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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Dez22

Uma desigualdade sem igual

Talis Andrade

Rosana Paulino, As amas. Instalação na Senzala da Fazenda Mato Dentro, Campinas, São Paulo. Fitas de cetim, cerâmica, papel machê, fotografia digital, vidros de relógio, parafina e pétalas de rosas brancas. Dimensão variável, 2009. Fonte: <http://www.rosanapaulino.com.br/blog/tag/senzala/>.

Rosana Paulino

 

A história e intensidade da desigualdade brasileira demonstra o colapso de premissas e de pressupostos naturalizados e nunca validados no Brasil

 

por José Machado Moita Neto 

- - -

A música Quanta, de Gilberto Gil, tem duas particularidades para mim. A primeira é que a qualifico como a pior criação artística do autor. Não tenho o que temer sobre o patrulhamento ideológico dos seus fãs porque quem tem uma vasta obra, em algum momento, pisa na bola. Também, sugiro que não leiam Clarabóia de Saramago e nem Como escrever uma tese de Umberto Eco, pois são obras que não representam a grandeza de seus autores.

A segunda particularidade é trazer ao público o significado etimológico de teoria (θεωρία). Toda teoria é uma contemplação, uma visão particular de mundo. Isto não é diferente para teorias científicas, teorias econômicas ou teorias políticas, apenas para citar algumas. A ponte que você trafega ou o edifício (arranha céus) que você admira são obras materiais que se assentam sobre um grande conjunto de teorias.

Economistas ortodoxos e heterodoxos têm algo em comum. O mesmo pode ser dito de partidos de esquerda e de direita. Todos se fundamentam em teorias. As teorias têm pressupostos explícitos, implícitos e até desconhecidos. Numa construção de uma ponte ou nas grandes obras de engenharia pressupostos explícitos e implícitos são checados em sua validade e até se adiciona um coeficiente de segurança para os aspectos desconhecidos. Menos rigor é observado nas teorias econômicas ou nas teorias políticas que inspiram os atuais políticos e economistas.

Os pressupostos, de qualquer tipo, são admitidos ideologicamente como fatos dados, pertencentes ao mundo real, independente das condições e contextos em que se anunciam. Assim, aquilo que deveria ser pressuposto de uma visão de mundo, construída para interpretar a realidade e nela intervir, torna-se dogmático e enrijece a própria concepção teórica, mantendo-a substituta da realidade em qualquer confronto com a mesma. Obviamente, esse comportamento dogmático é um afastamento das ciências econômicas e das ciências políticas e adentra ao campo da militância, afastando-se da racionalidade científica.

Os estudantes de economia, desde cedo, aprendem que a lei da oferta e da demanda, por exemplo, é uma regra com muitas exceções e limites superiores e inferiores para a sua eficaz aplicação. Premissas e pressupostos anunciam e denunciam o campo de validade de qualquer teoria. É claro que a expansão do alcance de qualquer construção teórica para domínios espaço-temporais ainda não explorados é perfeitamente legítima cientificamente, restando, contudo, a corroboração dessa ampliação pela realidade. Muitas teorias fracassam, embora não percam a importância histórica que tiveram para determinar novos rumos do conhecimento. Porém, deveriam ficar confinadas na história e não ser apresentadas como dogmas supraconstitucionais.

As teorias econômicas, sociais e políticas enxergam diferenças individuais e não constroem mais utopias de igualdade em todos os aspectos da vida. O homem não é um parafuso de dimensões normalizadas pela ABNT. Mesmo a mensagem de Jesus e as primeiras comunidades cristãs assinalavam a possibilidade de algum grau de desigualdade. Portanto, a existência de desigualdade, do ponto de vista qualitativo, não contamina os pressupostos de nenhuma teoria. Da mesma maneira que o atrito, do ponto de vista qualitativo, não impede o movimento. Contudo, o Brasil experimenta hoje um grau de desigualdade que impede o movimento e declara, por si só, o colapso de todos os pressupostos teóricos de convivência em sociedade no qual se baseiam as teorias econômicas, políticas e sociais. A desigualdade gritante e crescente na sociedade brasileira não é mera visão subjetiva. Aparece no índice GINI, na comparação com outras nações, em diversos indicadores sociais do Brasil e em trabalhos acadêmicos que mapeiam a crescente quantidade de marginalizados.

A história e intensidade da desigualdade brasileira demonstra o colapso de premissas e de pressupostos naturalizados e nunca validados no Brasil. Tal situação coloca qualquer pressuposto teórico em nocaute e inválida teorias tradicionais à esquerda ou à direita, teorias econômicas ortodoxas ou heterodoxas. É necessário pensar o Brasil com menor desigualdade e desenvolver uma teoria própria de superação. O consenso imediato de bolhas que priorizam outros temas derrubará pontes e edifícios, por uma teoria superada ou por má-fé. O Ensaio sobre a cegueira e o Ensaio sobre a lucidez são os horizontes literários de um pessimista (Saramago) sobre o discernimento político, econômico e social dos indivíduos. Precisamos fazer mais e fazer diferente. Saindo das bolhas da casa grande, há muitas senzalas a serem visitadas.

 

06
Nov22

Memorial do Convento, de José Saramago

Talis Andrade

Calaméo - Memorial do Convento

 

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy /ConJur

Memorial do Convento, de José Saramago é livro que explicita claramente as posições políticas e religiosas se seu autor, único de língua portuguesa laureado com o Nobel de literatura (merecidamente). É um livro inesquecível. Uma crítica implacável à política econômica de Portugal (e ao capitalismo comercial, em linhas gerais), à falta de planejamento, ao nacionalismo fútil e, principalmente, à irracionalidade religiosa. O autor é irônico. Lembra-nos que se a vida não tivesse boas coisas como comer ou descansar, não valeria a pena construir conventos.

Saramago questiona como os portugueses liquidaram os ganhos que tiveram com as grandes navegações e com o ouro retirado do Brasil. Descreve uma procissão em Lisboa, indagando quantas vidas seriam necessárias para custear tamanha opulência. Há também uma violenta crítica à Santa Inquisição, como talvez nenhum outro autor de língua portuguesa o tenha feito, com tantos pormenores. Ou te corto, ou te queimo, parecia ser o lema dos inquisidores. Na Inquisição, segundo o narrador, eram más todas as razões boas, e eram boas todas as razões más, e quando umas e outras faltassem, havia tormentos de água e de fogo. Não havia como escapar.

Há uma curiosa metáfora que pode substancializar o enredo desse livro. Uma metáfora que remete o leitor à terra e ao espaço. Quanto à terra, Memorial do Convento trata da construção do Palácio Nacional de Mafra. Quanto ao espaço, o livro trata dos esforços do Padre Bartolomeu de Gusmão para construir o primeiro balão que se tem notícia: a Passarola. Tanto o convento quanto o esforço do Padre Bartolomeu são fatos que ocorreram, o que matiza o Memorial do Convento com as cores de um excitante romance histórico. A habilidade narrativa de Saramago torna a ficção historicamente aferível e, ao mesmo tempo, faz da história uma página de um delicioso romance.

Há três personagens centrais. Bilimunda, Baltasar e o Padre Bartolomeu de Gusmão. Num segundo plano o rei, D. João V, e a rainha, D. Maria Josefa. Há muitos padres franciscanos, operários, os pais de Baltasar, a mãe de Bilimunda (executada pela Santa Inquisição) e ainda há espaço para Domenico Scarlatti, napolitano, célebre músico barroco do século XVIII, lembrado por suas peças para cravo, instrumento que dominava com perfeição. Scarlatti compôs sonatas executadas até hoje.

Baltasar (também chamado Sete-Sóis) perdeu a mão na guerra. Retornou a Portugal e encontrou Bilimunda. Formavam um casal apaixonado. Bilimunda tem dons sobrenaturais. Quando acorda, em jejum, tem a habilidade de ver as pessoas por dentro. Certo dia, na Igreja, pode ver o que havia dentro de uma hóstia. A família de Baltasar recebeu a Bilimunda como uma filha.

O Padre Bartolomeu pretendia suspender sua invenção no éter, substância que se acreditava mantinha as estrelas no céu. Com base na sabedoria de Bilimunda, o padre voador acreditava que o sol atrairia o âmbar, que atrairia o éter, que atrairia os ímanes, que atrairiam as lamelas de ferro, de que compunha a nave, e a nave seria atraída para o sol, sem parar. O padre conseguiu fazer voar seu engenho. Incrédula, a população julgava que o Espírito Santo sobrevoava Mafra: um milagre. Mais um milagre. O leitor não se assusta com o fato de que o Santo Ofício foi atrás do padre voador.

O enredo é linear. Os reis de Portugal prometem aos franciscanos a construção de um convento em Mafra, em troca de bençãos que levassem à gravidez da rainha. O casal precisava de herdeiros. A cena da cópula dos reis é antológica. Ambos vestem camisas cumpridas. Antes de subirem à cama ajoelham-se e rezam, rogando para que não morram no momento da conjunção carnal, sem confissão.

Os franciscanos estão à frente na empreitada. Comprovam os milagres que conseguiam e se comprometiam com o milagre da gravidez da rainha. Saramago reflete em torno da religiosidade portuguesa. É um cético. O convento é construído com muito esforço e dificuldade. Baltasar alcança ocupação melhor e dirigirá juntas de boi para os funcionários do rei. O Padre Bartolomeu se perde. Não se tem notícia de seu paradeiro. Baltasar pretende resgatá-lo, chega e encontrar a Passarola, que estava abandonada.

Bartolomeu desaparece e Bilimunda sai em sua procura, por nove anos. As passagens que descrevem a procura são das mais líricas já escritas em língua portuguesa. E não vai aí nenhum romantismo piegas. Andou por Portugal todinho, e descobriu como o país era pequeno. Cruzava a fronteira com a Espanha, não percebia, até o momento no qual ouvia uma língua outra. Então retornava.

Imaginava-se em praça de vila, pedindo esmola, quando um homem com gancho de ferro (no lugar da mão esquerda) se aproximava. Era assim que idealizava o reencontro. Segundo o narrador, Bilimunda andou milhares de léguas, “quase sempre descalça (...) a sola dos pés tornou-se espessa, fendida como uma cortiça (...) Portugal esteve inteiro debaixo desses passos”. Bilimunda encontrou Baltasar. Mas não revelo a quem não leu o livro em que condições. Tem-se o desfecho mais inesperado da literatura em nossa língua. Quem leu, capta na imagem final um acerto de contas entre um escritor corajoso e a superstição que ronda a trama histórica portuguesa.

Nesse livro Saramago quebrou a lógica do amor convencional. Lembro-me o roteiro de Milliet. Satisfeito o desejo, liquidado o interesse, aplacada a vaidade, cada qual dos amantes fecha-se novamente em seu mundo próprio. Não somos capazes de pensarmos fora de nós mesmos, precisamos assim de analogias e de cumplicidades. Parece que nunca nos entregamos com confiança e desprendimento.

O fecho de Memorial do Convento corta esse roteiro romântico e nos mostra que o pavor da perda pode ser tão penoso quanto a própria perda. É com perdas que devemos dialogar na vida real, como condição de sobrevivência. Viver é perder. Sobreviver é saber perder.

 

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11
Out18

Congresso de José Saramago encerra com apelos à defesa da democracia no Brasil

Talis Andrade

Apelos para salvar a democracia no Brasil marcaram hoje, em Coimbra, o encerramento do congresso internacional sobre José Saramago, em que a viúva do escritor assinou um documento contra a ascensão da extrema-direita no maior país lusófono

 

 

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Sapo - “Há que salvar a democracia no Brasil. Não se pode chegar a uma ditadura fascista votando”, na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras, no dia 28, entre Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal, extrema-direita) e Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores, esquerda), disse Pilar del Río à agência Lusa, no final dos trabalhos.

 

A presidente da Fundação José Saramago assinou um texto que circulou entre os congressistas, muitos deles oriundos do Brasil, intitulado “Em defesa da democracia”, após ter proferido um discurso de encerramento em que questionou a atual situação política na pátria do escritor Jorge Amado e do cantor Chico Buarque, com uma referência política que mereceu o aplauso dos presentes.

 

“Temos uma experiência terrível com Hitler”, que nos anos 30 do século XX chegou ao poder na Alemanha através de eleições, alertou depois, em declarações à Lusa.

 

Para Pilar del Río, “não se trata de votar em A ou B”, mas antes de prevenir as consequências futuras de um eventual sufrágio popular, nas urnas, de políticas de intolerância que negam a democracia e discriminam as minorias.

 

“Antes de nos arrependermos no futuro, sejamos ativos agora, não o permitamos”, preconizou a viúva do autor de “Levantado do Chão”, que há 20 anos foi distinguido pela Academia Sueca com o Prémio Nobel da Literatura.

 

No documento sobre as eleições no Brasil, os congressistas manifestam-se “profundamente preocupados com o que está acontecendo no Brasil” em torno do processo eleitoral.

 

“Estão em jogo valores e conquistas de uma civilização ocidental que o Brasil abraçou ao longo de séculos. Democracia, tolerância, direitos humanos, cultura da paz, sempre!”, proclamam.

 

José Saramago, recordou Pilar del Río, “tinha raiva de que neste momento há meios para evitar a desgraça, as agruras, a pobreza e não estamos a usar os mecanismos que temos para o bem comum” – um pouco por todo o mundo – “e isso indignava-o profundamente”.

 

“Trata-se de levantar a cabeça, dizer que somos humanos, que não somos seres descartáveis, e eleger o nosso futuro democraticamente”, defendeu.

 

Na segunda volta das eleições no Brasil, no dia 28, “há que votar bem, há que votar contra isso”, tendo em conta que na sociedade “há pobres, mulheres, diferentes e emigrantes” que precisam de solidariedade e da proteção dos poderes públicos.

 

Pilar del Río destacou, por outro lado, a presença das personagens femininas na obra literária de Saramago.

 

As mulheres “são as personagens fundamentais e fortes da obra saramaguiana”, as quais “não se acomodam às circunstâncias”, acrescentou.

 

Elas “têm valores e com esses valores vão para a vida, independentemente do que está na moda”, afirmou a antiga jornalista.

 

A primeira volta das eleições no Brasil foi vencida por Jair Bolsonaro, com 46% dos votos, enquanto o seu opositor Fernando Haddad ficou em segundo lugar, com 29,3%.

 

Organizado pela Universidade de Coimbra, em colaboração com a Fundação José Saramago e outras entidades, o congresso “José Saramago: 20 anos com o Prémio Nobel” decorreu em Coimbra, entre segunda-feira e hoje, tendo a abertura dos trabalhos contado com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.

 

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