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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

12
Jun23

Silvio Almeida fala ao Barão e às mídias independentes [vídeos]

Talis Andrade

 

 

Em encontro remoto na tarde desta terça-feira (6), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, participou de coletiva com mídias independentes na qual tratou dos desafios da pasta - em especial, a luta de ideias para que a sociedade entenda a sua importância.

No encontro promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, 10 jornalistas tiveram a oportunidade de dirigir perguntas ao ministro, que transitaram entre temas como a atenção às comunidades indígenas e populações periféricas; os esforços por memória, verdade e justiça em relação à ditadura; a punição aos responsáveis pela tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023; dentre outros.

Segundo o ministro, advogado, filósofo e professor acadêmico, há uma disputa ideológica em torno do tema. "Parcela expressiva da população sente ódio dos Direitos Humanos, com uma noção equivocada do que significam". "Há uma manipulação do discurso sobre o tema sobre como se fosse uma licença para retirar das pessoas a sua segurança", complementa Almeida, "confundindo a defesa dos Direitos Humanos como se fosse a defesa do crime".

Autor de "Racismo estrutural", uma das obras que balizam o debate antirracista no país hoje, o ministro avalia que os direitos humanos devem perpassar todas as políticas públicas, inclusive a economia. "É preciso transformar o tema em debate sobre economia política. Precisamos conquistar corações e mentes, estabelecendo os Direitos Humanos como parte fundamental da nossa experiência vital, do nosso modo de vida no Brasil". Assista na íntegra ao papo e inscreva-se no #canaldobarão!

SOBRE O ENTREVISTADO

Silvio Almeida é advogado, professor e escritor, e atualmente ocupa o cargo de Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. É doutor em direito pelo departamento de filosofia e teoria geral do direito da Universidade de São Paulo, com pesquisas de pós-doutoramento em direito e em economia. É professor da faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tanto na graduação como no programa de pós-graduação Stricto Sensu. Também é professor das escolas de administração e de direito da Fundação Getúlio Vargas. Em 2020, foi professor visitante no Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Duke (EUA), e em 2022 foi professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia na Cidade de Nova York (EUA). Silvio destacou-se por sua atuação à frente do Instituto Luiz Gama, organização da sociedade civil que visa à inclusão de minorias e à promoção de uma educação antirracista. Nos últimos anos proferiu palestras e nacionais e internacionais sobre temas relacionados ao direito, à filosofia, à economia política, aos direitos humanos e às relações raciais.

SOBRE O BARÃO DE ITARARÉ

Fundado em maio de 2010, O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé consolidou-se como um dos espaços mais vibrantes da luta pela democratização da comunicação no país. Em seus 13 anos de atuação, o Barão apostou na promoção de atividades que investem na formação de comunicadores - debates, seminários, cursos e palestra sobre mídia, democracia, liberdade de expressão, políticas públicas de comunicação e temas correlatos - e também na criação e fortalecimento de fóruns de debate e ação sobre a agenda em torno desses temas.

A organização também funciona como um selo editorial através do qual publica livros, como "Direitos negados – Um retrato da luta pela democratização da comunicação" (2015), "A mídia descontrolada - episódios da luta contra o pensamento único" (2019) e "Democratizar a comunicação: teoria política, sociedade civil e políticas públicas" (2022). Além de sua coordenação executiva, que reúne nomes bastante representativos de entidades do movimento social brasileiro, a entidade conta com um extenso conselho consultivo, no qual figuram importantes nomes da academia, do jornalismo, da comunicação, da cultura e dos movimentos populares do país.

Organização suprapartidária, o Barão notabilizou-se como a casa das mídias alternativas, independentes e populares, transcendendo matizes partidárias e abraçando todo o campo progressista na missão de tratar a comunicação como campo estratégico e decisivo para garantir um Brasil mais justo, democrático e plural. Até por isso, a entidade é conhecida pelo seu espírito de “unidade na diversidade”. O nome “Barão de Itararé” é uma homenagem ao jornalista Aparício Torelli (1895-1971), considerado um dos fundadores da imprensa alternativa no país e o pai do humorismo político no Brasil.

07
Jun23

Caso Thiago Brennand: o espetáculo midiático do privilégio branco

Talis Andrade

O milionário Thiago Brennand | Foto: Reprodução / Redes sociais

 

Enquanto imprensa divulga corte de cabelo e outfit na prisão de acusado de abuso sexual, encarcerado comum no Brasil convive com ratos, doenças, agressões e violações diárias de direitos

 

Sim, leitor, lá vem a Jéssica, de novo, falar sobre privilégio branco. Mas veja se não tenho alguma razão. Eis Thiago Brennand, este moço branco rico, que tem um arsenal com 67 armas, que agride uma mulher em público e nada lhe acontece. É acusado de estuprar mulheres e as tatua com suas iniciais — como se fossem bois — e nada lhe acontece. Que é acusado de usar arma de choque contra o próprio filho e nada lhe acontece. E quando ele — depois de se entocar em outro país — é deportado e preso, subitamente as condições ruins da prisão são magicamente descobertas pela imprensa. Como chamar isso se não privilégio branco? 
 

Enquanto a falta de corte de cabelo de Brennand é mote de reportagem, a Ponte noticiou que presos estavam denunciando cortes compulsórios de cabelo e barba. Aqueles que não seguiam a norma eram punidos, de acordo com a Defensoria de São Paulo, que impetrou uma ação civil pública solicitando que o governo paulista proibisse a ação. Também falamos sobre o racionamento de água que acontece em 70% das prisões em São Paulo, dados da Defensoria. 

Que o leitor não se engane: há corpos feitos para terem direitos humanos respeitados e histórias publicizadas à exaustão no horário nobre. E outros que podem morrer em condições subumanas e serem esquecidos – a menos que a Ponte conte suas histórias. Enquanto Thiagos Brennand ganham capas de jornais por seu look no presídio, tem toda uma população carcerária tentando sobreviver em condições terríveis, todos os dias.

Enquanto os golpistas presos pelos atos em 8 de janeiro reclamam falta de wi-fi, em 2022, mães denunciaram à Ponte que a comida que enviavam para suas filhas encarceradas estava roída por ratos. Detalhe: algumas gastam R$ 600 nesse “jumbos” – que são envio de pacotes de alimentos e itens de higiene pessoal – e suas filhas não receberam nada. 

30
Abr23

INDÚSTRIA DA GRILAGEM PATROCINA CPI DOS SEM TERRA

Talis Andrade
lápis de memória: Bancada da bala
 
 
 

Deputados das Bancadas do Boi e da Bala realizam CPI contra camponeses, quilombolas, pequeno agricultor, populações ribeirinhas

CPI dos Sem Terra vai investigar os ricos ladrões de terras da União, dos povos indígenas, dos quilombolas? Não. Vai investigar sim os pobres camponeses, os que plantam alimentos para ser vendidos nas feiras. Vão investigar os camponeses que foram presos e torturados no golpe militar de 1964, que instalou uma ditadura que durou 21 anos. Vão investigar os sem terras perseguidos pelos governos Temer e Bolsonaro, perseguidos pela extrema direita, pela supremacia branca, pela Casa Grande colonial, nazi-fascista.

CPI vai favorecer os latifundiários nacionais e estrageiros, que têm a proteção da Bancada da Bala, das chacinas da Polícia Militar, das empresas de segurança, da campagada, dos pistoleiros de aluguel. Os grileiros pagam os assassinartos de defensores dos direitos humanos, de ambientalistas, de lideranças sindicais, de líderes comunitários.

Os latifundiários tocam fogo nas florestas, envenenam os rios e promovem o contrabando de madeira nobre, pedras preciosas, ouro, minérios estratégicos, produtos florestais, plantas medicinais. A grilagem patrocina o tráfico de pessoas, o trabalho escravo, a construção de aeroportos clandestinos, o contrabando de armas e drogas. 

A partir deste vídeo é possível entender mais a fundo de que maneira o crime de grilagem de terras públicas na Amazônia se desenvolve, desde o momento da invasão da terra até a aprovação de anistia para os invasores.

27
Abr23

#ToComMST vai aos trends após CPI que tenta criminalizar trabalhadores Sem Terra

Talis Andrade

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“Mata, mata os baiano!”: notas sobre o regime escravocrata no Rio Grande do Sul

 

247 - Após o anúncio da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as atividades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as redes sociais foram tomadas por manifestações virtuais de apoio ao movimento nesta quinta-feira (27), identificadas com a hashtag #ToComMST.

Apesar das tentativas da direita de demonizar e criminalizar o MST, alegando que o movimento comete invasões rurais ilegais sem propósito, os internautas ressaltaram a importância dos avanços promovidos pelo mesmo, como a democratização da produção e distribuição de alimentos, a luta pela Reforma Agrária e o desenvolvimento de Cooperativas e agroindústrias no país, entre outros.

Valmir Assunção
@DepValmir
 Defender o é lutar contra a fome, contra as desigualdades sociais e visualizar o trabalho cooperativo. Apoiar o MST é apoiar mais de 160 Cooperativas, 120 agroindústrias, 1900 associações e principalmente às mais 450 mil famílias assentadas. #TôComMST
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por Pedro Marchioro
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Entre 2013 e 2016, fui membro do Núcleo de Estudos do Polo Naval, grupo interdisciplinar que buscava abarcar as várias dimensões do fenômeno do Polo Naval de Rio Grande, cidade ao sul do Estado. Era quase impossível não estudar o quadro digno de filme: uma cidade tranquila que dispunha de um ritmo modesto em sua dinâmica comercial, com menos de 100 mil habitantes voltados a uma cultura semi-comunitária; economia apoiada nos serviços, no pequeno comércio, na pesca, o fator que a predispunha diretamente ao mundo era o antigo porto (desde finais do século XIX) e a Universidade de Rio Grande ainda recente em seu território.

 Como descrevi no livro Das migrações: processos culturais e construção da identidade no sul do Rio Grande do Sul, meu problema era um conflito pitoresco que se desenrolava entre os habitantes locais “gaúchos” e os “baianos”. À primeira impressão, um conflito entre aspas, sempre contado em tom de piada, como algo não sério, um resmungo dos gaúchos quase folclóricos, aquela figura que eles mesmos descrevem como bairrista, rude e grosseiro, incomodados com o jeito extrovertido dos “baianos”. O “baiano” era um mal-estar trazido com o polo, o movimento desestabilizante do cotidiano, os novos transeuntes, vizinhos, personagens do transporte público; eram as novas referências no real, as oscilações nos preços dos produtos básicos, a nova riqueza que a cidade prometia, a disputa por postos de trabalho com melhores condições. Em suma, como é frequente em contextos de mudança social, de entrada de novos atores (migrantes) em cena, a realidade escapava do controle dos nativos e os obrigava se movimentar, reajustar-se e isso causava reação e incômodo.

 O Rio Grande do Sul é (ou era) o estado com maior população proporcional de adeptos declarados das religiões afro no país, quase cinco vezes o número de praticantes na Bahia (IBGE, 2010). Essa é uma interpretação corrente na opinião pública, do “Rio Grande do Sul como o Estado dos extremos religiosos. Estão em território gaúcho o município mais católico, o mais evangélico, o mais umbandista, o mais islâmico e o mais mórmon do país”1. Pude perceber já nos primeiros dias de minha estada em Pelotas os sons, as cores e cheiros dessas manifestações. Em uma casa azul na esquina de uma rua de fluxo constante, ocorriam cerimonias umbandistas. Geralmente terças e quintas feiras, ouvíamos o batuque forte que alcançava as ruas, assim como os cheiros de velas, incensos e de gente reunida. Na calçada frente da casa, esbarrávamos com gente pintada, com saias coloridas, chapéus, braceletes e tornozeleiras instrumentais. Era um ambiente sedutor porque alegre, vibrante e sensual nas danças de mulheres lindas, homens fortes e drags ou homens com roupas e acessórios “de mulher” e assim por diante. Nessas noites, dormíamos embalados pelos tambores e cantos das vinhanças. Era um pequeno carnaval. E este terreiro em especial, que depois vim a frequentar, ficava exatamente na frente de uma grande igreja católica, na esquina contrária. Depois, frequentando a igreja, descobri que era tocada pela esposa do pai de santo do terreiro ao lado. Eis a manifestação concreta do sincretismo. 

Em período coincidente com o aumento do neopentecostalismo, dos casos de intolerância religiosa, e porque não da ascensão da extrema direita nacional com repercussões significativas no Rio Grande do Sul, também as instituições afros recuaram (ou se extinguiram). A Casa Azul, como chamávamos aquele terreiro, deixou de funcionar ali e, ao que fui informado, funcionava agora em Três Vendas ou Navegantes, bairros mais distantes do centro. Em 2005 e 2016, últimos anos em que vivi em Pelotas, já não se ouviam tambores pela noite, tampouco quaisquer elementos afros podiam ser vistos facilmente como antes. 

 Com a operação Lava Jato e a desnutrição do Polo, Rio Grande voltou à sua fisionomia anterior, apenas com esqueletos e ruínas do antigo “sonho do Eldorado”. Havia um sentimento de saudosista e mesmo de arrependimento dos bons tempos em que o problema era “os baianos”, aqueles que, de uma forma ou de outra, chegaram e foram embora junto com bonança. “Eles não eram tudo aquilo que falavam… Eu tinha muitos amigos baianos, cariocas, cearenses. Não tinha esse preconceito”, passei a ouvir junto a trabalhadores do polo ou dos serviços. Tudo parecia ter sido um mal entendido, uma briga de crianças que no fundo se gostavam. Essa era a impressão que pairava no deserto do pós-Polo naval. Mas, alguns anos depois o fantasma do “baiano” reapareceria e, acompanhando a tendência nacional, em piores condições.

 O ano é 2023, marca a derrota de Bolsonaro e início do terceiro mandato de Lula. As instituições engatinham ao retorno de suas funções normais após a destruição deliberada do estado social iniciada com o golpe de estado de 2016. Todos órgãos, sobretudo os da mão esquerda do Estado, para usar um conceito de Bourdieu, ou seja, as instituições destinadas ao cuidado, educação, saúde, proteção e seguridade social -, foram imediatamente atacadas. Tiveram suas razões invertidas: o Ibama desmatava e motivava o garimpo ilegal, a Funai e o Incra desmatava e dava o passe livre para o extermínio de indígenas, o Ministério da Educação negava a educação, desprezava a pesquisa, a pós-graduação, sabotava o ENEM, dava tiros no aeroporto, trocava emendas parlamentares por barras de ouro, forjava diplomas. A Fundação Zumbi dos Palmares foi chefiada por um racista puro sangue; o Ministério do Trabalho precarizava o trabalho, subsidiava o trabalho escravo.  

 O Ministério dos direitos humanos perseguia menores de idade vítimas de estupro que optavam pela interrupção da gravidez, censurava “desenhos gays”, definia cores adequadas a cada sexo, produzia informações falsas sobre povos indígenas – como vídeos em que pedia aos próprios indígenas que encenassem o enterro de crianças para depois apresentá-los como fato e evidência do infanticídio bárbaro e da necessidade de perda de guarda e adoção de suas crianças -, enfim, transformou-se em polícia do sexo, como sugere o próprio nome: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O Ministério da Saúde… Bem, esse foi o principal órgão publicitário da cloroquina, o responsável pelo título de “genocida” ao então presidente, por uma população desconfiada das vacinas, viciada e padecente dos efeitos colaterais do kit Covid, verdadeira panaceia desvairada: mistura de cloroquina, ivermectina, ozônio, contaminação de rebanho, religião e politica publica do mercado2. Por fim o Ministério da Justiça foi inicialmente ocupado por um dos principais personagens do golpe de 2016 e, em nosso caso em especial, que desmantelou as politicas industriais nacionais, as empresas de engenharia ligadas ao setor petroquímico e portanto ao Polo Naval3. E assim seguiu a descida ao inferno até a derrota daquela ingerência pelas forças populares.

 Nessa simples retomada da razão de ser das instituições em que ainda e nos encontramos  nesse primeiro ano de governo, descobrimos diariamente o lamaçal em que nos estávamos. O pouco que ainda restava de pé agonizava. Ao reanimar a fiscalização do trabalho veríamos em um prazo de três meses foram quase mil trabalhadores resgatados de cativeiros em situações degradantes análogas à escravidão, superando todos aos anos anteriores (no mesmo período) perdendo apenas para 2008. Os cativeiros eram propriedades diretas ou indiretas empresários diretamente ligados ao governo Bolsonaro. Os casos mais chocantes diziam respeito à situação degradante dos trabalhadores no Rio Grande do Sul. Quem eram? Os “baianos”, com aspas mais uma vez.  

 As denúncias de trabalho escravo em 2023 também se assemelham aos anos recordes de 2008, 2007, 2005 e 20034 nas regiões e segmentos do emprego forçado dessa mão de obra. Vê-se um padrão: estão vinculados a agropecuária, minério, aos setores sucroalcooleiros (cana de açúcar, etanol) e desmatamento. Em 2008, ano recorde de todo o histórico, a maioria dos casos denunciados estavam vinculados à pecuária (134). Em segundo lugar aparece o ramo de carvão (47). Já entre as libertações, o setor sucroalcooleiro liderou o ranking em 2008, com 2.553 trabalhadores que deixaram a condição análoga à escravidão, conforme registra a Comissão Pastoral da Terra5. Houve ainda sete casos compilados que uniram trabalho escravo e desmatamento – seis deles foram fiscalizados, com 83 trabalhadores libertados.  

 Até 2008, dentre os estados com maior concentração de flagrantes segundo a série histórica da CPT estão na região da Amazônia ligados ao desmatamento (Pará, Mato Grosso), Paraná, Santa Catarina, Maranhão, Goiás, Alagoas. Rio grande do sul não se destacava entre estes estados mas já estava ligado historicamente às atividades ligadas ao agronegócio desde as frutas – uvas, pêssegos, maçãs – até as vinícolas e arrozais historicamente presentes na região sul.

 Dos cerca de mil trabalhadores escravizados resgatados nos primeiros tres meses de 2023, 207 deles foram encontrados ainda em fevereiro, dia 22, por uma operação conjunta entre o Ministério do Trabalho e do Emprego, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Bento Gonçalves, na Serra do RS. Região celebre pelo passeio de trem com degustação de vinhos, pelas festas envolvendo os temas, ela representa o universo de reprodução dessa instituição histórica, para a maioria já superada, em condições atuais. Os trabalhadores, a maioria baianos mas contavam alguns gaúchos e argentinos, inclusive menores de idade, partilhavam de experiência próxima aquela dos escravos das plantations ou das charqueadas, o “inferno dos negros” para evocar o imaginário gaúcho6.  

 Os relatos se reforçam quanto à descrição do trato com os empregados das vinícolas: trabalhavam das 5h às 20 horas sem descanso, sem finais de semana. Eram obrigados a pousar no local mas deviam saldar suas dívidas por todos os acessórios utilizados (botas, roupa, lenços, panela). Comiam comida estragada, dormiam em alojamentos precários e insalubres, não dispunham de liberdade para ir embora, ou seja, eram obrigados a ficar sobre o risco de tortura: espancamentos, choques elétricos, spray de pimenta, ameaças de morte, tortura psicológica. Nas denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho, os trabalhadores gaúchos relataram que “apenas os baianos eram submetidos a torturas, choques e espancamentos”7. Um desses trabalhadores conseguiu fazer um vídeo mostrando marcas de tortura em si e nos colegas. O vídeo foi disparado nas redes sociais e resultou no fim de contrato de alguns clientes com a empresa beneficiaria do trabalho escravo. Eles foi trancado em uma sala e espancado por horas. Durante os golpes, os capangas gritavam: “mata, mata esse baiano! Vamos acabar com a raça dele. Ele tentou acabar com a nossa!”.

  Mas observemos a realidade social desse universo que consubstanciava de sentido - normal e positivo, aceitável e até defensável - esse tipo de prática. Alguns dias depois da publicização do resgate, no dia 27 de fevereiro, o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG), emitiu uma “Nota de Posicionamento8”. De início, faz uma rápida concordância com o apoio à fiscalização e punição “para com os responsáveis por tais práticas inaceitáveis”, para avançar em seguida em seu porém-todavia, e aqui estão os pontos de compreensão daquela realidade: “é fundamental resguardar a idoneidade9 do setor vinícola, importantíssima força econômica de toda microrregião.” As vinícolas são, “todas elas, sabidamente, empresas com fundamental participação na comunidade e reconhecidas pela preocupação com o bem-estar de seus colaboradores/cooperativados por oferecerem muito boas condições de trabalho, inclusive igualmente estendidas a seus funcionários terceirizados”.  

 Assim a nota finaliza com sua casuística real do trabalho escravo, “há muito tempo objeto de preocupação das empresas e do poder local”, qual seja: a submissão ao trabalho escravo pelo empregador é consequência da “falta de mão de obra e da necessidade de investir em projetos e iniciativas  (leia-se: por parte do poder público) que permitam minimizar este grande problema”. Pois “há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”. E a cereja do bolo, a solução apresentada:  “É tempo de trabalhar em projetos e iniciativas que permitam suprir de forma adequada a carência de mão de obra, oferecendo às empresas de toda microrregião condições de pleno desenvolvimento dentro de seus já conceituados modelos de trabalho ético, responsável e sustentável”.

  E essa é sua nota oficial de defesa e esclarecimento! O trabalho escravo é fruto da falta de mão de obra motivada pelo assistencialismo vicia os preguiçosos e parasitas do trabalho alheio, e que não deixa escolhas aos empregadores senão a de escravizar. Aparentemente não há aí nenhum sentido lógico. Como se segue da falta de mão de obra para a necessidade de escravização das poucas que sobrariam no mercado? Assim, a condenação maior é ao Estado (social, não-punitivo), que além de não ter projetos que supram essa carência de mão de obra, ainda erra em conceder benefícios e auxílios aos pobres. Resta, outrossim, uma defesa aberta, ainda que torta, do próprio direito de escravizar os pobres preguiçosos e parasitas em beneficio da sociedade.  

 Mas existe um fundo lógico que possibilita esses discursos. Entre o final dos anos 1980 e início dos 1990, no bojo do neoliberalismo, os projetos de “tolerância zero” que implica na criminalização da pobreza como “classe de parasitas que nos ameaça e vivem nas nossas costas”, como declarou uma autoridade dos Estados Unidos, “o Estado-providência deve ser arquivado a fim de salvar a sociedade da underclass, que já semeia a ruína social e a desolação moral das cidades […]”. E o alinhamento com o CIC de Bento Gonçalves é quase perfeito quando Lawrence Mead, um dos principais idealistas do Estado (social) mínimo descreveu em tom pseudocientífico, em colóquio na Inglaterra, que “o Estado deve evitar ajudar materialmente os pobres, deve todavia sustentá-los moralmente obrigando-os a trabalhar” (WACQUANT, 2001, p. 42-43).

 O presidente Clinton adotou como corretas, por exemplo, as análises segundo as quais “as uniões ilegitimas e as famílias monoparentais seriam a causa da pobreza e do crime”, e “a taxa das famílias monoparentais aumenta rapidamente; à medida que os orçamentos das ajudas crescem”. O mesmo palavrório que temos escutados no Brasil sobre o Bolsa Família e as mãe que teriam mais filhos só para se pendurar no auxílio. E é claro que os destinados a tais hostilidades eram pobres negros, sendo esta a raça, a substância e a pobreza e suas consequências (promiscuidade sexual, inclinação ao crime e à vadiagem) os predicados.  

 De forma mais espontânea, é Sandro Fantinel, um vereador de Caxias do Sul, cidade vizinha de Bento Gonçalves, então do partido Patriotas, que dá consistência e acabamento ao sentido daquele universo. Em sua fala, ao contrário do não estranhamento aparente da entidade representante dos acusados, o vereador estranha o oposto, estranha o espanto da sociedade com o que se passava nas vinícolas:  

Agricultores, produtores [rurais], empresas agrícolas que estão nesse momento me acompanhando, eu vou dar um conselho para vocês: não contratem mais aquela gente lá de cima. Todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palma. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem ao patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam. Agora, com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. Deixem de lado aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa para vocês não se incomodarem novamente. Que isso sirva de lição, Se estava tão ruim a escravidão, como alguns do grupo não quiseram ir embora?”10

Para concluir, e em auto-análise, entendo que um sentido evolucionista da história restava em nós, pesquisadores e sujeitos políticos, entre um pessimismo diário e um otimismo a longo prazo, e que foi arrebentado, destruído. As representações icônicas do Brasil colonial que guardávamos em casa ganharam novo sentido, aproximaram-se no tempo, no ontem, no logo ali. Debret e Rugendas estavam agora mais humanos, mais como nós.  

 O trecho da fala do vereador poderia ser transportado ao século XVII ou XVIII sem grandes modificações para o seu ajuste no caderno de caixa de um traficante de escravos ou senhor de fazendas. Mas a fala se produziu em 2023, e ganhou sentido em sua difusão, mesmo aos conscientes de seu deslocamento no tempo espaço. Mesmo estes, nós, acostumamo-nos com essas afirmações nos últimos anos no Brasil e no Mundo. A abundância de barbaridades nos embotou em alguma medida. A pergunta com que finalizo é de ordem tanto politica quanto científica: como foi possível esse reaparecimento de relações cujos sentidos, há alguns anos, parecia completamente absurdas e superadas? Um bug na realidade, a fratura no espaço-tempo em que fomos lançado ao passado pitoresco? Ou o presente velado que se desvelou.

Ps: Este artigo pode ser encontrado em versão expandida e detalhada na Revista Plurais, 2023, da UFPR.

 Ver link: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2012/06/dados-do-ibge-colocam-municipios-do-estado-como-campeoes-em-credos-3806966.html#:~:text=Apesar%20de%20ser%20o%20segundo,vezes%20%20percentual%20da%20Bahia.  

 2  Sobre o tema, publiquei um artigo na imprensa detalhando os embates e as primeiras politicas de saúde em relação à pandemia da Covid-19. Ver: https://www.brasil247.com/blog/5-razoes-para-a-des-politizacao-do-virus-chines  

 3  Publiquei um artigo sobre a Lava Jato como projeto de destruição da industria nacional de ponta. Ver: https://www.brasil247.com/blog/para-uma-hermeneutica-da-tagarelice-a-lava-jato-a-odebrecht-e-o-bale-imperialista 

 4  Segundo relatórios da Comissão Pastoral da Terra elaborado desde 1985.

 5  Ver link: https://reporterbrasil.org.br/2009/05/denuncias-sobre-trabalho-escravo-atingem-recorde-em-2008/ 

 6  A lenda popular do negrinho pastoreio é síntese desse inferno e é muito replicada no folclore riograndense.

 7  https://www.sinprodf.org.br/vereador-gaucho-faz-discurso-xenofobo-e-e-expulso-de-seu-partido/ 

 8  http://www.cicbg.com.br/noticia/nota-de-posicionamento/1699 

 9  Itálicos são meus

 10 https://www.cartacapital.com.br/sociedade/policia-abre-inquerito-para-apurar-declaracoes-xenofobicas-de-vereador-no-rs/ 

20
Mar23

O Bom, o Mau e o Feio

Talis Andrade
 
 
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As classes dominantes no Brasil são filhas naturais da Casa Grande, conservadoras, reacionárias, preconceituosas, autoritárias, violentas

 

por Francisco Calmon

As classes dominantes no Brasil são filhas naturais da Casa Grande, conservadoras, reacionárias, preconceituosas, autoritárias, violentas, entreguistas e cruéis. 

 É produto de um histórico de dominação/exploração e impunidade, desde os tempos da colônia. 

Os mais de três séculos de trabalho escravo (foi o último país da América Latina a abolir, no papel, a escravatura), deixaram sequelas intensas na sociedade e marcas ideológicas nas classes dominantes. 

 Soma-se a esses 388 anos as tentativas de golpes contra a democracia e as ditaduras geradas e teremos como resultado a impunidade como marca nuclear e DNA da nossa história.

O que esperar dessas classes de cinco séculos de impunidade? 

 O capitalismo tardio, dependente, herdeiro de um feudalismo com características escravocratas, não incorporou a participação popular e nem rompeu por completo com as velhas estruturas sociais, o que explica, em parte, ainda no presente haver relações de trabalho escravistas, como agora os 200 trabalhadores, recrutados na Bahia para a safra da uva no RG. Descobertos por conta da denúncia de três deles que conseguiram fugir.

Uma operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), escoltada pela Polícia Federal (PF), libertou 212 trabalhadores que labutavam em condições análogas à escravidão na lavoura de cana-de-açúcar, em Goiás, nesta sexta-feira, 17.

 Não são casos isolados, na década 1970/80 o emprego de trabalho escravo numa fazenda da Volks no sul do Pará foi descoberto, denunciado durante a ditadura, nada aconteceu, agora o caso voltou a ser investigado pelo MTE, é outro exemplo entre vários.

Novos ares com a derrota do ex-capitão genocida, vem estimulando as instituições e os movimentos socias a mais investigações, denúncias e processos.

 A escravidão no Brasil foi deveras cruel, como descrevi em meu artigo, no GGN, A Necessária Consciência de Rejeição, de 11 de março de 2019. https://jornalggn.com.br/artigos/a-necessaria-consciencia-de-rejeicao-por-francisco-celso-calmon/.

 Nos 388 anos de escravidão, os escravos se organizaram em diferentes e criativas formas de luta e resistência, nas fugas e na constituição de quilombos, mas, essa história foi abafada, falsificada. Ainda desconhecida da maioria da população. 

 O fim oficial da escravidão foi paradoxalmente desumano, pois os libertos de toda ordem se viram sem amparo e sem mercado de trabalho que os acolhessem dignamente.

 A compleição de leis e regras do mundo do trabalho foi tardia e autoritária como também a conquista de direitos e de organizações sindicais.

 A tutela do Estado nessa construção aparece como de cima para baixo, como dádivas dos governos.

 Esperar das classes dominantes do Brasil, compromisso, entusiasmo ou apoio ao governo Lula, não é só por conciliação de classes e pensamento desejoso, mas, outrossim, por ingenuidade teórica ou má fé política de quinta-coluna. 

 Esperar empatia e bondade dessas classes com os necessitados é crer em Papai Noel.

 A burguesa no mundo é cruel e sanguinária.

 Quanto melhor for o governo para o povo e para o Brasil, mais engrossarão as críticas e tentativas de desestabilização. 

 Elas temem o sucesso do Lula e do PT.

 Os ministros não têm correspondido em postura e narrativas as de Lula. Felizmente a presidenta do PT faz o contraditório no tom certo e necessário.

 Uma das causas e talvez a principal é que muitos deles são pretensos presidenciáveis. O que tem levado Lula a deixar aberta a possiblidade da sua reeleição. Isso segura alguns, mas, estimula a outros do campo à direita. 

 A mídia golpista procura abrir uma cunha entre os ministros do governo, estereotipando uns e outros, formando imagens de ocasião à luz de seus interesses a serviço, notadamente, do mercado financeiro. 

 Nesse diapasão vão imprimindo estereótipos de bonzinho, de mauzinho e de feinho, em relação aos seus parâmetros.

 Getúlio tentou fazer uma revolução social, levaram-no ao suicídio. Jango tentou, golpearam. Lula e Dilma foram tentando devagarinho, uma foi golpeada e o outro preso. 

 E Lula só concorreu em 2023 porque não encontraram outro com potencial para derrotar o genocida. 

 Não foi a súbita lucidez jurídica do STF e nem o arrependimento por terem sido partícipes do golpismo a redenção do Lula, foi por razões políticas.

 Mesmo assim, a direita não se engajou na transferência de votos, pelo contrário, arriscaram a eleição, para que o resultado não empoderasse demais o Lula e o PT. 

 Merval Pereira levantou esse “perigo”, de uma vitória larga, várias vezes, no jornal Globo e na Globo News, sugerindo dosar o apoio.  

 E a vitória foi por uma diferença estreita de 1.8%, pouco mais de dois milhões de votos.

 A semente da discórdia será exatamente o futuro 2026 no presente 2023.

 Temo por tantos suplentes no Congresso, substitutos dos ministros convidados para compor o governo.

 Congressistas de esquerda experientes estão no governo. Ocorre que o parlamento, as ruas e as redes sociais constituem os palcos principais na marcha da reconstrução da democracia.

 Nos governos I e II de Lula o PT foi desfalcado, atrofiou-se, no III é a bancada da esquerda a subtraída. 

 Se por um lado, os ministros eleitos para o Congresso frustram em parte seus eleitores, que votaram para vê-los no Parlamento, por outro, no governo, são mais fortes no desempenho de suas funções, exatamente pela mesma razão. Enquanto os ministros sem voto necessitam mais do respaldo do Lula.

 Com ou sem votos, todos os ministros precisam conhecer a história, para não esquecerem as lições e também dos protagonistas de outrora.

 Conversar, sim, fazer acordos quando necessários, sim, ceder quando inevitável, sim, mas tratar adversários ideológicos a pão de ló, nem na curva da encruzilhada da desesperança.

 Sem incorporar a participação popular não se rompe com as velhas estruturas sociais. Para isso, as pautas e embates institucionais devem ser também dos movimentos sociais. E cabe aos partidos fornecerem o combustível de agitprop às suas militâncias inseridas nesses movimentos. 

 Quando dormem e esquecem a hora, os militantes devem despertar as suas lideranças.  

 A hora é baixar imediatamente os juros!

 Quem é favor dos juros baixos? Todos! Quem é favor dos juros altos? O mercado rentista.

 A sociedade tem que ser a musculatura dessa empreitada contra os juros exorbitantes e por uma reforma tributária socialmente justa, e os movimentos sociais a sua vanguarda. A frente partidária de esquerda a direção.

 E os sindicatos, quando vão despertar da burocracia?  

 A oportunidade de conjugar luta institucional com a luta social está dada. 

 E o presidente do Banco Central, bolsonarista desafeto do Lula, carece de escracho da sociedade civil organizada.

 Nesse sentido saúdo a CUT que está convocando trabalhadores(as) e lutadoras(os) sociais para se manifestarem no dia 21, terça feira, em frente a cada sede regional do Banco Central, e, onde não houver, em local assemelhado, para exigir #jurosbaixos e #ForaCamposNeto.

 
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Em meio a inúmeros resgates de trabalhadores em situação análoga a escravos, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, autointitulado “príncipe do Brasil”, tem colhido assinaturas para aprovar uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que prevê a extinção do Ministério Público do Trabalho (MPT) e das cortes de Justiça especializadas na área trabalhista. A proposta recolheu 66 assinaturas de parlamentares. A maioria dos apoiadores da proposta é composta por deputados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, estados onde ocorreram os casos mais recentes de violação dos direitos trabalhistas. Estará o Congresso de acordo com a impunidade do trabalho escravo no País? E mais: O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu que há grandes possibilidades de que ele seja condenado pelas mentiras contadas durante a reunião com embaixadores em Brasília e fique inelegível após julgamento do caso no Tribunal Superior Eleitoral. E ainda: As investigações sobre os atos golpistas em 8 de Janeiro fecham o cerco. E CPI no DF aprova a convocação do general Augusto Heleno.

11
Dez22

Senzalas & campos de concentração

Talis Andrade

Jornal PASQUIM "Brasileiro é tão Bonzinho! É... Mas

 

Nos consideramos gente boníssima, mas somos?

 

por Alex Castro

O Brasil se considera uma nação boa e pacífica. Mas é só porque esqueceu ter sido a maior economia escravocrata de todos os tempos.

Muitas vezes, o sono tranquilo não é consciência limpa: é falta de memória.

"O melhor bife batido da cidade está na Lanchonete Doi-Codi!"

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Senzalas eram lugares de morte, tortura, exploração. Por que associar seu restaurante a ISSO?

No coração do centro histórico de Paraty, cidade colonial construída com o sangue e o suor de muitos escravos, em pleno mês da consciência negra, acabou de ser inaugurado um novo restaurante:

Senzala Churrascaria Rodízio.

Não deveria me chocar mas ainda me choco. Afinal, o que não falta, em todo Brasil, são estabelecimentos chamados Senzala.

Na Alemanha, pelo menos, não existe nenhum Restaurante Auschwitz.

Eles teriam vergonha.

 

As maravilhas do tráfico humano

Nesse cela, eram colocados para morrer de fome os escravos problemáticos. Elmina, uma maravilha da arquitetura colonial portuguesa!

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Em 2009, Portugal promoveu um concurso para escolher as "7 Maravilhas de origem portuguesa do mundo".

Dentre os vinte e sete indicados, muitos eram locais fortemente identificados com a escravidão, com a compra e com a venda, com a morte e com a tortura, com o desterro e com o desenraizamento de milhões de pessoas. Pessoas como eu e como você. Pessoas cujo sofrimento não deveria ser esquecido:

Por exemplo, o forte Elmina foi construído em 1482 para fazer ali o comércio de escravos, hoje abriga um museu onde os visitantes são convidados a visitar as celas onde os Africanos ficavam confinados antes de serem enviados para as Américas. No sítio da votação, encontra-se uma longa descrição do forte e nem sequer uma linha, uma palavra mencionando o tráfico de africanos escravizados. ...

É como se Auschwitz participasse em uma eleição das sete maravilhas alemãs no mundo.

(Leia mais ou confira a lista dos vencedores.)

 

A feliz união das raças da maior democracia racial do mundo!

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Todos são iguais... mas um tem maior expectativa de vida que os outros. Adivinha qual?

Ninguém realmente deveria ficar surpreso. No mundo lusófono, o apagamento da memória da escravidão sempre foi a regra.

A grande maioria dos brasileiros aprende na escola que nosso lindo país foi construído por brancos, negros e índios, todos felizes, de mãos dadas e cantando kumbayá. Como se a colonização do Brasil tivesse sido um comercial da Benetton.

Para manter a mentira primordial no cerne do nosso mito de origem, a escravidão nunca é mostrada em seu verdadeiro horror:

Sim, alguns de nossos avós escravizaram nossos outros avós, mas, no fim das contas, eram todos bons amigos, os escravos eram muito bem tratados e, olha só, pelo menos nunca tivemos as leis racistas dos EUA! No Brasil, país bondoso e generoso, até a escravidão era a melhor do mundo!

(Aliás, não faz sentido falar em "escravidão melhor" mas, somente nos Estados Unidos, a população escrava tinha crescimento vegetativo, ou seja, aumentava e se reproduzia. No resto da Américas, a mortalidade era tão alta que, mesmo com os nascimentos, era preciso sempre importar novos escravos. O Brasil foi o maior importador de escravos de todos os tempos porque aqui, nessa terra tão bondosa e tão pacífica, era onde eles mais rapidamente morriam. Esse artigo clássico de Herbert S. Klein explora essas contradições.)

 

Somos tão legais hoje que nem parece que éramos tão escrotos ano retrasado!

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Sim, vamos parar de falar de racismo! Afinal, essa tática tem dado tão certo no último século... (pra nós, brancos, claro!)

Um trecho do Hino à Proclamação da República, escrito em 1890:

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País…

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis.

Somos todos iguais! Ao futuro

Saberemos, unidos, levar

Nosso augusto estandarte que, puro,

Brilha, ovante, da Pátria no altar!

Somente um ano e meio depois de abolida, a escravidão já começava a ser sistematicamente lavada da memória nacional.

 

Escravidão e Holocausto, ensinados lado a lado

"Eu, Barack Obama, o 44º presidente eleito dos Estados Unidos, peço desculpas pela escravidão."

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Para muitos brasileiros, o bicho-papão racial são os Estados Unidos. Não podemos implementar cotas, pois senão "nos tornaríamos um Estados Unidos"; "temos muitos defeitos mas pelo menos não somos os Estados Unidos", etc etc.

Pois eu morei lá e morei aqui, e estudei a fundo a história da escravidão nos dois países. Somos ambos profundamente racistas, mas o Brasil é pior por um motivo:

A cultura do deixa-disso. Por pensarmos que o não-falar sobre o racismo e a escravidão vai resolver por si só o problema.

Enquanto isso, o presidente norte-americano, em visita a Gana, um dos principais portos exportadores de escravos, afirmou que a escravidão, como o Holocausto, é daquelas coisas que não pode ser esquecida.

Para Obama, a visita aos calabouços de escravos remeteu à sua viagem ao campo de concentração Buchenwald: ambos nos fazem lembrar da capacidade humana para cometer o Mal.

E completou afirmando:

A escravidão e o Holocausto deveriam ser ensinados nas escolas de modo a conectar a crueldade passada aos eventos atuais.

 

Homens que não entendem porque tanto alarde pelo câncer de útero

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"Nunca esqueça! Nunca esqueça! Sai dessa, pô!"

Desconfie sempre de quem fala "sai dessa" quando o "essa" é algo que ele nunca experimentou.

Afinal, do ponto de vista de quem está bem acomodado e seco no convés do barco, não há motivo pra se debater tanto lá embaixo no mar só porque tem água entrando nos seus pulmões... SAI DESSA!

 

"Por que esses cadeirantes preguiçosos não deixam de se fazer de vítima e sobem as escadas como todo mundo, hein?"

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A meritocracia do Brasil, em uma charge.

Pior ainda são aquelas pessoas (muitas negras) que são contra as cotas (e similares) argumentando que "nunca precisaram delas".

E eu faço uma cara pensativa e respondo:

Concordo, claro, como não? E tem mais, também sou contra esse negócio de diálise em hospitais públicos e rampas para cadeirantes nos prédios.

Oras, se passei a vida inteira sem precisar de nenhuma dessas coisas, é porque não são tão importantes assim, certo?

Afinal, dado que eu sou o centro do universo e a medida de todas as coisas, as pessoas só deveriam receber o que eu recebi e as únicas necessidades válidas são as que eu também tenho!

(Sobre isso, leia meu texto O assunto não é você.)

Somos os melhores em esquecer nossos crimes

Durante sete anos, morei em Nova Orleans, principal porto escravista norte-americano. Assim como o Rio de Janeiro, uma bela cidade, sexy e musical, turística e carismática, construída nas costas de escravos desesperados e agonizantes.

Um dia, enquanto passeava com meu cachorro pelo bairro universitário, uma soccer mom enfiava cuidadosamente seus quatro filhinhos, todos brancos e roliços, em seu jipão utilitário de luxo, também branco e roliço. Era uma senhora baixinha e gorducha, bochechas rosadas e orelhas de abano, carregando mochilas e merendeiras, parecendo dotada daquela infinita paciência que só uma mãe de quatro meninos pode ter. E, em seu para-choque traseiro, discretamente, estava o adesivo:

The South Will Rise Again (“O Sul se Erguerá Novamente”)

Como não se sentir ameaçado? Não conheço o contexto dessas palavras. Por tudo que sei, é um inocente desejo de revitalizar a economia local. Mas, ainda assim, nenhuma racionalização poderia apagar o meu calafrio ao ler aquela frase; nenhuma explicação lógica faria aquele adesivo soar menos sinistro. De certo modo, era como se o ressurgimento do Sul fosse indistinguível e indissociável do reescravizamento de toda uma raça.

E pensei: o Brasil foi tão ou mais escravista do que o Sul dos Estados Unidos, e resistiu por muito mais tempo até libertar seus escravos. Ainda mais doloroso pra mim, dos nove únicos deputados que tiveram a cara-de-pau e a temeridade de votar contra a Lei Áurea em pleno maio de 1888, já na véspera do século XX e na contra-mão de todos os ventos filosóficos do XIX, oito eram do Rio de Janeiro. Legítimos representantes eleitos do meu estado.

Entretanto, não ficamos nem o Rio e nem o Brasil maculados por essa nódoa. Um adesivo “O Brasil Crescerá” despertaria calafrios? Claro que não. Nem o Paraguai tem medo do Brasil. E concluí, aliviado: ainda bem que pelo menos o bom nome do meu país e do meu estado não estão ligados à escravidão.

Um segundo depois, bateu o estranhamento: mas… por que não?

A falta de calafrios não corresponde à falta de crimes. O Sul dos EUA teve, no Norte, um vizinho incômodo que manteve viva a memória de seus crimes. Já em nosso caso, simplesmente varremos nossos crimes para debaixo do tapete.

Não somos mais virtuosos: somos melhores em esconder o corpo.

(Ao contrário do que muita gente pensa, a Abolição não foi um "presente da monarquia", mas uma lei disputada voto a voto no Parlamento, somente sancionada pelo Poder Executivo, naquele momento representado pela Princesa Isabel. Mais detalhes nesse meu rascunho de uma História da Abolição.)

 

"Shoah", um documentário impossível

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"Shoah", o fim da viagem.

Shoah é uma palavra íidiche que significa "calamidade". Para muitas pessoas, é um termo preferível à Holocausto – que, afinal, significa "oferenda aos deuses".

"Shoah" também dá título a uma das grandes obras de arte, de qualquer arte, do século vinte, realizado pelo boy-toy de Simone Bouvoir, Claude Lanzmann.

São nove horas de filme, sem nenhuma imagem de arquivo: são somente depoimentos, e depoimentos, e depoimentos. Lanzmann entrevista três tipos de pessoa: sobreviventes, algozes (oficiais de campos de concentração) e testemunhas (poloneses que moravam perto dos campos).

Com os sobreviventes, Lanzmann é implacável. Ele praticamente os obriga a falar:

“Não foi uma crueldade fazê-las reviver, através da fala, tudo o que sofreram, no caso dos judeus. Era absolutamente necessário. Não acho que tenha sido sádico, mas fraternal. Durante as entrevistas, eu toco suas mãos, seus ombros, seus braços. Uma forma de dizer ‘eu estou com você’. Não faço interrogatórios para que alguém se diga culpado. Eles sofrem. Mas eu também sofro. Eu não os torturei. Eles se sentiram liberados. Eu não estava falando com uma pessoa qualquer, mas com um grupo muito especial de sobreviventes – e não há mais do que um punhado deles no mundo”.

Abaixo, talvez a cena mais emocionante no filme. O barbeiro não consegue falar, mas Lanzmann pressiona (em inglês):

Link YouTube | "Shoah", e a impossibilidade de lembrar

"Shoah" é um filme de insuportáveis silêncios: das nove horas de filme, cinco horas e meia são de puro silêncio. Diz Lanzmann:

"Não é uma reconstituição, não é uma ficção, não é um documentário. O filme é uma ressurreição, uma reencarnação, tem uma arquitetura, uma construção em torno de uma obsessão pessoal. Eu fazia sempre as mesmas perguntas, geralmente referentes à primeira vez. E não tinha nenhuma intenção de acusar, denunciar, culpar. Nada disso, isso não me interessava.

Houve uma decisão consciente de fazer um filme sobre o presente, e não sobre o passado:

"O pior dos crimes, ao mesmo tempo de ordem moral e artística, quando se quer consagrar uma obra ao Holocausto, é considerá-lo como passado. Meu filme é uma anti-lenda, um contra-mito, vale dizer, uma investigação sobre o presente do Holocausto ou, ao menos, sobre um passado cujas cicatrizes estão ainda tão fresca e vivamente inscritas nos lugares e nas consciências que ele se dá a ver numa alucinante intemporalidade. ... Os homens e as mulheres que falam diante da câmera dão sempre a impressão de não estarem contando lembranças, mas de as viverem mesmo, com força e clareza, no presente. ... Enquanto fazia o filme, a distância entre o presente e o passado foi totalmente abolida. Em Treblinka só havia pedras, filmei as pedras como um louco, por todos os lados. Quando o espectador vê as pedras de Treblinka, ele vê os judeus sendo mortos. Da mesma maneira que quando o trem chega a Treblinka o espectador vê a tabuleta com o nome do campo exatamente como os judeus que iam para morte deviam ver. É um ato de cinema muito violento. Por isso o filme é fundamentalmente uma invenção, não uma lembrança. ... O filme é sobretudo uma ressurreição, as pessoas entrevistadas revivem aquele tempo de tal maneira que, quando falam, até alternam os tempos dos verbos – presente e passado. ... No filme, quando as pessoas falam, confundem presente e passado. Na mesma fala, dizem: eu estava lá e pouco depois: eu estou lá."

Mais do que tudo, é um filme sobre a impossibilidade de recordar, de conceber, de articular o Mal:

Comecei precisamente com a impossibilidade de recontar essa história. Situei essa impossibilidade bem no início do meu trabalho. Quando comecei o filme, tive que lidar, por um lado, com o desaparecimento dos vestígios: não havia coisa alguma, absolutamente nada, e eu tinha que fazer um filme a partir desse nada. E por outro lado tive que lidar com a impossibilidade, até mesmo dos próprios sobreviventes, de contar essa história; a impossibilidade de falar, a dificuldade que pode ser vista ao longo do filme de trazer luz e a impossibilidade de nomear: seu caráter inominável.

Para celebrar os 30 anos de sua estréia, "Shoah" está sendo lançado em DVD pelo Instituto Moreira Salles. Recomendo nos mais enfáticos termos.

Mas não assista sozinho. É muito duro.

(Sobre "Shoah", leia também: A dificuldade de falar de "Shoah" e It's a beautiful thing.)

 

O Holocausto foi terrível mas não foi único

Estudo raça e racismo há muitos anos. Um dos meus livros preferidos sobre o tema é The Racial Contract, de Charles W. Mills.

Segundo Mills, o racismo seria um sistema político e uma estrutura de poder baseados em um Contrato Social (na verdade, um Contrato Racial) no qual os membros da raça dominante formariam um acordo tácito de, ao mesmo tempo em que garantem para si a maior parte das riquezas/oportunidades/etc da sociedade, também consentem em não ver o próprio sistema, criando assim a “alucinação consensual” de um mundo sem raças, meritocrático e igualitário, que passa a mediar sua interpretação da realidade.

Raça, para eles, sera invisível porque o mundo seria estruturado em função deles; eles seriam a norma em oposição a qual seriam medidas as pessoas de outras raças (“esses outros tem raça, não eu!”). Assim como o peixe não vê a água, os membros da raça dominante não veriam o racismo.

Mills também embarca em uma comparação perigosa, mas praticamente inevitável, entre o racismo e o Holocausto.

Visto de fora pelos não-europeus, que sabem na pele que a civilização européia se baseia em praticar barbarismo fora da Eueropa, o Holocausto não representaria “uma anomalia transcendental no desenvolvimento do Ocidente”, mas, pelo contrário, sua unicidade estaria apenas no aplicação do Contrato Racial contra europeus.

Ao colocar o Holocausto no contínuo cultural de outras políticas exterminatórias colonialistas européias, Mills não deseja negar o seu horror, mas somente sua singularidade histórica.

Tudo o que o nazismo tinha de operacional já vinha sendo aplicado, legitimado, tolerado, negado e esquecido pelos europeus há muitos séculos: a maior transgressão de Hitler seria aplicar contra europeus métodos que antes eram aplicados exclusivamente contra árabes, negros e índios.

A própria percepção do Holocausto, de um horror tão fora de escala e colocado num plano moral muito diferente de todos os outros massacres de não-europeus por toda a história, seria evidência da força ideológica do Contrato Racial.

Além disso, ao narrar o racismo como uma invenção aberrante de figuras como Gobineau e Goebbels, o Holocausto presta à intelligentsia européia do pós-guerra um importante serviço: sanitizou seu passado racial.

Link YouTube | "Nação do Medo", legendado, completo, um filmaço de ficção científica.

Por fim, Mills cita o romance de ficção científica “A Nação do Medo” (Fatherland), que mostra um futuro alternativo onde os nazistas ganharam a guerra e nunca existiu a memória do Holocausto.

Na verdade, aponta Mills, nós JÁ vivemos nesse mundo não-alternativo: a única diferença é que os vencedores foram outros, mas eles também apagaram a memória dos massacres que cometeram, esvaziando sua importância e subtraindo seu ultraje.

Daí o esquecimento dos horrores da escravidão.

(O livro de Mills é realmente brilhante: leia minha resenha completa.)

 

O Epcot da escravidão nos Estados Unidos

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Em Williamsburg, escravo é perseguido.

Mas se devemos lembrar sempre a escravidão... como?

Nos Estados Unidos, a cidade de Williamsburg oferece uma janela ao passado. Em troca do passe diário de US$36, o visitante passa o dia em uma "autêntica" vila colonial, onde tudo é como antigamente (menos os banheiros!), todos estão vestidos à caráter, em roupas de época, falando em vocabulário antigo, essas coisas. É um dos destinos turísticos e educacionais mais famosos do país.

Entretanto, sempre foi criticado por apresentar uma versão muito fácil, sanitizada e maniqueísta da história. Mais do que tudo, cadê os escravos? Afinal, na época da colônia, os Estados Unidos tinham escravidão e metade da população de Williamburg era negra.

Hoje em dia, o parque faz um esforço consciente (e polêmico, claro) para retratar a escravidão: além de incluir mais atores negros, criou-se também um "passeio" chamado Enslaving Virginia ("Escravizando a Virgínia") especificamente sobre os horrores da escravidão.

Deve ser horrível mesmo: vários atores negros já se recusaram a interpretar os escravos (por considerar muito humilhante), as crianças choram tanto que foram criadas sessões explicativas posteriores para enfatizar que era tudo faz-de-conta e já aconteceu de visitantes interromperem o passeio para "salvar os escravos".

Melhor assim. Preferível ser repelido por um simulacro do horror que nos gerou do que fingir que ele nunca existiu.

 

Encenação da escravidão à brasileira

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O guia do engenho, vestido de escravo, se oferece para ser chicoteado pelos turistas.

E no Brasil?

Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, já foi uma das cidades mais ricas do país, no centro da região que produzia a mais importante riqueza nacional: café. Hoje, é uma cidadezinha de vinte mil habitantes, que vive dos turistas que atrai com seus palacetes e fazendas coloniais – algumas com polêmicas encenações históricas.

Na fazenda São João da Prosperidade, há cinco gerações com a mesma família, a proprietária recebe os turistas vestida de sinhá e suas empregadas, de escravas:

Da janela, aponta a senzala: "Tenho 300 escravos" orgulha-se, voz impostada e dedo em riste. De repente, entra correndo pela varanda uma negrinha com remendos de algodão e cabelos presos em tranças. A menina, de apenas seis anos, se agarra à barra da saia da sinhá, põe o dedo polegar na boca e fixa os olhos nos visitantes. Basta um gesto da sinhazinha para que a pequena escrava abaixe a cabeça e saia da sala. "Não vê que estou com visitas?" – esbraveja a senhora. A menina vai brincar no alambique. Pouco depois, uma mucama adentra o salão, sob ordens de servir café aos convidados. (fonte)

Em uma fazenda próxima, Cachoeira Grande, que eu visitei agora em novembro, são só os empregados que estão vestidos à caráter: os proprietários se vestem e falam como se estivessem no século vinte.

Mais para o norte, na Zona da Mata de Pernambuco, o engenho Uruaé também encena a escravidão:

Vestido como "escravo da casa", o jovem guia mostra o "quarto da sinhazinha" e explica a genealogia da família proprietária do engenho através dos retratos na parede. Na senzala, que chegou a ter 300 escravos de uma vez, ele coloca uma peça de ferro no pescoço e anuncia, sorridente: "Quem era moreno como eu era aqui". O mais constrangedor vem depois, do lado de fora: o guia se amarra no tronco e pede que um voluntário simule açoitá-lo. Foi difícil arranjar alguém disposto a interpretar o papel. (fonte)

O engenho Uruaé também está na mesma família há sete gerações. Durante a visita, a proprietária afirma:

"A gente tem mais é que se orgulhar dos nossos que vieram antes. Nós ainda não fizemos nada."

Fui só eu que achei esse "ainda" um pouco sinistro? O que essa senhora ainda está planejando fazer, meu Deus? Re-escravizar todo mundo?

Mas isso é implicância minha. A raiz filosófica do problema é outra:

Como retratar os horrores do passado?

 

Qual é a medida certa do horror?

As encenações históricas da escravidão nas fazendas coloniais parecem não agradar ninguém.

Por um lado, argumenta-se que elas não são horríveis o suficiente. Que encenam somente os aspectos mais, digamos, reprodutíveis da escravidão, aqueles por definição mais doces e inofensivos. Que perpetuam a ideia de que a escravidão era somente uma forma de trabalho entre tantas outras.

Afinal, se a escravidão é algo que uma doméstica contemporânea pode reproduzir, se a escravidão se resumia a se vestir de branco e trazer café pra uma mulher que você chama de "sinhá", bem, então não era tão ruim assim, né? (Ou talvez ser empregada doméstica é que é horrível demais, mas não entremos nisso.)

Por outro lado, argumenta-se que são horríveis demais. Que mesmo doces e meigas, ainda mais quando encenadas pelos descendentes das vítimas, são sempre humilhantes:

Outros, no entanto, não sabem como reagir diante da interação realista dos 'escravos', que circulam vestidos em pobre algodão e, não raro, se curvam para obedecer às ordens da sinhazinha. "Será que esta criança tem idéia do que está fazendo? Ela ainda não tem idade para entender e pode ficar com a idéia de que deve se comportar como escrava, de que isso é normal" - indigna-se uma visitante paulistana, depois de recusar um copo d'água servido pela 'mucama'.

Já o historiador Milton Teixeira, que trabalha como guia de turismo nas fazendas do café, defende a prática:

Não é degradante representar um escravo. Se o turista se sente incomodado, muito bem. O passado de escravidão tem de incomodar bastante, e não deve ser esquecido. ... Ora, representações são feitas em toda parte do mundo. Na Europa, tem famílias pré-históricas; nos Estados Unidos, há simulação das batalhas da Guerra de Secessão, e, aqui no Brasil, é natural que haja uma encenação com escravos. Muito pior seria querer mostrar que não houve escravidão. (fonte)

Não deixa de ser simbólico que muitas dessas fazendas ainda estejam nas mãos das mesmas famílias. Ontem, lucraram nos ombros de seus escravos plantando cana ou café. Hoje, a mesma família continua lucrando nos ombos dos descendentes dos escravos, agora reduzidos a guias de turismo que reproduzem para turistas curiosos o horror da vida de seus avós.

Como escreveu o historiador e jornalista Fabiano Maisonnave, para a Folha:

De forma explícita ou não, as visitas aos engenhos transformam esses verdadeiros campos de concentração numa bufonaria, diluindo um dos piores crimes da humanidade, principal responsável pela imenso fosso social brasileiro, em um exemplo acabado do "racismo cordial". A escravidão é exaltada, a casa-grande, absolvida, e a cana-de-açúcar, revalorizada como "energia renovável", se torna bênção econômica do passado e do presente.

Mas como reproduzir de forma correta e didática o verdadeiro horror da escravidão? Como mostrar os corpos jovens mas enfraquecidos e fragilizados pelo criminoso excesso de trabalho? Como mostrar as marcas da tortura? Como mostrar as frequentes mutilações causadas pelo machete durante o corte da cana ou pelas engrenagens dos engenhos durante a moagem? Como mostrar as feridas emocionais de famílias desfeitas e de vidas sem esperança? Como mostrar os escravos revoltosos que davam e tiravam vidas para não voltarem ao cativeiro?

Será possível mesmo começar a quantificar esse horror? Quem dirá reproduzi-lo?

Existem encenações históricas em Auchwitz? O que o mundo pensaria de ver sorridentes atores descendentes de arianos brincando de depositar chorosos descendentes de judeus dentro dos fornos? Mas é só mentirinha, gente! É educacional!

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Holocausto reencenado na Polônia. Grande idéia. Só que não.

(Na verdade, como o instinto humano da burrice é inesgotável, já houve tentativas de encenar o holocausto, como essa aqui na Polônia. Muitas vezes, dá merda e acaba em processo, como dessa vez no Texas.)

 

Escravidão: essa pica é nossa!

A escravidão africana nas Américas foi talvez a maior tragédia da Era Moderna.

Estima-se que cerca de 11 milhões de pessoas tenham sido transportadas à força da África para a América.

(Outras estimativas mais agressivas calculam que cerca de 40 a 75 milhões de vidas africanas tenham sido perdidas por causa do tráfico, entre mortos em guerras para obter escravos, em emboscadas para capturar escravos, ou em marchas forçadas para os portos exportadores de escravos no litoral.)

Dentre as muitas nações responsáveis por esse lucrativo e criminoso tráfico, os maiores culpados são os portugueses.

(Principais transportadores de escravos para as Américas: Portugal, 4,6 milhões; Reino Unido, 2,6 milhões; Espanha, 1,6 milhão.)

Dentre as muitas nações que receberam esses escravos e que construíram sua riqueza nas costas deles, o maior culpado é o Brasil.

(Principais destinos de escravos nas Américas: Brasil, 4 milhões; América Hispânica, 2,5 milhões; Índias Ocidentais Britânicas, 2 milhões.)

Reparem no tamanho da seta que nos cabe.

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Dentre os muitos portos brasileiros que receberam essa massa humana desgraçada, o principal foi o Rio de Janeiro. (Dos nove deputados que votaram contra a Lei Áurea, vamos lembrar, oito eram da província do Rio.)

Além disso, quem inventou esse lucrativo e terrível modelo de negócios foram os próprios portugueses – não por acaso, os primeiros homens brancos a explorar sistematicamente a África. Em 1441, Antão Gonçalves teve a dúbia honra de se tornar o primeiro europeu a comprar e trazer para casa escravos africanos.

Depois disso, a história se desenrolou rapidamente, comprovando o tino comercial dos portugueses: já em 1452, arrancaram do Papa uma bula autorizando-os formalmente à escravizar os infiéis; em meados de 1470, estavam comerciando escravos no golfo do Benim e no delta do rio Níger; e, finalmente, em 1482, construíram a Fortaleza de São Jorge da Mina, em Gana, que em 2009 seria indicada candidata a "maravilha de origem portuguesa do mundo".

(Por si só, a escravidão é mais antiga que andar pra frente. Todos os povos de todos os continentes de todas as épocas já tiveram algum tipo de escravidão, mas quase sempre cerimonial e economicamente insignificante. A escravidão africana nas Américas é um novo tipo de fenômeno humano porque, pela primeira vez, temos nações economicamente dependentes de milhões de escravos que compõem muitas vezes a maior parte de suas populações.)

Por fim, muitos e muitos séculos depois, no outro extremo dessa triste história, a última nação das Américas a abolir essa escravidão africana inventada pelos portugueses, a nação que mais teimosamente se agarrou aos seus escravos até o último minuto possível, foi justamente a nação gerada do ventre português: o Brasil. Nós.

De um modo bem real e doloroso, é difícil evitar a conclusão que esse enorme crime contra a humanidade é, em grande parte, uma responsabilidade lusófona e, dentro disso, brasileira. (E, mais especificamente ainda, e não que os outros estados sejam inocentes, carioca e fluminense.)

Passei seis meses na Alemanha durante a década de noventa. Mesmo cinquenta anos depois da Segunda Guerra, mesmo entre meus amigos adolescentes cujos pais nem eram nascidos durante a guerra, basta uma menção a nazismo, Holocausto ou Auschwitz para fazê-los abaixar a cabeça em silêncio, envergonhados, culpados, tristes.

Nós, brasileiros, se tivéssemos vergonha na cara, se tivéssemos um pouco mais de memória, faríamos a mesma coisa ao ouvir menções a senzala, navio-negreiro, escravidão.

Essa pica é nossa.

 

Cais do Valongo, o elevador de serviço do século XIX

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Desembarque de escravos no Cais do Valongo, pintado por Rugendas em 1835.

No Rio de Janeiro, o principal porto de desembarque de escravos foi o Cais do Valongo. Estima-se que, entre 1758 e 1843, tenham chegado por ele quase um milhão de pessoas. (897.748, segundo o The Transatlantic Slave Trade Database.)

Provando que não foi de repente que nos tornamos o povo que faz subir pelo elevador de serviço a doméstica que faz o nosso serviço sujo, em 1770 o desembarque de escravos é proibido no porto principal da cidade (onde hoje fica a Praça XV e o Paço Imperial) e transferido exclusivamente para o distante Valongo.

Afinal, quando se está chegando de um grand tour pela Europa, a última coisa que se quer ver é um escravo nu agonizando no cais perto de você! Pelo amor de Deus!

Por fim, em 1843, cada vez mais envergonhado com a escravidão que lhe pagava as contas, o Império desativa e aterra o Cais do Valongo, construindo por cima dele o elegante Cais da Imperatriz.

E fim de história. Assim esqueceu-se o Valongo. Afinal, nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país!

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Uma escavação arqueológica em pleno centro do Rio de Janeiro.

Fast-forward para o presente. Em meio a um frenesi de obras para preparar o Rio de Janeiro para a Copa e para os Jogos Olímpicos, a prefeitura acabou de descobrir e desencavar o Cais do Valongo em pleno centro da cidade.

Agora reformado e reembalado para turistas ("são nossas ruínas romanas!", disse o empolgado prefeito), o Cais do Valongo foi inserido no recém-criado Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, ao lado de outras atrações como a Pedra do Sal, o Cemitério dos Pretos Novos (onde eram enterradas as vítimas da travessia atlântica) e os Jardins Suspensos do Valongo, esses últimos uma das coisas mais lindas e surpreendentes que já vi nessa cidade. (Veja o mapinha abaixo.)

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O recém-criado Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, no Rio de Janeiro.

Mas que não seja só um espaço para turista tirar fotos.

O que falta ao Brasil e ao Rio de Janeiro, e o que esse circuito histórico pode começar a timidamente fornecer, é uma verdadeira compreensão dos horrores que engendramos, um pálido retrato do terror que aconteceu (e ainda acontece) debaixo dos nossos olhos, nesse nosso chão, na nossa senzala, no nosso quartinho de empregadas.

O texto que você está lendo só existe porque calhei de visitar o Cais do Valongo no dia seguinte de assistir "Shoah".

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O Cais do Valongo, hoje, aberto à visitação pública.

 

É possível quantificar o horror?

O Holocausto perpetrado pelos alemães matou cerca de seis milhões de judeus, um terço de todos os judeus no mundo. Além de incontáveis milhões de outras pessoas.

Não é minha intenção negar nem suavizar esse horror.

Mas não foi nem de longe o único horror perpetrado por europeus em sua longa história de horrores.

É impossível visitar lugares de tortura e morte como Auschwitz, Treblinka, Sobibor sem uma atitude de respeito e reflexão, sem pensar na memória das centenas de milhares de pessoas que sofreram ali.

Mas por que nós, brasileiros, não temos a mesma atitude ao visitar uma senzala, o Pelourinho (onde os escravos eram castigados publicamente) ou o Cais do Valongo?

Auschwitz matou 1,1 milhão de pessoas, Treblinka, 900 mil, Sobibor, 200 mil.

Enquanto isso, o Brasil recebeu 4 milhões de escravos, sendo que um milhão só pelo Cais do Valongo, logo ali, no centro do Rio.

Quem consegue compreender a enormidade desses números? Quem consegue quantificar tamanho sofrimento?

 

O passado é presente

Por isso, ali de pé diante do Cais do Valongo, um dia depois de assistir "Shoah", eu tentei esquecer os números e somente imaginar como teria sido a experiência individual, una, indivisível, de pisar em terra firme ali, naquelas pedras, naquele chão.

Imagino que fui arrancado de minha família e de tudo que conheci; que atravessei o oceano cercado de pessoas agonizantes em um navio infecto; que não pude trazer uma roupa, um livro, nenhum objeto pessoal; que não sabia se jamais veria minha terra; que estava condenado a um castigo literalmente e potencialmente infinito, pois a escravidão não seria apenas minha, mas sim herdada por todos os meus descendentes até o fim dos tempos.

Imagino que o Rio de Janeiro, para mim, escravo recém-chegado, era um lugar desconhecido e cheio de horrores. Era o porto onde meus companheiros mais fracos vinham morrer. Era o chão onde começava a escravidão do meu corpo. Era minha primeira experiência nesse novo mundo onde seria cativo e explorado.

Imagino então que hoje o Rio de Janeiro continua sendo um lugar de horror para os meus descendentes, que são ao mesmo tempo a maior parte das vítimas de assassinato e também a maior parte da população carcerária, e ainda têm que ouvir que racismo não existe no Brasil.

Tudo isso aconteceu ontem, e continua acontecendo hoje. O passado, como uma pedra jogada no lago, cria ondas concêntricas na água e repercute no presente. O passado é o presente.

As cotas raciais são necessárias hoje não para corrigir as injustiças históricas do passado, mas para corrigir as injustiças cotidianas de hoje. As cotas raciais são necessárias porque hoje a Polícia Militar não invade do mesmo jeito a cobertura do descendente do escravista e o barraco do descendente do escravo.

O que fica claro é que não dá pra pensar nesses fenômenos como se pertencessem a universos tão diferentes assim. Não faz sentido chorar assistindo A Lista de Schindler e depois ir espairecer tomando o milkshake do Senzala.

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Esse texto faz parte do livro Outrofobia: Textos Militantes, publicado pela editora Publisher Brasil em 2015. São textos políticos, sobre feminismo e racismo, transfobia e privilégio, feitos pra cutucar, incomodar, acordar.

Outrofobia, o espetáculo | alex castrooutrofobia | alex castro

 

11
Dez22

Campo de concentração e senzala a céu aberto

Talis Andrade

DIREITO À MEMÓRIA: Senzala urbana

 

por Ricardo Mezavila

 

Esse texto tem sua origem no século XV e não traz nenhuma novidade, desde que africanos, sobreviventes das longas e insalubres viagens nos porões dos navios, tornaram-se mercadoria nas mãos dos colonizadores europeus, dando início à escravidão moderna. 

A prática da escravidão mudou após as abolições mundo afora, porém o conceito permanece nos dias atuais. O que são os extermínios cometidos pelo Estado nas favelas?  

Com o nome de ‘operação contra o tráfico’, policiais militares invadem casas onde vivem famílias pobres e desassistidas pelo próprio Estado e aterrorizam, principalmente crianças, com bombas de gás e tiros de fuzil. 

Essas ‘operações’ não são de hoje, porém, atualmente, são chacinas institucionalizadas e legitimadas pelo presidente da república. O crime cometido pela polícia do Rio em Vila Cruzeiro, onde mais de vinte pessoas foram assassinadas com munições do Estado, recebeu elogios do presidente Bolsonaro. 

Repito, as ‘operações’ não são de hoje, mas os agentes públicos sentem-se empoderados quando recebem elogios vindos de cima, aliás, condecorar bandido travestido de policial é uma prática antiga do atual ocupante do Planalto. 

A normalização da barbárie atingiu um nível de excelência, que até a polícia rodoviária federal, que sempre passou a imagem de credibilidade para a população, parece ter entendido que os tempos são outros, e que a violência deve ser praticada como método de abordagem ao cidadão pobre e preto. 

Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, foi abordado por agentes da PRF em Umbaúba, Sergipe, por pilotar uma motocicleta sem o uso do capacete.  

Genivaldo, que usava medicamentos controlados por conta de esquizofrenia, ficou nervoso e foi imobilizado pelos agentes que usaram ‘técnica de menor potencial ofensivo’, depois foi colocado dentro do porta-malas da viatura junto com gás jogado pelos agentes, vindo a morrer por asfixia e insuficiência respiratória.  

As ações bárbaras promovidas pela polícia acontecem sem constrangimento, à luz do dia, na mira de câmeras de celulares que não inibem a crueldade que praticam em nome da ‘segurança pública’ porque, agindo assim, como os antigos colonizadores, pode motivar elogios e medalhas. 

Como na letra da música revanche de Bernardo Vilhena: ‘Quem é que vai pagar por isso’? 

11
Dez22

Uma desigualdade sem igual

Talis Andrade

Rosana Paulino, As amas. Instalação na Senzala da Fazenda Mato Dentro, Campinas, São Paulo. Fitas de cetim, cerâmica, papel machê, fotografia digital, vidros de relógio, parafina e pétalas de rosas brancas. Dimensão variável, 2009. Fonte: <http://www.rosanapaulino.com.br/blog/tag/senzala/>.

Rosana Paulino

 

A história e intensidade da desigualdade brasileira demonstra o colapso de premissas e de pressupostos naturalizados e nunca validados no Brasil

 

por José Machado Moita Neto 

- - -

A música Quanta, de Gilberto Gil, tem duas particularidades para mim. A primeira é que a qualifico como a pior criação artística do autor. Não tenho o que temer sobre o patrulhamento ideológico dos seus fãs porque quem tem uma vasta obra, em algum momento, pisa na bola. Também, sugiro que não leiam Clarabóia de Saramago e nem Como escrever uma tese de Umberto Eco, pois são obras que não representam a grandeza de seus autores.

A segunda particularidade é trazer ao público o significado etimológico de teoria (θεωρία). Toda teoria é uma contemplação, uma visão particular de mundo. Isto não é diferente para teorias científicas, teorias econômicas ou teorias políticas, apenas para citar algumas. A ponte que você trafega ou o edifício (arranha céus) que você admira são obras materiais que se assentam sobre um grande conjunto de teorias.

Economistas ortodoxos e heterodoxos têm algo em comum. O mesmo pode ser dito de partidos de esquerda e de direita. Todos se fundamentam em teorias. As teorias têm pressupostos explícitos, implícitos e até desconhecidos. Numa construção de uma ponte ou nas grandes obras de engenharia pressupostos explícitos e implícitos são checados em sua validade e até se adiciona um coeficiente de segurança para os aspectos desconhecidos. Menos rigor é observado nas teorias econômicas ou nas teorias políticas que inspiram os atuais políticos e economistas.

Os pressupostos, de qualquer tipo, são admitidos ideologicamente como fatos dados, pertencentes ao mundo real, independente das condições e contextos em que se anunciam. Assim, aquilo que deveria ser pressuposto de uma visão de mundo, construída para interpretar a realidade e nela intervir, torna-se dogmático e enrijece a própria concepção teórica, mantendo-a substituta da realidade em qualquer confronto com a mesma. Obviamente, esse comportamento dogmático é um afastamento das ciências econômicas e das ciências políticas e adentra ao campo da militância, afastando-se da racionalidade científica.

Os estudantes de economia, desde cedo, aprendem que a lei da oferta e da demanda, por exemplo, é uma regra com muitas exceções e limites superiores e inferiores para a sua eficaz aplicação. Premissas e pressupostos anunciam e denunciam o campo de validade de qualquer teoria. É claro que a expansão do alcance de qualquer construção teórica para domínios espaço-temporais ainda não explorados é perfeitamente legítima cientificamente, restando, contudo, a corroboração dessa ampliação pela realidade. Muitas teorias fracassam, embora não percam a importância histórica que tiveram para determinar novos rumos do conhecimento. Porém, deveriam ficar confinadas na história e não ser apresentadas como dogmas supraconstitucionais.

As teorias econômicas, sociais e políticas enxergam diferenças individuais e não constroem mais utopias de igualdade em todos os aspectos da vida. O homem não é um parafuso de dimensões normalizadas pela ABNT. Mesmo a mensagem de Jesus e as primeiras comunidades cristãs assinalavam a possibilidade de algum grau de desigualdade. Portanto, a existência de desigualdade, do ponto de vista qualitativo, não contamina os pressupostos de nenhuma teoria. Da mesma maneira que o atrito, do ponto de vista qualitativo, não impede o movimento. Contudo, o Brasil experimenta hoje um grau de desigualdade que impede o movimento e declara, por si só, o colapso de todos os pressupostos teóricos de convivência em sociedade no qual se baseiam as teorias econômicas, políticas e sociais. A desigualdade gritante e crescente na sociedade brasileira não é mera visão subjetiva. Aparece no índice GINI, na comparação com outras nações, em diversos indicadores sociais do Brasil e em trabalhos acadêmicos que mapeiam a crescente quantidade de marginalizados.

A história e intensidade da desigualdade brasileira demonstra o colapso de premissas e de pressupostos naturalizados e nunca validados no Brasil. Tal situação coloca qualquer pressuposto teórico em nocaute e inválida teorias tradicionais à esquerda ou à direita, teorias econômicas ortodoxas ou heterodoxas. É necessário pensar o Brasil com menor desigualdade e desenvolver uma teoria própria de superação. O consenso imediato de bolhas que priorizam outros temas derrubará pontes e edifícios, por uma teoria superada ou por má-fé. O Ensaio sobre a cegueira e o Ensaio sobre a lucidez são os horizontes literários de um pessimista (Saramago) sobre o discernimento político, econômico e social dos indivíduos. Precisamos fazer mais e fazer diferente. Saindo das bolhas da casa grande, há muitas senzalas a serem visitadas.

 

27
Out22

Quem são os eleitores de Jair Bolsonaro?

Talis Andrade

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A maioria é composta por conservadores que introjetaram os valores da sociedade patriarcal, ignorados durante muito tempo pela esquerda como assunto secundário

 

por Liszt Vieira /A Terra É Redonda 

 

Durante muito tempo, boa parte da esquerda rejeitava qualquer tema que se afastasse do que então se entendia por luta de classes, vista apenas numa chave economicista. Assim, as lutas feministas, antirracistas e anti-homofóbicas eram rejeitadas como “pautas identitárias” que enfraqueciam a luta revolucionária do proletariado contra a burguesia. E a questão indígena não era percebida como problema social, e sim como uma questão puramente ambiental. O índio era visto como natureza.

Essa visão equivocada afastou os partidos e organizações políticas da esquerda de setores sociais que lutavam por seus direitos contra a opressão de que eram vítimas. Mas a esquerda tradicional não via opressão social e cultural, só via a exploração econômica dos trabalhadores. Com isso, se afastou de uma agenda crítica da sociedade patriarcal e não enfrentou na luta política os valores conservadores.

Lembrei disso para explicar, por outro ângulo, os 51 milhões de votos recebidos por Jair Bolsonaro no primeiro turno. Entre esses votos, temos os neoliberais que consideram o teto de gastos como questão de princípio, os militares reacionários – a grande maioria – os evangélicos e católicos de direita, e os que são ideologicamente fascistas. Mas esse contingente está longe de ser a maioria.

A grande maioria dos eleitores de B. é constituída por conservadores que rejeitam, assustados, o empoderamento das mulheres que não aceitam mais o seu papel tradicional como mãe de família e dona de casa. Nostálgicos da Casa Grande e da Senzala, ficam intimidados com a luta dos negros pela igualdade e verdadeiramente escandalizados com a luta dos gays (LGBTQIA+) pelo reconhecimento de seus direitos. Por exemplo, casamento entre pessoas do mesmo sexo é visto como algo vergonhoso. Além disso, associam desmatamento a progresso.

No eleitorado de B. não existem apenas interesses econômicos do empresariado capitalista, interesses corporativos dos militares, ou interesses de uma grande massa de evangélicos ludibriados em sua boa-fé por pastores corruptos. A grande maioria é composta por conservadores que introjetaram os valores da sociedade patriarcal, ignorados durante muito tempo pela esquerda como assunto secundário, fora do foco da luta de classes.

Esse grande contingente de eleitores conservadores não pode ser classificado de fascista. Mas não se deve ignorar que eles apoiariam uma ditadura fascista que levantasse bem alto o lema “Deus, Pátria e Família”. São, antes de tudo, conservadores que se identificam com os governantes que, mesmo de forma hipócrita, anunciam aos quatro ventos seus valores retrógrados como política oficial. Por exemplo, defendem a vida desde a concepção, mas não defendem as crianças que morrem de fome ou vítimas de “balas perdidas” nas favelas.

Esse eleitorado conservador transforma seu líder em mito e apoiaria uma ditadura de natureza fascista. Quer um governo forte para impedir as mudanças sociais, principalmente na esfera comportamental. O fascismo italiano e o nazismo alemão servem de modelo, ressalvadas as diferenças e as adaptações necessárias. Mas as palavras de ordem, como “Brasil Acima de Tudo”, “Deus, Pátria e Família”, “O Trabalho Liberta”, “Uma Nação, Um Povo, Um Líder” e outras, o gestual, os passeios de motocicleta, muita coisa é copiada diretamente do nazi-fascismo europeu.

Os conservadores detestam a liberdade. Precisam de um chefe autoritário para dar ordens, estão ansiosos por obedecer. Combatem a mudança, principalmente no que se refere a valores morais. Esse substrato do bolsonarismo terá de ser atacado de forma permanente, mesmo correndo o risco de romper depois a atual frente democrática anti-fascista de apoio a Lula. As lutas das desprezadas “questões identitárias” terão de ser travadas em articulação com as lutas econômicas da classe trabalhadora e com a luta pela redução da desigualdade social.

O que está hoje em questão não é uma disputa eleitoral “normal” entre dois candidatos, como a imprensa gosta de apresentar. Há um confronto entre democracia e ditadura dentro das próprias instituições, como o episódio surrealista do Roberto Jefferson demonstrou. Já estamos convivendo com medidas de um Estado de exceção. O presidente cometeu dezenas de crimes e nem processado foi, tamanha a cumplicidade criminosa das instituições de controle. O que está em jogo é a sobrevivência da democracia em luta contra a ditadura que, com o apoio dos conservadores, certamente seria implantada com a vitória do candidato hoje no poder.

Após a provável vitória de Lula, por margem mais apertada do que imaginávamos, a luta contra os valores conservadores da sociedade patriarcal será inadiável. Teremos de articular essas lutas “identitárias” com as lutas econômicas dos trabalhadores. Na linguagem da filósofa norte-americana Nancy Fraser, trata-se de articular o “reconhecimento” com a “redistribuição”, que não podem mais andar separados.

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09
Out22

A figura tenebrosa que ameaça a democracia

Talis Andrade

Imagem Efrem Efre

 

 

por Leonardo Boff /A Terra É Redonda 

- - -

A vitória de Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado

O atual presidente apresenta traços desvairados e tem feito constantes ameaças à normalidade democrática, caso venha perder as eleições. No primeiro turno em 2 de outubro recebeu 43,44% dos votos enquanto o ex-presidente Lula levou 48,5% dos votos. Há grande expectativa que Lula venha a ganhar a eleição, pois a superioridade sobre Jair Bolsonaro é notável.

Lula tem recebido o apoio de quase todos os partidos até dos mais distantes. Pois, perceberam que a democracia está em jogo e também o destino histórico de nosso país. A vitória de Jair Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado.

Precisamos tentar entender por que irrompeu esta onda de ódio, de mentiras como método de governo, fake news, calúnias e corrupção governamental impedida de ser investigada. Vieram-me à mente um artigo que publiquei tempos atrás e que aqui reformulo.

Duas categorias parecem esclarecedoras: uma da psicanálise junguiana, a da sombra e outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, o karma.

A categoria de sombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente seja pessoal seja coletivo.

Efetivamente, cinco grandes sombras marcam a história político-social de nosso país.

A primeira é o genocídio indígena, persistente até hoje, pois, suas reservas estão sendo invadidas e durante a pandemia foram praticamente abandonados pelas autoridades atuais. A segunda é a colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre, mas, ao contrário, sempre dependente de poderes estrangeiros de outrora e de hoje. Criou a síndrome do “vira-lata”.

A terceira é o escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar a pessoa escravizada como coisa, “peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata, ao desprezo e ao ódio.

A quarta é permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo, denominadas por Jessé Souza de “elites do atraso”. São profundamente egoístas a ponto de Noam Chomsky ter afirmado: “O Brasil é uma espécie de caso especial, pois, raramente vi um país onde elementos da elite tenham tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles e para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar propinas e fortunas nos projetos estatais.

A quinta sombra represeta a democracia de baixa intensidade entrecordada por golpes de Estado mas que sempre se refaz sem, entretanto, mudar de natureza. Perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade pelo grau dos representantes de direita ou extrema direita, com suas maracutaias como o orçamento secreto. Medida pelo respeito à constituição, pelos direitos humanos pessoais e sociais, pela justiça social e pelo nível de participação popular, comparece antes como uma contradição de si mesmo do que, realmente, uma democracia consolidada.

Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (2016) para garantir seus privilégios.

O desprezo e o ódio, outrora dirigido aos escravizados, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão. Estas sombras pairam sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.

Com o atual presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido, mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos, como nos costumes, até reacionária e por isso de fácil manipulação política. Dentro da alma de uma porção de brasileiros há um pequeno “bolsonaro” reacionário e odiento. O Jair Bolsonaro histórico deu corpo a esse “bolsonaro” escondido. O mesmo aconteceu com o “Hitler” escondido dentro de uma porção do povo alemão.

As cinco sombras referidas foram agravadas atualmente pela aquisição incentivada de armas na população, pela magnificação da violência até da tortura, pelo racismo cultural, pela misoginia, pelo ódio aos de outra opção sexual, pelo desprezo aos afrodescendentes, aos indígenas, aos quilombolas e aos pobres em geral. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, inclusive acadêmicos e gente da classe média, possam seguir uma figura tão destemperada, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores que perderam entes queridos pelo Covid-19.

Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da categoria da sombra que subjaz às várias crises político-sociais.

A outra categoria é a do karma. Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas hermenêutico (esclarecedor da vida), valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livro Elige la vida (Emecé). O karma é um termo sânscrito originalmente significando força e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.

Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa, mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista e espírita carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários renascimentos, possa zerar a conta negativa e entrar no nirvana ou no céu.

Para Arnold Toybee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo. As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.

Arnold Toynbee em sua grande obra em dez volumes Um estudo da história [A Study of History] trabalha a chave desafio-resposta (challange – response) e vê sentido na categoria do karma. Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais, especialmente, da extrema direita brasileira e até internacional, sempre ligando-se à religião de versão moralista e fundamentalista que facilmente chega ao coração do povo, normalmente, religioso.

A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.

Tanto Arnold Toynbee quanto Daisaku Ikeda concordam nisso: “a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual e social começando no coração e na mente, na linha da justiça compensatória, de políticas sanadoras e instituições justas.

Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não desfarão as sombras e o karma negativo. Faz-se mister o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda “é a última realidade”. Algo semelhante diz James Watson, um dos descodificadores do código genético: o amor está em nosso DNA.

Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como em Jair Bolsonaro e em seus seguidores, alguns fanatizados, é incapaz de desconstruir uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Não se trata um veneno com mais veneno ainda. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente e de seus ministros.

Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem a sociedade da força das sombras tenebrosas e dos efeitos kármicos do mal como os grandes sábios da humanidade como o Dalai Lama e os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma o testemunham.

Se não derrotarmos eleitoralmente atual presidente neste segundo turno a realizar-se no dia 30 de outubro, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos, comprometendo o futuro de todos. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.

Estamos seguros de que serão elas que garantirão, assim esperamos, a vitória de Lula que não guarda rancor nem ódio no coração, mas se move pela amorosidade e pela política do cuidado do povo, especialmente dos empobrecidos e de suas necessidades.

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