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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

03
Set23

O chororô dos super-ricos e seus sabujos

Talis Andrade

Para taxar o 0,001% dos brasileiros que acumulam centenas de bilhões em fundos e paraísos fiscais… quanta comoção! Dinheiro sai da economia e não gera empregos, só endividamento. Mas a reação quer imputar aos pequenos a culpa dos tubarões

03
Set23

Em que país vive Arthur Lira?

Talis Andrade

 

De qual país ele está falando? Dos que sustentam a sua vida de luxo, pagando 26,4% de impostos, ou dos que o recebem com banquetes fabulosos?

 

por Denise Assis

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), vive em um país cercado de esgoto a céu aberto. De acordo com dados do Observatório Brasileiro das Desigualdades, 96 milhões de pessoas no Brasil não têm acesso à rede de saneamento básico. No país onde nasceu o presidente da Câmara, 0,01% possuem riqueza acumulada de R$ 151 milhões em média.

Quando Lira transita por salões floridos e atapetados, costuma dialogar com os 10% mais ricos, os que obtêm rendimento médio mensal per capita 14,4% vezes maior que os 40% mais pobres do país. Entre eles, os 40% mais pobres, o político costuma usar camisa polo escura, talvez para se livrar das marcas de mão da criançada carente, que na falta de brinquedos industrializados brincam com a terra. Há quem diga que é para diferenciar-se do seu adversário, o senador Renan Calheiros (MDB), que as prefere brancas.

Essas pessoas para as quais Lira separa os finais de semana fazem parte de um total de 7,6 milhões de brasileiros com renda mensal de R$ 150,00. Para ele, uma quantia irrisória, que provavelmente ele destina para o sal com que tempera as carnes para o churrasco de domingo. Se é que ele ainda se passa para a iguaria popular demais, em tempos de governo Lula.

A distância entre os salões do mercado financeiro onde Arthur Lira bate ponto em praticamente todos os seminários, com o propósito de discutir o futuro econômico do Brasil (à luz do liberalismo, é claro), não o deixa ver o abismo entre os seus costumeiros anfitriões e os 10% mais pobres. Esses, do povão, são incumbidos de pagar 26,4% da parca renda de classe média baixa, em tributos. Enquanto aqueles, as estrelas dos seminários e sua turma, pagam 19,2%.

Os filhos dos que o recebem em rapapés, estudam em escolas com nomes pomposos, como “Dante Alighieri”, mas as crianças que costumam rodear o presidente da Câmara em suas andanças pela terra natal, recebem aulas em cubículos sem água, sem banheiro, mas com kits de robótica de última geração. Lá isso é verdade. Sejamos justos.

Lira tem na página da Câmara um registro do seu perfil com os seguintes afazeres: é advogado de formação, agropecuarista e empresário. E político, nas horas vagas. Ou é o contrário? Sabe-se lá. Vive cercado de luxo, apesar de ter nascido e manter o seu reduto no local que a Revista Piauí, pelos idos de 2022, descreveu assim: o “minúsculo centro histórico da cidade de Penedo, a 146 km de Maceió, é uma belezinha. Tem três igrejas barrocas. O horizonte, formado por um casario neoclássico cuja harmonia só é quebrada pelo prédio feioso do maior hotel da redondeza, está gloriosamente construído em um rochedo banhado pela margem esquerda do Rio São Francisco”.

Mesmo com esse desvão que marca as suas idas e vindas como político, o majestoso imperador das Alagoas não o vê e tampouco se sente na obrigação de distinguir entre os 96 milhões que não têm esgoto, dos que o buscam de jatinho para discussões sobre o cenário econômico. Embora não seja nem de longe um orador desenvolto ou um teórico da matéria. Lira enxerga nos pobres que o rodeiam, meros apertadores de botões das urnas, que ao tilintarem o conduzem desde 1992 a Brasília.

Seu discurso é demagógico. Repete sempre que fará isto ou aquilo “para o bem do país”. Porém, é incapaz de encarar o arcabouço fiscal como sendo um fator de equilíbrio social e, muito menos, a taxação dos amigos ricos como atenuante da miséria do torrão que diz querer bem.

Lira usa o poder para acossar o governo, para tirar vantagens e beneficiar “os seus”. Em painel realizado pela Expert XP 2023, na sexta-feira (dia 01/09) declarou: “Lógico que nós não temos nenhum compromisso com o mérito, como ele saiu. Haja vista os problemas que existiram na tramitação da medida provisória que tratava da taxação de offshores, agora de onshores, de fundos exclusivos”, disse, referindo-se ao arcabouço fiscal trabalhado pelo ministro Fernando Haddad.

Mas ao mesmo tempo, advertiu: “É importante que o governo mantenha um sarrafo alto e é importante que todos nós tenhamos isso como meta para atingir. O Congresso Nacional vem dando demonstrações inequívocas de que quer colaborar, que está muito atento a qualquer medida predatória, arrecadatória, que não seja compatível com o melhor rumo da economia para o país”, afirmou, subtraindo a chantagem contida no comentário.

A esta altura é forçoso perguntar: de qual país ele está falando? Dos que sustentam a sua vida de luxo, pagando 26,4% de impostos, ou dos que o recebem com banquetes fabulosos e pagam 19,2%? Quando pagam, porque ao que se sabe, essa turma vive de dividendos – isentos – e veleja em iates que não desembolsam um tostão de IPVA, enquanto os entregadores de comida pagam em dia, para se arriscarem no trânsito com suas motos, pagas a prestação.

O cientista político Fernando Abrucio comentou o caso Arthur Lira e as investigações da Polícia Federal sobre o dinheiro desviado de contratos para compra de kit de robótica.

O presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) defendeu, na Associação Brasileira de Atacadistas (Abad), a permanência do orçamento secreto, afirmando que ele é “amplo e democrático”.

Arthur Lira que sequestrou o orçamento do Brasil, no governo Bolsonaro,  comentou que Lula, que "nenhum presidente pode acabar com isso", com o orçamento secreto

23
Ago23

Um Brasil de margaridas e mães bernadetes

Talis Andrade
Mulheres agricultoras realizam a 7ª Marcha das Margaridas. O evento, que é feito de quatro em quatro anos, traz para a capital federal as pautas políticas das mulheres do campo, da floresta, das águas e das cidades. A última edição foi em 2019. Desta vez, o lema é “Pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver”. Foto: Ricardo Stuckert / PR

 

por Susana Prizendt

OutrasPalavras

Em seu poema mais famoso, Drummond afirma que havia uma pedra no meio do caminho. É uma constatação que todos nós fazemos e refazemos continuamente, já que é comum encontrarmos obstáculos nas trilhas que percorremos ao longo da vida. Só que as tais pedras costumam ser mais duras e pesadas nas trilhas de quem já nasceu em áreas de conflito, como é o caso dos territórios em que a concentração fundiária e a exploração de seres humanos e da natureza são práticas seculares.

No Brasil, país continental em que quase 50% das áreas agrícolas se situam em menos de 1% das propriedades, a realidade de quem nasce em uma família sem um pedaço de terra para chamar de seu é descobrir desde cedo como encontrar um caminho no meio de tantas pedras pesadas. E é nessa busca diária pela sobrevivência, que muitas pessoas encontram motivos poderosos pelos quais lutar: justiça social, direitos, sacralidade da vida em todas as suas instâncias. Conceitos que parecem abstratos, mas que, se o que representam não está presente de fato – como é o caso do que ocorre na maioria das comunidades humanas – geram consequências muito concretas na realidade de quem está do lado menos favorecido.

Sim, há dois lados na estrada. O lado de quem detém o poder e a posse de bens, dos que são acometidos por uma ganância constante, que leva à tentativa de se apropriar mais e mais do que deveria ser de outrem. E, embora nem todos os homens se encontrem desse lado, ele é, sem dúvida, masculino. Se você tem alguma dúvida, basta olhar para as pessoas que estão em cargos de tomada de decisão nas grandes empresas, no poder público nacional ou nos organismos internacionais; para quem detém os maiores patrimônios; para os que são obedecidos e temidos pela população em geral. Sim, são majoritariamente homens e, também, majoritariamente brancos.

Do outro lado da estrada – o lado mais pedregoso – se encontra a população cuja cor de pele destoa das tonalidades expressas pela branquitude. São os descendentes dos povos indígenas, que habitavam milenarmente nosso território e foram acuados, a partir de 1500, vítimas da ambição, das armas e das doenças que chegaram junto com os invasores. São os descendentes dos povos africanos, dos que foram trazidos para cá à revelia, forçados a trabalhar até a morte para alimentar um sistema de brutal exploração que só beneficiou uma minoria de origem europeia.

Mas, ao usar o termo “os”, no masculino, estamos passando por cima de um fato essencial: o fato de que, mesmo em meio aos desfavorecidos, há diferenças; o fato de que, na parte mais empedrada desse caminho, quem nós iremos encontrar, invariavelmente, somos nós, as mulheres. Uma prova irrefutável disso é a insegurança alimentar que assola as casas sustentadas por mulheres. De acordo com o II Vigisan – 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil – realizado pela Rede PENSSAN, o nível considerado grave chega a 39,5% nas famílias sustentadas por mulheres negras, enquanto nas famílias sustentadas por homens negros ele é de 34,3%. No topo do ranking das famílias com mais acesso à uma alimentação considerada suficiente estão as que são sustentadas por homens brancos, como já era mais do que esperado, frente à história secular de domínio que eles vêm exercendo no país. 

 

Transformar a Praça dos Três Poderes em um Jardim

 

Num outro poema celebrado de sua obra, nosso querido Drummond menciona que uma flor brotou no asfalto. Em meio a uma superfície árida, endurecida, embrutecida, algo tão delicado – e surpreendentemente vivo! – conseguiu brotar. Rompeu as camadas densas que isolavam terra e céu. Revelou que, se há a dureza da pedra, também há a resiliência da planta, também há a ousadia da flor. É a natureza manifestando seu impulso de sobrevivência, sua capacidade de superar os obstáculos que a civilização humana, conduzida por uma elite de homens brancos, tenta nos impor.

Mas, se no caso do verso do nosso poeta, o que brota é uma criatura quase intangível – que ele classifica como feia –, na realidade brasileira podemos encontrar muitas outras manifestações de resistência (e até de pujante fertilidade) que irradiam vigor e beleza. E é justamente uma explosão da energia mobilizada por um conjunto crescente desses seres que pudemos testemunhar no dia 16 de agosto. A capital do país, lugar marcado pela imponência do concreto e pelo exercício do controle masculino sobre a vida de tudo que em nossos territórios habita, recebeu a 7ª edição da Marcha das Margaridas

Região central de um território multiétnico, espaço de aparência sóbria em que homens de ascendência predominantemente branca circulam de terno escuro em seus carros oficiais ou em seus jatinhos, cidade das utopias e das distopias do ontem e do hoje, a nossa Brasília, sempre tão apartada das massas populares, se encheu de cores, texturas, cheiros e sons, antecipando a chegada da primavera. Foram mais de 100 mil mulheres que vieram dos campos, das cidades, das florestas e das águas para unir suas vozes em um clamor por sua liberdade de existir de forma digna e plena, rompendo com a opressão que o patriarcado lhes impõe há tantos séculos. 

De todos os cantos do Brasil – e até de fora dele, pois o encontro contou com representantes de 33 outros países –, surgiram bandeiras, estandartes, vestidos, colares… mas também mãos calejadas, rostos curtidos pelo sol, cicatrizes de partos e de lutas, memórias de dor e de gozo de quem se manteve de pé em meio aos furacões erguidos nos ares pelos preconceitos, pela discriminação, pela misoginia, pela exploração de sua força de trabalho e pela negação de direitos fundamentais até sobre seus próprios corpos. De quem nunca se resignou frente às várias formas de violência – explícitas ou silenciosas.

A ação política feminina de maior amplitude da América Latina mostrou a que veio, reafirmando o compromisso assumido pela mulher que a ela deu o nome, a líder camponesa Margarida Maria Alves, que há 40 anos atrás foi assassinada pela oligarquia agrária do Nordeste. Trata-se de um crime que está longe de ter sido um caso isolado ou único, mas que já se repetiu muitas vezes e segue se repetindo e tingindo nosso solo de sangue, como deixa nítido outra brutal demonstração de violência, ocorrida no dia 17 deste mês, apenas um dia após a Marcha se espraiar pela nossa capital, o assassinato de Mãe Bernardete Pacífico, ialorixá e líder da Comunidade Remanescente de Quilombo Pitanga de Palmares, à frente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.

Nas quatro décadas decorridas entre um crime e o outro, nosso país seguiu imerso em uma verdadeira guerra civil, em que corpos negros e indígenas são constantemente tombados pela polícia, pelas milícias rurais e urbanas, pela miséria e pela fome. Com o golpe ocorrido em 2016, esse tipo de violência contra a vida se ampliou, ganhou apoio governamental e uniu forças com os setores que praticam a intolerância religiosa, como as igrejas fundamentalistas neopentecostais, em um processo de opressão e perseguição a todxs que não se enquadram nos estreitos padrões que o conservadorismo prega.

Mãe Bernardete foi morta dentro do terreiro em que era ialorixá. No espaço sagrado no qual praticava sua fé junto com sua comunidade quilombola. Ela era negra, ela era de uma religião de matriz africana, ela era uma liderança social e política. Por tudo isso, foi vista como uma pedra no caminho dos que querem manter privilégios e alimentar preconceitos. Através das mãos destes, foi brutalmente removida da estrada.

Mas o que os donos dessas mãos não compreendem é que, muito longe de serem um pedaço de rocha, embora tenham revelado imensa força em suas posturas, seres como Margarida Alves e Mãe Bernardete são feitas de material vivo, pulsante, que pode até tombar, mas que rebrota. São feitas dos mesmos ingredientes que compõem as flores. Assim, são capazes de romper a dureza do mundo e conseguir brotar em plena aridez. E, quando as pétalas se vão, vêm os frutos e as sementes, em um processo de renovação da vida que nunca poderá ser contido.

É o impulso ancestral de Gaia, de nossa Pachamama, das orixás e das cunhatãs. É com esse impulso vivo dentro de nós que seguiremos brotando. Exigimos não apenas justiça pelos crimes sofridos, exigimos o reconhecimento de tudo o que somos, de todos os direitos que nossa existência no mundo nos assegura, seja qual for nossa cor de pele, nossa crença, nossa herança. Somos flores e, como diz o poema, furamos o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Setembro virá e a fertilidade da Mãe Terra encherá novamente os caminhos de pétalas coloridas, mesmo onde as pedras forem densas. Não, eles não vão deter a primavera.

24
Mai23

Lacaios da política a serviço dos poderosos do agronegócio querem apagar 40 anos de luta do MST

Talis Andrade
 
 
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Os algozes do MST e o assédio político 

por Marcia Tiburi

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O Movimento dos Trabalhadores sem Terra vai fazer 40 anos de luta por alimento, terra e democracia. A luta por reconhecimento e dignidade faz parte disso. 

Reforma agrária é um direito garantido em lei e deve ser respeitado. Verdade que fascistas não gostam de leis e nem de democracia, mas ela está cada vez mais inteira e assim continuará com a luta de muita gente. 

A abertura da CPI do MST - tendo à frente personas non gratas para a questão ecológica e da democracia no Brasil, como o ex-ministro bolsonarista do meio ambiente e um invasor de Brasília no 8 de Janeiro - vem constituir mais um caso de assédio político.

Esses políticos que assediam o MST não tem dignidade diante das urgências da democracia. Eles agem em nome dos interesses do agronegócio para o qual militam. O MST, na contramão dos vagabundos que os perseguem (infelizmente, “vagabundos” é uma categoria de análise adequada para falar desses agentes corruptos da politica nacional que não atuam pelo bem de todos), tem produzido alimentos saudáveis e ecologicamente sustentáveis, assim como tem promovido uma cultura de solidariedade que atrapalha os interesses neoliberais do agronegócio e seus lacaios no parlamento brasileiro.

O MST é, há mais de 10 anos, o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Essa produção é reconhecida nacional e internacionalmente. Aqueles que produzem e também os que comem arroz envenenado por agrotóxicos usados pela indústria do veneno para produzir alimentos envenenados, deveriam saber isso. 

O que se espera com a produção de alimentos envenenados? Se espera a doença e a morte da população. 

Sabemos que a indústria da doença não para de trabalhar. Nem a política da morte que é sua aliada. 

O que se espera perseguindo o MST? 

Que a população não tenha a chance de perceber a sua importância na luta por alimento livre de veneno. Que o ódio contra a luta pela terra continue. Que não se imagine uma economia sustentável respeitando a agricultura ecológica. Que a exploração latifundiária da terra continue naturalizada no país da desigualdade consentida. 

MST é sinônimo de luta e é isso que os lacaios da política a serviço dos poderosos do agronegócio querem atrapalhar o movimento.  

Aos Políticos inescrupulosos, defensores do envenenamento do Brasil, temos que dizer que deixem o MST trabalhar em paz. 

 
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19
Mai23

CPI DO MST: Memórias da ditadura de 1964

Talis Andrade

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TRABALHADORES RURAIS

 

Antes do golpe, os trabalhadores rurais estavam num processo crescente de luta pela reforma agrária e por direitos sociais. Com a ditadura, a repressão conjunta de militares e latifundiários se abateu pesadamente sobre eles. Muitos foram presos e outros tantos assassinados. Mas, quando se fala sobre repressão e resistência nessa época, muitas vezes as lutas e as violações de direitos humanos ocorridas nas zonas rurais são esquecidas.

 

Ligas Camponesas

 

A partir do final dos anos 1940, o movimento de trabalhadores rurais começou a desenvolver um novo formato organizativo e de ação. Os movimentos baseados na linguagem religiosa ou no banditismo rural (como o Cangaço), expressões das tensões no campo, deram lugar a movimentos organizados com uma linguagem mais diretamente política, baseada na luta pela terra e por direitos sociais.

Surgiram nesse período as primeiras greves de trabalhadores assalariados nas usinas de açúcar da Zona da Mata de Pernambuco. Na década de 1950, conflitos isolados de camponeses posseiros assumiram caráter de luta armada, no Paraná. Depois, movimentos semelhantes puderam ser observados em Goiás, de 1948 a 1957, quando os posseiros foram vitoriosos, alcançando a legalização de suas terras.

As Ligas Camponesas eram uma forma de organização dos trabalhadores do campo, estimulada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), para levar adiante a luta por seus direitos. Elas começaram a existir em 1945, estabeleceram-se em vários municípios, e foram importantes no movimento pela reforma agrária no Brasil. Mas em 1947 o PCB foi colocado na ilegalidade e as Ligas Camponesas foram abafadas.

Só em 1955 elas ressurgiram no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. Inicialmente, para driblar as restrições à formação de sindicatos e ligas rurais, bem como escapar da repressão dos latifundiários, os camponeses organizaram a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPP). Uma sociedade com a finalidade de prestar assistência médica, jurídica e educacional às famílias, e formar uma cooperativa de crédito, para que os camponeses pudessem se livrar do domínio do latifundiário e para fins de auxílio funerário.

Ameaçados de expulsão, os camponeses se apoiaram na SAPP para resistir. Quando contrataram um advogado para fazer a defesa de seus interesses, protagonizaram um momento histórico para seu movimento. Isso significava que não estavam dispostos a se submeter às condições de trabalho impostas pelos latifundiários e assumiam que tinham direitos. Esse advogado se chamava Francisco Julião, deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

A luta demorou quatro anos, mas os camponeses acabam por conquistar suas terras. Nesse meio tempo, a SAPP organizou várias delegacias em outros municípios. O advogado Francisco Julião se tornou um dos organizadores e o principal líder do movimento.

As Ligas Camponesas se expandiram, em 1959 já eram 25 delegacias apenas em Pernambuco, e elas começaram a se espalhar por outros estados. Na Paraíba, surgiu a Liga de Sapé, com 10 mil filiados, a mais forte do país. Seu dirigente principal, João Pedro Teixeira, se tornou um líder nacional ao lado de Francisco Julião.

As Ligas defendiam a reforma agrária e se colocavam como organizações apartidárias, embora contassem em suas fileiras com militantes do PCB, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), da Ação Popular (AP) e com a participação de trotskistas.

Em 1961, já existiam federações das Ligas em dez estados e foi fundado o Conselho Nacional das Ligas Camponesas, com representação em treze estados. Houve um processo de articulação nacional que colocou a luta dos trabalhadores rurais em outra categoria, ela passou a ser feita não mais de ações isoladas, mas contando com uma forte organização.

Reforma agrária na lei ou na marra

Outro momento importante na luta dos trabalhadores rurais foi, em 1960, quando surgiu o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), no Rio Grande do Sul, com o apoio do governador do estado, Leonel Brizola, que era favorável à reforma agrária. Essa organização, que chegou a contar com 100 mil associados, conquistou algumas vitórias, como desapropriações de terras improdutivas e assentamentos.

Em novembro de 1961, realizou-se o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em Belo Horizonte, reunindo 1,6 mil participantes. Entre eles, estavam representantes da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), das Ligas Camponesas, do Master, do movimento estudantil e da ação católica. Os trabalhadores rurais ganharam espaço político: o governador Magalhães Pinto cedeu o local para a reunião, o presidente Goulart compareceu acompanhado de Tancredo Neves e defendeu a reforma agrária.

O PCB, a Igreja Católica, as Ligas Camponesas e o governo lutaram pela hegemonia de suas propostas dentro do movimento. Intensos debates se desenvolveram, centrados principalmente na questão da reforma agrária. Os representantes da Ultab criticaram a radicalização das ações, como o confisco de terra, e defenderam reivindicações trabalhistas e uma reforma agrária dentro da lei. As Ligas Camponesas, com o apoio do Master, divergiram e cunharam a palavra de ordem: “Reforma agrária na lei ou na marra”. Assim, empolgaram o plenário e, mesmo sendo minoria, conseguiram introduzir na declaração final do congresso uma posição que refletisse essa palavra de ordem. Em outros termos, se a reforma agrária não fosse aprovada, os camponeses a fariam de qualquer forma.

Em março de 1963, o governo Goulart assinou a lei que criava o Estatuto do Trabalhador Rural. Ele equiparava os direitos dos trabalhadores rurais aos dos urbanos, garantindo registro em carteira profissional, salário mínimo, horário de trabalho e descanso, férias anuais, 13º salário e direito à sindicalização.

Para fazer frente às Ligas Camponesas, o governo apoiou um movimento de sindicalização rural. Muitas delas trataram de se organizar e, em 1963, já se somavam 557 sindicatos de trabalhadores rurais. No mesmo ano, o governo federal iniciou uma verdadeira batalha parlamentar para aprovar a reforma agrária.

Paralelamente, as Ligas radicalizaram suas ações. Ocuparam engenhos e enfrentaram ataques policiais, como em Miri, na Paraíba, quando houve 10 mortos e 15 feridos. Essa radicalização não teve apoio suficiente e levou a um isolamento de Julião, o que fez com que as Ligas perdessem força. Os latifundiários promoveram perseguições e assassinatos de lideranças.

Um caso exemplar dessas ações de extermínio de lideranças foi o de João Pedro Teixeira. O presidente da Liga de Sapé, da Paraíba, foi assassinado em 1962. Sua mulher, Elisabeth, o substituiu na luta. Após o golpe de 1964 ela e toda sua família foram ferozmente perseguidos, como conta o célebre documentário de Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer (continua)

14
Mai23

Imprensa francesa entrevista exilados do governo de extrema direita de Bolsonaro

Talis Andrade

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Insultos, incitações ao estupro e ameaças de morte

 

Em 23/10/2022, o Libération traz uma reportagem sobre os exilados do Brasil de Bolsonaro. Em uma grande reportagem do jornalsita Julien Lecot, entrevista pessoas que deixaram o Brasil após a eleição de Bolsonaro por terem sofrido ameaças - inclusive de morte. 

Uma das entrevistadas, a geógrafa e professora da prestigiada Universidade de São Paulo (USP) Larissa Bombardi publicou, no final de 2017, um atlas sobre o uso de agrotóxicos no Brasil e suas consequências para os consumidores da União Europeia (UE). Um trabalho substancial, fruto de vários anos de pesquisa, diz Libération.

Quando seu trabalho foi traduzido para o inglês em meados de 2019 e distribuído na Europa, Larissa Bombardi ganhou fama e também as primeiras ameaças. Após aparições na mídia, ela recebeu intimidações por e-mail de pessoas que alegavam trabalhar na indústria de agrotóxicos. Essas ameaças aumentam quando o chefe de uma rede de supermercados sueca pediu um boicote aos produtos agrícolas brasileiros por causa do uso generalizado de agrotóxicos, a ponto de sua universidade se oferecer para protegê-la em seu local de trabalho.

Ao mesmo tempo, sua pesquisa foi atacada por figuras influentes do agronegócio e lhe disseram que estava sendo observada de perto pelo Ministério da Agricultura. Durante o verão de 2020, sua casa foi roubada por três homens enquanto ela estava lá com sua mãe. As duas mulheres foram trancadas no banheiro e ameaçadas de morte. Os ladrões só levaram um computador antigo contendo o trabalho da pesquisadora e o carro da família, que abandonam algumas centenas de metros adiante.

"Provavelmente fui ingênua, mas como só usei dados públicos e oficiais, não achei que minha pesquisa me causaria problemas", disse Larissa Bombard, exilada na Bélgica desde 2021, ao Libération, que destaca que o caso de Larissa não é isolado. 

"Nos últimos anos, vários brasileiros foram forçados ao exílio porque sentiram que estavam em perigo em seu próprio país. O discurso e a política de Jair Bolsonaro têm muito a ver com isso, ele que repetidamente atacou verbalmente a esquerda e, em geral, todos os ativistas e progressistas. Durante a campanha de 2018, prometeu assim enviar 'para o exterior' ou 'para a prisão' os 'vermelhos'", escreve o jornal francês, que destaca um discurso de Bolsonaro, naquele ano, em que ele dizia, sobre os opositores: "Serão banidos da nossa pátria. Será uma limpeza como nunca antes na história do Brasil".

Da fala ao ato

"Bolsonaro conseguiu criar uma espécie de terror na escala da sociedade brasileira, que, no entanto, havia começado alguns anos antes de ele chegar ao poder", denuncia ao Libération a filósofa Márcia Tiburi, que deixou o Brasil no final de 2018 e agora vive na França. Durante seus últimos anos passados em seu país natal, Tiburi recebeu ameaças diárias.

O repórter Julien Lecot destaca que Tiburi, candidata à governadora do Rio de Janeiro nas eleições de 2018, assim como o ex-deputado federal Jean Wyllys, foi uma das primeiras exiladas do bolsonarismo e frisa que mesmo a milhares de quilômetros do Brasil, as ameaças contra eles continuam e aumentaram consideravelmente durante a campanha presidencial de 2022.

Desde o lançamento oficial da campanha presidencial, em agosto, as ONGs Justiça Global e Terra de direitos contabilizam uma média de dois episódios de violência por dia no Brasil contra eleitos, candidatos ou outras pessoas que exerçam ou tenham exercido funções relacionadas à política. Esta violência "visa mais partidos de esquerda ou centro-esquerda, ou eleitos comprometidos com a defesa dos direitos humanos, a comunidade LGBTQIA+ ou a luta contra o racismo", sublinharam as organizações no início de outubro, apontando para um número de episódios violentos multiplicado por cinco em comparação a 2018.

Dentre os vários depoimentos recolhidos pelo jornal está o da psicanalista Renata, que mora na França na França desde 2019 e afirma que, por causa de Bolsonaro, tem "vergonha de ser brasileira". 

Horas antes de ser preso, Ivan Rejane Fonte Boa Pinto fez novas ameaças ao STF (Supremo Tribunal Federal) e desafiou o ministro Alexandre de Moraes. O homem teve prisão temporária decretada após dizer que iria "caçar" integrantes do tribunal e lideranças de esquerda, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pinto foi detido pela Polícia Federal, em Belo Horizonte. Além da prisão temporária, Moraes autorizou a PF (Polícia Federal) a fazer buscas em dois endereços ligados a Ivan, um em Belo Horizonte e outro em Esmeraldas (MG), na região metropolitana da capital mineira. 

Qual a diferença entre um general gira Girão e um soldado raso, o cabo Junio deputado federal, e um maluco tipo Rejane Pinto? Todo golpista pensa igual. Quem, safada e covardemente, trama Bolsonaro ditador é favorável a armar bomba no aeroporto de Brasília.

Nelson Piquet, receptador de objetos subtraídos por Bolsonaro, deseja ver Lula "no cemitério"

Mentes doentias no Congresso representam o Brasil genocida. Das 700 mil mortes por Covid. O Brasil do genocídio dos jovens negros nas favelas. O genocídio dos povos indígenas. A boma no aeroporto de Brasília lembra as bombas de Bolsonaro tenente nos quartéis. É o Brasil dos psicopatas. Dos serial killers. 

Com tanta gente de mente assassina entendo o exílio dos brasileiros. Como cantou Bandeira:

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

14
Mai23

Eles lutam por terras onde não poderão viver /Massacre de camponeses (vídeos)

Talis Andrade

 

OS FILHOS DE NATALHA E ERASMO THEOFILO, LIDERANÇAS AMEAÇADAS DE MORTE EM ANAPU, OLHAM VÍDEOS NO TIKTOK DEITADOS NA CAMA DA CASA PROVISÓRIA NO PARÁ. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA

 

 

Os defensores não defendidos V
 
 

Casas que alagam, insegurança alimentar, falta de atendimento à saúde e nenhuma perspectiva de futuro – essa é a rotina das pessoas que protegem a Amazônia de inimigos poderosos. Ameaçadas de morte e sem a cobertura efetiva dos programas oficiais de proteção, elas vivem em situação de absoluta indignidade

 

11
Mai23

Os defensores não defendidos

Talis Andrade
Quem protegerá os defensores da floresta? - Outras Palavras
 
 

MARIA DO SOCORRO COSTA, LIDERANÇA QUILOMBOLA INCLUÍDA NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS, RETRATADA EM SUA CASA NO MUNICÍPIO DE BARCARENA, NO NORDESTE DO PARÁ. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA

 

Osvalinda Alves Pereira vive a um décimo de segundo da morte. Seu coração de 55 anos, adoecido por uma patologia agravada por sua luta pela floresta em pé, às vezes para de bater por um tempo. Ela congela. Bota a mão no peito. Ouviu dos médicos, ao entrar na fila do marca-passo, que um décimo de segundo a mais sem pulsar poderia ser fatal. A mulher de estatura baixa, grandes olhos verdes como a floresta que protege e mãos engrossadas pelo trabalho de uma vida na lavoura, faz parte de uma das 70 famílias do Projeto de Assentamento Areia II, criado em 1998 no município de Trairão, no sudoeste do Pará. Fez-se defensora do meio ambiente e do direito à terra no estado onde mais se mata no campo, em uma das áreas mais perigosas para defender qualquer direito no Brasil. Por uma década, escutou ameaças de homens que queriam saquear a floresta em que vive. Até que um dia, em 2018, ela acordou, foi até a lavoura colher maracujás com seu companheiro e encontrou dois buracos no chão. Eram covas abertas, com duas cruzes fincadas e dois nomes escritos: o dela e o dele. Osvalinda congelou. Botou a mão no peito. Quem os ameaçava certamente os observava e poderia matá-los ali, num décimo de segundo.

“Eu praticamente me vi morta, eu e meu marido. Arrebenta com qualquer coração. Tudo vira um trapo”, diz ela. Osvalinda é uma conhecida defensora de direitos. Foi retratada em inúmeras reportagens – e em um documentário – que contam a história de pessoas ameaçadas por lutar pela reforma agrária no Pará. Ela preside a Associação das Mulheres do Areia II e, em 2012, ao lado do companheiro, Daniel Pereira, de 52 anos, começou a denunciar a extração ilegal de madeira e a grilagem dentro do assentamento. As ruas do Areia II servem de estrada para caminhões lotados de toras arrancadas de três unidades de conservação do entorno: a Floresta Nacional do Trairão, a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio e o Parque Nacional do Jamanxim. Em 2014, quatro anos antes de encontrarem as covas em seu quintal, os dois já tinham sofrido tantas ameaças que acabaram inseridos no programa de proteção aos defensores de direitos humanos do governo federal. Mas ele não conseguiu dar segurança a Osvalinda e Daniel para que vivessem em paz. Não havia escolta policial nem nenhum equipamento de segurança que protegesse a casa onde moram. E os criminosos se aproximavam livremente.

 

OSVALINDA E DANIEL: LIDERANÇAS AMEAÇADAS DE MORTE POR MADEIREIROS E INSERIDAS NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS SÃO RETRATADAS EM UMA FLORESTA DO PARÁ. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA

 

Inaugurado em 2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o programa de proteção aos defensores de direitos humanos foi renomeado, em 2018, e passou a se chamar Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). O objetivo, no entanto, continuou o mesmo: dar segurança a pessoas que lutam por direitos para que possam permanecer em seus territórios. Em situações extremas, quando o risco é muito alto, ele deve retirar o ameaçado de casa e acomodá-lo em uma residência provisória, em um local secreto, até que a situação melhore e seja possível voltar. A lei diz que a União pode firmar convênios e acordos com os estados que queiram fazer seus próprios programas. Em 2019, o Pará implementou o seu, que é gerido pela ONG Sociedade, Meio Ambiente, Educação, Cidadania e Direitos Humanos (SOMECDH).

Os defensores de direitos humanos incluídos no programa, porém, sofrem com regras inadequadas e não são, de fato, protegidos no território. Os que precisam ser retirados de casa e alojados na residência provisória enfrentam situações humilhantes. Nos últimos dois meses, entrevistamos seis famílias de defensores paraenses inseridas no programa. Vimos pessoas adoecidas que não conseguem atendimento médico adequado vivendo em casas provisórias lotadas de mofo e com esgoto subindo pelo ralo. Longe de suas roças, às vezes elas não têm dinheiro suficiente para alimentar a família. E, diante da falta de proteção, convivem com o medo constante, em um estado onde, entre 2013 e 2022, 98 pessoas foram assassinadas e outras 127, vítimas de tentativas de assassinato, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). As mortes no campo no Pará correspondem a um quarto dos assassinatos desse tipo no Brasil.

 

ERASMO THEOFILO, AMBIENTALISTA AMEAÇADO DE MORTE EM ANAPU, NO PARÁ, COM O FILHO DE DOIS ANOS. A FAMÍLIA DELE SEGUE EM EXÍLIO APÓS AMEAÇA DE MORTE QUE O OBRIGOU A DEIXAR O SEU TERRITÓRIO. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA

 

Diante disso, um grupo de defensores de direitos humanos do estado se organizou para uma nova luta: a de serem realmente defendidos. Unidos em uma associação, eles pretendem levar ao governo federal uma série de demandas para a melhoria do programa. Querem a garantia de atendimento médico adequado, recursos financeiros para manter-se com dignidade quando precisam sair do território e a construção de muros e de sistemas de segurança e vigilância em suas casas. Também pedem que seja prevista uma ajuda para que possam ser realocados definitivamente em outro território quando precisarem deixar para sempre suas comunidades. Eles vão levar suas demandas no próximo mês a Brasília, onde o governo federal se prepara para montar um grupo de trabalho para rediscutir o programa (leia mais abaixo). “Queremos [a regulamentação de] um projeto de lei federal para proteger de fato os defensores de direitos humanos, assim como foi a Lei Maria da Penha [para mulheres vítimas de violência doméstica]”, explica Natalha Theofilo, uma das integrantes da associação.

M.A. também faz parte do grupo. É uma mulher calma, de fala tranquila, que quase entrou para a estatística do horror. Apesar de fazer parte do programa, ela vive sem nenhuma segurança em uma comunidade quilombola que foi invadida em 2020 por grileiros ligados ao Comando Vermelho, facção à frente do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e em outros estados brasileiros. Em uma Amazônia mal fiscalizada, o grupo criminoso viu na invasão de terras públicas um novo negócio rentável. Quando os grileiros chegaram ao território, muitos quilombolas fugiram, inclusive o presidente da associação local. Foi então que M.A. assumiu o comando da entidade e passou a denunciar os crimes. Seu nome será mantido em sigilo nesta reportagem a pedido dela – por segurança.

 

DETALHES DA CASA DE UMA DEFENSORA DOS DIREITOS HUMANOS AMEAÇADA. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA

 

“De início, a gente não sabia que era o Comando Vermelho. Só sabíamos que eles estavam desmatando tudo e loteando perto do quilombo. Mas quando eles se aproximaram da comunidade eu fui pra cima e disse: ‘Aqui, não’”, lembra a mulher. Sentada em uma cadeira de plástico, ao lado de dois terços católicos enrolados em uma garrafa de vidro, ela narra, em meio ao cantar dos pássaros e ao som da chuva, seu encontro com o terror. Era uma manhã de novembro, no ano passado, e ela estava em casa organizando a papelada da compra de placas solares que os moradores tinham conseguido por meio de um projeto. “Ouvi o barulho de uma moto e, quando saí, vi um rapaz no pátio de casa. Ele disse: ‘Sai aqui, porque o que eu vim fazer é muito rápido’. Eu não poderia imaginar que ele estava armado e, quando menos percebi, ele puxou a arma e disse: ‘Olha, eu vou te dar um aviso, tu não te mete com a gente, porque se vierem tirar qualquer um do Comando [Vermelho] eu vou vir aqui e matar toda a tua família’.” A filha dela, de 22 anos, gritou, apavorada. Antes que outros moradores chegassem, o homem subiu na moto. Mas reforçou: “Tá avisada”, conta ela, que para de falar cada vez que uma moto se aproxima.

Depois da ameaça, M.A. foi inserida no PPDDH. Mas nem sua casa nem sua rotina tiveram qualquer alteração. O imóvel permanece com muros baixos. Por conta própria, ela mesma comprou uma grade de segunda mão e a instalou na porta de entrada. “Todo mundo disse: ‘Pelo amor de Deus, tu tens que ir embora, tens que sair daí’. Mas eu não vou sair da minha casa. Tenho muito a fazer pela minha comunidade.” Paradoxalmente, ela se sente mais protegida depois que um policial foi morto dentro do quilombo, em um confronto com os criminosos. As rondas foram reforçadas. “Quando somente o quilombo era ameaçado, não tinha muita atuação da polícia. Mas agora, com a morte do PM, as coisas acalmaram”, diz M.A. (continua)

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