.
Nenhum movimento político do século XX deixou uma herança tão monstruosa e atroz, o que explica a semi-clandestinidade de seus movimentos e aparições.
Pois é. Em julho de 2022, quando faltam 9 semanas para o primeiro turno da eleição presidencial, a candidatura Bolsonaro se encontra em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. E aí Dudu vai encontrar nazistas na Flórida, num encontro onde o infalível Donald Trump, candidatíssimo a um segundo mandato contra um Joe Biden enfraquecido, também estava presente.
Do lado de fora, alguns amiguinhos chegaram a desfilar com bandeiras com a suástica. Outros exibem as iniciais da SS.
Num país que possui empresas de mídia classificadas entre as maiores do planeta, nossos grandes jornais e emissoras de TV estão devendo reportagens investigativas, em profundidade, capazes de esclarecer as conexões nazistas da família Bolsonaro. Tanta falta de curiosidade chega a ser suspeita. Alguma dúvida?
No mesmo dia em que Jair Bolsonaro (PL) oficializou a chapa para disputar a reeleição ao Planalto, o filho 03 do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), participou de um culto da Igreja Life Point, em Deerfild Beach, na Flórida.
O discurso de Eduardo durou cerca de 1 hora e se concentrou na luta travada pela família Bolsonaro acerca da pauta de costumes.
O deputado aproveitou o convite realizado pelo pastor Pedro Corrá para atacar homossexuais, a educação sexual nas escolas e o ex-presidente Lula.
“O Lula tá cheio de ódio no coração. Ele acha que deveria ser carregado nos braços das pessoas. Mas hoje ele sai e o pessoal chama ele de corrupto. Se ele voltar, ele vai se vingar. Eu tenho certeza disso”, disse o deputado no evento transmitido pela internet.
Um grupo de manifestantes nazistas fez uma passeata no último sábado (24) durante um evento do grupo conservador "Turning Point" na cidade de Tampa, Flórida, nos Estados Unidos. A manifestação provocou uma série de repúdios públicos, incluindo do próprio grupo apoiador do ex-presidente Donald Trump. As informações são do portal estadunidense "Tampa Bay Times".
Candidato do PDT, Ciro Gomes atacou Jair Bolsonaro (PSL), durante atividade de campanha em Goiânia. Ciro chamou Bolsonaro de "nazista filho da puta".
Patrulha e ofensas contra a professora e a direção da escola
por Marcelo Menna Barreto /Extra Classe
A ideia de discutir literatura ao ar livre com livro deLuis Fernando Verissimoacabou gerando ataques à professora Cláudia Mendonça Portero no município paranaense de Primeiro de Maio (460 quilômetros de Curitiba). Ela leciona no Colégio Estadual Marechal Castelo Branco naquela cidade há dois anos e informou que a aula para alunos do 7º e 8º ano da instituição abordava crônica, gênero onde Verissimo é considerado um mestre da atualidade.
Segundo relata Cláudia, a atividade em uma praça em frente da escola foi feita sob supervisão e aprovação da coordenadoria pedagógica. O livro utilizado de Verissimo,Sexo na Cabeça(Editora Objetiva), em nenhum momento, enfatiza a professora, trata do assunto de forma explícita ou pornográfica e foi um entre 20 indicados para a leitura dos alunos. “Na realidade, tinha oito títulos do Luis Fernando Verissimo. A palavra sexo no título é que causou isso tudo”, diz a professora.
Luis Fernando Verissimo, inclusive, integra os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as diretrizes elaboradas pelo governo federal para orientar a educação brasileira). É um dos autores recomendados pelo livro didático voltado para os estudantes do 7º ano, registra. “Os alunos tiveram lá o acesso a uma pequena biografia do autor”, fala Cláudia.
Patrulha e ofensas
A professora disse que ao chegar à praça, “tinha três mulheres, uma com uma criança de colo, e essas mulheres ficaram olhando a minha aula e os livros que eu estava trabalhando, também”.
No outro dia, 17 de março, apesar de ter saído com a certeza de que os seus alunos “adoraram” o trabalho, a professora tomou conhecimento por seus colegas que havia em um dos conhecidos grupos deWhatsAppde fofocas na cidade uma série de ataques a sua reputação e também ofensas dirigidas ao corpo diretivo do Colégio.
“Fui chamada de pedófila; estão dizendo que na aula abordei assuntos como estupro, aborto, orgia. Um monte de mentiras”, diz Cláudia indignada. Ela relata também que o grupo mobilizado especialmente por duas mães chegou a fazer uma reunião, chamando os alunos e entraram com uma denúncia no MPPR que solicitou esclarecimentos à direção do estabelecimento de ensino.
Ministério Público do Paraná
Em nota, a assessoria de imprensa do Ministério Público do Paraná (MPPR) informou aoExtra Classe: “O Ministério Público do Paraná foi acionado em razão de reclamações formuladas por mães de alunos do Colégio Estadual Mal. Castelo Branco, que noticiavam que a professora teria ministrado aulas utilizando-se dos livrosSexo na CabeçaeOrgia, além de outros no mesmo sentido, do acervo patrimonial da docente, cujo conteúdo foi reputado como inadequado pelas mães, em razão das idades dos alunos (11 e 12 anos). As mães noticiaram que a professora adotaria conduta incompatível com a moralidade esperada na sala de aula, com dizeres de cunho sexual aos alunos. Em razão de tais comunicações, as mães pediram providências do Ministério Público, razão pela qual foi instaurada Notícia de Fato para apuração dos fatos”.
Apoio à professora e Boletim de Ocorrência
É nos estudantes que a professora Cláudia tem arregimentado suas forças. “Me sinto fortalecida pela quantidade de alunos que vêm me abraçar. Alguns até chorando”, diz.
Cláudia ainda registra que, além do apoio dos alunos, se ampara e agradece à direção, equipe pedagógica e todos os seus colegas do Marechal Castelo Branco.
Ainda diante dos fatos, um Boletim de Ocorrência (BO) já foi registrado pela professora na delegacia de polícia local, assim como um advogado que a representa já tem se manifestado na ação aberta noMPPR.
No fechamento dessa matéria,Extra Classefoi informado que as duas mães que estão questionando a professora estão arregimentando um grupo de pais para pressionar a exoneração da professora em frente ao MPPR.
Este correspondente usou retratos de Verissimo pelos melhores cartunistas do país - "melhores depos dele, claro", conforme reportagem de Stela Pastore in Extra Classe
A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) cobrou rigor na apuração sobre amorte de Sérgio Ricardo Faustino Batista, diretor de Controles Internos e Integridade da Caixa, encontrado morto na noite desta terça-feira (19) na sede do banco, na região central de Brasília.
“A gestão por medo de Pedro Guimarães deixou os trabalhadores doentes e a pesquisa da Fenae confirmou isso. Mesmo que a Caixa esteja implementando mudanças, nós observamos que não há nada de novo”, ressalta Sergio Takemoto, presidente da Fenae.
A entidade duvida que haja vontade de apurar as denúncias, uma vez que dos sete membros, apenas um é escolhido pelos empregados e o restante, indicado pelo governo.
Em entrevista, o mestre em Linguística pela Unicamp Gustavo Conde analisa que a adoção de uma linguagem inclusiva é um “processo que nos torna mais fortes enquanto sociedade e enquanto sujeitos”
Em um dos filmes mais importantes produzidos por Hollywood, na década de 1990, Malcolm X (Spike Lee, 1992), os atores Denzel Washington e Albert Hall interpretam a que talvez seja a cena mais significativa do filme: a que condensa a biografia do ativista, que marcaria a história política contemporânea. Nessa cena, o personagem Baines, interpretado por Hall, coloca em jogo a importância da ordem simbólica na sustentação de um sistema racista que distorce a percepção que o negro tem de si mesmo. Para trazer à tona a ideia, ele faz Malcolm ler a definição de negro que aparece no dicionário da prisão. No dicionário, “negro” aparece associado a conceitos como trevas, malvado, perverso e sujo, entre outras associações pejorativas. Malcolm percebe que existe um plano invisível, ou imaterial, no qual o racismo se manifesta de forma plenamente impune: no plano da construção de sentido. Um território pouco explorado, e por consequência, atravessado pela subjetividade. O militante intelectual, que logo se tornaria a conhecida figura política, inicia sua viagem de desconstrução do mundo branco, decodificando seu próprio ato de fala. Na época do lançamento do longa-metragem, a epifania chegou para todo ocidente: o racismo está no ato de fala. O cinema ajudou a popularizar a luta histórica do movimento negro, que teve Malcolm X como um dos seus exponentes mais proeminentes nas décadas de 1950 e 1960.
É logo por esses anos que surgem as primeiras críticas feministas para denunciar as marcas masculinas da língua espanhola. A linguagem é apresentada como “neutra” ao mesmo tempo que reúne referências sucessivas ao homem e nega às mulheres. Quando as feministas apontaram para “todos”, a fim de questionar onde as mulheres estavam, elas avançaram em direção a uma compreensão da linguagem como tecnologia de governança de gênero. Até a atualidade, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) orienta a utilização de expressões inclusivas e a incorporar o feminino aos genéricos masculinos.
Nos dias de hoje, essa discussão vê-se revitalizada pela crítica queer e trans dos essencialismos. Aqui, nem uma marcação de gênero, nem duas – nem todas são suficientes para uma “linguagem inclusiva”. Tais usos alertam que a linguagem é finita e reducionista em suas marcações masculinas ou em sua dose de visibilidade feminina. O questionamento tenta trazer para a cena variações irredutíveis ao entendimento cisheterocentrado. Quando utilizamos o “todes” nos distanciamos de uma presunção do mundo dividido em “homens” e “mulheres”. Essa aposta política não foi compreendida por aqueles que a criticam como uma nova forma de invisibilidade das mulheres. Pelo contrário, não se trata de colocar a transvisibilidade antes da das mulheres cisgênero, e sim de assumir a impossibilidade de conter, pela linguagem, as múltiplas experiências de gênero.
Juan Manuel P. Domínguez entrevista Gustavo Conde
Um dos intelectuais mais importantes do século XX, Antonio Gramsci, desenvolveu como ninguém antes o conceito de “hegemonia cultural”, que revela a importância do plano simbólico para a consolidação de um poder dominante dentro de um sistema social. Até que ponto você vê a língua fortalecendo uma hegemonia de poder em um setor social?
A língua é a tecnologia mais avançada já produzida pelas sociedades humanas. Quando se fala em tecnologia no sentido corrente – redes sociais, algoritmo, nanotecnologia, engenharia, astrofísica, botânica – é preciso ter em mente que uma tecnologia muito mais complexa precede todas estas: a língua humana. Ela possibilita a existência de todos esses campos do conhecimento e, a rigor, é ela quem apresenta o potencial mais devastador – ou restaurador – para mexer no “sistema”, seja ele social, tecnológico ou político. Se o algoritmo colapsar, a vida continua. Se a língua colapsar – a Babel bíblica – a história cessa e os sujeitos se estilhaçam. Em suma, falar da língua com a própria língua é o grande desafio.
Respondendo objetivamente a sua pergunta, a língua não apenas fortalece hegemonias de poder, ela cria essas hegemonias. Um exemplo comum: achar que o estudo formal é a referência máxima no campo do conhecimento e na dimensão intelectual não corresponde à “verdade” mas a um discurso. Este discurso, no entanto, é tratado como verdade e, na dança dos sentidos e das argumentações ad hoc, tem-se a consolidação de uma hegemonia, a “hegemonia do estudo formal”. Não é possível afirmar que o estudo formal seja o grau máximo da performance cognitiva, ou que ele seja superior a outros tipos de manifestação do intelecto humano. As tradições de oralidade presentes na cultura dos povos indígenas são mananciais extraordinários de conhecimento e percepção de mundo. A rigor, poder-se-ia questionar, expandindo a semântica da palavra “formal”: afinal, o que é ser “formal”?
Essa é a engrenagem linguística básica de toda e qualquer disputa por hegemonia social: mobiliza-se uma série de pressupostos, verdadeiros ou não, e defende-se um tipo de prática simbólica-técnica e seus adeptos, numa quase-repetição do que ocorre na difusão das religiões, com diferenças de procedimento quase invisíveis de tão sutis, se contempladas à lupa teórica dos estudos contemporâneos da linguagem. Alguns podem questionar: mas não se trata de “argumentação”? A resposta não é tão simples. Há um conjunto de fatores que “pressionam” e “controlam” o sentido, como a imprensa, os governos, as instituições e, hoje, o algoritmo e as big techs – que instauraram um novo problema para os estudos linguísticos que é a massificação da produção de sentido via interação digital.
Em Racismo e linguagem, Virginia Zavala e Michele Back expõem as relações existentes entre linguagem e racismo, algo que já era questionado pelos movimentos antirracistas liderados por Malcolm X, os Black Panters e outros mais. Existem pontos de encontro entre aqueles que buscam uma “neutralização” e a sua “desracialização”?
Neutralização é o que busca a hegemonia branca heteronormativa. O sentido não pode ser neutro porque a sociedade não é neutra. O sistema empurra essa ilusão da neutralidade para sua própria perpetuação. “Desracializar”, a meu ver, é um outro processo, mas pode ser lido de maneira ambígua. De um lado, trata-se, justamente, de tirar as marcas de racismo presentes na língua. De outro, de “apagar” as marcas semântico-gramaticais de racismo. A literatura antirracista parece tratar este verbo majoritariamente na primeira acepção. Eis aí mais uma disputa de sentido que não pode ser ignorada.
Eu diria – para escapar dessa questão específica e ao mesmo tempo tentar respondê-la – que a língua social ainda guarda marcas profundas de racismo, e que talvez esse seja o maior desafio técnico e ético do nosso tempo: É preciso re-formatar a linguagem para que ela não pressione a perpetuação do racismo, do machismo e da transfobia.
Isso implica em mexer, de fato, na questão do gênero gramatical e nas expressões arraigadas, presentes em redações de jornal que destacam um entrevistado, por exemplo, com o sintagma “pesquisador negro”. Por que destacar “pesquisador negro” se não destaco “pesquisador branco”? Nesse sentido, as pautas identitárias são uma resposta espontânea da saturação racializada da atividade linguageira. Muitos intelectuais torcem o nariz para elas sem sequer tentar entender as razões de seu surgimento. Sentem-se desautorizados. E a questão é exatamente esta: eles perderam a autoridade para tratar deste tema, justamente porque estão radicalmente imersos no estudo formal – o que lhes tirou a percepção concreta da realidade social que, ademais, acelerou-se de maneira vertiginosa nos últimos dez anos.
Dentro da linguística se estipula que a linguagem é algo como um “produto de um inconsciente coletivo”, que tem um corpo mutante, difícil de regrar. Nesse sentido, todo movimento que pretenda intervir no ato da fala pode chegar a parecer uma frustrada tentativa de “exorcizar” a língua. Porém, cada vez mais vemos que os Estados modernos garantem instituições para resguardar as pessoas de serem discriminadas e injuriadas, que combatem o sexismo ou a discriminação por cor de pele ou gênero. Você acha que a língua pode ter tido mudanças, que algumas sentenças perderam força, algumas palavras viram seu sentido transmutado a partir dessas ações institucionais?
A língua tem seu aspecto selvagem, “indomesticável” como diria Lacan. É exatamente por isso que fomos obrigados ao longo da história a tentar domesticá-la com relativo fracasso – uma vez que a padronização de certas práticas é condição sine qua non para a atividade social. Você não controla a língua, você controla o sentido, e controlar o sentido significa mexer no regime de ocorrência das palavras. Palavras marcadas podem ser banidas, assim como neologismos e novas expressões podem ser adotadas. Esse é o curso natural do avanço civilizatório, que deu um salto violento no século XX, não por acaso, o século de surgimento da linguística moderna – e da consequente organização mais acelerada das ciências humanas e dos campos epistemológicos.
Não é à toa a catástrofe social e linguística que se abateu no Brasil nesses últimos anos. Há um descompasso nítido entre aquilo que foi banido de nossas práticas linguageiras e sociais e sua não aceitação por determinados setores da sociedade. Bolsonaro e sua trupe ainda vivem na ditadura militar racista dos anos 1970. Eles não aceitam que o mundo mudou, não aceitam a democracia (deturpam o sentido de democracia de maneira crassa). Mudanças sempre são traumáticas para a espécie humana, mas é justamente a assombrosa capacidade de adaptação e aperfeiçoamento da espécie que caracteriza sua incidência hegemônica no planeta (falemos também de hegemonia entre as espécies?).
Em tempo e mais uma vez – para responder diretamente à excelente questão: as práticas linguísticas seguirão sendo moldadas de acordo com as necessidades sociais de turno. Aliás, é bom que se diga: sempre foi assim. Desde sempre, setores sociais hegemônicos disseram o que poderia e o que não poderia ser dito – e todo mundo aceitou. A única diferença, agora, é que setores não hegemônicos (negros, mulheres, comunidades LGBTQI+) estão replicando essas formas de controle.
[Em 17 de agosto de 1758, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral (indígena) falada no Brasil, e decretou a língua portuguesa como idioma oficial e único, através de um decreto]
Do ponto de vista acadêmico, que inconvenientes pode provocar o avanço da linguagem inclusiva em uma sociedade como o Brasil?
Inconveniente nenhum. A linguagem inclusiva é uma realidade irreversível. A academia terá de entendê-la, absorvê-la e aperfeiçoá-la (quando não, “deturpá-la”, mas isso seria outro debate). A língua e sua prática linguageira correlata moldam, em conjunto, a realidade social que a fundamenta e cerca. Em outras palavras, a língua cria a realidade. Não é, de forma alguma, extravagante dizer isso. Trata-se de uma máxima teórica amplamente aceita por pesquisadores do campo.
A hipótese Sapir-Whorf, que inspirou o filme A chegada, lida diretamente com esse processo de criação de realidade pelas línguas humanas. Nesse sentido, a linguagem, inclusive, tende a produzir uma sociedade e um conjunto de práticas inclusivas – e democráticas. O dilema é similar àquele falso dilema do neoliberalismo, com relação à distribuição de renda: esperar o bolo crescer para, depois, dividir. O mundo já entendeu que não é assim que funciona. É preciso fazer crescer o bolo e ir dividindo ao mesmo tempo, por razões técnicas e éticas. Traduzindo, essas são práticas sociais que devem ser trabalhadas em primeiro lugar para que a linguagem se torne depois, espontaneamente, mais inclusiva. São práticas sociais somadas a práticas de modelação da linguagem, juntas, que irão produzir algum tipo de avanço no que diz respeito à inclusão social e combate à desigualdade. Há uma formulação muito auspiciosa dentro desta espiral de composição mais democrática da sociedade, via intervenções no plano simbólico: a língua passou a fazer parte do processo. Agora, ela é protagonista, geradora de políticas públicas – e não apenas o suporte fragilizado e vulnerável ao domínio do poder retórico hegemônico instalado em parte considerável de setores acadêmicos. A formulação de um novo paradigma foi para as ruas, e isso é muito bom.
Alguns linguistas acreditam que já não tem ponto de retorno e que a linguagem inclusiva irá se impor. Qual sua visão sobre o assunto?
Esta questão está, em parte, contemplada na resposta anterior. Eu diria ainda: eu sou um destes linguistas. Há um prazer, um gozo, em repovoar as próprias práticas linguageiras. É maravilhoso deixar de ser machista. É um processo poderoso combater o racismo estrutural que lhe habita o pensamento. Quem combate e vence o próprio racismo passa a ser capaz de realizar qualquer desafio cognitivo e intelectual. Não é, portanto, uma certeza no limiar da lamentação oriunda de nossos fantasmas estruturais do passado, entender que a linguagem inclusiva irá prevalecer. Trata-se de um processo que nos torna mais fortes enquanto sociedade e enquanto sujeitos. Se a tarefa for a perpetuação da espécie – e uma perpetuação que nos signifique como seres gregários e simbióticos e não parasitas virais – estamos no caminho certo.
Em meio a uma discussão com deputados do PT e do PSOL durante a reunião deliberativa de hoje (12.05.21) da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, o deputado Éder Mauro (PSD-PA) disse que já matou muita gente, completando em seguida, que eles todos eram bandidos. "Eu, infelizmente, já matei sim. E não foram poucos não, foi muita gente. Agora, tudo bandido, nenhum era cidadão de bem, nenhum era pai de família, nenhum era cidadão que pudesse estar na rua trabalhando para levar sustento para sua família. Eram pessoas como aquelas que morreram lá em Jacarezinho, que destrói famílias, que levam drogas para os seus filhos", esbravejou o parlamentar, se referindo ao tempo em que atuou como delegado de polícia no Pará.
A comissão estava discutindo o Projeto de Lei (PL) 548/2019, que dispensa as reuniões presenciais em condomínios por votação eletrônica. A confusão começou logo após a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), que estava discursando de forma remota, ter a sua fala interrompida pela queda da internet. Logo em seguida, o deputado Eder Mauro comemorou a interrupção agradecendo a Deus o fim do discurso da deputada. Ofendidos, os deputados de esquerda, como Orlando Silva (PCdoB-SP), Paulo Teixeira (PT-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que também participavam da sessão de forma remota, rebateram o parlamentar paraense, o acusando de machista, covarde, matador e torturador.
"Sou casado há quase vinte anos com uma mulher. E é uma mulher, não é uma barata. Vim de uma mãe e não de uma chocadeira. Então, não tenho medo desse pessoal, nem um pouquinho. Pode-se fazer de vítima, chorar, espernegar, fazer o cacete aqui nesta sessão, que eu não vou baixar a cabeça e não vou me calar também", rebateu Eder Mauro, citando o PL 3.369/2015, de autoria do deputado Orlando Silva, que tem como objetivo ampliar o reconhecimento de famílias pelo Estado brasileiro, englobando, por exemplo, a adoção por casais homossexuais e os casos em que crianças são educadas por tios e avós. Para o paraense a intenção da proposta é de "legalizar o incesto".
"Esse deputado de esquerda, chamado Orlando Silva, que vem defender deputadas viúvas do Lula, deveria se virar para todo esse país e mostrar o projeto dele que autoriza que pai possa casar com filha, e irmã com irmão. Isso sim é uma covardia. Então, eu não vou me calar, em nenhum momento. Se eles pensam que eu tenho medo deles, eu não tenho nenhum pouco. Queria vocês aqui, fisicamente, para a gente poder discutir olhando olho no olho", queixou-se o deputado paraense, completando que os seus opositores são defensores de bandidos.
Vão dormir e esqueçam de acordar"
"Passaram a semana toda protegendo os 26 que morreram em Jacarezinho. Foi pouco. Deveriam ter mais operações dessas. Lamento apenas a morte do policial, que deixou a mãe, e doente não tem mais quem a proteja. Portanto, seus comunistas de plantão, vão retirar as propostas que vocês têm aqui para destruir a família. Deputado Orlando Silva, que quando vem defender fala macio, dizendo que deveríamos respeitar as mulheres, aqui tem deputada, a presidente é uma deputada, são respeitadas como qualquer um. Agora discussões de ideia, eu não aceitar que vocês possam chamar os outros de torturadores, de assassinos, e nós não podemos dizer nem 'Graças a Deus'. É brincadeira. Vão dormir e esqueçam de acordar", finalizou.
Eduardo Bolsonaro se refere a deputadas como "portadoras de vagina"
Éder Mauro sempre secunda o deputado Eduardo Bolsonaro, também policial e da bancada da bala, nas falas reacionárias, sexistas, racistas e extremistas da direita volver.
Eduardo Bolsonaro
@BolsonaroSP
Parece, mas não é a gaiola das loucas, são só as pessoas portadoras de vagina na CCJ sendo levadas a loucuras pelas verdades ditas pelo Dep.
Eduardo, teu pai já disse uma vez que não estupraria uma mulher pq ela não 'merecia'. Agora, tu reduzes elas a 'portadoras de vagina'. Dói ver que nós estamos ganhando espaço, né? Sugiro que se abrace e afunde junto com os autoritários. Não vamos retroceder nem um milímetro.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) atacou as parlamentares mulheres da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), dizendo que elas são “portadoras de vagina”. As informações são da Folha.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) vai protocolar uma representação contra o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e, segundo ela, deputadas de todos os partidos devem endossar o documento.
“Ele agrediu todas as parlamentares, inclusive as do partido dele”, disse Joice.
Eduardo Bolsonaro publicou em seu Twitter um vídeo da CCJ em que o deputado Éder Mauro (PSD-PA) discutia com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), dizendo que ela precisava de “um médico”, pois “não para de falar”.
“Parece, mas não é a gaiola das loucas, são só as pessoas portadoras de vagina na CCJ sendo levadas a loucuras pelas verdades ditas pelo Dep. @EderMauroPA 1.000°”, disse Eduardo.