Ditadura brasileira: procura-se justiça histórica. O caso Eloá Guimarães
Urariano Mota entrevista Elizabeth Guimarães (segunda parte)
Você quer uma reparação histórica da violência que ela sofreu.
Elizabeth – E da família. Ficamos todos presos e desmantelados. Minha mãe se dedicou o resto da vida dela, tias, irmãos, todos. E agora eu também vejo que o trauma sofrido por ela se transformou em diagnóstico de doença mental. E tem influência até hoje nos meus sobrinhos, na quarta geração, porque eles fazem perguntas, e cada um tem uma história, um pedaço, um pedacinho de história. Então isso precisa reintegrar a família, a história, para que esse trauma não seja modificado em outras oportunidades.
O que você quer a partir do levantamento desses fatos, dessa tragédia realmente, é uma justiça histórica.
Elizabeth – Exato. O reconhecimento do que ela foi vítima. Uma jovem daquela época. O pânico daqueles anos é inesquecível. Depois da prisão, quando minha irmã estava com o passaporte, se preparando para ir ao Canadá, entrou em crise.
Que tipo de crise?
Elizabeth – Quando ela chegou no Rio de Janeiro, ela ficou escondida. Em casas de parentes e parentes. Por quê? Ela não sabia, não sabíamos se alguma polícia vinha atrás dela, depois da prisão.
Elizabeth – Logo depois da prisão. Não conseguia dormir. Nunca mais recuperou o equilíbrio. Ela tentou suicídio várias vezes. Cortava os braços. Não sabemos se ela chegou a ser estuprada na prisão, porque tem uma parte do trauma que vira amnésia. Mesmo as descrições do pântano não eram completas.

Então a violência é mais grave. Não é só o que fizeram com ela na prisão. Destruíram para sempre a vida dela.
Elizabeth – Claro. Nunca mais voltou a ser a mesma. Houve época em que voltava um surto de “normalidade”. Olha aqui as fotos, tinha períodos “bons”, olha aqui um sorriso lindo, aberto, no princípio, depois ela foi ficando assim, e morreu do coração. Ela faleceu em 2001.
Arrastando um desequilíbrio mental de 1969 a 2001.
Elizabeth – Nas fotos, você vê uma doente mental, feliz, enganosamente feliz. Tomando remédio pesado.

Versos de um poema de Eloá Guimarães:
“A cada ponto que eu dava, na paciente arte de bordar
meu coração e minha mente, numa viagem de regressão
buscavam tecendo a lã, uma infinita reorganização de ideias, sentimentos,
migalhas perdidas no passado,
o retorno de uma consciência mais clara,
uma alma mais clara”.