Há poucos dias, em 14 de fevereiro, a deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) apresentou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados o projeto de lei 254/2022, que prevê o “crime de falsa acusação de nazismo”.
A motivação da deputada, que preside a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, foi a demissão do comentarista Adrilles Jorge da Jovem Pan, no início de fevereiro, após Adrilles encerrar sua participação em um programa da emissora com a saudação nazista da mão direita espalmada – o sieg heil (“salve a vitória”).
Durante o programa, antes de fazer o sieg heil, Adrilles defendeu o youtuber Monark, que tinha acabado de ser dispensado do Flow Podcast por advogar, também ao vivo, pela criação de um partido nazista brasileiro.
Na justificação para o PL do “crime de falsa acusação de nazismo”, Bia Kicis escreveu que Adrilles apenas “despediu-se do público”. Ao apresentar o projeto na Câmara, a deputada falou em “um tchau mal interpretado”.
Ou então o gajo, se calhar, só queria arejar o sovaco direito:
Como exemplo do que seria uma “banalização” do termo “nazista”, Bia Kicis citou também o caso de Filipe Martins, o assessor de Bolsonaro que foi denunciado pelo Ministério Público por fazer um gesto da Ku Klux Klan durante uma audiência no Senado. Para a deputada, Martins apenas ajeitou o paletó.
Bia Kicis publicou em suas redes sociais uma mensagem de Carlos Pampillón, “acusado de ligação com grupos neonazistas na Argentina”, diz o Estadão. “Pampillón é apontado como mentor e treinador de um grupo de skinheads que atacou nove pessoas em Mar Del Plata”..
Carlos Gustavo Pampilón
Nesta linha, deve ser apenas uma referência “conservadora” às runas vikings o símbolo estampado na camiseta de um amigo do neonazista argentino Carlos Pampillón, numa foto de semanas atrás em que o próprio Pampillón aparece com uma t-shirt estampada com a imagem de Jair Bolsonaro.
Batalhão Azov com símbolo da Waffen SS, bando neonazista da Ucrânia
O símbolo é o Wolfsangel, usado por pelo menos quatro Divisões Waffen SS nazistas na Segunda Guerra Mundial, inclusive a temida 2ª Divisão “Das Reich”, responsável por uma miríade de crimes de guerra
Em agosto do ano passado, Bia Kicis repercutiu em sua conta no Twitter um vídeo de Carlos Bolsonaro, desculpe, Pampillón convocando os argentinos a pegarem em armas “legalmente” contra o governo de Alberto Fernández.
Depois, Bia Kicis apagou a publicação, que tinha a hashtag das manifestações bolsonaristas pelo voto impresso realizadas no dia 1º de agosto de 2021. A deputada foi a autora da PEC do voto impresso, derrotada em uma comissão especial da Câmara quatro dias depois.
Por falar em incitar a população a “se armar legalmente”, Bia Kicis se encontrou nas últimas horas com o líder do movimento Pró-Armas, Marcos Pollon. Em ano eleitoral, Pollon é figura de proa numa ação bolsonarista coordenada nos estados para liberar o porte de armas para Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores – os CACs -, conforme este Come Ananásdenunciou com exclusividade no dia 10 de fevereiro.
Em julho do ano passado, entidades judaicas brasileiras reagiram com indignação ao encontro de Jair Bolsonaro, em Brasília, com a deputada alemã Beatrix von Storch, vice-presidente do partido de extrema-direita Alternativa Para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). O AfD vem sendo monitorado pela Ação Federal para a Proteção da Constituição, agência instaurada na Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial para ficar de olho em grupos que flertam, se não trepam, com o nazismo.
Beatrix von Storch é neta de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que foi ministro das Finanças de Adolf Hitler. No currículo, a netinha tem histórico de incitação ao ódio contra muçulmanos.
Antes de se encontrar com Bolsonaro, Beatrix von Storch se encontrou com Bia Kicis:
No ano passado, um membro do AfD, Matthias Helferich, foi flagrado se autodescrevendo como “o rosto amigável do Nacional Socialismo”, que é como os nazistas, ou os neonazistas, preferem se referir a si próprios.
Bia Kicis é ligada também à “ativista”, que fez parte do grupo “feminista” Femen, de origem ucraniana e ligado a tendências neonazistas. A deputada teve ainda conexão com o grupo “300 Brasil”, que em 2020 chegou a atacar o prédio do STF com fogos de artifício e do qual Sara Winter foi uma das artífices. O grupo, extinto, guardava semelhanças com organizações neonazistas europeias.Sara Winter
Grupos paramilitares e neonazistas ucranianos ostentam o Wolfsangel nazista como símbolo. Há dois anos, Bia Kicis se armou para a guerra quando a imprensa e políticos notaram, estupefatos, que manifestações pró-Bolsonaro na avenida Paulista estavam sendo decoradas com bandeiras ucranianas.
Ainda em 2020, uma semana antes do então secretário de Cultura do governo Bolsonaro apresentar-se em rede nacional como cosplay de Joseph Goebbels – o ministro da Propaganda de Hitler – anunciando planos para a arte e a cultura do Brasil, Bia Kicis publicou em seu perfil no Twitter um vídeo em que aparecia ao lado de Alvim e no qual Alvim dizia que “eu posso afirmar pra vocês uma coisa, sem medo de errar: 2020 vai ser o ano do renascimento da arte e da cultura no Brasil”.
‘Wie bitte?’
Em um nada menos que espetacular vídeo satírico que circulou na internet há não muito tempo, um oficial nazista, com uma suástica no braço, passa sobranceiro por uma rua quando um cidadão alemão, contrariado, o chama de “nazi”.
O oficial reage: Wie bitte? (“Como é que é?”), e prossegue:
“Que absurdo! Só porque eu sou um membro do NSDAP – o partido nazista – e da SS, então eu sou um nazi? Nazistas, nazistas, nazistas… Todo mundo é nazista. Quando ficam sem argumentos, usam a boa e velha ‘cartada do nazismo’. Só porque alguém não compartilha da sua opinião dominante, ele se torna automaticamente um nazista. No seu mundo, todos são nazistas. Para você, o Führer também é um nazista, não é?”.
Ao confirmar que sim, ora essa, o führer era um nazista, o cidadão vai preso, como Bia Kicis quer. O oficial da SS ironiza: “Já sei, já sei: ‘métodos nazistas'”.
Bia Kicis, repetimos, é presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Isto é o “novo Brasil”, e o vídeo é este:
Nas redes e nas ruas, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro defendem há meses o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). A Sputnik Brasil ouviu especialistas para entender o quadro.
No dia 19 de abril, Bolsonaro participou na manifestação em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, com faixas defendendo o Ato Institucional 5, decreto emitido pela ditadura militar que autorizou o fechamento do Congresso, a censura prévia e a cassação dos direitos políticos de opositores do regime.
Em discurso durante o ato, o presidente da República disse que os políticos precisam entender que "estão submissos à vontade de povo" e prometeu "fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil".
Após o episódio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu abertura de inquérito para apurar uma possível violação da Lei de Segurança Nacional. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a abertura do inquérito no dia 21 de abril.
Moraes autorizou, após pedido da PGR, a quebra de sigilo bancário de dez deputados federais e um senador. Todos eles são apoiadores de Bolsonaro. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra supostos financiadores e comunicadores ligados aos atos antidemocráticos. O blogueiro Allan dos Santos foi um dos alvos da operação.
No pedido de quebra de sigilo, a PGR disse que a transmissão dos atos gera renda para influenciadores digitais, segundo informações obtidas pelo Antagonista. De acordo com empresa especializada consultada pela PGR, o canal do YouTube Foco do Brasil pode ter faturado até R$ 98 mil com a transmissão do discurso de Bolsonaro no Quartel-General do Exército.
Após a movimentação do STF, canais bolsonaristas no YouTube apagaram vídeos. Levantamento da consultoria Novelo, obtido pelo jornal O Globo, mostra que mais de 2 mil vídeos foram retirados da plataforma. O canal Terça Livre, de Allan dos Santos, apagou 272 vídeos. Já o canal Foco do Brasil retirou 66 vídeos.
Moraes também autorizou a prisão da extremista Sara Giromini, integrante do acampamento 300 do Brasil. Sara, que foi solta com tornozeleira eletrônica, adotou para si o sobrenome "Winter", possível referência à ativista nazista britânica Sarah Winter.
Na verdade, essa parte da população sempre existiu, ela não é nova. Mas, diante do crescimento de vários valores democráticos ao longo dos últimos 20, 25 anos no Brasil, eles estavam mais abafados, digamos assim. É minoria, então estavam na oposição. E, hoje, eles estão em uma arena, são os protagonistas ou, pelo menos, conseguiram eleger um representante", afirma à Sputnik Brasil a cientista política e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Maria do Socorro Braga.
Mesmo após a abertura do inquérito, Bolsonaro continuou participando de atos similares em Brasília. O presidente já passeou a cavalo e sobrevoou de helicóptero manifestações contra o STF e o Congresso. Para Braga, as manifestações governistas durante a pandemia de COVID-19 são uma tentativa de demonstrar apoio a um acuado Bolsonaro.
Apoio a ditadura diminuiu, aponta pesquisa
Desde 2018, o número de brasileiros que considera justificável um golpe militar caiu. De acordo com levantamento do Instituto da Democracia, 55,3% da população afirmou em 2018 que um golpe "se justificaria numa situação de muita criminalidade". Em 2019, este número recuou para 40,3% e, em 2020, registrou nova queda e ficou em 25,3%. O percentual de apoio a um hipotético golpe em outros contextos, como desemprego alto e corrupção, também diminuiu.
A pesquisa foi realizada entre 30 de maio e 5 de junho e fez 1.000 entrevistas por telefone. A margem de erro é de 3,1 pontos.
Fico com a impressão que esse dado de 2018 e a mudança dele ao longo desses dois anos talvez tenha a ver com o fato de que a ideia do golpe, do apoio à intervenção naquele momento ainda estava muito marcado pelo contexto do medo do PT e para tirar o PT vale tudo, até um golpe", afirma à Sputnik Brasil a antropóloga e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Leticia Cesarino.
Ainda assim, a professora da UFSC destaca a dificuldade de analisar pesquisas com perguntas sobre temas amplos como "golpe militar" e "muita corrupção" já que estas palavras têm significados diferentes para cada indivíduo e flutuam ao longo do tempo.
Já sobre os atos antidemocráticos, a antropóloga diz que eles demonstram a "redução significativa" de popularidade de Bolsonaro e que hoje eles representam "o último repositório dessa intenção antissistema por meio da qual Bolsonaro se elegeu."
A pesquisadora destaca que apesar de não ter sido encontrada nenhuma arma de fogo no acampamento dos 300 do Brasil, de Sara Giromini, o extremismo preocupa.
"É um discurso fascista? É. Mas a gente já viu essa passagem do discurso à prática de forma contundente? Não. Significa que não pode acontecer? Não. Claro que pode acontecer, mas isso já vem há dois anos. Teve uma ou outra coisa pontual, aquele ataque de coquetel molotov ao Porta dos Fundos, alguma coisa assim, mas essa passagem do discurso à prática da violência por esse grupo mais ideológico, que parece mais ideológico, ainda não foi feita. E eles, na bolha deles, jogam com isso o tempo todo", diz Cesarino.
Investigações sobre crimes de milícia privada leva a chácara no Distrito Federal, ponto de apoio de grupos de extrema direita "300 do Brasil", "Patriotas" e "QG Rural"
por Deutsche Welle
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A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) realizou neste domingo (21/06) uma operação para cumprir mandado de busca e apreensão num dos pontos de apoio dos grupos de extrema direita conhecidos como "300 do Brasil", "Patriotas" e "QG Rural". A polícia investiga a prática de supostos crimes de milícia privada, ameaças e porte de armas cometidos pelo grupo que apoia o presidente Jair Bolsonaro.
Cerca de 30 policiais da Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor) participaram da operação. O alvo foi uma chácara na região de Arniqueiras, no Distrito Federal, com duas casas, onde também havia barracas instaladas.
A polícia informou que o imóvel contava com câmeras de segurança que cobriam toda a sua extensão. No local foram apreendidos fogos de artifício, vários manuscritos com planejamento de ações e discursos, cartazes, aparelhos de telefone celular, um facão, um cofre e outros materiais destinados a manifestações.
Segundo o site da Folha de S. Paulo, na noite do sábado 13 de junho, integrantes do grupo atacaram o prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília com fogos de artifício. A pedido do presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, a Procuradoria-Geral da República abriu investigação para a responsabilização dos autores.
Na segunda-feira seguinte, no âmbito do inquérito sobre protestos antidemocráticos, a ativista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, que faz parte do grupo, foi presa após operação da Polícia Federal.
Sara, na noite de sábado, atacou o Palácio da Justiça; na manhã do domingo, imitando Bolsonaro, fez comício na porta do Forte Apache, sob a proteção de Abraham Weintraub, ministro da Educação, que voltou a chamar os ministros do STF de "vagabundos"; e foi presa hoje
Filme “300”, que inspira acampamento bolsonarista também é referência para grupos racistas e neonazistas; como os europeus, o grupo brasileiro apela à desobediência civil e à violência
* Movimento Identitário europeu elegeu “300” como símbolo de sua luta contra refugiados * Ideal de sacrifício pela pátria e resistência violenta “contra invasores” também aparece no discurso do grupo brasileiro * “O que preocupa é o caráter paramilitar” do movimento, diz socióloga
por Andrea DiP, e Niklas Franzen/ Agência Pública
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“Olá, nós somos os 300 do Brasil, o maior acampamento contra a corrupção e a esquerda do mundo” diz, de maneira nada modesta, Sara Fernanda Giromini, mais conhecida como Sara Winter. No vídeo, ela convoca “pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono” a fazer parte de seu movimento de extrema direita bolsonarista que, desde o começo de maio, está acampado nos arredores da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ontem, Sara também teve o celular e o computador apreendidos pela operação da Polícia Federal relacionada ao inquérito das Fake News que é conduzido pelo STF. Em resposta, fez vários vídeos e posts no Twitter desafiando e xingando o ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito, e ainda fez ameaças: “A gente vai infernizar a tua vida. A gente vai descobrir os lugares que você frequenta. A gente vai descobrir as empregadas domésticas que trabalham pro senhor. A gente vai descobrir tudo da sua vida. Até o senhor pedir pra sair. Hoje, o senhor tomou a pior decisão da vida do senhor”. Nas redes sociais, o comentário era de que ela fez isso com a intenção de ser presa para se tornar um mártir ou candidata – ou os dois.
O “maior acampamento do mundo” também tem recebido atenção nos últimos dias; menos por seu tamanho – não passa de algumas barraquinhas espalhadas pelo gramado – e mais pelas declarações e ações de sua fundadora. Ainda no começo de maio, Sara admitiu em entrevista à BBC News a presença de armas no acampamento “para a proteção dos próprios membros”. O Ministério Público do Distrito Federal chegou a mover uma ação civil pública pedindo que o acampamento fosse desmontado, que houvesse uma revista para busca e apreensão de armas e que o grupo fosse proibido de atuar. O pedido, porém, foi negado pelo juiz Paulo Afonso Carmona da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. O acampamento também é alvo de uma investigação pela PGR: deputados do Psol pediram a abertura de um inquérito para investigar a atuação de Sara Winter em uma “formação de milícia” e o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura do procedimento para apurar quem seriam os financiadores do movimento. A existência de um suposto quartel-general do grupo em uma chácara, com estrutura militar, também está sob investigação.
Apoiadores do movimento de extrema-direita estão acampados na Esplanada dos Ministérios
O nome do grupo de Sara Winter, “300 do Brasil”, assim como algumas imagens e o uso do grito “Ahu” durante manifestações, são inspirados pelo filme 300, do diretor Zack Synder, de 2006, que por sua vez se baseia nos quadrinhos de Frank Miller e Lynn Varley de 1998. O filme mostra a luta heróica de um exército de 300 espartanos, liderado pelo Rei Leónidas, contra um exército de 30 mil soldados persas liderado pelo “deus-rei” Xerxes I da Pérsia querendo invadir Esparta.
Apesar de ter se tornado um grande sucesso, o filme americano também foi fortemente criticado pela violência explícita e por ter uma estética fascista. Os soldados espartanos são musculosos, hiper masculinizados, fortes e apresentados como bons e honrosos. Enquanto isso, Xerxes é afeminado e andrógino e seus soldados são mostrados como ferozes invasores. Na Alemanha, chegou a ser comparado aos filmes da diretora nazista Leni Riefenstahl.
Em entrevista à reportagem, a co-fundadora dos “300 do Brasil”, Desire Queiroz, explica o que motivou a referência ao filme: “A gente teve a ideia justamente pela luta. Isso mostra que nós somos poucas pessoas que podem vencer muitas pessoas". Ela conta que o grupo começou com 10 pessoas mas que apesar disso é forte e pode “lutar e vencer”. E nega que movimentos da extrema direita europeia tenham sido uma influência para a criação do grupo. Procurada, Sara Winter não respondeu os pedidos de entrevista.
“Europeus verdadeiros” contra “Invasores”
Na Europa, movimentos de extrema direita fazem frequentemente referência ao filme 300 e à Batalha das Termópilas. Mas para a direita europeia, o filme e o combate heróico dos espartanos contra persas representam a atual luta dos “europeus verdadeiros” contra os “invasores” refugiados.
O caso mais famoso é o do chamado “Movimento Identitário”, que começou na França, mas existe hoje em vários países do continente europeu. Com uma crítica pesada a uma suposta “islamização da Europa” e uma comunicação ofensiva, o grupo usa o “etno pluralismo”, principal conceito da nova direita, para dizer que sociedades devem ser “culturalmente puras” e que cada povo tem seu habitat. O número de membros do Movimento Identitário é bastante baixo e eles também tentam compensar isso com ações espetaculares que geram grande atenção na mídia, como ocupações, acampamentos e performances em lugares públicos.
Segundo a pesquisadora e jornalista alemã Carina Book, o filme 300 virou referência para movimentos de extrema direita por vários motivos. A Batalha das Termópilas representa a luta do Ocidente contra o Oriente e o rei Leônidas ordena que seu exército enfrente a morte para salvar a população de uma invasão do Oriente Médio. “Esse discurso de fazer um sacrifício pela nação e resistência violenta contra ‘invasores’ frequentemente acha-se no discurso do Movimento Identitário” explica Carina, que estuda o movimento há muitos anos e publicou alguns livros sobre a nova direita europeia. O uso do discurso do sacrifício, e do “sangue e suor” pela pátria também é muito frequente por parte dos integrantes do “300 do Brasil”. No vídeo de convocação diz: “buscamos pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comodidade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (…) Se você está disposto a passar frio, ficar no sol, tomar chuva, e a fazer parte dessa página na história do Brasil, VENHA!”. No Twitter, mensagens como “O soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é um covarde” também são fartamente encontradas.
O grito de guerra “Ahu” dos soldados espartanos, usado pelos “300 do Brasil”, também é usado nas manifestações do Movimento Identitário. Se, em maio deste ano, Sara tuitou “ATENÇÃO BRASÍLIA! DESÇAM AGORA PRA PRAÇA DOS 3 PODERES! A ESQUERDA QUER OCUPAR A PRAÇA. OS 300 DO BRASIL VÃO TOMAR CAFÉ DA MANHÃ VERMELHO HOJE! AHU AHU AHU”, em 2016 durante um ato em Berlim, capital da Alemanha, Martin Sellner, um dos líderes do Movimento Identitário, falou: “Hoje estamos aqui com 300 pessoas. 300 é um número que nós identitários gostamos”. E puxou o Ahu entre os integrantes do grupo, como mostra esse vídeo.
Mas não é só o Movimento Identitário que gosta de se comparar aos espartanos. Em vários protestos e shows, neonazistas fazem referência ao filme e aos espartanos como mostra a revista antifascista e investigativa alemã Das Versteckspiel. No site da marca de moda neonazista Asgar Aryan, segundo a reportagem, há inclusive um moletom com a imagem de um soldado espartano.
As referências à Grécia usadas pela extrema direita são antigas. No dia 30 de janeiro de 1943, quando a derrota dos nazistas na batalha de Stalingrado já era certa, o Ministro da Aviação da Alemanha Hermann Göring fez um discurso comparando a situação dos soldados nazistas com a Batalha das Termópilas, legitimando ideologicamente a batalha. E uma unidade especial da Luftwaffe, força aérea nazista, ficou famosa por voar em missões suicidas contra os Soviéticos e foi chamada de Esquadrão Leónidas.
Convidada a assistir os vídeos do “300 do Brasil”, Carina Book diz que encontra semelhanças com os movimentos de extrema direita europeus. “A estética do vídeo inicial dos ‘300 do Brasil’ lembra muito a dos vídeos do Movimento Identitário. As semelhanças podem ser vistas no vídeo ‘Declaração de guerra’ publicado em 2012 na França, que alerta sobre os supostos danos da migração para a Europa”. Semelhanças também podem ser vistas neste vídeo do Movimento Identitário da Alemanha.
O apelo à “desobediência civil”, o uso de palavras como “revolução” ou performances com uma caixão em frente do Congresso também lembram o discurso e as ações “metapolíticas” da extrema direita europeia, diz a pesquisadora. O caráter paramilitar do movimento chama a atenção. Os militantes chamam-se de “soldados” e falam de uma “guerra”. Frequentemente os integrantes fazem saudações militares, prometem treinamentos e reivindicam uma disciplina rígida.
“Ucranizar” o Brasil
Em algumas ocasiões Sara Winter declarou que recebeu treinamento na Ucrânia e que queria “ucranizar” o Brasil, uma afirmativa difícil de compreender. O chamado “Euromaidan” foi uma série de protestos que aconteceram na Ucrânia em 2014 quando o governo, por pressão do governo russo, anunciou que não iria assinar um acordo de associação com a União Europeia. Mas, logo depois, as manifestações passaram a incluir bandeiras contra a corrupção e o abuso de poder, também com o apoio de grupos neonazistas. Os protestos foram violentamente reprimidos, mas o presidente Víktor Yanukóvytch acabou sendo deposto e fugiu do país.
“Em 2013 e 2014 aconteceu um levantamento contra uma elite corrupta. É possível que ela se refira a isso com sua fala de ‘ucranizar”, diz Andreas Umland, cientista político que vive em Kiev, na Ucrânia . Mas também é possível, devido ao discurso bélico dos “300 do Brasil”, que Sara Winter se refira à guerra quando diz “ucranizar”. Após a expulsão do presidente, as forças armadas russas apoiadas por militantes pró-russos invadiram a península da Crimeia e começaram uma guerra no leste da Ucrânia, nas regiões Donesk e Luhansk, que dura até hoje. Além dos exércitos dos dois países, lutaram milícias pró-russas e, do outro lado, grupos paramilitares voluntários da Ucrânia. O caso mais famoso é o do Batalhão Azov, que, apesar de ser acusado de ser um grupo neonazista, foi incorporado na reserva das Forças Armadas ucranianas e hoje está subordinado ao Ministério do Interior daquele país. Segundo o pesquisador Umland, vários voluntários estrangeiros estavam nos batalhões. “Algumas pessoas vieram pra cá por motivos ideológicos, principalmente neonazistas. Outros viram na busca de uma aventura”.
Nos treinamentos promovidos por Sara, são proibidos fotos e vídeos e é exigido roupa adequada para um treinamento físico de combate. Em um vídeo ela diz: “Muita gente achando que aqui é colônia de férias, achando que vai chegar aqui ficar de perna pra cima fazendo live, fazendo selfie. Se você quiser vir pra isso, não venha, não coloque teu nome na lista, não faça caravana. Aqui é treinamento. A gente exige treinamento, disciplina, ordem, patriotismo”. Ela diz que, além dos treinamentos “com especialistas em revolução não violenta, táticas de guerra de informação”, há “palestras sobre a atual situação política, econômica e social do Brasil”. Através de uma vaquinha virtual, o grupo arrecadou mais de 60 mil reais para financiar os encontros que estão acontecendo em meio à pandemia de coronavírus, que já matou mais de 25 mil pessoas no Brasil. O grupo obviamente se opõe às medidas de isolamento, seguindo as determinações de seu líder maior Bolsonaro.
Em entrevista à reportagem, a socióloga Sabrina Fernandes diz: “O que preocupa em relação aos 300 é seu possível caráter paramilitar, especialmente se consideramos a relação do bolsonarismo com milícias e as próprias Forças Armadas. O risco é de que esse grupo consiga inflamar com mais intensidade essa base leal bolsonarista, o que pode levar a um acirramento do conflito e a uma aplicação prática do ideário fascista que já compõe a estrutura ideológica do bolsonarismo.”
No grupo oficial dos “300 do Brasil” no Telegram está descrito: “Junte-se a nós. Seja parte do exército que vai exterminar a esquerda e a corrupção.” Desire Queiroz defende o uso dessas palavras. “Isso faz parte do discurso, temos o direito de nos expressar. Queremos exterminar a esquerda com argumentos.” Ela argumenta também que todas as ações dos “300 do Brasil” são não-violentas, que o grupo defende a democracia e nega que se trata de um movimento fascista. Porém Sabrina Fernandes lembra: “Ao contrário dos comunistas que se afirmam comunistas, é estratégico para fascistas negarem serem fascistas dependendo do contexto. Uma vez que eles se declaram abertamente fascistas, isso legitima ações, organizações e frentes antifascistas. O conceito de democracia é esvaziado há tempos e para eles constitui uma noção bastante particular do que é o povo brasileiro, representada pela ideia do ‘cidadão de bem’. Nessa concepção, a democracia é um espaço de poder para este tipo de cidadão, o que evoca um ideário nacionalista específico também que pode ser associado a um programa fascista.”
Na esteira das semelhanças estéticas, a pesquisadora Carina Book chama a atenção para uma foto do “300 do Brasil” em que Sara Winter aparece com outros militantes, usando uma máscara de caveira. A máscara, que também é vendida no Brasil, é muito popular na Europa e nos Estados Unidos entre neonazistas. “A máscara de caveira virou uma estética universal fascista”, escreve o jornalista Jake Hanrahan no Twitter. A rede terrorista neonazista Atomwaffen Division usa exatamente a mesma máscara em seus vídeos de propaganda.Organização neonazista Atomwaffen Division. De acordo com pesquisadores, há semelhanças entre o movimento liderado por Sara Winter e grupos fascistas europeusDe acordo com pesquisadores, há semelhanças entre o movimento liderado por Sara Winter e grupos fascistas europeus
Uma trajetória de muitas coincidências
Sara Fernanda Giromini sempre negou publicamente qualquer relação com grupos neonazistas e fascistas mas sua trajetória, assim como a de seu novo grupo, é cheia de coincidências com esses movimentos. Natural de São Carlos, cidade do interior de São Paulo, Sara aderiu ao codinome Winter quando fundou célula do movimento ucraniano Femen no Brasil em 2012. O nome, Sara Winter, é homônimo ao de uma socialite britânica que foi espiã de Hitler e membro da União Britânica de Fascistas, mas a Sara brasileira nega a relação e diz que o nome foi inspirado em uma cantora. O Femen em si é um movimento polêmico, adepto do “sextremismo”, que visa chamar a atenção da mídia e da sociedade para alguns temas com mulheres protestando seminuas. Sara ganhou muita atenção da mídia na época porém sua atuação sempre foi vista com desconfiança por algumas vertentes do movimento feminista. Alegava-se, entre outras coisas, que era um movimento muito vertical, sem referência, com processo de seleção, além de ser difícil adaptar as pautas da Ucrânia no Brasil, já que são países com realidades tão diferentes e complexas.
Sara Winter fundou o movimento Femen no Brasil
Em entrevista ao site Opera Mundi em 2012, Bruna Themis, ex-integrante do Femen Brasil e parceira de Sara, contou porque decidiu deixar a organização em poucos meses. Entre os motivos ela destacou a falta de propostas e embasamento teórico: “O Femen não tem proposta, isso eu posso afirmar. Elas não gostam nem de ler as críticas nos jornais ao movimento. Eu sempre lia e queria saber o porquê de falarem isso ou aquilo. Quando fui detida, uma das meninas me empurrou porque queria aparecer na câmera. É engraçado e triste. (…) O Femen não é um movimento feminista. Ninguém lá sabe o que é feminismo. Eu sugeri que a gente buscasse vínculos com outros coletivos ou outros grupos feministas, mas a Sara recusou”.
Bruna também contou que as diretrizes vindas da matriz ucraniana era a de que apenas mulheres dentro do padrão de beleza estabelecido por elas pudessem participar e que a célula brasileira teria sido criticada por colocar “meninas gordinhas nos protestos”. Por fim, disse que saiu porque Sara Winter era autoritária e simpática ao nazismo: “A Sara disse que admira Hitler como pessoa, que ele foi um bom marido, que amava os animais, mas que não admira o Hitler público”, afirmou.
Na entrevista ao Opera Mundi, outra informação chama a atenção. Bruna comenta que o Femen da Ucrânia pouco sabia sobre a célula brasileira e vice-versa e que Sara havia ido a Kiev por sua própria conta. Mas no filme “A Vida de Sara”, um documentário biográfico produzido pela plataforma Lumine, apelidada de “Netflix conservadora”, Sara Winter diz que a organização mandou dinheiro para que ela fosse para a Ucrânia passar por um treinamento. Financiada ou não pela organização, Sara conta que passou por um treinamento “muito hardcore”, quase “um exército”. Recentemente ela voltou a dizer nas redes sociais que passou por treinamento na Ucrânia e que iria replicá-lo no Brasil. Procurado, o Femen Ucrânia disse que responderia a entrevista porém até o fechamento da reportagem não houve resposta. Vale lembrar que a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que hoje processa Sara Winter por calúnia e difamação, também participou de um protesto do Femen em 2012, como mostra este vídeo.
A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP, à direita), em manifestação do grupo Femen, em São Paulo, no dia 29 de dezembro de 2012
O filme foi produzido Matheus Bazzo, que exerceu a mesma função no documentário sobre a vida e a obra de Olavo de Carvalho, “O Jardim das Aflições”. Matheus também é um dos fundadores da plataforma conservadora, que se propõe a trazer séries e programas “para quem entende a importância da verdade, da beleza e da bondade nas produções artísticas” segundo o site Estudos Nacionais. No filme de Sara não há qualquer menção a patrocinadores. No entanto, logo nas primeiras cenas, a militante aparece passeando com seu filho em uma loja da Havan e em certo momento, ele toca o sino da loja, evidenciando o logotipo ao fundo.
Em 2013, a organização ucraniana desligou Sara e declarou publicamente que não tinha mais representantes no Brasil. “Gostaria de dizer algo que imagino seja novo para vocês. Não temos mais Femen Brasil. A pessoa que nos representava, Sara Winter, e que tem sua própria conta no Facebook, o Femen Brasil, não faz parte do nosso grupo. Tivemos muitos problemas com ela. Ela não está pronta para ser líder. É uma pena, mas essa decisão faz parte do nosso crescimento como movimento honesto. O Femen Brasil não nos representa”, disse na época ao jornal Zero Hora uma das fundadoras do movimento original, a ucraniana Alexandra Shevchenko.
Diretor documentário “A Vida de Sara” também produziu documentário sobre Olavo de Carvalho
No filme, Sara conta que que já se prostituiu e dá detalhes de um terrível estupro que teria sofrido. Também aparece atirando e manipulando armas de fogo, cuidando do filho, fala sobre um aborto que teria realizado e sobre como tudo isso a levou a se tornar uma “anti-feminista” católica. Mas ela já tinha uma trajetória controversa antes disso. Em sua página no Facebook, na mesma época em que fazia protestos pelo Femen, ela dizia que admirava Plínio Salgado, o movimento skinhead e algumas personalidades conservadoras, como Ronald Reagan. Antes ainda, entrevistava bandas neonazistas e aparecia em fotos de shows dessas bandas. Além disso, tinha uma tatuagem no ombro de uma cruz de ferro, símbolo germânico que se tornou popular durante o regime nazista e era a principal condecoração de guerra. Sara diz que a tatuagem é uma homenagem aos “cavaleiros templários da idade média”, mas a pesquisadora alemã Carina Book confirma que é a cruz de ferro.
A partir de 2015, Sara passa a se declarar publicamente uma militante conservadora de direita, anti-feminista, anti-aborto, pró-vida e religiosa. Em 2016, aparece em um vídeo ao lado de Bolsonaro se dizendo “curada” do feminismo. No mesmo ano, se acorrentou no Largo da Carioca no Rio de Janeiro, dizendo que faria greve de fome contra a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar legal um caso de aborto até os três meses de gravidez. O ato virou piada nas redes sociais por ter durado poucas horas.
E se hoje ela diz que quer derrubar o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), em 2018 foi candidata a deputada federal por seu partido mas não conseguiu votos suficientes.
Sara Winter é apoiadora do governo Bolsonaro
Como militante conservadora de extrema direita, Sara coleciona no currículo um “Congresso Anti-Feminista”, fotos com fetos de borracha e palestras dadas em igrejas pelo Brasil. O grupo dos “300 do Brasil”, segundo ela, foi uma ideia de Olavo de Carvalho, a quem tem como guru. Entre os entusiastas do “300 do Brasil”, estão a deputada Bia Kicis (sem partido), o jornalista do Terça Livre Allan dos Santos – ambos investigados no inquérito das Fake News – e seu (autodeclarado) ex-psiquiatra, Ítalo Marsilli, que também é discípulo de Olavo de Carvalho e já declarou em um de seus vídeos que mulheres não deveriam votar pois são fáceis de seduzir: “Na democracia grega, a única do mundo que funcionou, não estava previsto o voto feminino. Quando o voto passa ser pleno, ou seja, mulheres e todo mundo pode votar, a gente vê que tem uma crise na regência do Estado. É muito fácil você convencer mulher de votar, é só você seduzi-la”.
A vida de Sara Winter, 27 anos, é cheia de mudanças radicais, que acontecem repentinamente e com muitas coincidências. Como ocorreu nesta manhã quando, antecipando que poderia ser presa por ter ameaçado o ministro Alexandre de Moraes, Sara Winter publicou uma hashtag pedindo sua libertação: #SaraLivre.
Presa na manhã desta segunda-feira (15/06), a militante bolsonarista Sara Winter já disse, com orgulho, ter sido "treinada na Ucrânia".
Apesar de nunca ter deixado claro quando este treinamento teria ocorrido, ou por quem teria sido instruída, a ativista estava ecoando um tema que aparece frequentemente em discursos e postagens de rede social da militância favorável ao presidente Jair Bolsonaro: o fascínio pela Ucrânia e até por grupos extremistas do país do leste europeu.
Em redes sociais e discursos feitos durante protestos, Winter e outros ativistas da direita brasileira falavam em "ucranizar o Brasil" e a bandeira ucraniana foi adotada como "adereço" ao lado dos nomes de usuários em plataformas como o Twitter.
Mas, afinal, como a Ucrânia se tornou esse objeto de fascínio para o bolsonarismo?
O contexto político
Parte da explicação, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, tem relação com o histórico recente de radicalização e rupturas políticas na Ucrânia.
A Ucrânia é um vasto país do leste europeu, com uma grande fronteira com a Rússia e uma relação histórica conturbada com o vizinho.
Russos e ucranianos eram um povo só até o século 9, explica o professor de história da USP Angelo Segrillo, especialista em história da Rússia. Ao longo dos séculos, a região da Ucrânia ficou retalhada entre diversos impérios: foi dominado inclusive pelo Império Russo, e no século 20 fez parte da União Soviética."A Ucrânia se tornou um Estado independente nos anos 1992, com o fim da URSS", explica Segrilo.
Na história recente, o país foi palco de violentos confrontos em 2014, primeiro entre nacionalistas e o governo pró-Rússia, e depois entre separatistas e um novo governo nacionalista.
As desavenças internas começaram em dezembro de 2013, com intensas manifestações pelo país quando o então presidente, Viktor Yanukovych, sob pressão do presidente russo, Vladmir Putin, anunciou que não assinaria um acordo com a União Europeia, que poderia, no futuro, levar à entrada do país no bloco.
Os manifestantes pró-Europa chegaram a ocupar prédios do governo e entrar em confrontos com forças de segurança, com um saldo de dezenas de mortos e milhares de feridos. Em meio ao clima de insurgência popular pelo país, presidente pró-Rússia foi derrubado. O Parlamento votou por uma eleição adiantada, e o candidato pró-europa Petro Poroshenko venceu em primeiro turno.
"Houve um processo de ruptura com o sistema político nacional", explica Odilon Caldeira Neto, professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora. "Esse momento de insurgência e instabilidade do país potencializou a organização e o fortalecimento de grupos de extrema-direita nacionalista", explica Caldeira.
"Isso não quer dizer que o processo que ocorreu na Ucrânia tenha sido um processo neofascista, mas que o momento de radicalização da agenda política do país permitiu que grupos mais radicais se aproximassem do mainstream."
Após o colapso do governo pró-Rússia, a Crimeia, que tem uma grande população de origem russa, declarou formalmente "independência" e desejo de se juntar à Federação Russa (nome oficial da Rússia). Após um referendo não reconhecido pelo governo ucraniano, o país vizinho enviou tropas e rapidamente assumiu o controle da Crimeia, anexando a região à Rússia.
Conflitos separatistas surgiram em outras regiões, com milícias de homens armados apoiando os separatistas pró-Rússia ocupando prédios do governo ucraniano. Militares russos assumiram envolvimento com as milícias, mas o país nunca admitiu formalmente a interferência no vizinho. "Houve uma mistura de tropas ucranianas pró-Rússia e uma infiltração de soldados russos", explica Segrillo. Em 2015 o governo conseguiu negociar um cessar-fogo, com condições como a saída de combatentes estrangeiros do território ucraniano, mas as regiões insurgentes não foram retomadas. E a Criméia continuou anexada à Rússia.
'Ucranizar o Brasil'
Mas o que isso tudo tem a ver com o Brasil? E porque falar da Ucrânia, quando grupos nacionalistas estão ganhando força em diversos lugares do mundo?
Segundo Caldeira Neto, que também é membro do Observatório da Extrema Direita, a Ucrânia é tomada como exemplo pela direita brasileira pela forma como extrema-direita conseguiu se organizar e agir no país.
"Há dois entendimentos possíveis, um mais amplo, que faz referência à esse momento de ruptura com o status quo político", diz Caldeira Neto. "Há outras leituras mais particulares, mais associadas aos grupos neofacistas, cuja referência não está necessariamente nessa ruptura, mas em um desejo de reprodução de ideias, táticas e estratégias usadas no país europeu."
"É uma dinâmica de buscar experiências que deram certo para a direita fora do Brasil, e caso da Ucrânia teve um impacto midiático muito forte", diz ele.
Além dos ativistas, o discurso também chegou a bolsonaristas no Congresso, como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ).
Daniel Silveira e Rodrigo Amorim quebram placa de Marielle Franco
Embora figuras como Silveira falem de forma enigmática quando fazem referência ao assunto em redes sociais, a ligação da frase com os episódios de 2014 na Ucrânia é abertamente explicado em blogs, podcasts e grupos bolsonaristas.
Quando fala em "ucranizar o Brasil", a direita brasileira está fazendo referência direta aos episódios em que grupos armados invadiram prédios do governo no país europeu.
"Há vários exemplos de ações de desobediência civil nos últimos cem anos, mas talvez o mais interessante de comparar com nossa situação seja o protesto do povo ucraniano nos 93 dias do inverno entre 2013 e 2014 que ficou conhecido como Euromaidan e levou à renúncia do presidente Viktor Yanukovych", diz um texto com o título "O Dever de Ucranizar", no site de direita Vida Destra, do advogado Fábio Talhari.
Sara Winter e os radicais
Antes de se tornar bolsonarista, Sara fez parte por alguns meses do grupo feminista Femen, de origem ucraniana, do qual também foi expulsa, segundo disse na época uma das dirigentes do movimento, Alexandra Shevchenko. Na época, ela foi presa mais de 20 vezes e viajou sozinha para a Ucrânia.
Mas Sara Winter não é a única militante de direita radical brasileira ligada a nacionalistas ucranianos.
Uma investigação da polícia civil do Rio Grande do Sul iniciada em 2017 encontrou laços entre grupos radicais brasileiros e extremistas ucranianos.
A investigação descobriu que brasileiros estavam sendo recrutados para lutar contra rebeldes pró-Rússia na Ucrânia — se de fato os extremistas brasileiros chegaram a adquirir experiência de combate no exterior, no entanto, não é claro. O delegado Paulo César Jardim diz à BBC News Brasil que não pode dar mais informações sobre a investigação, que continua em andamento.
Nostalgia nacionalista
Um dos fatores que causa mais polêmica envolvendo as referências à Ucrânia é justamente o fato de que muitas delas são vistas como associadas ao neonazismo, segundo Caldeira e a antropóloga Adriana Dias, uma das principais especialistas em neonazismo do Brasil.
Um exemplo é o caso de uma bandeira que apareceu em diversos dos protestos a favor do presidente Bolsonaro em São Paulo.
A presença de uma bandeira vermelho e negra com um brasão em forma de tridente, símbolo tradicional da Ucrânia, chamou atenção por ser associada a a grupos extremistas do país europeu.
A bandeira é associada ao partido e grupo paramilitar de extrema-direita Pravy Sektor, ultranacionalista.
Os relatos sobre o símbolo na imprensa levaram a Embaixada da Ucrânia e emitir nota dizendo que "para milhões de ucranianos... a bandeira rubro-negra simboliza a nossa terra e o sangue de nossos heróis derramado por Liberdade, Independência e Soberania da Ucrânia".
A representação ucraniana enfatiza que seu uso "não tem nada a ver com o movimento neonazista".
Ainda segundo a Embaixada, "a bandeira histórica e o brasão da Ucrânia" foram usados desde o século 16 "por cossacos ucranianos nas lutas contra invasores estrangeiros, e por isso, durante o século passado e no começo do século 21, virou o símbolo de luta dos ucranianos contra ocupação, chovinismo e imperialismo russos".
Estudiosos de ideologias de extrema direita, no entanto, explicam que, embora sejam símbolos nacionais na origem, eles foram apropriados por grupos neonazistas e têm hoje esse significado internacionalmente. "Podem negar, mas isso não muda a simbologia. É um absurdo achar que esse símbolo seja neutro", diz Adriana Dias. "O uso disso por brasileiros é para ser visto com grande preocupação."
Segrillo explica que durante a Segunda Guerra Mundial houve um movimento de um grupo ucraniano que, para se libertar da União Soviética, se aliou ao nazismo. E é esse grupo que é lembrado com nostalgia hoje por grupos ultranacionalistas, diz Adriana Dias
"O Pravy Sektor, especificamente, mas na Ucrânia em geral hoje, está havendo uma relembrança das pessoas que lutaram ao lado de Hitler, portanto contra os judeus, negros e gays, por uma superioridade étnica", explica Adriana Dias. "Hitler, quando tomou a Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial, viu que podia contar com certas forças nacionalistas na Ucrânia."
Esses grupos colaboracionistas que são relembrados com nostalgia pela extrema-direita ucraniana. "É um tipo de nacionalismo que esteve muito presente no fascismo, no nazismo, no franquismo, baseado nesse ideário de uma grande nação."
"Embora a cooperação internacional de grupos nacionalistas não seja ampla, até por conta de sua natureza, a circulação dessas ideias acontece internacionalmente", explica Caldeira Neto.
"São ideias políticas que circulam, os intelectuais leem as obras uns dos outros e tentam adaptar as ideias, as táticas e estratégias para o Brasil", explica.
Ao importar esse símbolo para o Brasil, diz a antropóloga Adriana Dias, grupos de direita nacionais querem trazer a ideia de que há um só Brasil a ser construído, um só povo brasileiro. "Estão tentando recriar esse modelo nacionalista", diz ela, e veem com admiração a experiência recente da direita ucraniana nesse sentido.
Esse ideal de uma só nação, afirma Dias, "é uma negação de toda etnicidade brasileira, quando na verdade nossa riqueza está na nossa diversidade", diz ela. Dias cita como exemplo a fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub, em uma reunião ministerial, onde ele falou que "odeia a expressão povos indígenas" e "quilombolas", pois "todos são povo brasileiro".
Dias afirma que no Brasil, especificamente, há uma tendência de grupos se importarem com neonazismo de outros lugares.
"Nos Estados Unidos você não vê muitos grupos de nacionalismo de outros lugares. Você não vê nazismo dos Estados Unidos na Rússia. Mas alguns lugares, como o Brasil e na América Latina em geral, importam símbolos neonazistas", diz ela.
"Nós importamos símbolos de neonazismo russo, ucraniano, estadunidense, espanhol, inglês. Eu costumo brincar que até o neonazismo brasileiro é miscigenado", diz ela.
Símbolos e negação
Um dos militantes que levaram o símbolo aos protestos, por exemplo, disse ao jornal Folha de S.Paulo que não tinha "nada de nazista" no símbolo.
"É uma bandeira antiga, usada desde o século 16. O preto simboliza a terra ucraniana, que é muito fértil, e o vermelho é o sangue dos heróis. Não tem nada de nazista", disse Alex Silva ao jornal. Silva diz morar no país Europeu desde 2014, onde trabalha em uma academia de tiro e táticas militares.
Adriana Dias afirma que a apropriação de símbolos nacionais tradicionais é comum em grupos de direita nacionalistas — e faz um paralelo entre o uso que a direita ucraniana faz de símbolos ucranianos tradicionais e o uso da bandeira do Brasil pela direita brasileira.
"A direita no mundo tem feito isso, de usar os símbolos da nação como se fossem dela", diz. "A ditadura militar já fazia isso."
O uso de símbolos nazistas — e depois a negação da referência — já aconteceu até dentro do governo brasileiro, lembra.
Em janeiro, o então secretário da Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso com as mesmas palavras de uma fala de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda na Alemanha nazista. Depois Alvim negou a referência, que incluía som do compositor favorito de Hitler ao fundo. Alvim acabou demitido e substituído por Regina Duarte, que também deixou o cargo no mês passado.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro citou nas redes sociais uma frase do ditador fascista Benito Mussolini, chamando-o de "o velho italiano".
"O governo joga as referências ao vento, sai distribuindo símbolos a torto e a direito, e depois basta que ele negue. Ele sempre nega. Essa estrutura é uma estratégia da direita que é muito parecida com a usada pelo Steve Bannon (ex-estrategista político de Trump)", afirma Dias.
"Você lê o livro do Bannon e ele fala que você tem que jogar muitos símbolos, para confundir as pessoas, e depois negar tudo. E continuar criando essa confusão para as pessoas não verem o que está acontecendo", diz.
Sem poder usar armas para defender Bolsonaro, ativista faz "treinamento" de militantes de direita e incentiva escrachos contra autoridades: "Compra 20 quilos de estrume e joga na casa do Gilmar"
Por Cíntia Alves/ GGN
A ativista Sara Winter afirmou que o acampamento “300 pelo Brasil” é só o primeiro passo de um projeto maior de organização da militância de extrema-direita, com a finalidade de “ocupar as ruas” e “colocar medo nas pessoas” que contrariam o bolsonarismo.
Numa live no Youtube, Sara falou em tom de lamento que os brasileiros não portam armas de fogo, como nos Estados Unidos, para defender suas ideologias, e incentivou escrachos com direito a “estrume na porta” do ministro Gilmar Mendes, da Suprema Corte, e outras autoridades.
Sara virou alvo do Ministério Público do Distrito Federal nesta semana, por organizar e liderar um acampamento em Brasília em plena pandemia de coronavírus, quando as recomendações sanitárias são para evitar aglomerações. A Justiça do DF rejeitou pedido do MP para desmobilizar o grupo, alegando que a saúde pública, neste caso, ainda não se impõe ao direito à liberdade de expressão.
Na transmissão ao vivo, no canal do blogueiro de direita Oswaldo Eustáquio, Sara chamou os promotores do DF de “meninos criados com pera e leite com ovomaltine” e negou a acusação de encabeçar a organização com pretensões paramilitares, apesar de ostentar um discurso inflamado sobre “treinamento de guerra” para lutar contra o “comunismo” e a “ditadura em curso” no Brasil.
“É [um treinamento] em guerra não violenta, ou seja, não utiliza armas de fogo, utiliza armas ideológicas, econômicas, táticas e culturais, que são uma outra maneira de mudar as coisas”, defendeu.
Sara afirmou que no dia 2 de maio aconteceu o treinamento do grupo acampamento perto do Congresso, “com os melhores do Brasil na área de estratégia, geopolítica e investigação.”
Na visão da bolsonarista, “é impossível conseguir a mudança, o respeito das instituições por vias respeitosas. A gente vai agir de forma violenta? Não, mas existe uma coisa chamada coerção popular. É quando o povo levanta e começa a encurralar essas autoridades de maneira que elas já não têm mais para onde ir, e vão ser obrigadas a fazer o que nós estamos pedindo.”
Para ela, “aqui no Brasil há uma ditadura em curso porque todas as instituições estão aparelhadas e organizadas numa ideologia de esquerda que impossibilita a governabilidade do presidente.”
Quando questionada pelo blogueiro sobre ações envolvendo “o endereço dos presidentes da Câmara e Senado, e dos ministros do STF em Brasília”, ela respondeu: “Pô, aí você vai dar spoiler das minhas ações.” Na sequência, acrescentou que possui alguns endereços e instigou os seguidores a praticarem atos de escracho contra autoridades. “Compra 20 quilos de estrume e joga na porta do Gilmar Mendes, na porta do Doria, do Witzel. Merda se joga na merda. Lixo se joga no lixo.”
No começo do bate-papo, Sara insistiu que não há militarização no acampamento. Mas lamentou que os brasileiros não tenham porte de arma de fogo como nos Estados Unidos, para defender seus ideais.
“Muitas das bizarrices políticas que existem no Brasil, elas não existem nos EUA porque as pessoas não vão permitir, justamente porque elas podem carregar armas. Só que nosso caso, não podemos. Então temos que construir outra maneira de fazer revolução ou, no nosso caso, a contrarrevolução.”
A contrarrevolução, segundo ela, começa emulando as “estratégias da esquerda” de organização da militância de base, com sinais trocados.
“Pela primeira vez a direita começou a organizar uma militância de rua, a base da governabilidade do nosso presidente. Esse é o primeiro start de muito que vem por aí”, prometeu a ativista.
Nas páginas amarelas da Veja desta semana, Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência faz um exercício de cinismo, jurando um arrependimento por ter se envolvido em atos políticos sendo – ainda – um general da ativa.
Ramos, mesmo louvando o ato do general dos EUA, anuncia orgulhosamente que fez o contrário, agindo como “observador” – ou espião, como queiram – numa manifestação oposicionista, a tirar conclusões ideológicas sobre o figurino dos manifestantes:
Só há uma coisa que me incomoda e me desperta atenção. Um movimento democrático usando roupa preta. Isso me lembra muito autoritarismo e black blocs. Quando falo em democracia, a primeira coisa que me vem à mente é usar as cores da minha bandeira, verde e amarelo. No domingo, fiquei disfarçado no gramado em frente ao Congresso observando o pessoal. Eles não usavam vermelho para não pegar mal. Mas me pareceu que eram petistas.
A ideologia cromática do general não funcionava assim quando as camisas pretas eram pró-bolsonaro, ou quando – há menos de um mês – um bando de paramilitares de camisa preta foram encontrar-se com o presidente.
Mas, à parte isso, o que faz o general pensar que eram petistas? “Pega mal” usar camisa vermelha? O senhor sabia que Jair Bolsonaro usava uma no dia 19 de abril, quando foi fazer sua pregação golpista em frente ao Quartel General do Exército, o Forte Apache de Brasília? Bolsonaro é petista?
Mas há pior na entrevista. Diz que o Exército respeita a democracia, desde que não se “estique a corda”. Só que o esticar a corda é a ação do Poder Judiciário.
Primeiro, diz que isso foi feito pelo decano do Tribunal, Celso de Mello, que fez um paralelo entre o que se passa aqui com a ascensão do nazismo da Alemanha, dizendo que Hitler matou seis milhões de judeus e Bolsonaro, não. Ou definindo que o TSE não deve dar atenção aos questionamentos sobre a campanha eleitoral de Bolsonaro, agora temperados pela revelação de uma rede de fake news empresarial.
Com todo o respeito, general, mind your business, cuide de sua área, porque ela não é, certamente jurídica.
O que deveria preocupar não é que o Judiciário, um poder independente, “esticar a corda”. É um general da ativa esticar a língua para falar bobagens e pretender dar lições a outro poder.
Membros do acampamento de Sara Winter em Brasília, o famoso “300″, fizeram uma performance macabra em frente ao Supremo Tribunal Federal na noite deste sábado.
Carregando tochas, mascarados, eles marcharam até a Corte.
Chegando lá, uma música tirada de um filme de terror B soou.
Gritavam: “Viemos cobrar, o STF não vai nos calar”
e “Careca togado, Alexandre descarado”(!?!).
Fascistas em Charlottesville (EUA) com as tochas tiki
É uma cópia vagabunda da marcha neonazista de Charlottesville, nos EUA, ocorrida em agosto de 2017.
Na ocasião, centenas de supremacistas brancos reuniram-se na Universidade da Virgínia com “tochas tiki”, as mesmas que o bando de Sara usa agora.
A evocação era dos rituais da Ku Klux Klan. O protesto era um aquecimento para o evento “Unir a Direita” (“Unite the Right”).
“Sim, eu sou nazista, eu sou nazista, sim”, afirmava um sujeito. Entre as palavras de ordem, “judeus não vão nos substituir”.
Como no caso do brinde com leite, marca registrada da extrema direita americana, os simulacros nacionais capricham na capacidade de não surpreender ninguém.
Batizado de pitbull pelo “paizão” presidente, Carlos Bolsonaro – ou Carluxo para os mais íntimos – deve estar miando. Por decisão do ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal realizou na quarta-feira (27) várias operações no âmbito do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura os crimes das fake news.
Ao todo, foram 29 mandados de busca e apreensão que podem revelar como funciona e quem financia a fábrica de mentiras e o chamado "gabinete do ódio", que é liderado pelo vereador Carluxo Bolsonaro.
A relatora da CPMI das fake news, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), já solicitou que o STF compartilhe as provas colhidas. “Teremos agora novos elementos que ajudarão a desmontar essa rede de ódio, inverdades e impunidade que vem ameaçando a própria existência da democracia".
Em dezembro, uma bolsonarista arrependida, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), já havia revelado à CPMI das fake news que os filhotes de Bolsonaro comandavam a ação criminosa nas redes sociais. Agora, com as apreensões da Polícia Federal, as provas contra os mimados filhotes do presidente poderão vir à tona.
Além disso, as provas colhidas no inquérito do STF ainda poderão influenciar o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que analisa supostos crimes cometidos na campanha de Jair Bolsonaro em 2018. “Elas podem colocar em dúvida a lisura do escrutínio”, explica Eugênio Aragão, advogado do PT no caso.
Alexandre de Moraes já ordenou a quebra de sigilo bancário e fiscal dos empresários bolsonaristas que financiaram a difusão de fake news entre julho de 2018 e abril de 2020. A investigação do período de campanha eleitoral pode revelar o esquema milionário e criminoso que elegeu o fascista Jair Bolsonaro.
Os empresários investigados no inquérito - Luciano Hang. O patético e espalhafatoso dono da rede de lojas Havan é hoje um dos bolsonaristas mais ativos do país. Ele é amigo íntimo do presidente, que inclusive já lhe prestou alguns favores palacianos. No caso específico das fake news, o “véio da Havan” aparece em várias postagens com suas roupas ridículas e suas postagens de ódio. Ele tem cerca de 4,5 milhões de seguidores nas redes sociais.
Recentemente, através do portal transparência do Facebook, descobriu-se que ele aumentou a propagação de convocatórias para os atos que aconteceram em Brasília em 15 de março contra o Congresso Nacional e STF. A operação de busca e apreensão contra o empresário fascista se deu em sua casa e escritório em Brusque, Santa Catarina.
- Edgard Corona. Dono da milionária rede de academias Smart Fit, o fascistinha trocou mensagens nas redes sociais confessando que pretendia impulsionar vídeos no Facebook contra o Congresso Nacional e em defesa do laranjal de Bolsonaro. Em fevereiro, a Folha revelou algumas mensagens que sugerem que o empresário financiou as redes bolsonaristas de fake news. A operação da PF foi realizada em sua mansão em São Paulo.
- Otávio Fakhoury. O investidor Otávio Fakhoury virou alvo das operações por ter declarado, em um grupo de WhatsApp, que financiaria caminhões de som nas manifestações fascistas de 15 de março. “Não vou deixar esses canalhas derrubarem esse governo”, afirmou na ocasião o prepotente ricaço. A operação de busca e apreensão foi realizada em sua casa e escritório em São Paulo.
Os difusores de ódio e de fake news
- Allan dos Santos. O blogueiro aloprado edita o site Terça Livre, um dos mais hidrófobos da internet. Na fase recente, o principal alvo de suas baixarias tem sido o STF. No início de maio, por exemplo, ele postou uma foto em frente ao prédio do Supremo apontando o dedo do meio. “Não podia deixar de dar minha opinião sobre quem rasga a Constituição”, escreveu na legenda. Em janeiro, Allan do Santos foi intimado para depor no inquérito, mas não compareceu. “Enquanto esse inquérito infantil continuar, nada que provenha dele terá minha submissão”, esbravejou o valentão no Twitter.
- Bernardo Küster. O youtuber baba ódio nas redes sociais. Em abril, ele divulgou em seu canal do YouTube uma teoria da conspiração que afirmava que o STF estaria aparelhado pelo Foro São Paulo, uma organização que reúne partidos de esquerda da América Latina. No vídeo, o maluco jurou que a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal seria a prova da ligação dos ministros do STF com o Foro São Paulo. Ele também afirmou que o Supremo estaria escondendo os mandantes da facada em Bolsonaro.
- Sara Winter. A ativista Sara Geromini é a líder do grupo terrorista “300 do Brasil” que está acampado em Brasília desde o início de maio. O Ministério Público do Distrito Federal já classificou o grupelho de “milícia armada”. Através das redes sociais, a provocadora Sara Winter prega a realização de atos de vandalismo contra o presidente da Câmara Federal e os ministros do STF.
Após a operação de busca e apreensão em seu apartamento em Brasília, a fascistinha desafiou Alexandre de Moraes em vídeo na internet: “Eu queria trocar soco com esse filho da puta arrombado... Pena que ele mora em São Paulo. Se estivesse aqui, eu estava lá na porta da casa dele, convidando ele para trocar soco comigo... Você me aguarde, Alexandre de Moraes. O senhor nunca mais vai ter paz na vida. A gente vai infernizar a tua vida. A gente vai descobrir os lugares que o senhor frequenta. A gente vai descobrir quem são as empregadas domésticas que trabalham para o senhor. A gente vai descobrir tudo da sua vida, até o senhor pedir para sair”.
Os parlamentares bolsonaristas
- Bia Kicis. A procuradora aposentada e deputada federal pelo PSL do Distrito Federal é uma fascista convicta. Pelas redes sociais, ela vive atacando os pilares da democracia e sugerindo intervenção militar. Na segunda-feira (25), por exemplo, ela acusou o ministro Celso de Mello de ter “um plano para abalar a confiança” dos eleitores de Bolsonaro. Não apresentou qualquer prova – como geralmente ela procede.
- Carla Zambelli. A deputada federal pelo PSL de São Paulo é hoje uma das principais estafetas de Bolsonaro. Ela até rompeu com seu padrinho de casamento, Sergio Moro. Recentemente, afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan que “acredita” que Alexandre de Moraes tem ligação com o PCC – mas não apresentou qualquer evidência.
- Cabo Junio Amaral. O deputado federal pelo PSL de Minas Gerais tem participado dos atos fascistas pelo fechamento do Congresso e do STF. Ao saber que seu nome aparecia no inquérito, ele ainda provocou nesta quarta-feira (27): “Repudio com veemência essa clara ilegalidade. Com a ‘credibilidade’ que eles [o Supremo] gozam, vão me promover e mais nada”, disparou no Twitter.
- Daniel Silveira. O deputado federal pelo PSL do Rio de Janeiro ficou famoso ao quebrar a placa da vereadora assassinada Marielle Franco. Pelo Twitter, ele vive disparando notícias falsas e convocando atos contra a democracia. No final de abril, por exemplo, ele participou de protesto em Brasília contra Rodrigo Maia.
- Douglas Garcia. O deputado estadual pelo PSL de São Paulo impulsionou convocatórias para atos fascistas. Pelo Facebook, um assessor do parlamentar confirmou que pagou para aumentar a propagação das mensagens. Em um vídeo, o deputado também aparece berrando e xingando os ministros do STF. Outro deputado estadual do PSL-SP que está arrolado no inquérito é o provocador Gil Diniz.
- Filipe Barros. O deputado federal pelo PSL do Paraná adora destilar veneno nas redes contra os ministros do Supremo. Ele também já se referiu a alguns membros do Ministério Público Federal como gângsteres.
- Luiz Philippe de Orléans e Bragança. Deputado federal pelo PSL de São Paulo e descendente dos imperadores Pedro 1º e Pedro 2º, o monarquista detesta a democracia.
- Roberto Jefferson. O ex-deputado federal e atual presidente do PTB, famoso corrupto que só saiu da cadeia por benevolência da Justiça, virou um bolsonarista convicto. Na verdade, é um velhaco oportunista. Portando fuzil em foto no Twitter, ele agora resolveu atacar o STF. Em entrevista recente à Rádio Gaúcha, ele afirmou que o Supremo estaria arquitetando um golpe contra Bolsonaro. E rosnou: “A toga não é mais forte que o fuzil”.
A corrupção da informação precisa ser combatida, punindo os financiadores, e todos os pseudos jornalistas que propagam mentiras, meias-verdades e, principalmente, injúrias, difamações, ameaças, bullyng, assédio, calúnia, abusos e falsidades.
Sem nenhum compromisso com a ética, com a verdade, as principais fontes de informações criminosas hoje estão a serviço de Jair Bolsonaro (a família presidencial) e de Sérgio Moro (a lava jato, a república de Curitiba).
Nas eleições de 2018, estes dois núcleos de informações persuasivas influenciaram os resultados das urnas, tornando vitoriosas as campanhas de candidatos da extrema direita para presidente-e-vice, para governadores estaduais, senadores e deputados federais e estaduais mais votados.
A propagação do ódio, do medo, o terrorismo da informação vão aparecer no âmbito do inquérito do Supremo Tribunal Federal — conhecido como Inquérito das Fake News, que apura a produção de informações falsas e ameaças aos ministros do STF.
É preciso também investigar se esses bandos possuem braços armados, que as eleições de 2018 foram marcadas por agressões físicas e assédios judicial e policial.
Discursando em seminário da Abraji, os ministros do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes foram enfáticos na defesa da liberdade de expressão como valor central da democracia, mas alertaram que ela não deve ser usada como preceito para disseminar desinformação. Os magistrados também defenderam o fortalecimento do jornalismo profissional.
Já foram identificados quatro financiadores das milícias digitais: Edgard Corona, Luciano Hang, Reynaldo Bianchi Júnior e Winston Rodrigues, e determinada a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos quatro para o período entre julho de 2018 e abril de 2020.
O ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, fez uma retomada histórica. “Minha relação com a imprensa é intensa e antiga. Descobri o Brasil ‘não oficial’ por meio do jornalismo, em 1975, com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e a simulação desonrosa da prática de suicídio. Descobri um país no qual, por trás da retórica do milagre econômico, faltavam liberdades essenciais e se torturavam adversários do regime. Foi um choque de realidade. A partir dali, comecei a ser um pensador crítico do regime e da sociedade”.
Barroso reforçou que, após o período de redemocratização, “houve tropeços” na manutenção da liberdade de imprensa, mas que também houve êxitos. O ministro citou como exemplo a revogação, em 2009, da Lei de Imprensa, mecanismo do período ditatorial vigente no país décadas após a promulgação da Constituição Cidadã, e reafirmou o compromisso do STF com a manutenção da liberdade de imprensa como pressuposto decisivo na preservação da cultura, da memória e da história do país.
“Convivi anos com a censura, que se impunha em nome da moral, da família, dos bons costumes e de outros pretextos de intolerância. Desde cedo me convenci de que a censura oscila entre o arbítrio, o capricho, o preconceito e o ridículo”, disse.
O ministro também lembrou uma tendência mundial de fragilização das democracias. “O mundo vive hoje um surto de democracias iliberais, que são a conjugação do conservadorismo intolerante, do populismo e do autoritarismo. Em grande parte desses regimes, líderes eleitos pelo voto popular vão desconstruindo regras da democracia, entre elas a liberdade de imprensa”.
O ministro Alexandre de Moraes, que encerrou o seminário, defendeu "o dever da imprensa de levar informações à população para que, dentro de um mercado livre de ideias, haja possibilidade de se chegar a consensos". Mas fez uma ressalva: "essa liberdade não pode se confundir com irresponsabilidade, ou com a possibilidade de, sob o falso manto da liberdade de expressão, fazerem-se associações criminosas”, disse.
“Ao mesmo tempo, não podemos confundir a responsabilização desses atos com qualquer possibilidade de censura prévia ou cerceamento do direito de a pessoa se expressar”, completou.
“Não é possível que novas formas de mídia se organizem com a finalidade de propagar discursos racistas, discriminatórios, de ódio ou contra democracias”, exemplificou o magistrado.
Moraes também reafirmou que as instituições do Judiciário devem ser firmes na responsabilização de agressores da imprensa e de jornalistas. “Se tivermos jornalistas amedrontados por ameaças, sejam físicas, sejam virtuais, estamos abrindo mão da liberdade de imprensa. Ela não é construída por robôs. O que é disseminado por robôs são as fake news”.
O seminário foi uma realização da Abraji e do Conselho Federal da OAB, com apoio da ESPM e da Faculdade de Direito da USP.
A Polícia Federal realizou buscas e apreensões nesta quinta-feira (27) no âmbito do Inquérito das Fake News.
São investigados:
Luciano Hang (SC): empresário, dono da Havan, apoiou Bolsonaro durante a eleição de 2018 e segue aliado do presidente
Roberto Jefferson (RJ): ex-deputado federal preso no Mensalão. Seu partido, o PTB, declarou apoio a Bolsonaro em 2018. Nas redes, tem defendido o presidente e criticado o STF, pedindo que Bolsonaro aposente compulsoriamente os ministros
Allan dos Santos (DF): blogueiro, é apoiador de Bolsonaro e um dos fundadores do site "Terça Livre"
Sara Winter (DF): blogueira. Em uma rede social, se define como "ativista pró-vida e pró-família, analista política e conferencista internacional"
Winston Lima (DF): blogueiro, dono do canal no YouTube "Cafezinho com Pimenta", onde transmite diariamente as falas de Bolsonaro na saída do Palácio do Alvorada. Promove manifestações de apoio ao presidente
Edgard Corona (SP): empresário, dono das redes de academia SmartFit e BioRitmo (SP)
Edson Pires Salomão (SP): assessor parlamentar do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP)
Enzo Leonardo Suzi (SP): youtuber no canal no YouTube "Enzuh" e apoiador do governo Bolsonaro
Marcos Bellizia (SP): um dos líderes do movimento "Nas Ruas", que foi fundado em 2011 por Carla Zambelli, hoje deputada federal. O grupo organizava manifestações populares, em geral contra a corrupção
Otavio Fakhoury (SP): Investidor do setor imobiliário, um dos fundadores do partido Aliança para o Brasil, que está sendo formado em torno de Bolsonaro, e colaborador do site conservador "Crítica Nacional"
Rafael Moreno (SP)
Rodrigo Barbosa Ribeiro (SP): assessor parlamentar do deputado Douglas Garcia (PSL) e líder do "Movimento Conservador" em Araraquara
Paulo Gonçalves Bezerra (RJ)
Reynaldo Bianchi Júnior (RJ): humorista, músico e palestrante
Bernardo Kuster (PR): em uma rede social, se define como diretor de opinião do jornal "Brasil Sem Medo". O veículo tem como presidente de seu conselho editorial Olavo de Carvalho, ideólogo do qual Bolsonaro se declarou, em 2019, um admirador
Eduardo Fabris Portella (PR)
Marcelo Stachin (MT): nas redes sociais, é defensor de Bolsonaro e com frequência se manifesta contrário ao STF
William De Lucca
@delucca
O nome do Fernando Holiday é Fernando Silva Bispo. O nome da Sara Winter é Sara Fernanda Giromini. Essa gente da direita não é só colonizada, mas também é brega na hora de escolher o nome político, né?