Em meio à turnê Que tal um samba?, Mônica Salmaso relembra sua trajetória, desde quando topou com Chico Buarque nos bastidores de seu primeiro espetáculo, até estar ao seu lado – cantando todo o sentimento de um país em busca de reencontrar-se
por Mônica Salmaso em depoimento a Thallys Braga na Piauí
Nossa primeira apresentação em São Paulo com o show Que tal um samba? aconteceu no dia 2 de março, quinta-feira. Eu estava apreensiva, as estreias sempre são assim. No meu caso, pesava ainda o fato de estrear na minha própria cidade, com uma plateia cheia de amigos e familiares. Eu me sentia insegura por causa disso, mas a realidade é que não tem muito como dar errado com um repertório como esse, um show tão bem feito por tanta gente boa no que faz e com a celebração, de base, de estarmos todos, palco e plateia, ao lado de Chico Buarque.
Tenho 28 anos de carreira, mas o que estou vivendo agora é uma experiência inédita. No final de 2020, Chico Buarque me convidou para participar de alguns shows que ele faria em comemoração aos 50 anos do disco Construção. Parecia um devaneio. Eu cresci ouvindo a voz do Chico na vitrola dos meus pais, no rádio do meu quarto e no fone de ouvido. Construção foi lançado no ano em que eu nasci. Cantar ao lado dele, saindo do gigantesco deslocamento da pandemia, seria catártico. Aceitei imediatamente.
Mas houve uma nova onda de Covid, seguida de quarentena, e a ideia foi adiada e modificada – até que, em 6 de setembro de 2022, aconteceu a estreia, em João Pessoa, do show Que tal um samba?. A partir de então, começamos a percorrer o país.
A ideia do Chico, desde o início, era que eu me apresentasse sozinha na abertura e, depois em momentos pontuais, dividisse o palco com ele em algumas canções. Ele me deixou à vontade para que eu escolhesse aquilo que gostaria de fazer sozinha e, por e-mails e telefonemas, levantamos uma lista de possíveis duetos (considerando as formas, os assuntos e as tonalidades). Chico ensaiou com os músicos duas semanas e, comigo, mais cinco no Rio de Janeiro, entre julho e agosto de 2022. Os ensaios fizeram com que eu ganhasse mais segurança para interagir com ele, a equipe e os músicos – todos já meus amigos e conhecidos de longa data –, que formam, com o Chico, um corpo de trabalho de mais de trinta anos. Existe entre eles um modo de convivência tão calmo e respeitoso que faz com que a música aconteça da melhor maneira possível. Era curioso: um pedaço de mim sentia o peso da enorme responsabilidade, e outro, de cara, sentiu estar em um ambiente muito familiar.
Cheguei ao Rio crente que iria visitar os meus amigos, ver o Samba do Trabalhador, o Forró da Gávea, todos os eventos possíveis, cheia de saudade de viajar e encontrar todo mundo, depois de tanto tempo de pandemia. Mas rapidamente me dei conta de que não poderia fazer absolutamente nada disso porque precisaria fazer uma rigorosa preservação da minha voz, em vista do volume de ensaios e da gincana de viagens e shows.
Todas as noites chego em casa falando pouco, quase nada, e bem baixinho. Faço exercícios de fonoaudiologia de aquecimento e de desaquecimento vocal antes e depois de cantar. Não como nem bebo o que faz mal para a voz. Vou ao otorrino (que chamo de luthier), sigo as ordens da fono. Meu filho, Théo, e meu marido, o músico Teco Cardoso, viraram parceiros incríveis nessa fase de seguidas viagens e da minha rotina de cuidados, que é mais fácil de seguir à risca quando estou viajando, porque chego no quarto do hotel e fico em silêncio até dormir. Aos 30 anos, eu me cuidava menos e tinha maior resistência. Aos 52, qualquer bobeada pode provocar um efeito-cascata porque não há tempo hábil para tratamento e recuperação, com tantos shows – nas temporadas do Rio de Janeiro e de São Paulo, quatro noites seguidas e três dias de descanso. Na condição de convidada, não quero prejudicar o Chico, o show, toda a equipe e o público. Muita responsabilidade e uma vontade enorme de viver essa experiência, esse presente, esse momento histórico da forma mais bonita possível.
Depois de João Pessoa, a turnê passou por oito cidades antes de chegar em São Paulo. Neste ano, começamos com uma sequência de dezesseis apresentações no Rio de Janeiro, todas com ingressos esgotados e uma enorme procura. A produção e o Chico decidiram abrir mais duas datas extras com ingressos a preços mais acessíveis e sem mesas na pista para que mais gente pudesse ver o show. Acabamos gravando e filmando essas duas noites. Foram apoteóticas!
Houve uma época na música brasileira em que temporadas de shows assim, com essa quantidade de datas seguidas, eram comuns, mas eu faço parte de uma geração de artistas em que isso não acontece com frequência. Nossas temporadas (quando acontecem como temporadas) são mais curtas e espaçadas.
Antes de estrear em São Paulo, tivemos o mês de fevereiro quase inteiro de férias, pude voltar para a minha casa, no bairro da Aclimação, e ficar um pouco mais com meu marido e meu filho, que tem 16 anos. Pudemos ir para nossa casa no interior de São Paulo, descansar. Essa pausa me encheu de vontade de voltar ao palco e começar tudo outra vez. A gente se acostuma com toda a equipe do espetáculo e, quando fica longe, sente saudades. Antes de a turnê começar, eu olhava para a agenda e pensava, assustada, no tanto de shows e de viagens, com medo de não dar conta. Agora que estamos prestes a encerrar a turnê, me bate uma dorzinha no peito.
Assisti a vários shows do Chico Buarque na minha vida. Ele é certamente o artista que mais ouvi desde a infância. Depois que comecei a cantar, alguns compositores e estilos musicais viraram meus objetos de estudo e, naturalmente, acabei incorporando suas influências e seus aprendizados ao meu trabalho. Mas com o Chico não foi desse jeito. Como os discos dele fizeram parte da minha formação, eu os escutava sem pensar nas características que deveria absorver se quisesse me tornar cantora. Menina, eu nem sabia direito sobre os sentimentos adultos que ele descrevia tão bem, mas, mesmo sem entender algumas músicas, elas foram criando em mim um acervo de emoções. É o que a música faz, com a poesia costurada na melodia e vestida pela harmonia. Ouvir o Chico era assim: ele me despertava muitas vezes algo que eu não entendia e era incapaz de elaborar, mas que gerava tristeza, saudade, alegria, intensidade, tudo isso vivido de forma afetiva, não cerebral. Um movimento muito potente, enorme dentro de mim, e que me compõe.
Quando eu era criança, ninguém na minha casa fazia qualquer tipo de arte. Cresci sem conhecer nenhum artista pessoalmente. Mas meus pais compravam discos, e com isso eu me apaixonei pela música muito cedo. Escutava aqueles LPs coloridos de historinhas infantis com composições do Braguinha que ainda hoje acho maravilhosas. Eu me concentrava nos detalhes das músicas, e um mundo de prazer e emoções se abria para mim. Quando tinha 7 ou 8 anos, um grupo de amigos dos meus pais vinha em nossa casa (um sobradinho) algumas noites para tocar e cantar junto com um professor de violão. Eu descia do quarto, e os adultos me deixavam participar. O que quer que eles tocassem, eu tratava logo de aprender a cantar: Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Milton Nascimento, Caetano Veloso, João Bosco, Gilberto Gil. E Chico Buarque.
Eu fazia um certo sucesso por ser tão pequena, interessada e afinada. Claro, isso me fazia bem. Uma vez, um dos presentes me deu um papel com a letra de O Cio Da Terra, do Milton Nascimento e do Chico, para eu decorar e cantar no próximo sarau. Tem um verso da música que diz “Cio da terra, propícia estação”, mas a pessoa tinha escrito a letra com uns garranchos, e a palavra “propícia” ficou parecendo “propécia”. Na noite do sarau, fui com tudo e cantei, cheia de vontade: “Cio da terra, propécia estação.” Todo mundo ficou se entreolhando e rindo. Quando descobri o erro, morri de vergonha. Hoje é uma lembrança divertida. Aqueles saraus foram o meu parquinho de diversões, e me deixava contente ouvir dos adultos que eu tinha inclinação para cantar. Um comentário assim funciona como estímulo: cantar virou o meu lugar do prazer e a atividade que eu sabia que me renderia elogios.
Durante a adolescência, nos anos 1980, fui aos shows de vários artistas da mpb, como Caetano Veloso, Gal Costa e Milton Nascimento. Também comecei a frequentar festivais de jazz em São Paulo. Eram espetáculos realizados em grandes espaços, para uma plateia gigantesca. Na época, eu não tinha o costume de ir a shows em teatros menores. Ser artista, para mim, significava pertencer a uma gravadora multinacional, aparecer nos programas de televisão e novelas, tocar em rádios e cantar em palcos enormes, e isso parecia estar longe demais da realidade, um sonho para muito poucos, o que anulava qualquer pretensão minha de virar cantora profissional.
Durante o ensino médio, que eu fiz no Colégio Equipe, comecei a tocar “violão de acampamento”. Tive também um amigo incrivelmente musical (hoje advogado) que cantava e tocava bem, fazia rodas de música e me chamava pra cantar. Um dia, andando pelo bairro da Vila Madalena, vi esse meu amigo saindo todo feliz da escola Espaço Musical. Ele me contou que estava fazendo aulas de guitarra e de percepção musical. Eu estava com 18 anos e fazia cursinho para o vestibular. Queria cursar jornalismo, por influência da minha prima, a jornalista Renata Lo Prete.
O cursinho era uma experiência insuportável: a tradicional turma de Humanas (formada por todos aqueles que se reconhecem nessa área, como eu, e todos os outros que não têm ideia do que querem fazer), espremidos em uma sala sem janelas, com um professor tentando animá-los ora com musiquinhas para decorar, ora com lançamento de giz para acordá-los. Enfim, era o purgatório.
Decidi assistir a uma aula de canto da Espaço Musical e conheci a professora Regina Machado – hoje coordenadora do curso de canto da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e dona da escola Canto do Brasil –, que viria a se tornar a minha primeira referência de cantora profissional. Fiquei fascinada, porque ela não era uma estrela da tevê, mas uma trabalhadora comum, uma pessoa com quem eu poderia conversar e perguntar: “E aí, como é esse negócio de viver de música? Se eu escolher essa profissão, vou conseguir me sustentar, mesmo não sendo o equivalente ao Cristiano Ronaldo da indústria musical?”
Nas aulas de canto, com o auxílio do piano, pude me inteirar sobre a extensão da minha voz, entendi o papel da respiração, do apoio do diafragma. Minha voz fez ginástica, ganhou corpo, cresceu. Comecei a escutar os cantores de outra forma, a estudá-los. Dois meses depois, cheguei em casa e anunciei: “Pessoal, não quero mais fazer o vestibular de jornalismo porque vou viver de música. E descobri que isso é possível.” Como eu era uma jovem responsável e sempre fui bem na escola, meus pais concordaram, depois de fazerem algumas perguntas. O cenário da época apresentava novidades: os pequenos selos musicais se multiplicavam, e a Unicamp estava prestes a abrir inscrições para o curso de graduação em música popular de São Paulo.
Estudei por cerca de um ano e meio na Espaço Musical, intercalando as aulas teóricas com as de violão, canto e percepção musical. Estava diariamente cercada de outras pessoas que também viam a música como uma possibilidade de trabalho. Agora eu escutava os discos de outra maneira, buscando referências para aprender e pensar sobre música. Tentando entender como tudo funcionava e me conscientizar de quem eu seria ou como seria minha estrada. Um tempo depois, a mãe de uma amiga do ensino médio me elogiou para a atriz Rosi Campos, e ela, mesmo sem me conhecer, indicou o meu nome para o diretor de teatro Gabriel Villela.
Ele estava para montar a peça O Concílio do Amor, no Centro Cultural São Paulo, um espetáculo que não era um musical, mas tinha uma personagem cantante, a Verônica, que vai na frente das procissões da Paixão de Cristo, abrindo o Santo Sudário e cantando diante das casas. Gabriel me ligou, fiz um teste e entrei para o elenco. Cantar, por si só, oferece à pessoa um lugar de destaque. Começar uma carreira no centro do palco, com a luz dos holofotes sobre si, pode ser assustador para iniciantes rígidos como eu era. Nenhuma pessoa está preparada para esse salto, principalmente se for tímida, como eu também era. Começar em uma companhia de teatro era o que eu precisava para ganhar segurança, porque o ambiente e os atores eram acolhedores, o papel era um entre muitos, mas importante como todos na composição geral da peça. Ensaiamos muito, costuramos figurinos, pintamos cenários e eu mergulhei fundo nas apresentações, que começaram em novembro de 1989, e a peça ficou em cartaz cerca de um ano, acho. Foi uma experiência linda que carrego para sempre.
Em determinado momento, depois de me apresentar na peça, comecei a cantar em bares, onde conheci outros músicos. Formei um primeiro grupo com amigos da minha geração, começamos a fazer shows e decidi que era hora de me dedicar a isso. Saí de O Concílio do Amor, mas fui assistir muitas vezes, inclusive no último dia de apresentação, quando Gabriel me disse para voltar para casa e me vestir toda de preto, porque naquele dia teríamos uma Verônica a mais. Fui sem piscar, e ao voltar ao teatro, esbaforida, abri a porta e dei de cara com Chico Buarque, Marieta Severo e Silvia Buarque, que estavam lá para assistir à peça. Puxei o ar com força e prendi a respiração. Por instantes, fiquei travada, com os olhos bem abertos, diante do Chico. Foi a primeira vez que me encontrei com ele. Estava atrasada demais para continuar ali e então saí correndo, sem falar nada.
Nessa época, os meus amigos começaram a frequentar os bares da Vila Madalena e de Pinheiros. Dois eram especialmente legais para escutar música ao vivo, o Café Paris e o Vou Vivendo. Os artistas eram bons, e aos poucos fui me introduzindo a eles, cantando uma música aqui, outra ali. Eu participava do show de todo mundo, era incansável. Se alguém me convidava, eu ia, mesmo depois de ter me apresentado em algum lugar, e cantava até não poder mais. Acabei sendo contratada.
O compositor Eduardo Gudin frequentava o Vou Vivendo e um dia me convidou para participar de um disco que queria fazer com outros cantores, chamado Notícias dum Brasil. Foi o meu primeiro trabalho profissional. O Gudin também me provocou para fazer um disco só meu. Um tanto insegura, respondi que não tinha um trabalho próprio, nem saberia criar um às pressas. Jamais faço alguma coisa se tenho dúvidas, não sei ser assim. Ele disse para eu ter calma porque era ainda muito jovem, com várias possibilidades por explorar, e me sugeriu gravar Os Afro-Sambas, de Baden Powell e Vinícius de Moraes.
Dos Afro-Sambas, eu conhecia apenas os mais conhecidos, Berimbau, Canto deOssanha e Consolação, gravados por muitos cantores. Nunca tinha ouvido o disco original. A jornalista Maria Luiza Kfouri, estudiosa da música brasileira, amiga do Gudin e hoje minha amiga muito querida, me copiou uma fita cassete do LP original, de 1966, e fiquei embasbacada. Aquilo era coisa muito séria: no final da bossa nova, surgiu esse material com células rítmicas africanas, misturando a densidade amorosa do Vinicius de Moraes com os orixás. É um disco lindo, de um tipo de projeto raro na música brasileira. Achei que era um projeto seguro para eu começar a minha estrada e um presente imenso fazê-lo (também ideia do Gudin) com o violonista, compositor e arranjador Paulo Bellinati, músico incrível e generoso, que àquela altura já tinha uma carreira internacional de solista. Gravamos o disco em duo e o lançamos em 1995. Foi um desafio pra mim, um início honroso e uma escola musical.
Nos anos seguintes, gravei discos no selos Pau Brasil e Eldorado (por ter vencido o Prêmio Visa), viajei muito com o Bellinati com nosso show dos Afro-Sambas e recebi um convite para gravar três discos pela recém-criada gravadora Biscoito Fino (onde fiz até hoje oito CDs e dois DVDs). Em 2006, recebi com surpresa o convite do Chico para gravar com ele a música Imagina, parceria com Tom Jobim (que eu conhecia e amava há anos), no CD Carioca. Era inacreditável estar no estúdio com o ídolo da minha infância, cantando uma composição cuja letra eu conhecia de trás pra frente. Foi a segunda vez que o encontrei, desde aquele dia nos bastidores do teatro.
A gravação me deu vontade de agradecer a Chico Buarque, na forma de um disco dedicado à obra dele, o que eu sabia que faria em algum momento. No mesmo ano, comecei a selecionar as canções (eu era tão tímida que sequer considerei a possibilidade de convidá-lo para participar do projeto). Quando planejava esse disco, que chamei de Noites de Gala, Samba na Rua, já estava grávida do Théo, e decidi incluir a canção Você, Você, que o Chico escreveu para o primeiro neto. Cantei no estúdio “imaginando o imaginário” de alguém que ainda estava para nascer e que, desde sua chegada, se tornou um maravilhoso companheiro de viagem, um legítimo “filho de circo” ou um “menino-milhas” como a gente o apelidou.
Em 2008, consegui, pela primeira vez, patrocínio para realizar uma turnê. A de Noites de Gala, Samba na Rua foi também a primeira de grande porte que eu fiz. Rodei o Brasil com ela. Eu e o Teco não paramos de trabalhar desde o nascimento do Théo, levando nosso filho nas viagens, até ficar inviável – não para nós, mas para ele. Todas as escolhas que fazíamos visavam garantir segurança e o melhor cuidado para o Théo. A gente se divertiu muito! Esse momento que estou vivendo de uma turnê grande novamente, com muitos dias fora de casa, aconteceu em uma hora boa e possível, já que o Théo está crescido e o Teco está trabalhando em casa, compondo e escrevendo arranjos para um trabalho solo, e escrevendo um livro.
Vivi o período de isolamento social de maneira muito restrita, sentindo ansiedade, uma angústia absurda e também compaixão e vontade de ajudar o mundo. A pandemia interrompeu a minha agenda de shows e a do Teco, e tivemos que reduzir as despesas. Fizemos as malas e fomos com o nosso filho para uma chácara em Sarapuí, no interior de São Paulo, onde o custo de vida é bem menor que na capital. Havia quintal, espaço para pegar sol, cachorros, galinhas, varal para pendurar as roupas, segurança física e emocional, o que era fundamental naquele momento.
Logo no início da pandemia, em março de 2020, entrei no Instagram e tentei cantar em uma live com Alfredo Del-Penho, meu amigo. Mas havia o delay que tornava impossível sincronizar a minha voz com a dele. Foi engraçado e curioso, e me dei conta de que não só estava impedida de trabalhar como não poderia cantar com os meus amigos.
No dia seguinte, acordei e disse ao Teco que queria consertar o embaraço daquela live. Fiz uma proposta ao Alfredo: “Você topa gravar comigo um vídeo cantando e tocando A Cor da Esperança, do Cartola e Roberto Nascimento? A gente combina a forma da música previamente, você grava da sua casa um vídeo, tocando e cantando, e deixa os vazios onde eu vou cantar. Manda pra mim que eu faço aqui a minha parte e depois junto um ao lado do outro, para a gente se encontrar.” O Teco sugeriu que eu cantasse olhando para um lado e o Alfredo para o outro, assim, depois de editar os vídeos, ficaria parecendo que estávamos interagindo.
Publiquei o vídeo no Instagram e no YouTube, com o nome de Ô de Casas, em referência ao chamado das visitas no portão, embora ali, naquela gravação, cada um estivesse na sua casa. Fiquei feliz e aliviada com a brincadeira que me fez tão bem e afastou minha cabeça daquele momento difícil. Logo outros amigos viram e disseram que queriam fazer também. Foi uma enxurrada. Fizemos 75 vídeos seguidos, um por dia. Lotou a memória do iPad e do celular, precisei buscar o computador e um HD externo em São Paulo. Assim como fiz com outros compositores amigos, a cada vez que uma música deles era gravada na série, eu mandava o link por e-mail ou WhatsApp, com o anúncio: “Saiu mais um pão quentinho”, mandava para o Chico as gravações das músicas dele. De vez em quando, inspirada no bem que esses vídeos caseiros e amorosos faziam para a gente e para as pessoas que passaram a esperar por eles (fizemos 175, no total), num ato de coragem que eu não tinha antes, eu convidava o Chico a gravar uma música.
Um dia me lembrei de uma gravação ao vivo da música João e Maria, do Chico Buarque, no Tokio Marine Hall, o mesmo teatro em que nós dois estamos nos apresentando agora, em São Paulo. E convidei o Chico a gravar comigo essa música, no mesmo tom e arranjo, com a participação do Luiz Cláudio Ramos, que toca com ele há anos. O Teco poderia tocar a flauta, e eu cantaria os trechos que ele quisesse. Era uma sexta-feira. Ele me respondeu: “Pode ser na segunda-feira?” Fiquei exasperada. Combinamos o que cada um cantaria, liguei correndo para o Luiz Claudio, que topou e fez o primeiro vídeo. Gravei a minha parte em casa, mandei para o Chico, ele gravou a dele e me enviou. Dali a alguns dias, publicamos o vídeo.
O que se seguiu foi um incêndio numa caixa d’água. Acho que, como eu, as pessoas sentiram conforto em ver o rosto e escutar a voz de Chico Buarque num momento de tanta solidão e angústia, como aquele. E acho também que esse momento de convivência à distância, mas cheio de afeto, significado e confiança, foi um dos motivos de ele me convidar para o seu show.
Agora que os encontros presenciais voltaram, descobri que há coisas, pessoas e modos de conduzir a vida dos quais não preciso mais e que parecem estar relacionados a vidas passadas. Tendo sido obrigada a parar tudo por causa da pandemia e me “encontrado” à distância com tanta gente, pude parar e ter, pela primeira vez, uma percepção que nunca tive: a de que consegui construir uma carreira. Fiz um site novo com esse olhar. Por quase dois anos, não trabalhei nem vi o público, e estava com uma vontade absurda de subir ao palco. O fato de estar fazendo a turnê do Chico e o modo como tenho me apresentado são o resultado de respostas encontradas por uma pessoa que viveu a pandemia dessa forma. É indissociável, como acho certo que seja, tamanho o deslocamento, tamanho o susto e as perdas que tivemos, especialmente no Brasil com sua condução desumana, irracional e negacionista.
Quando começamos a conversar sobre o repertório do espetáculo, no ano passado, contei ao Chico que a cantora Teresa Cristina e eu fizemos algumas batalhas musicais temáticas no Instagram durante a pandemia. Nós somos muito amigas, e a Teresa estava naquela produção diária de transmitir lives com convidados. Em certa ocasião, o tema da batalha foi “canções para crianças”. Ela selecionou algumas, eu outras, e varamos a noite cantando.
Já de madrugada, eu me lembrei de Todos Juntos, uma música linda do Chico para o espetáculo infantil Os Saltimbancos. Comecei a cantar totalmente desarmada e motivada pela saudade da infância, e a Teresa me acompanhou, numa alegria bonita de ver. Tudo ia bem até chegar nos versos “Ao meu lado há um amigo/Que é preciso proteger/Todos juntos somos fortes/Não há nada pra temer”. Naquela hora, em plena quarentena, a música ganhou o peso do seu real significado. Eu chorei de um lado, a Teresa do outro, as duas alagaram suas telas, enquanto as pessoas que nos assistiam enviavam uma chuva de centenas de emojis de choro. Chico deu risada dessa história, adorou. Perguntou se eu teria coragem de cantar Todos Juntos no show. E eu respondi: “Eu tenho!”.
Em casa, fui brincar de tocar a música na kalimba, um instrumento musical de origem africana que tem algo de caixinha de música. Tenho uma kalimba pequena, com um pesinho bom, que achei numa lojinha de artesanato de beira de estrada. Mostrei para Chico, Luiz Claudio Ramos e Vinícius França, que disse categórico: “Isso tem que abrir o show.” Pensei: “Vixe!” O público estaria esperando ansiosamente pelo Chico e, quando as cortinas se abrissem, apareceria eu, cantando uma música de criança com voz e kalimba. Mas a ideia era bonita, inclusive conceitualmente, porque localiza o momento em que o Chico entrou na vida de muitas pessoas. Há uma geração que cresceu escutando Os Saltimbancos. Eu mesma assisti ao show com meus pais, nos anos 1980, no Teatro Tuca, em São Paulo, uma das primeiras montagens do musical.
No início da turnê Que tal um samba?, nós vivemos um momento histórico muito agudo, com a proximidade e a chegada da eleição. O show começou a percorrer o país em setembro a partir do Nordeste, a região que poderia ser fundamental para o fim do governo Bolsonaro. Era catártico. A maioria das pessoas na plateia usava máscaras, para muitas delas era a primeira vez que iam a um show depois da pandemia, estavam em estado de euforia por estar no mesmo ambiente que Chico Buarque – o que seria em qualquer tempo um enorme acontecimento –, poder encontrar seus pares e sua própria identidade afetiva, assim como a do país em que se reconheciam. Atravessamos o período entre os dois turnos com agonia, somada a muita força e esperança. Os shows foram vividos com um grau de emoção difícil de explicar. E, depois das eleições, acrescentou-se o sentimento de alívio e confraternização de voltar para casa, uma casa machucada, cheia de estragos, mas que é onde a gente se reconhece.
De todas as rasteiras que o Brasil sofreu nos últimos anos, a pior delas foi pensar que nós, talvez, poderíamos ter perdido nossa identidade. O país foi parar em um tenebroso lugar de mentira e ódio institucionalizados. Um lugar desumano, não só por causa de sua histórica e imperdoável desigualdade social (que temos que resolver, como tantas outras coisas estruturais), mas desumano até mesmo no discurso. Uma espécie de Brasil bizarro, como um mundo paralelo, uma realidade paralela. Sem falar nas pessoas que perdemos para a Covid e para a ignorância. Viver isso distante dos amigos na pandemia potencializou a sensação de “Cadê a minha casa? Cadê todo mundo?”. E então, de uma hora para a outra, nos vimos dentro de um teatro lotado de pessoas, e todas elas são irmãs, porque se identificam umas com as outras – e o show do Chico virou catártico, afetivo, de um modo que eu nunca vi, por propiciar essa celebração da vida, quase da ordem do religioso. Era muito mais que estar no show de um artista de quem gostamos tanto. Para mim, foi um privilégio máximo viver esses momentos em cima do palco e ao lado do Chico.
Que tal um samba? não é um showmício. O Chico teve o cuidado de fazer uma setlist que capta a indignação e a denúncia social, mas também os afetos, os valores que devolvem a identidade de brasileiro. Tudo em nome da esperança. Isso é ainda mais forte, ainda mais profundo. Nós tememos o resultado das eleições. É bem possível que a turnê parasse caso o resultado fosse outro. Como renovar a esperança? O que iríamos dizer àquelas pessoas? Como conseguiríamos? Abraçaríamos o choro? Incentivaríamos a coragem?
E então veio o alívio. Sempre digo que essa turnê significa para mim dois presentes. Primeiro, ter a chance de ver esse momento da história do Brasil de cima do palco. Ver, oferecer e receber plateias enormes e emocionadas. O segundo presente é o Chico ter reconhecido no meu trabalho uma identidade com a música dele. A minha sensação é de que fiz as escolhas certas. Tomei as decisões certas, segui os caminhos coerentes e verdadeiros para mim. É um presente gigante.
A minha carreira se encaixou por muito tempo no que chamam de música de segmento. Eu a defino como sendo a carreira de uma “cantora-instrumentista”, porque fiz uma estrada que aprendi com colegas músicos que admiro. As oportunidades e as escolhas que fiz também colaboraram para eu me tornar uma artista autoral. Por causa disso, o meu público foi sendo construído com capilaridade, a indústria fonográfica (já na minha geração atravessando mudanças radicais) não impôs o meu trabalho a ninguém nem ele foi moldado por ela. Agora sei do meu ofício, moro nele, tenho uma vida nele há 28 anos. Isso conta e faz diferença.
As pessoas às vezes me perguntam o que eu acho que essa turnê vai representar para o futuro da minha carreira. Eu, honestamente, não tenho resposta. Se eu fosse mais nova, provavelmente olharia de outro jeito para o convite que recebi e teria outras expectativas com o que virá depois. Sei que esta turnê está me dando uma visibilidade maior e nova. Ficarei feliz se esse novo público se identificar com o meu trabalho e se somar à minha estrada. O combinado que eu fiz comigo mesma é viver da melhor maneira possível o período musical ao lado do Chico. Essa turnê é para mim, além de um presente muito bonito, uma experiência importante, um sonho lisérgico. Tenho plena consciência disso e brinco, cumprimentando o público: “Boa noite, aqui quem fala é a Cinderela.”
Lancei dois discos depois da pandemia, Cantor Sedutor, com o Dori Caymmi, e Milton, com o André Mehmari, que foram apresentados poucas vezes em shows. Sinto vontade de cantar essas músicas ao vivo para o público. E gostaria de gravar um monte de canções que aprendi durante o isolamento social.
Minha vontade de cantar e o amor pelo meu ofício só aumentaram. Minha vida ganhou outros sentidos na pandemia, minha percepção, minha forma de viver, de ouvir o outro, de escolher o que vale ou não a pena, de me relacionar com o público através das redes sociais, tudo mudou muito. Mas meus pés estão bem no chão, enquanto meu coração está nas nuvens.(In Outras Palavras)
Delegado da PF Luciano Flores é irmão do desembargador Loraci Flores e xerife das maldades do xerife Sérgio Moro senador e puxa-saco dos Bolsonaro amigos dos milicianos da ex-maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, ex-capital do samba e hoje capital do rock
MAGISTRADO SUSPEITO
Por Sérgio Rodas
A atribuição da relatoria dos casos envolvendo a finada "lava jato" na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao desembargador Loraci Flores levantou questões sobre suspeição ou impedimento. Tanto dele, pelo fato de seu irmão ter atuado, como delegado da Polícia Federal, em investigações da "lava jato", quanto de assessores de seu gabinete que trabalharam com o ex-juiz Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Juiz federal desde 1993, Loraci Flores chegou ao TRF-4 em novembro do ano passado, incluído na leva de 12 nomes escolhidos pelo então presidente Jair Bolsonaro para compor a corte, por causa do aumento do número de cadeiras de desembargador promovido pela Lei 14.253/2021. Ele se tornou relator dos processos da "lava jato" na corte após o desembargador federal Marcelo Malucelli se afastar de tais processos.
Loraci Flores é irmão de Luciano Flores, delegado da Polícia Federal que atuou em investigações da "lava jato". Ele foi o responsável pela condução coercitiva e inquirição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por grampear a ex-primeira-dama Marisa Letícia em conversas pessoais que acabaram divulgadas em jornais, a despeito de a prática ser proibida pela Lei 9.296/1996.
O fato de seu irmão, como delegado da PF, ter atuado na "lava jato" impede Loraci Flores de ser relator dos processos do caso no TRF-4. O artigo 252, I, do Código de Processo Penal estabelece que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que "tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da Justiça ou perito".
"O irmão é parente consanguíneo, em linha colateral, em segundo grau. Logo, o desembargador federal Loraci Flores está impedido de atuar em todos os processos nos quais tenha atuado, na fase de investigação policial, seu irmão, Luciano Flores", afirma Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo.
A "lava jato" foi "o maior escândalo de parcialidade de toda a história judicial brasileira", afirma o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Serrano. Por isso, segundo ele, não é prudente que uma pessoa cujo irmão atuou em investigações do caso seja relatora dos processos. "Independentemente da questão jurídica, há uma questão ética e moral."
A imparcialidade hoje é compreendida de forma muito mais ampla do que os casos enumerados no CPP como motivos de suspeição ou impedimento. Tais hipóteses, além não serem taxativas, "remontam a uma racionalidade autoritária do início do século passado", destaca Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
"Para além da imparcialidade subjetiva e objetiva, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (em decisões recepcionadas e citadas pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive) também demonstra a exigência (e existência) de um dever de 'aparência' ou 'estética' de imparcialidade, no sentido de que o juiz precisa ocupar um lugar, ter uma postura e estar em um contexto que gere, no jurisdicionado e nas pessoas em geral, a confiança de que se está diante de um juiz imparcial. A estética de imparcialidade exige que o juiz ocupe um lugar de afastamento, de alheamento, de 'terzietà' (na clássica expressão italiana). É preciso essa imagem, essa visibilidade de imparcialidade, para além dos conceitos tradicionais de imparcialidade subjetiva e objetiva", explica o professor.
Dessa forma, o fato de Loraci Flores ser irmão de delegado que atuou na "lava jato" "fulmina a 'aparência' de afastamento, de alheamento e, portanto, de imparcialidade", opina Lopes Jr. Segundo ele, a simples dúvida sobre a imparcialidade já deveria motivar o reconhecimento da suspeição, de ofício, pelo julgador.
Assessores suspeitos
Pelo menos dois servidores que trabalharam na 13ª Vara Federal de Curitiba quando Sergio Moro era juiz titular foram convocados por Loraci Flores para atuar em seu gabinete na 8ª Turma do TRF-4: Flávia Rutyna Heidemann e Thiago da Nova Telles.
Procurado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o TRF-4 informou que Flores se negou a informar quem são seus assessores. Ele acrescentou que "só falará nos autos".
O fato de servidores que trabalharam com Moro integrarem a equipe de Loraci Flores fez emergir um debate relativamente novo: a suspeição do juiz se estende ao seu gabinete? Afinal, os funcionários ajudarão o desembargador a revisar decisões da "lava jato" que eles próprios ajudaram a produzir na primeira instância.
O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, afirma que a suspeição não se aplica aos assessores. Contudo, ele ressalta o "problema ético" de os servidores revisarem decisões que eles mesmos minutaram na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Nessa linha, o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil José Roberto Batochio aponta que a suspeição e o impedimento são personalíssimos e atingem apenas a autoridade do Estado, e não seus assessores.
Por outro lado, Aury Lopes Jr. e Pedro Serrano entendem que o emprego de servidores que trabalharam com Moro compromete a aparência de imparcialidade de Loraci Flores. Até porque o ex-juiz já foi declarado suspeito para julgar os processos mais importantes da "lava jato" — que envolviam o presidente Lula.
Já Gustavo Badaró afirma que, em tese, o impedimento dos juízes pode ser aplicado aos servidores. O artigo 274 do CPP estabelece que "as prescrições sobre suspeição dos juízes estendem-se aos serventuários e funcionários da Justiça", assim como aos membros do Ministério Público (artigo 258 do CPP), peritos (artigo 280 do CPP) e intérpretes (artigo 281 do CPP).
Uma das hipóteses de impedimento dos juízes que se estenderia aos serventuários e funcionários da Justiça, conforme o professor, é a de atuar em processo em que "tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão", prevista no artigo 252, III, do CPP.
"No caso, por exemplo, um assessor não terá 'se pronunciado sobre questão de fato ou de direito'. Quem se pronuncia no processo é o juiz. Mas me parece evidente que assessores preparam minutas de decisões e sentenças para os juízes. E, nesse caso, seria questionável a sua atuação, como assessores, agora de um desembargador federal (em segundo grau), para revisar decisões ou sentenças de um juiz cujas minutas eles próprios prepararam em primeiro grau", opina Badaró.
Pedido feito
TRF de 4: desembargador Loracia Flores é o novo relator da finada Lava Jato
Por causa da atuação do irmão do desembargador no caso, o advogado Rodrigo Tacla Duran pediu, nesta sexta-feira (28/4), que Loraci Flores se declare impedido para atuar nos processos da "lava jato".
Em depoimento recente, o advogado afirmou que foi alvo de uma tentativa de extorsão para que não fosse preso durante a "lava jato" e implicou Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol no suposto crime. Ele entregou fotos e vídeos que comprometeriam os parlamentares.
O ritmo que embala o carnaval brasileiro também é nome próprio na Gâmbia, país da África Ocidental onde o jornalista Samba Jawo nasceu. Encontrar “xarás” não é dificuldade alguma para ele. “É um nome muito comum na etnia Fulani. Na nossa cultura significa o segundo filho”, explica o gambiano que tem um irmão mais velho e três mais novos. Fã declarado de futebol, ele diz que foi por meio deste esporte que conheceu o ritmo brasileiro mais famoso, que tem o mesmo nome que ele.
por Vinícius Assis /RFI
Há séculos, muitas pessoas em países do continente africano, principalmente na região do Sahel, recebem o mesmo nome que o cantor brasileiro Seu Jorge e sua companheira, Karina Barbieri, resolveram dar ao seu filho. Mas, no Brasil, a escolha causou polêmica no mês passado, quando o bebê nasceu.
Uma funcionária do 28º Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, na maternidade onde a criança nasceu, no bairro Itaim Bibi, Zona Sul da capital paulista, se recusou a emitir a certidão de nascimento do menino por considerar o nome “incomum". O caso foi parar na Justiça e terminou com vitória para os pais. Seu Jorge agora é, mesmo, o pai do Samba.
O jornalista da Gâmbia se mostrou surpreso ao saber da situação enfrentada pelo cantor brasileiro e sua companheira. “É direito deles dar ao filho o nome que quiserem, e negar isso é violar o direito do casal”, comentou.
No Brasil, a norma nos cartórios é seguir a lei 6.015, criada em 1973, que regulamenta os registros públicos no país. E foi baseada no artigo 55 desta lei que a oficial do cartório se negou a registrar a criança como Samba em São Paulo. O primeiro parágrafo deste artigo da lei afirma que: O oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao ridículo seus portadores, observado que, quando os genitores não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos.
O pesquisador lembra que, quando escravizados, os africanos eram seres humanos que tinham nomes, identidades, comunidades, cultura, civilização. Eles passaram a ser capturados e exportados como se fossem objetos. E essas pessoas de origem centro-africana, em sua maioria, ocasionalmente poderiam ter na origem o nome Samba ou outras variações, como Sambeh e Sambará.
“Nomes nativos, mas também de influência islâmica, hebraica, aramaica”, ele explica. Salomão conta que analisou recentemente arquivos de viagens marítimas entre 1807 e 1850. De acordo com o pesquisador, navios foram capturados pela marinha britânica e desviados para a Libéria e Serra Leoa.
As pessoas nessas embarcações foram recapturadas pelos ingleses e catalogadas mediante nome, idade aproximada, origem étnica. “Nos documentos daqueles que foram recapturados pela marinha britânica há aproximadamente 200 pessoas com nome Samba, Sambo, Sambe, Sambará”, afirma.
Dentro de uma pesquisa mais ampla que ele tem feito sobre o gênero musical conhecido no Brasil desde o inicio do século 20 como samba, o pesquisador destaca que o gênero urbano nunca foi associado a uma pessoa. Mas na África Central, e mesmo no Senegal, samba é nome próprio. “Na costa atlântica, na costa índica e na região dos lagos, tinha e tem pessoas de nome samba e também suas derivações”, ele explica.
Não deixar um negro usar o nome que quiser não é novidade.Ele ainda destaca que no passado não era permitido às pessoas escravizadas manter seus nomes africanos.Na maioria das vezes, estas recebiam nomes comuns na cultura de quem os capturavam. “Em situações muito especiais, pessoas africanas capturadas, transformadas em escravizadas e que obtinham sua liberdade, conseguiam recuperar seus nomes de origem”, ressalta Salomão.
Bairro em Luanda
Samba também é o nome de um bairro em Luanda, capital de Angola, onde há ainda um estilo musical de raiz chamado semba, palavra que significa umbigada em kimbundu, um dos idiomas falados em Angola. “A teoria para o gênero musical samba é que este deriva de um gênero musical chamado semba da região onde hoje é Angola, mas essas duas palavras coabitam em Angola”, esclareceu o pesquisador.
De acordo com sua hipótese, uma pessoa de nome Samba produzia uma musicalidade no nordeste brasileiro, por volta de 1820. Essa pessoa era uma liderança muito importantemente entre libertos, alforriados e escravizados. “As festas que essa pessoa chamada Samba, que não dá para saber se era homem ou mulher, produzia eram de tal forma importantes que derivaram o nome de uma prática cultural. Essa é minha hipótese”, revela. O pesquisador conclui afirmando que “o racismo só é eficiente porque é combinado com uma profunda ignorância”.
A brasileira Sara Rodrigues conta que há quase dez anos conheceu um homem vindo de um país africano que se chamava Samba. Ele fazia intercâmbio na Universidade Federal da Bahia. Atualmente a baiana mora na África do Sul, onde o significado do nome é algo considerado especial na cultura negra local.
“O nome da minha filha, de pai preto sul-alfricano, é Kwena, que significa crocodilo. O significado em si não se trata do crocodilo, mas do que o animal representa”, ela explica.
A menina foi registrada no Brasil. A mãe, que faz mestrado na área de Literatura e Cultura, conta que não teve problemas com o registro, e destaca que deu à menina um nome composto: Kwena Dandara. Quando um estrangeiro de nome “incomum” se apresenta a um negro na África do Sul costuma ser indagado sobre o significado do nome.
Nelson "Rolihlahla" Mandela
Ainda de acordo com a brasileira, que pesquisa culturas sul-africanas na Cidade do Cabo, antigamente era comum colocar nome composto no país onde vive. “Um em língua indígena e outro bíblico”, esclarece.
O sul-africano mais famoso do mundo ficou internacionalmente conhecido por um nome que não era originalmente seu. Nelson Mandela se chamava, na verdade, Rolihlahla, que significa "aquele que veio para fazer barulho". Mas era comum na época em que ele começou a ir para a escola que professores ingleses mudassem os nomes dos alunos negros na África do Sul.
Se por um lado parece ser uma tendência ver brasileiros se inspirando no continente africano para escolher nomes de seus filhos, por outro, o Ocidente também ainda influencia pais africanos. É muito comum encontrar palavras em inglês usadas como nomes de pessoas, principalmente em uma parte específica do continente.
“Geralmente, pessoas com nomes como Blessing, Sweetboy, Reason são mais encontradas no Zimbábue do que na África do Sul”, conta Sara, que incentiva o uso de nomes tradicionalmente africanos em crianças brasileiras, mas desde que os pais entendam seus significados, como fazem os africanos.
O curta-metragem “Ash Wednesday”, uma produção alemã de alma brasileira, estreou na mostra Perspektive Deutsches Kino da 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Os diretores deste autêntico musical sobre violência policial, João Pedro Prado e Bárbara Santos, conversaram com a RFI na capital alemã.
por Daniela Franco /RFI
A trama de “Ash Wednesday” (“Quarta-feira”, título em português) gira em torno da personagem Demétria, uma mulher negra, mãe solteira, que mora em uma favela no Rio de Janeiro. Ela aguarda a filha, Cora, voltar da escola quando se inicia uma operação policial no local.
A partir daí, Demétria é impedida de sair de casa. Bloqueada e desesperada, tenta argumentar com três personagens masculinos – o policial, o pastor e o governador – que se sentem no direito de invadir o espaço pessoal da personagem como bem entendem.
Segundo João, o objetivo era, por meio de um cenário de violência policial em uma comunidade do Rio, contar uma história épica. “Parte do filme é baseado no mito grego de Deméter e Perséfone, que contado na Antiguidade através de Romero, eram hinos. Afinal, existe algo muito forte nessa história de uma mulher que enfrenta os deuses que querem definir o destino dela e da filha, que é aquilo que a gente vê na nossa protagonista que enfrenta homens que se julgam ser deuses”, explicam.
Machismo, racismo, desigualdade social, violência policial – uma realidade comum e banalizada – que ganha uma perspectiva ainda mais impactante por meio do gênero musical. “A gente pensou em uma forma de contar essa história que não fosse realista, afinal, é impossível ser fidedigno à realidade do Rio de Janeiro, que é muito absurda. Tínhamos certeza de que não daria para contar como é de verdade, só através de um documentário. Não queríamos competir com o absurdo da realidade e o musical dá esse distanciamento”, ressalta Bárbara.
Segundo a cineasta, utilizando esse formato, o espectador é convidado a refletir sobre a complexidade da trama apresentada como um musical e não como um documentário. “O nosso maior objetivo era não banalizar essa história, era não normalizá-la. Às vezes, há filmes em que a violência é a grande estrela. Mas a gente não queria que no nosso filme a violência fosse a protagonista”, sublinha.
Reconstrução de um universo típico brasileiro
Com atores brasileiros, cantado em português, e reconstituindo um cenário típico do Brasil, “Ash Wednesday” foi inteiramente filmado em Potsdam, na Alemanha, um desafio que os dois cineastas se deram. “A gente contou com uma equipe extraordinária que tornou tudo isso possível. Fazer isso acontecer é algo que supera a nossa capacidade como diretores”, diz João. “O filme foi uma grande mistura intercultural e internacional de pessoas que trouxeram visões e experiências completamente diferentes para fazer o projeto se tornar realidade”, completa.
O cineasta não esconde o orgulho ao falar sobre sua equipe de música, que embora não conte com nenhum brasileiro, soube captar com maestria a essência do enredo. As composições vieram de um grupo formado por três alemães, uma croata e um argentino.
“Eles tiveram a tarefa de compor um funk carioca, uma percussão próxima do candomblé e da umbanda, um samba: gêneros musicais tipicamente brasileiros, com os quais eles nunca tinham trabalhado antes, mas eles estavam tão abertos a aprender, a nos ouvir e a pesquisar, que no final virou uma mistura nem só brasileira, nem alemã, mas algo muito único”.
Uma universalidade que tem relação com o tema do filme que, como lembra Bárbara, “não é só sobre o Brasil”. “É importante que a gente esteja consciente de que se trata de um problema do mundo. O avanço da direita, a normalização da violência, o sexismo e o patriarcado são problemas do mundo. Então, a gente não está só falando do Brasil, a gente está falando do mundo através dessa história particular”, enfatiza.
Por isso, segundo os dois diretores, o filme não terá dificuldade de alcançar o público da Berlinale. João lembra que o filme foi escolhido para competir na mostra Perspektive Deutsches Kino, dedicada a produções alemãsno Festival de Berlim, o que demonstra que o trabalho sensibilizou um comitê internacional.
Mas a expectativa de compartilhar o trabalho com o público brasileiro também é grande. “A gente tem visto que além de ter esse alcance intelectual de entender os conflitos que estão sendo mostrados, existe um apelo emocional muito forte. Pessoas do Rio e nossos amigos pretos que assistiram ao filme foram tocados de forma muito inesperada. Há referências que pessoas do Brasil e do Rio vão notar, mas o público alemão não necessariamente, então acreditamos que o filme ainda vai tocar em lugares mais profundos”, conclui João.
Retirantes da pobreza, da fome, do desemprego, o exilado brasileiro, a exilada brasileira tiveram de escolher: na ditadura militar, a ponta da praia na terra natal ou a esquina da rua nas capitais dos Estados Unidos e Europa.
O racismo nos Estados Unidos, a xenofobia das ditaduras nos países da Europa, e a extrema direita no mundo hodierno facilitaram a pecha infame: brasileiro, brasileira, inclusive em alguns dicionários, sinônimos de gay, de prostituta.
O presidente gigolô, do lema nazi=fascista "deus, pátria e família", para propagar a má fama, o turismo sexual, convidou: "Quem quiser vir fazer sexo com mulher, fique à vontade", disse Jair Bolsonaro.
Os estrangeiros jamais celebraram o carnaval brasileiro como uma diversão inocente, colorida, de serpentinas, confetes, da alegria nas ruas, dos blocos de papangus, a festiva brincadeira, pela participação de crianças, pela música, pela dança do samba, pelos passos do frevo.
Este ano o carnaval vai propagar o escândalo da orgia. Escrevem Taís Codesco, Luana Reis e Giovanna Durães:
Mamilos à mostra no carnaval: com política contra assédio, mulheres se sentem mais livres na folia do Rio.
Depois de dois anos de privação, nos blocos de 2023 só se fala em uma coisa: liberdade. Em meio às fantasias elaboradas , apenas uma hot pant e um tapa-mamilo, que estão em alta entre as mulheres, foram capazes de expressar a alegria desse momento. Não se sabe ao certo quando o adereço tomou conta dos cortejos, mas se tornou uma verdadeira tendência. Os acessórios lembram aqueles usados pelas dançarinas em espetáculos burlescos nos séculos XIX. Se antes remetia a sensualidade feminina, hoje foi ressignificado como um símbolo de autonomia do próprio corpo.
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Carnaval 2023: confira em tempo real tudo sobre os desfiles das escolas de samba e os cortejos dos blocos de rua no Rio
É a primeira vez que Luciana Abud, 35 anos, de São Paulo, está saindo de casa para pular carnaval usando somente um pequeno pedaço de fita colante nos seios, a hot pant, uma peça que há vários carnavais virou hit. Ela conta que, a princípio, se sentiu insegura, e até levou uma blusa, mas depois o sentimento de liberdade foi tomando conta. O seu maior medo era o assédio, mas Luciana se surpreendeu com o respeito das pessoas nos espaços.
— Está sendo uma experiência muito legal. Todo mundo olha, isso é inevitável, até mesmo mulheres. Mas não me incomoda. Sinto que isso gera uma curiosidade — conta.
Sua amiga, Lorena Ribeiro, advogada de 28 anos e também de São Paulo, aderiu a um visual parecido, com uma blusa de renda transparente e sem nenhuma outra peça tapando os mamilos.
— É óbvio que os caras olham, mas eu acho que há 10 anos seria muito pior. Eu sinto que a gente venceu, mesmo que um pouquinho, mas só de conseguir andar pela orla sem ser importunado já é uma vitória. Isso para mim também é uma evolução pessoal, tanto mulher quanto como feminista, considero até mesmo uma licença poética — diz Lorena. Elas concordam que o visual é mais confortável, ainda mais em meio ao calor e à multidão dos blocos.
O Brasil devia realizar programas para eliminar a má dos brasileiros e brasileiras no exterior. O Governo Brasileiro precisa promover campanhas contra a xenofobia, o racismo, tormento dos exilados brasileiros nos Estados Unidos e países europeus, notadamente Portugal. Criar políticas que evitem o tráfico humano, a propaganda sexual, inclusive a permanência de sites pornôs 'verde e amarelo', as cores de uso exclusivo das prostitutas na Roma Antiga.
Publica a revista 'Veja':
O mistério sobre a assinatura de Carta Zambelli em site pornô
Suposto extrato do "Brasileirinhas" em nome da deputada circula pelas redes sociais
Desde a manhã desta quarta-feira, 22, circula pelas redes sociais um suposto extrato de débito, atribuído à deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), referente à assinatura mensal do site pornô Brasileirinhas. No recibo, não aparece o nome da parlamentar, apenas uma montagem com sua foto. O assunto tornou-se um dos mais comentados do Twitter. Desde que recuperou acesso às redes sociais, a parlamentar tem se manifestado sobre vários temas, mas ainda não tocou no caso Brasileirinhas, apesar das insistentes cobranças dos internautas.
Procurada pela reportagem de VEJA, a parlamentar não respondeu aos pedidos para confirmar ou não a informação. O diretor do Brasileirinhas, Clayton Nunes da Silva, em contato com a revista, afirmou que precisaria ter acesso aos dados pessoais da parlamentar para confirmar ou não se a assinatura realmente foi feita por ela. Ou seja, o mistério permanece.
Este proxeneta Clayton Nunes da Silva devia ser processado por usar o nome de "Brasileirinhas" em site pornô. Não é de estranhar tal absurdo, esse crime contra a imagem do Brasil, contra a mulher brasileira, que Paulo Guedes, que era super ministro da Economia de Bolsonaro, criou sites de relacionamentos, segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo. De acordo com o texto, Guedes é dono, ao lado do irmão, da empresa Nol Web Services, que se propõe a encontrar “soluções para solteiros que procuram um relacionamento sério”. O grupo Nol atua em inúmeras frentes, mantendo diversas marcas na área amorosa. “O Romance Cristão” é um site de relacionamento para evangélicos e “Nunca é Tarde para Amar” dedica-se à terceira idade. Já o “Namor o Online” é a versão mais liberal. Ao inscrever-se, o usuário pode dizer se tem interesse em amizade, namoro, sexo casual, casamento ou apenas em “ficar”. Há opções para heterossexuais e homossexuais.
Batuque é o caminho para lidar com tempos de ignorância e violência
247 –O cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda lançou uma nova canção como remédio contra a estupidez bolsonarista, a violência e a destruição do Brasil. A música é a novidade da turnê pelo Brasil que o compositor inicia em setembro, por João Pessoa e, depois de percorrer Natal, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Brasília, chega ao Rio em janeiro e a São Paulo em março do ano que vem.
Um samba Que tal um samba? Puxar um samba, que tal? Para espantar o tempo feio Para remediar o estrago Que tal um trago? Um desafogo, um devaneio
Um samba pra alegrar o dia Pra zerar o jogo Coração pegando fogo E cabeça fria Um samba com categoria, com calma
Cair no mar, lavar a alma Tomar um banho de sal grosso, que tal? Sair do fundo do poço Andar de boa Ver um batuque lá no cais do Valongo Dançar o jongo lá na Pedra do Sal Entrar na roda da Gamboa
Fazer um gol de bicicleta Dar de goleada Deitar na cama da amada Despertar poeta Achar a rima que completa o estribilho
Fazer um filho, que tal? Pra ver crescer, criar um filho Num bom lugar, numa cidade legal Um filho com a pele escura Com formosura Bem brasileiro, que tal? Não com dinheiro Mas a cultura
Que tal uma beleza pura No fim da borrasca? Já depois de criar casca E perder a ternura Depois de muita bola fora da meta
De novo com a coluna ereta, que tal? Juntar os cacos, ir à luta Manter o rumo e a cadência Esconjurar a ignorância, que tal?
Desmantelar a força bruta Então que tal puxar um samba Puxar um samba legal Puxar um samba porreta Depois de tanta mutreta Depois de tanta cascata Depois de tanta derrota Depois de tanta demência E uma dor filha da puta, que tal? Puxar um samba Que tal um samba? Um samba
Ex-escravos encontraram acolhida no entorno da Igreja da Penha no século 19
Diferente da maioria das comunidades do estado, que foram crescendo populacionalmente nos anos 60 e 70, a história do Complexo da Penha começou muito antes, na época da escravidão. A comunidade era o endereço certo para a liberdade dos escravos foragidos, que se refugiavam nas encostas dos morros da Penha. A região era então administrada por um padre abolicionista e republicano que os abrigava e protegia. Através da atuação desse padre, foi possível a formação de um quilombo. Para chegar ao quilombo, era necessário passar pelo Morro do Alemão, Morros da Fé e Juramento, até chegar ao Morro da Serrinha, onde ficava situado.
Crescendo em números, após a abolição da escravidão, o quilombo se tornou uma comunidade formalmente livre. Antes de virar favela, a Vila Cruzeiro era reconhecida como Quilombo da Penha. A comunidade contribuiu de forma significativa para a difusão do samba e do Carnaval. Como a primeira rádio só veio a ser criada em 1923, até então a Festa da Penha foi precursora das folias que atualmente caracterizam os festejos carnavalescos. O fato do primeiro samba gravado na história do Brasil – “Pelo telefone” – composto por Donga ter sido concretizado em uma dessas festas confirma a importância da comunidade na consolidação e popularização do gênero no país.
Com terras muitos férteis, excelentes para o plantio, fortes e ricas em produtividade, lagos artificiais, fartura de peixes de água doce, animais silvestres, nascentes de águas cristalinas que brotam das margens das rochas da Pedreira até hoje, o local atraiu outros povos. Em meados dos anos 60, nordestinos e portugueses desenvolveram o comércio local, conhecido anteriormente como “Bar Dourado”. Obra de um português chamado José Manoel Dourado, que implantou uma quitanda que hoje é conhecida como “mercearia”.
Com o crescimento populacional, nessa mesma época o manguezal que se estendia da Lobo Júnior até o mercado São Sebastião sofreu sucessivos aterros. Hoje essa região praieira da Penha pertence à Marinha do Brasil. O porto da Praia da Moreninha e a comunidade de pescadores ficou conhecido como favela Kelson’s, pertencente à Penha Circular. Alguns moradores antigos ainda sobrevivem do pescado.
Pouco a pouco, a comunidade foi atingindo as dimensões que apresenta na atualidade. Porém, muitos mitos e personalidades importantes não foram esquecidos. Os mestres Touro e Dentinho, que foram os primeiros a levar a capoeira para fora do Brasil, são alguns desses exemplos. Fortemente influenciada pela cultura africana, a capoeira foi desenvolvida e aperfeiçoada no Brasil. As famosas rodas de capoeira dos mestres Dentinho e Touro, que também eram irmãos, foram muito perseguidas pelas autoridades locais.
Foi nesse contexto que apareceu um certo Madame Satã, que se refugiava nessas rodas, pelo fato de também ser perseguido por ser homossexual e por se envolver em eventuais confusões. Madame Satã tinha uma profunda admiração pelo mestre Dentinho. Mestre Dentinho faleceu em 2011, aos 65 anos, vítima de um AVC, e se tornou um símbolo de cultura da Penha. Hoje, a capoeira, juntamente com o samba, são considerados patrimônios culturais brasileiros. Os mestres Touro e Dentinho têm uma parcela neste feito.
A cultura no Complexo da Penha não é só representada pela capoeira e pelo samba. A Folia de Reis predominava nas festas juninas. Na comunidade Merendiba, o xodó da amada e a caipira da tia Helena são tradicionais. Também tinha a maior fogueira do bairro do Grotão. A fogueira do Sr. Ananias, ou Cachimbinho, como era conhecida. As brasas ficavam acesas por mais de quatro dias.
Foi no Campo do Ordem e Progresso que Adriano Leite Ribeiro fez os seus primeiros gols. Adriano Imperador representou o Brasil em competições internacionais e foi fundamental na Copa América de 2004, e das Confederações em 2005, sendo artilheiro em ambos os torneios, e garantindo o Brasil na Copa do Mundo de 2006. Em 2009, a revista Época o elegeu como um dos brasileiros mais influentes do mundo.
O nome “Complexo da Penha” surgiu equivocadamente em 2010, quando houve a ocupação pelos militares na Vila Cruzeiro. A mídia chamou a região erroneamente de “Complexo da Penha”, comunidade que já era conhecida como Vila Cruzeiro.
se tem um bagulho que não muda as violência do garrincha pra elza é eles terem morrido no mesmo dia. minha mãe diz que isso rola quando quem foi primeiro vem pra buscar
na primeira vez que a mana perguntou se eu acreditava em fantasma eu tinha acabado de ver um. mesmo cabelo. jeito de andar. fiquei falando disso com ela e a real é que direto faço dessa. respondo umas parada nada a ver com as pergunta. não sei se respondo. na segunda vez a gente tava na cozinha
– não acredito nem desacredito mana. mas por quê?
– porque ella queda allí
– do lado do espelho?
– si
– eita. e tu?
– y yo que?
– acredita?
pessoa em situação de rua barca espremendo ciclista pedra papel polícia. nem todo mundo bota fé no que vê e às vezes penso que a vida é tipo uma mandala de bad trip. um parceiro do trampo me deu a letra esses dia. a gente olha pra onde a gente olha. de rolê com a dora aqui no centenário passamo por várias encruzilhada. às vezes tem galinha. peço licença tipo antes de entrar no mar. é uma questão de respeito. não boto fé nessa fita de melhor amigo mas dos 14 aos 16 tinha o bolinha. depois ele a mãe a irmã e o cunhado mudaram do ap de um quarto e com 18 a gente nem se falava mais. me chamaram no msn uma tarde. perguntaram se eu ia na missa de sétimo dia. uma barca furou o sinal e pegou o bolinha e a namorada na bis. a namorada sobreviveu.
se tem um bagulho que não muda as violência do garrincha pra elza é eles terem morrido no mesmo dia. minha mãe diz que isso rola quando quem foi primeiro vem pra buscar. não quero ir depois da fernanda. ela não quer ir antes de mim. quando minha vó mãe do meu pai ficou em coma minha mãe dormiu várias vezes na baia dela. na baia da minha vó morava também minha tia vó. minha tia vó era tipo o charles wikipédia do pânico. qual o aniversário do papa erika? 18 de maio. qual o nome daquela ruazinha que tem do lado do guadalupe erika? pedro ivo. a erika sabia tudo. ela era autista. quando a vó tava em coma a mãe dormia de dia no hospital e de noite com a erika. a baia tinha vários relógio. de hora em hora parecia viva.
primeira vez que almocei com a família da fernanda a bisa mãe da vó dela tava sentadinha no sofá. tinha uma manta no colo. a tevê ligada na fron. não sei se ela me confundiu com alguém das antiga mas sei que desatou a falar como se a gente se conhecesse. minha mão no meio das dela. dois toque bateram forte. o de que beleza não enche barriga. o de fazer o que acredita. um tempo depois ela faleceu e na cozinha da capela entrava e saía gente pra comer alguma coisa. entrava e ficava. na cozinha o papo era o podcast do caso evandro. eu tinha medo de escutar sozinho e a real é que ainda tenho. tem um som do djonga que diz
tenha medo de quem tá vivo
e respeito por quem tá morto
ouvindo desde cedo
cê já é preto
não sai desse jeito
se não eles te olha torto
lembro disso quando sinto uma presença um frio a sensação de dois olhos na nuca. lembro disso e da oração que aprendi nos coroinha
senhor amado deus
obrigado pelo dia de hoje
protege a nossa família e
que eu ouça meu coração amém
quando era pivete prestava atenção nas batida. ia ficando cabrero cabrero até disparar. às vezes rola de novo. leio. contam que Icu tinha tanto horror pelos castigos que Exu aplicava na terra que chamou ele pra um duelo. Exu não arregou. lutaram. Icu desviava de todas as porretadas e uma hora conseguiu desarmar Exu. só não deu o golpe de misericórdia porque Orunmilá tirou o porrete da mão dela. por isso dizem que ninguém pode derrotar Icu. Icu é a morte. Orunmilá tem o poder de prever o futuro.
o motorista da van trampou no shopping mueller na década de 90. a mãe dináh tava bombando na época porque tinha acertado o acidente dos mamonas. fama é um bagulho bizarro. o que que eu sei de fama. a fita é que quando pego carona com o cláudio a gente passa pela fron do shopping e aí ele conta que a mãe dináh previu uma bad em curita. a administração do shopping deu até treinamento de evacuação e a gente nunca sabe qual a última vez que vai ouvir uma história. de braço pra fora prefiro não saber. sinto o sol.
A voz do Brasil, a voz do Milênio, a voz do Planeta Fome, a voz das mulheres negras, a voz dos pobres e dos desvalidos desses tristes trópicos, a voz das pessoas de boa vontade que denunciam e lutam contra as injustiças e inequidades sociais, a nossa voz… A voz que canta uma linda canção, a voz que canta nessa escuridão…. Quantas vozes pode ter uma única mulher?
Elza Soares nos deixou na tarde de ontem, quinta-feira, 20 de janeiro, não por acaso ou mera coincidência, na mesma marca do calendário em que se deu, há 39 anos, a morte do seu (e nosso) grande amor, Mané Garrincha, falecido em 20 de janeiro de 1983. Aí tem…. Tem fé, tem garra, vontade de superar tudo e de finalmente poder repousar de tanta guerra nos braços e abraços de um verdadeiro amor.
A gente não queria que ela fosse…a gente, talvez mais do que nunca, precisava dela, de seu topete, de sua espinha dorsal inquebrantável, de sua inquietude, da sua louca vontade de viver…. Afinal, a vida tem ficado cada dia mais difícil, mais indócil, mais intolerante…mais dura de engolir. Precisamos de luz, luz, mais luz….
Mas, Elza precisava e merecia descansar, aos seus 91 bem-vividos anos, e no auge de sua glória. Vai, Elza…abrace e beije muito o Garrincha, por todos nós, que aqui ainda ficamos…. Temos certeza de que sua força, sua garra e determinação continuarão nos guiando, inspirando, animando…pelo menos aos mais bem-intencionados e justos de nós.
Falar da carreira, das músicas, dos discos, trajetória e sucessos de Elza, nesse momento, não é o que se faz mais necessário. Afinal, a maioria de nós teve, tem ou terá a presença dela atravessando seus dias, seu coração e o âmago de sua alma em algum momento.
Importa sim, dizermos de sua importância enquanto Voz…Voz assim mesmo, com maiúscula.
Voz pode ser um dom…. Voz pode ser resultado de treinos e lapidações, voz pode ser sorte, voz pode ser uma graça…Mas, dar a voz, não. Decididamente, não! Dar, doar a voz para o Outro, para o pobre, para o excluído, para o sem Voz, isso é amor…puro amor…amor que não se resigna, amor que luta, amor que espera…
Disse São Paulo apóstolo aos coríntios que ainda que nossa fala e nossa voz tivesse todos os dons, das profecias ao doce sabor da língua dos anjos…sem o amor, nenhum de nós, nada de nada seríamos…Elza disse aos corintianos e a todos nós que de pouco adiantaria uma linda, vibrante, potente e raríssima voz…sem o dar-se, pois, sem amor, sem doação, sem tomar o lugar de quem não pode falar, valemos muito, muito pouco…Por isso, Elza é imortal, Elza é a alma do Brasil desigual e profundo, Elza é raiz….Elza é um porvir …um possível.
Assumir e cantar, quantas e quantas vezes for necessário, as latas d’água na cabeça, as subidas e decidas do morro…os orgulhos dos guris favelados, marginalizados, desprivilegiados e condenados à própria sorte (ou morte)…Falar, denunciar abertamente a fome frente à qual são se deve deixar abater, mas, pelo contrário, reivindicar o direito à existência justa, humana, plena…Isso foi, isso é, isso sempre será Elza.
Levantar a cabeça e meter o dedo na cara da madame que tem preconceito de cor, valorizar e deleitar-se na língua própria e na cadência do autêntico samba…. Lutar pelo amor mais autêntico… Isso foi, isso é, isso sempre será Elza, a mulher do fim do mundo.
Elza sempre sonhou com as estrelas…, em morar naquelas luzes. Estrelas que ela via do morro da Vila Vintém. Agora ela foi para lá…como uma preta, pobre, favelada, como uma deusa, uma diva, uma mulher cheia de muitas mulheres, cada uma de uma cor, cada uma de uma força, cada uma de um lugar…mas todas, Elzas unidas pelo amor sincero que se dá e sem o qual nenhum de nós nunca nada será.
Que Elza viva em todas, todos e em cada um de nós!