Moro desmereceu a sua testemunha
Appio desarquiva investigação que Moro abafou (parte 3)
por Marcelo Auler
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Na República de Curitiba o impedimento do prosseguimento da investigação partiu, inicialmente, do procurador regional da República Januário Paludo. Em parecer anexado aos autos cinco meses depois (05/03/2017), ele não enxergou crimes a serem investigados nos fatos citados pelo delegado. Tentou justificar todas as atitudes dos policiais, rebatendo as evidências levantadas que, no entender de Magno Xavier, mereciam aprofundamento. Afinal, concordar com o delegado seria reconhecer erros (crimes?) da operação que eles próprios do MPF estavam apoiando.
O impedimento também contou com o respaldo do então juiz Sérgio Moro, aquele que publicamente posava como bastião da moralidade. Essa proibição foi noticiada em agosto de 2017 aqui no Blog – MPF-PR e Moro barram investigações contra PF-PR. Ao sentenciar pela interrupção da investigação ele não escondeu seu temor de que a apuração proposta pelo delegado atrapalhasse a Lava Jato. Seu despacho de 27 de março de 2017 registra:
“… não se justifica prosseguir em investigações, que podem colocar em risco o sigilo de investigações da Operação Lavajato”.
Para explicar sua posição, recorreu ao velho hábito de desacreditar as informações recebidas. Alegou que não se tinha “fatos claros que justifiquem a investigação”. Mesmo sendo um magistrado que condenou diversas pessoas com base em delações premiadas de outros réus – muitas delas, falsas –, impediu o aprofundamento do trabalho dos policiais. Para tal, desmereceu a origem das denúncias Argumentou que a sua autora – Meire – já era “acusada por crimes e com rancor contra os agentes da investigação”.
O temor de Moro poderia ser outro. Certamente residia no potencial explosivo que as descobertas da investigação gerariam. A eventual comprovação dos crimes relacionados por Magno Xavier certamente colocaria em risco a legalidade do trabalho da Força Tarefa de Curitiba. Ou seja, era uma ameaça não apenas ao sigilo da operação, como Moro alegou, mas a toda a operação em si.
Curiosamente, a referida autora que o juiz destacava ser “acusada por crimes e com rancor contra os agentes da investigação” era exatamente a pessoa na qual os policiais federais e o próprio Moro se respaldaram na busca de informações que pudessem incriminar Youssef, os demais doleiros, ex-diretores da Petrobras e até políticos, na fase inicial da Operação.
O Inquérito Policial nº 0005/2016 foi instaurado na COAIN/COGER a partir de denúncias que Meire, após perder a confiança nos policiais federais de Curitiba, exaustivamente repetiu em livro, na imprensa e em um depoimento oficial ao procurador regional da República de São Paulo, Osório Barbosa.
Giravam sempre em torno da sua relação heterodoxa com esses policiais, desde que se encontrou, no final de abril de 2014, com o delegado Márcio Anselmo. Nessa sua relação com a República de Curitiba, ela ora aparecia como informante da polícia, ora como colaboradora, ou mesmo como informante do juízo.
Meire negou-se a usar microfones subcutâneos
Como informante da polícia, logo no início da Lava Jato repassou ao delegado Marcio Anselmo documentos da contabilidade do doleiro que tinha acesso pelo vínculo profissional que manteve com o mesmo. Tudo informalmente e sem conhecimento e/ou autorização do cliente, que já estava preso. Os levou à superintendência do DPF em São Paulo onde foram guardados na mala do Range Rover Evoque que o delegado utilizava. Tratava-se do carro apreendido com o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que Márcio Anselmo passou a usar. Ele recebeu os documentos sem se preocupar em fazer um registro oficial da apreensão.
Embora residisse em São Paulo, Meire passou a visitar a Polícia Federal em Curitiba com constância, viajando por sua conta. Nessas viagens, como colaboradora ou “infiltrada”, forma como se definiu, ajudou a pressionar Youssef, os demais doleiros e os empregados deles, para aderirem à delação premiada. Como informante do juízo prestou depoimento, a convite de Moro, em alguns dos processos da Lava Jato, sem que o magistrado duvidasse do que afirmou como ocorreu depois, ao embargar a investigação.
Tal como noticiamos em junho de 2016 – Enfim, a contadora e informante infiltrada da Lava Jato foi ouvida oficialmente – a relação dela com os participantes da Força Tarefa de Curitiba foi “uma relação extremamente heterodoxa, sem registros oficiais. Mas muito intensa. A tal ponto que delegados e agentes federais queriam instalar um microfone subcutâneo para ela gravar todas as conversas, sem necessidade de transportar aparelhos escondidos. Ela recusou a proposta por medo.”
Pelos documentos encontrados no processo cujo sigilo foi levantado agora se percebe que a intimidade chegou ao ponto de um agente da PF lhe passar informações da busca que realizava, naquele momento, na adega da casa do ex-diretor da Petrobras, Costa. Ou quando trocou mensagens com o delegado Marcio Anselmo, em viagem de férias na Europa.
Para legalizarem os documentos que a contadora entregou na superintendência da PF de São Paulo sem que fosse oficializada aquela entrega, a equipe da Força Tarefa de Curitiba inventou uma “busca e apreensão” no escritório dela – Arbor Contábil. Foi o que o procurador Paulo classificou no Telegram como “meio esquisita mesmo”.
A autorização dessa busca foi assinada por Moro em 12 de junho de 2014, quase 45 dias depois de parte dos documentos terem sido entregues. Uma operação para inglês ver. Sem falar que alguns documentos e o HD do computador da contadora só foram remetidos à Polícia Federal – por mensagens ou por Sedex – dias depois da busca realizada. Mas tudo constou do mesmo auto de apreensão.
No início das relações da contadora com a Força Tarefa curitibana, procuradores da República chegaram a lhe propor um termo de delação premiada. Os delegados federais foram contrários por entenderem que seu depoimento como testemunha teria mais força. Ela se fiou nas promessas de que jamais a indiciariam, embora em determinadas conversas tenha admitido que se achasse ré. Como não foram colocadas em papel, as promessas não foram cumpridas e ela acabou denunciada – depois processada e condenada – levando-a a sentir-se traída. Acrescente-se o misterioso incêndio que ocorreu em seu escritório, fazendo-a suspeitar de algo criminoso. Tudo junto e misturado provocou o “rancor” citado por Moro.

Meire e Adriano Anselmo acetaram detalhes de uma “Busca e Apreensão” feita para esquentar documentos já com a polícia.
O medo e o “rancor” a levaram a dar entrevistas e o depoimento ao procurador regional Barbosa. Seu advogado, Haroldo Nater, através de um deputado amigo chegou ao então ministro da Justiça, Eugênio Aragão, ao qual entregou documentos e cópias das mensagens que a contadora trocou com policiais federais. Surgiu daí a investigação inicial da COAIN/COGER/DPF, que resultou no inquérito no qual o delegado pediu as quebras dos sigilos telefônicos e telemáticos.
Aconselhada pelos policiais, tinha até um e-mail para as conversas com policiais: rabellopassos@gmail.com. Curiosamente, porém, nas mensagens enviadas com esse endereço ao final ela assinava com seu próprio nome: Meire.
Nessas trocas de mensagens aparece, por exemplo, as informações dando conta do acordo de forjarem a apreensão de documentos que já estavam como os delegados, como se vê nos diálogos do dia 5 de maio de 2014 (veja ilustração) quando o delegado Márcio Anselmo revela o tipo de documentos que ela deveria separar para serem apreendidos.