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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

09
Out22

Contra o fascismo genérico

Talis Andrade

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Diante do absurdo, qualquer neutralidade é abominável

 

por João Carlos Salles /A Terra É Redonda

 

1.

Quem flerta com o fascismo e aceita sua possibilidade já se entregou a ele de corpo e alma. A lição histórica é dura e inequívoca, mas ela também se aplica ao enfrentamento de posturas assemelhadas às do fascismo, ao fascismo genérico. Ou seja, são exemplos de uma moralidade pusilânime e cúmplice a indiferença diante de crimes ambientais ou de manifestações racistas, o silêncio diante dos ataques ao conhecimento, às artes ou à cultura e a omissão diante de ameaças ou do desrespeito à vida. Diante do absurdo, qualquer neutralidade é abominável, não podendo ser interpretadas como destreza técnica ou como argúcia política atitudes que naturalizam o mal.

É verdade que o termo ‘fascismo’ não é suficiente nem exato para descrever o que tem ocorrido em nosso país. Contextos e traços do fascismo histórico são distintos das atuais manifestações autoritárias. Entretanto, o que temos enfrentado (ameaças às instituições, conservadorismo, violência) não é menos repugnante que o fascismo que outrora também converteu multidões e mesmo ganhou eleições. Diversa a situação histórica, seria indigência analítica usar o mesmo conceito para quadros históricos afastados, mas seria ainda mais obtuso e puro preciosismo acadêmico não identificar uma perturbadora semelhança de família.

O servidor público deve sim sempre agir com competência e, no interesse do comum, deve ser capaz de lidar com quem quer que seja. Não há aqui do que se gabar, pois se trata de uma obrigação institucional, consignada, aliás, nos códigos de conduta da administração pública. É preciso, afinal de contas, separar a conduta do servidor da filiação do político. Não se pode, todavia, fazer dessa necessidade virtude, nem suprimir, por conta disso, o dever ainda maior de reagir com toda força e dignidade contra manifestações de autoritarismo, grosseria, preconceito, ignorância.

A postura de ACM Neto ao dizer que governará bem com qualquer presidente, quer a apresente como neutralidade, quer como sinal de competência, termina por significar conivência com o absurdo de se ter um presidente autoritário e obscurantista. É um grave erro como posição, para além de mera esperteza política ou cálculo pragmático. Tal silêncio equivale a uma postura tecnocrática de baixa estatura, sendo ainda mais grave tal “neutralidade” quando o país se defronta com a eleição de nossas vidas. Não é, porém, de estranhar, pois esse gesto se generalizou como um sintoma a mais da degradação de nosso sistema partidário, reduzido este em grande medida a agregados sem a mais mínima unidade ideológica, com interesses acima de tudo e valores abaixo de qualquer coisa.

 

2.

Durante a apuração dos votos do primeiro turno, recebi de um amigo de outro estado uma mensagem entusiasmada. Afirmava que a Bahia haveria de salvar o Brasil.

A mensagem é de bom agouro e espero que vingue sua melhor expectativa. Para tanto, porém, a Bahia precisa confirmar que, em nossa terra, não há mesmo espaço para tiranetes de qualquer estatura ou de qualquer matiz. Além de votos, de muitos votos, precisamos dizer ainda mais e melhor nesta eleição. Precisamos mostrar programaticamente que não comungamos com medidas que tornam hoje tão parecidos governantes que deveriam estar em extremos opostos, mas estão igualmente inclinados a medidas privatizantes e à defesa de valores conservadores e neoliberais, de modo que, ao fim e ao cabo, se unificam na ideia de que a boa governança é mensurada por um conjunto de realizações.

Governantes atuais se jactam de resultados, como o faziam governos pretéritos, e terminam por competir em números e não em valores. Tudo parece poder reduzir-se à condição de instrumento na gestão pública, que valeria na proporção de suas entregas. Alardeia-se assim a quantidade de obras, estradas, policlínicas, empregos. Enquanto isso, por exemplo, aceitam-se uma imagem de cultura em muito reduzida ao interesse da economia do turismo, uma visão de segurança militarizada ou uma educação orientada sobretudo aos interesses imediatos do mercado. E essas, quero insistir, não são questões secundárias, pois afetam escolhas de largo alcance.

Falta então civilidade e sobra rudeza no fundamento de muitos discursos, de modo que as marcas ideológicas de uma Bahia retrógrada, excludente e autoritária ainda se mostram pervasivas e resistentes. Nossos governantes progressistas devem, então, oferecer mais do que isso, pois não se medem nem se diferenciam apenas por seus resultados, mas sim por representarem princípios democráticos e esperanças igualitárias.

 

3.

Resultados certamente importam e, por óbvio, costumam valer nas urnas mais do que quaisquer princípios. Entretanto, para além de qualquer pragmatismo, é nosso dever guardar uma verdade utópica, qual seja, a de que é possível ter resultados ainda melhores e mais duradouros se tivermos por horizonte uma nação radicalmente democrática. Há, afinal, algo estranho e deveras incômodo quando todos falam a mesma linguagem do progresso e compartilham os mesmos critérios do que seja o sucesso de uma gestão.

Um voto é sempre uma aposta no futuro. Neste momento, porém, é bem mais do que uma simples aposta. Votar em Lula é uma questão de sobrevivência como nação e expressa a melhor reação diante da ameaça da pura e simples barbárie. Ou seja, não queremos Lula apenas porque ele fará mais. Certamente, fará. Mas queremos Lula sobretudo porque ele fará de modo diferente. E queremos Jerônimo ao lado de Lula porque esperamos que outros serão os princípios, os métodos e, logo, no essencial, os benefícios para nosso povo.

Ao declarar voto em Jerônimo, acredito que para ele não deve valer a regra pragmática de que “tanto faz”. Tendo ele outra experiência de vida, precisamos acreditar que saberá decidir com a altivez que a Bahia necessita, até diante de questões para as quais não sei se já apresentou um posicionamento claro, mas às quais, acredito, responderá em conformidade com valores progressistas, fazendo depois valer suas respostas, quando estiver enfim respaldado pela legitimidade que as urnas (e apenas as urnas) conferem.

Assim, devendo reverência tão somente ao interesse do comum, o futuro governador enfrentará com clareza questões deveras delicadas. Como progressista, deve saber, por exemplo, que não basta levar água e garantir saneamento a todas as regiões, pois importa sim, e muito, como isso será feito. Água não é mercadoria, mas sim direito. E Jerônimo não deve ocultar sua posição a esse respeito nem deve se esquivar de uma resposta clara. Deve, sim, com todas as letras, afirmar seu compromisso de reverter tudo que já foi feito visando a privatizar a Embasa.

Um governante progressista também tem enorme e ainda maior compromisso com a segurança de nossa comunidade. Isso, porém, só pode significar uma outra compreensão de segurança pública, uma que não vitime nosso povo e não seja um instrumento perverso de opressão nem de discriminação. Uma postura progressista deve falar mais alto do que as visões que preferem resolver os graves problemas de segurança em nosso estado apenas com mais polícia e não com políticas públicas.

Afinal, é inaceitável que, em nossa terra, ainda se louvem ou se desculpem procedimentos de extermínio, que não se corrigem com mero aumento de recursos ou de efetivos, mas sim com outra visão dos laços entre a segurança e o combate à fome, ao desemprego, aos preconceitos, à exclusão.

Um governante progressista tampouco pode descuidar da ciência. A Bahia é lugar de cultura, de arte, de pesquisa científica – e essa deve ser uma parte essencial da gestão do nosso estado, na contracorrente do obscurantismo que nos ameaçou nos últimos anos e que havemos agora de superar. Nosso próximo governador não pode deixar então de investir no conhecimento.

É tempo, pois, de afirmar e garantir com toda clareza que será cumprido o artigo 5 da Lei 7.888/2001, de criação da FAPESB, no qual se afirma: “O Estado destinará, anualmente, recursos à FAPESB correspondentes a 1% (hum por cento) da sua receita tributária líquida”. Cumprir tal meta certamente contribui para conformar um cinturão iluminista duradouro, que fortaleça a produção do conhecimento em nosso estado e apoie ademais todas as áreas do saber. Não há, afinal, governo realmente progressista que descuide das ciências, das culturas, do patrimônio histórico e das artes.

Também a educação precisa contar com sua palavra altiva. Nesse caso, fala com altivez quem sabe escutar. A altivez não é arrogância, mas disposição e força para aprofundar e multiplicar diálogos. Para conservadores, o exercício da representação substitui a comunidade representada. Os que, ao contrário, têm espírito democrático, sabem que a representação autêntica amplia a presença do povo e cria condições para o povo ser, enfim, o verdadeiro protagonista de sua história. Nesse sentido, é importante a escuta, o acolhimento, a criação de condições para parcerias institucionais de natureza pública.

Importa, portanto, o compromisso, claro e explícito, do governador em respeitar a autonomia das Universidades, em valorizar o diálogo com as associações que representam as categorias de trabalhadores, em contribuir para o bem-estar e o respeito do funcionalismo público, em garantir que os direitos da educação não sejam subtraídos por restrições orçamentárias, uma vez que projetos civilizatórios jamais podem ser objeto de políticas de austeridade.

E diálogo é também parceria autêntica, como a que deve ser mantida com as instituições de ensino superior públicas, estaduais e federais, pois a cooperação entre instituições públicas, se levada a sério, não pode ser uma figura de retórica, abandonada talvez na primeira hora por alguma conveniência, sobretudo em áreas de produção de conhecimento e de formação de cidadãos.

 

4.

São apenas alguns pontos. Outros podem ser elencados, como uma contribuição para uma candidatura que há de unir na Bahia, juntamente com Lula, todos que desejam combater a barbárie. Líderes democráticos autênticos, sabemos bem, não são gerentes, não fazem meros cálculos de interesses; e o jogo duro da política não há de lhes retirar a ternura e o respeito. Jerônimo precisa dar toda atenção a pontos como esses, corrigindo erros, mas também reafirmando virtudes de um governo estadual que, por sua feita, aprofundou políticas públicas importantes e mostrou firmeza e coragem, resistindo a desmandos negacionistas e autoritários do governo federal.

Jerônimo deve assim mostrar, de forma inequívoca, compromisso com uma pauta civilizatória básica, sabendo afastar práticas conservadoras, privatizantes, autoritárias, com a integridade de um completo líder progressista, como a Bahia precisa e merece. Jerônimo, afinal, tem preparo, história e talento; não amadureceu em carbureto. Tenho certeza que a benção das urnas lhe trará ademais a força e a autonomia necessárias, que lhe fará engrossar o pescoço como um líder independente, capaz de decidir e, enfim, de fazer o que há de melhor e mais certo para nosso povo, tendo por horizonte uma sociedade radicalmente democrática.

Enuncio assim princípios, manifesto minha opinião, declaro meu voto. Minha declaração de voto, aliás, já está nas redes e a reitero aqui. Ficarei certamente alegre caso nosso candidato se manifeste sobre tais pontos, mas compreendo bem que, assim como a palavra, também pode ser significativo o silêncio. Afinal, a palavra marca com tinta, enquanto o silêncio marca com fogo.

O sentido do que faremos, do nosso futuro, está em aberto. Agora, temos pressa. É tempo de arregaçar as mangas e não paralisar pela justeza de “considerandos” e temores, compartilhados talvez por outros companheiros. Vamos juntos, na Bahia, centro do universo, ao combate das forças reacionárias e oportunistas; enfrentemos unidos o fascismo genérico, presente em diversas formas de obscurantismo e autoritarismo. E vamos à vitória, sim, com Lula e Jerônimo!

A Tarde

13
Set22

Assédio Institucional no Setor Público Brasileiro

Talis Andrade

Capítulos e Anais | Aldacy Coutinho

 

Com informações de José Celso Cardoso Jr.

 

Há um fenômeno novo e perturbador no setor público brasileiro. Trata-se do assédio institucional (organizacional e moral) como forma dominante de relacionamento entre distintas instâncias ou organizações hierárquicas em cada poder da União e nível da federação. E dentro de cada poder e nível federativo ou organizacional, entre chefias e subordinados, caracterizando, neste caso, o fenômeno típico do assédio moral, que obviamente não é exclusividade do setor público.

O assédio institucional de natureza organizacional caracteriza-se por um conjunto de discursos, falas e posicionamentos públicos, bem como imposições normativas e práticas administrativas, realizado ou emanado (direta ou indiretamente) por dirigentes e gestores públicos localizados em posições hierárquicas superiores, e que implica em recorrentes ameaças, cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e deslegitimações acerca de determinadas organizações públicas e suas missões institucionais e funções precípuas.

Enquadra-se nessa nova categoria sociológica e jurídica a recente e infeliz declaração do Ministro da Economia, Paulo Guedes, acerca do parasitismo inerente aos servidores públicos funcionários do Estado brasileiro. Não é a primeira vez que o ministro sugere que funcionários públicos sejam parasitas. Suas desculpas não possuem qualquer credibilidade. Está claro que é isso mesmo o que ele pensa e sente.

Nesse sentido, todas as propostas em curso de reforma administrativa que visam, quase que exclusivamente, reduzir gastos correntes forjando para baixo as contratações e remunerações dos servidores públicos adquire, portanto, um teor altamente questionável. Não apenas porque são medidas ineficazes e bastante questionáveis para se obter ajuste fiscal estrutural nas contas públicas, como porque mal escondem a sua sanha ideológica, persecutória e criminalizadora que está na verdade por detrás da aparente tecnicidade fiscal.

Alguns outros exemplos são eloquentes contra Universidades e Institutos Federais, ANVISA, ANCINE, BNDES, CNPQ, CAPES, FINEP, FIOCRUZ, FUNAI, IBGE, IBAMA, ICMBIO, INPE, INEP, IPEA e até mesmo contra organizações e carreiras do chamado núcleo administrativo ou estratégico de Estado, representado pelo Fonacate (Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado), tais como: Fiscalização Agropecuária, Tributária e das Relações de Trabalho; Arrecadação, Finanças e Controle; Gestão Pública; Comércio Exterior; Segurança Pública; Diplomacia; Advocacia Pública; Defensoria Pública; Regulação; Política Monetária; Inteligência de Estado; Pesquisa Aplicada, Planejamento e Orçamento Federal; Magistratura e o Ministério Público. Tais evidências reforçam a tese de que o que está em jogo é também o apagar de memórias e a recontagem da história oficial segundo a visão de mundo ora instalada no poder.

Por sua vez, o assédio institucional de expressão moral caracteriza-se por ameaças (físicas e psicológicas), cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e perseguições, geralmente observadas entre chefes e subordinados (mas não só!) nas estruturas hierárquicas de determinadas organizações públicas (e privadas), redundando em diversas formas de adoecimento pessoal, perda de capacidade laboral e, portanto, mau desempenho profissional no âmbito das respectivas funções públicas. No interior do setor público, geralmente, assédio organizacional e assédio moral estão correlacionados, caracterizando o que aqui chamamos, de modo mais amplo, de assédio institucional no setor público.

Sendo este, portanto, fenômeno novo e perturbador no interior do setor público brasileiro, com formas de manifestação diversas e consequências deletérias ao bom funcionamento de organizações estatais e ao desempenho profissional adequado de seus servidores, é que a Afipea-Sindical considerou necessário um destaque especial ao tema, até mesmo para que possamos ter registros documentais, relatos fáticos de situações dessa natureza, interpretações e proposições condizentes com a gravidade do fenômeno e suas nefastas consequências para o Estado brasileiro e sua administração pública cotidiana.

Que o governo Bolsonaro/Guedes não tenha quadros adequados e nem competência técnica ou sensibilidade social para governar o Brasil, já é algo público e notório. A novidade ruim é que agora, alastrando a prática do assédio institucional (organizacional e moral) por todo o setor público, eles pretendam tentar esconder o fracasso de seu projeto de país.

Dessa forma, somos forçados a concluir que o atual governo caminha rapidamente para uma estratégia de acirramento de contradições relativamente aos segmentos da sociedade não alinhados a seu projeto de poder. Mas sendo tais segmentos mais numerosos e representativos da diversidade brasileira que os seus seguidores, deverá haver uma inclinação autoritária crescente por parte das frações de classe no poder, com vistas a impor – até mesmo pela força bruta – os seus anseios e projetos.

Oxalá a comunidade internacional democrática e a sociedade brasileira consciente do perigo autoritário/totalitário em curso possam rapidamente perceber a abrangência, a profundidade e a velocidade dessa agenda retrógrada para então se reorganizarem coletivamente e se reposicionarem politicamente com vistas à recuperação das tendências recentes de construção da República, da Democracia e do Desenvolvimento no espaço nacional.

Insegurança e adoecimento psicológico atingem servidores públicos federais  - Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários

13
Set22

Quem comanda as milícias?

Talis Andrade

4045 CHARGE RIO MÍLICIA 18-07-2019 (1) - Leia Notícias

O assédio das milícias promoveu a perda de autonomia da Polícia Militar e da Polícia Civil, um poder que foi avançando sobre outras secretarias, autarquias, empresas estatais, nos serviços públicos estaduais, principalmente depois da intervenção militar do general Braga Neto no governo Michel Temer. Foi quando metralharam Marielle Franco.

Com Jair Bolsonaro presidente, esse poder vai se estendo pelo governo federal. 

 

Servidores denunciam perseguição e pedem autonomia para IBGE, Inep e Ipea

Representantes de servidores públicos defenderam a aprovação urgente pelo Senado da PEC 27/2021, que busca assegurar a autonomia do Instituto Brasil

 

Por Redação Agência Senado

Representantes de servidores públicos defenderam a aprovação urgente pelo Senado da PEC 27/2021, que busca assegurar a autonomia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O texto transforma as instituições em entidades permanentes de Estado e define os ritos para indicação de dirigentes. O apelo veio durante audiência pública  da Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta segunda-feira (23) destinada a discutir o assédio institucional no setor público.

De acordo com os participantes, o assédio institucional é o conjunto de práticas empregadas pelo governo para desmontar o serviço público. Cortes no orçamento, falta de reposição de pessoal, perseguições a servidores e a instauração de “um regime de medo” dentro das repartições foram algumas das práticas citadas durante a reunião. Ibama, Ipea, IBGE, MEC, CNPQ e universidades estão entre as instituições onde os casos de assédio são mais recorrentes, apontam os servidores. Eles relataram que os casos de assédio institucional no serviço público estão sendo contabilizados em um site, chamado “assediômetro”, criado por entidades representativas de servidores. 

— É um processo de desconstrução do Estado e das políticas públicas. A PEC 27 nasceu como uma reação a esse fenômeno para fornecer uma espécie de blindagem a instituições que produzem informação — apontou José Celso Cardoso Júnior, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea (Afipea).

José Celso é um dos organizadores do “livro denúncia” Assédio Institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado. Lançada no início do mês por funcionários do Ipea, a publicação reúne centenas de denúncias de assédio institucional desde o início do governo Jair Bolsonaro.

ASSÉDIO INSTITUCIONAL NO BRASIL: AVANÇO DO AUTORITARISMO E DESCONSTRUÇÃO DO  ESTADO 1

Segundo Roberto Muniz de Carvalho, presidente do SindGCT, que representa servidores da área de Ciência e Tecnologia, o atual governo deslegitima o serviço público e promove uma política do medo e de perseguição de servidores.

— O assédio institucional não é uma prática isolada. Ele ataca a instituição, o conjunto daqueles que fazem com que as instituições funcionem. O principal instrumento é o medo. O medo paralisa. O servidor perde a liberdade de cumprir as suas funções. [...] O assédio é caracterizado por uma política de medo, de descrédito. Não posso deixar de relacionar com as milícias. Elas agem com o medo. Agem onde o estado não chega — argumentou.

O advogado da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), Fabio Lima, listou algumas das práticas recorrentes de perseguição a servidores sem justificativa: transferência de área, negativa de licenças, abertura de sindicâncias e processos administrativos disciplinares (PAD).

Já Dione Oliveira, presidente da Associação dos Servidores do IBGE (Assibge), destacou que a desestruturação das entidades é outra faceta do assédio institucional. Segundo ela, o IBGE conta hoje com o menor número de servidores efetivos da história, o que tem prejudicado a realização de censos e levantamentos.

— Temos cada vez menos pessoal disponível. [...] A iniciativa da PEC 27 é um ponto de partida para redesenhar as instituições que estão sendo destruídas — disse. 

Diante do apelo dos servidores, os senadores Paulo Paim (PT-RS), que sugeriu o debate, e Izalci Lucas (PSDB-DF) prometeram se mobilizar para sensibilizar os senadores para a votação da PEC 27 ainda neste semestre. 

— Temos que transformar essas instituições em uma política de Estado. Evitar interferência política. É uma matéria que merece inclusive ir direto para o Plenário. Esse é um dos projetos que merecem ser votados antes das eleições — disse Izalci.

19
Jun21

PMs são servidores dos estados e organizados sob hierarquia e disciplina

Talis Andrade

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Por Ricardo Lewandowski /ConJur

- - - 

Artigo originalmente publicado na edição desta sexta-feira (18/6) do jornal Folha de S.Paulo.

Saber quem comanda as Polícias Militares é uma pergunta que não se restringe apenas à questão da responsabilidade última pela formulação das políticas de segurança pública, mas diz respeito ao próprio cerne da forma federativa de Estado, adotada por nós desde a proclamação da República, em 1889, e que figura como cláusula pétrea da atual Constituição.

Em interessante estudo denominado “Pequeno Exército Paulista”, Dalmo de Abreu Dallari, a propósito, relata que, quando a economia paulista começa a desenvolver-se nas últimas décadas do século 19, “ocorre a modernização e o crescimento da Força Pública do estado de São Paulo, elemento que se tornou decisivo para impedir intervenções federais que foram muito frequentes em outros estados da Federação”.

De fato, a corporação teve um papel decisivo na Revolução Constitucionalista de 1932, impedindo, ao menos temporariamente, que o governo central tivesse êxito em esmagar a autonomia estadual. No entanto, tal acabou ocorrendo em 1937, com o advento da ditadura getulista, e depois novamente a partir de 1964, com a implantação do regime militar.

Em 2 de julho de 1969, conforme lembra Dallari, por meio do decreto-lei 667, assinado pelo general Costa e Silva e ainda hoje vigente, “o governo federal colocou todas as Polícias Militares sob o controle do Ministério do Exército”. Na sequência, o governador paulista, Abreu Sodré, extinguiu a Força Pública mediante o decreto-lei 217/1970, transformando-a em Polícia Militar.

A Constituição de 1988, todavia, recolocou as Polícias Militares sob o comando das autoridades civis, estabelecendo com minúcias, nos artigos 42, 142 e 144, a sua disciplina jurídica. Neles consta que os integrantes dessas corporações são servidores militares dos entes federativos, organizados com base na hierarquia e disciplina, cabendo-lhes a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

Como militares que são, não podem filiar-se a partidos políticos e sindicatos, sendo-lhes proibido fazer greve. E, muito embora constituam forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, assim como os bombeiros militares, aos governadores — os quais, inclusive, conferem aos seus oficiais as respectivas patentes.

Apesar de classificadas como forças auxiliares e reserva do Exército, o recrutamento dessas milícias locais pela União só pode ocorrer em situações extraordinárias, como estabelece o próprio decreto-lei 667/1969, em seu artigo 3º, quais sejam, “em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção”. Tais situações coincidem com aquelas que autorizam o estabelecimento do estado de defesa e do estado de sítio, cuja decretação, contudo, sujeita-se à anuência do Congresso Nacional, nos termos dos artigos 136 e 137 da Lei Maior.

A competência privativa da União, prevista no artigo 22 para legislar sobre normas gerais de convocação e mobilização das polícias e bombeiros militares, não tem o condão de elidir o princípio basilar da democracia, segundo o qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos.

Por isso, qualquer ato do governo federal que retire ou atenue o controle dos governadores sobre essas corporações, salvo nas hipóteses excepcionais acima indicadas, e respeitadas as salvaguardas pertinentes, não só contrariaria disposição constitucional expressa como também vulneraria o próprio princípio federativo, concebido justamente para impedir a concentração do poder — no caso, do poder armado.

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