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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Set23

Longevidade e envelhecimento saudável precisam de proteção jurídica

Talis Andrade

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Por Jones Figueirêdo Alves

Consultor Jurídico

 

Estamos às vésperas do Dia Nacional do Idoso e do Dia Internacional da Terceira Idade que são comemorados em 1º de outubro (01).

Melhor ainda: cumpre lembrar que em 1º de outubro de 2003 foi aprovada a Lei n. 10.741 que instituiu o Estatuto do Idoso (ao depois o Estatuto da Pessoa Idosa), cujo vintenário agora é celebrado com o registro de importantes avanços.

A esse tempo decorrido, os idosos representam 14,3% dos brasileiros e, dentro de sete anos (em 2030), o número de idosos deve superar o de crianças e adolescentes de zero a quatorze anos. Da população brasileira de 210 milhões, 37,7 milhões são pessoas idosas, sob a égide do art. 230 da CF.

Nesse determinado espaço temporal, estamos vivenciando a Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030), declarada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no sentido aglutinativo de serem empreendidos esforços para que longevidade, qualidade de vida, e envelhecimento sustentável signifiquem, no seu conjunto, um "avanço civilizatório importante em tempos em que se manifesta lamentável etarismo".

Essa assertiva, proferida pela ministra Rosa Weber, presidente do STF, tem fomento quando o Plenário do CNJ, em sua 13ª sessão ordinária (05.09.23), instituiu pelo Ato Normativo n. 0005234-84.2023, uma Política Judiciária sobre Pessoas Idosas e suas Interseccionalidades no Poder Judiciário. (02)

Para assegurar o princípio constitucional da razoável duração do processo, destinado ao idoso que integre a demanda, adotou-se, de imediato, uma política de capacitação de servidores e magistrados que manejem essas ações destinadas ao grupo mais vulnerável e que mais cresce na população brasileira.

Nesse fim, “os trabalhadores da Justiça deverão fazer cursos sobre esse tema, que deverão ser inseridos no Plano de Capacitação Anual das Escolas Judiciais e de Servidores”.

Interessante é anotar que no último dia 18 de setembro foi sancionada a Lei nº 14.679/23, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Lei Orgânica da Saúde (Leis n. 9.394/96 e 8.080/90), para incluir a proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes entre os fundamentos da formação dos profissionais da educação e para incluir a proteção integral dos direitos humanos e a atenção à identificação de maus-tratos, de negligência e de violência contra crianças e adolescentes entre os princípios do Sistema Único de Saúde.

Entretanto, às vésperas do Dia Nacional do Idoso, a Lei 14.679/23 omitiu tratar dos idosos, quanto ao necessário apoio à formação permanente de profissionais da educação acerca do ensino de cuidados de proteção àqueles e, ainda, no tocante à uma especial atenção do SUS quanto a identificar maus-tratos, negligencias e violências contra os idosos.

Nesse aspecto, impende urgentes as iniciativas pedagógicas direcionadas às crianças e jovens “na conscientização de um tratamento humanizado para com os idosos” e, no particular, não se cogitou de educadores capacitados a esse fim.

“Temos que começar com os mais novos, criando uma cultura de apoio, responsabilidade e respeito para com a terceira idade”, advertiu a advogada Ágatha Rosset, ao discutir, perante o CNJ, políticas públicas de atenção aos idosos (03).

Enquanto o normativo do CNJ busca um melhor tratamento jurisdicional a idosos. a exemplo da observância de prazos dos processos, estimando prazo de até 15 (quinze) meses para tramitação e julgamento, em primeiro grau, das ações cíveis e de até 24 (vinte e quatro) meses para as ações civis públicas (propostas com o objetivo de garantir direitos difusos e coletivos de pessoas idosas); as leis antes citadas não cogitam, em seus textos, de um tratamento especial aos idosos e não foram alteradas, para essa política protetiva, pela recente Lei n. 14.679/23.

Ou seja, “a preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas”, como direito garantido aos idosos resultou desatendida.

Eis que a formação de políticas públicas envolvendo “sociedade civil, governos, profissionais especializados, agências internacionais, universidades, iniciativa privada” e a comunidade jurídica, destinadas aos idosos, exige um compartilhamento de experiencias setoriais, em conjugação com a própria pessoa idosa.

Como mecanismos propositivos elencam-se alguns elementos determinantes em proposição contemporânea de políticas de proteção jurídica da longevidade e de segurança ao envelhecimento saudável.

(i) O primeiro deles é primacial, diante da complexidade da proteção do idoso, em prestígio do seu envelhecimento saudável e qualitativo, quando as questões subjacentes da própria idade avançada, apresentam-se sob fatores de maior agravamento, a saber “interpassadas por raça, etnia, deficiência, gênero e situação econômica, etc.”, em ponto oportunamente realçado pelo relator do CNJ, conselheiro Mário Goulart Maia, diante daquele Ato Normativo de 05.09.23.

Iniludível que ditas políticas públicas, designadamente jurídicas, devam observar o idoso com essa gama de diversidades e situações especificas, para um enfrentamento conjunto.

Assim, de todo conveniente a criação de comitês multi e interinstitucionais para um corpo de medidas jurídicas envolvendo diversos ministérios de Estado, órgãos públicos e privados.

(ii) Outro ponto tem pertinência com a necessidade de uma mais extensa e segura compreensão do fenômeno do envelhecimento em nosso país. Para isso, a providência mais imediata será a de acompanhar as produções cientificas e jurídicas sobre envelhecimento.

Em outras palavras, compreender o envelhecimento como um direito personalíssimo e a sua projeção como um direito social, na dimensão e alcance próprios do art. 8º do Estatuto da Pessoa Idosa, e em “fruição completa de todos os direitos que lhe são derivados e consectários”, conforme assentado pela jurista Patrícia Novais Calmon, em sua obra “Direito das Famílias e da Pessoa Idosa” (04).

A pessoa idosa está no centro da comunidade familiar, como destinatária maior das relações familiares, quando, dentre os institutos jurídicos familistas, despontam (I) o cuidado essencial com os idosos; (ii) os direitos avoengos; (iii) os direitos de dinâmica intergeracional, e (iv) os direitos de integração social ativa do idoso.

Estamos diante de profundas modificações do perfil etário, onde as necessidades de ordem socioeconômica, cultural e de saúde, são desafiadas por problemas funcionais e de ausência de políticas públicas adequadas.

(iii) A identificação das modificações e necessidades reclama a chamada de voz dos próprios idosos. Este ponto é fundamental para que se tenha a garantia do viver bem e com qualidade de vida no envelhecimento estendido. Critérios objetivos de definição das necessidades vitais, mecanismos indutores de responder à realidade exigente de superação dos problemas etários e a oportunidade de uma vida melhor na terceira idade, convergem a um cenário de novas práticas políticas para a dignidade da pessoa idosa.

De saída, um plano de ação política exigirá que equipes multiprofissionais e interdisciplinares, sejam ampliadas e mais capacitadas ao conhecimento técnico do envelhecimento como arte e ciência para assistir a pessoa idosa, em todas as suas demandas. Para além disso, todo e qualquer plano antes obriga uma consciência social afirmativa para a mobilização das ações políticas.

Tássia Chiarelli e Samila Batistoni oferecem oportuno estudo sobre a Trajetória das Políticas Públicas Brasileiras para pessoas idosas frente a Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030) (05) e é interessante assinalar que essa trajetória tem em 2023, um marco centenário diante do seu ponto inicial. Precisamente pelo Decreto n.º 4.682, de 24 de janeiro de 1923, que ficou conhecido como Lei Eloy Chaves, quando provoca as primeiras discussões sociojurídicas com fundo na política previdenciária do país.

Segue-se a Lei n.º 6.179/1974, com a criação da Renda Mensal Vitalícia (benefício não contributivo), sob o viés do provimento de renda, e outras leis que incursionaram em específicos temas.

Diz-nos Chiarelli e Batistoni que somente em 1982, com a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Viena, na Áustria, tiveram origem políticas públicas no trato exclusivo da população idosa. Aquele primeiro fórum mundial sobre a ancianidade estabeleceu as diretrizes do I Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento, publicado em 1983.

Então, afirme-se, que o principal marco regulatório dessa construção política de proteção ao ser envelhecente opera-se somente há quarenta anos.

Nesse influxo, a Constituição Federal de 1988, foi um marco, ao dispor no seu art. 30 que:

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Chiarelli e Batistoni sublinham que, na década de 90, “novamente a ONU lança esforços sobre a temática da longevidade”. Em 1991, a Assembleia Geral instituiu os Princípios das Nações Unidas para os Idosos, encorajando os governos a adotarem, em seus programas, dezoito (18) direitos das pessoas idosas relacionados à independência, participação, cuidado, autorrealização e dignidade. Logo o Brasil adere, com a Lei n.º 8.842/94, que estabeleceu a Política Nacional do Idoso (PNI), regulamentada pelo Decreto n.º 1.948/96 e com a Lei n. 10.741/2003, instituindo o então Estatuto do Idoso, para a efetividade de todos os seus direitos.

Quando a geriatria e a gerontologia alcançam os mais elevados padrões de qualificação médica, assegurando o aumento dos níveis de expectativa de vida, com impacto na sua qualidade existencial, toda e qualquer política pública mais eficiente obriga uma abordagem intersetorial com o sistema de saúde.

Integrar serviços de cuidados e de atenção primária à saúde adequados à pessoa idosa, propiciando-lhe o acesso a cuidados de longa duração, são dois dos quatro eixos de iniciativas que formatam as ações previstas para a presente “Década de Envelhecimento Saudável”.

Nessa perspectiva, exige-se maior proteção social ditada por uma nova ordem jurídica. Assim se apresenta a PEC n. 555/2006, que revoga o art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003 e extingue com a cobrança de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos aposentados (Contribuição de Inativos). Bem de ver, porém, da necessidade urgente de isenção para todos os aposentados em geral, como foi objeto da PEC n. 61/2004, depois arquivada.

Lado outro, há de se estabelecer o implemento de planos de saúde exclusivos para idosos, de forma diferenciada, sem a carga de onerosidade ocorrente no atual sistema geral de planos e seguros de saúde, regidos pela ANS.

Em outro giro, anote-se que o art. 150 § 20 do Estatuto da Pessoa Idosa determina que cabe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação de sua saúde.

No ponto, informa-se que “desde que apresente a receita médica e o Laudo de Medicamentos Excepcionais (LME) fornecido pelo médico, o paciente pode fazer a solicitação do medicamento pelo SUS gratuitamente”.

Entretanto, a obtenção de medicamentos de uso continuo, bem como a dos medicamentos de alto custo, sujeita-se a um ritual de critérios e regras que equivalem à omissão de socorro público, notadamente quando determinados medicamentos ainda não se acham incluidos no rol de dispensação médica.

De fato, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) permanece em prejuizo do acesso à melhor garantia farmacêutica pelos idosos. Há uma desafagem na relação dos medicamentos utilizados no âmbito do SUS.

A tanto, o Ministério da Saude reconhece que “a atualização permanente da Rename, como instrumento promotor do uso racional e lista orientadora do financiamento e acesso a medicamentos no âmbito da Assistência Farmacêutica, torna-se um grande desafio para os gestores do SUS, diante da complexidade das necessidades de saúde da população, da velocidade da incorporação tecnológica e dos diferentes modelos de organização e financiamento do sistema de saúde”. (06)

Por essa compreensão, torna-se urgente que politicas públicas favoreçam o acesso do idoso à uma assistencia farmaceutica mais avançada, incorporando as condições para um envelhimento acompanhado pela qualidade de saúde prestada pelo Estado. É dizer que a garantia de acesso à rede de serviços de saúde, como o SUS, é um direito absoluto e não pode ser relativizado por deficiências do Poder Público.

Inconteste o impacto da longevidade nos sistemas de saúde quando em 1960, a expectativa de vida era de 52 anos e 5 meses e hoje situa-se em média nos 77 anos, segundo apurado pelo IBGE (25.11.2022).

Convenha-se que estejamos em plena conformidade com as metas da atual Década do Envelhecimento Saudável. Para isso, autonomia, independência e capacidade decisiva, servirão à dignidade do idoso, cumprindo-se um planejamento de governo e da sociedade em pronto atendimento às necessidades da nossa população idosa.

Quando se busca construir uma sociedade para todas as idades, com integração comunitária e familiar, proclamemos um esforço conjugado de respeito ao mais idoso, viabilizando-o potencialmente enquanto pessoa. A pessoa idosa que amanhã seremos todos nós, perseverando continuar a vida.

O médico Peter Attia, criador de um método de Estratégia de Longevidade (“Early Medical”), diz-nos em sua obra Outlive: The Science And Art of Longevity” (2023), (07) da necessidade de ser mantido pelo idoso, um plano individual de vida. De fato, as pessoas envelhecem quando param de pensar no futuro.

Não coloquemos o idoso no seu passado. Ele está na sua juventude acumulada, em perfeita e constante envelhescência.

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(01) Texto extraído de palestra do autor no seminário “20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa”, IBDFAM/ES e IBDFAM/DF, em 20.09.23. Web: https://1drv.ms/v/s!Av3N97-N7Y7zgcQ95luXNsIqYV5g1g?e=jZ8zRk

(02) CNJ. Web: https://www.cnj.jus.br/cnj-aprova-politica-voltada-para-melhor-tratamento-aos-idosos-no-judiciario/

Web: https://www.conjur.com.br/2023-set-07/cnj-aprova-medida-melhorar-tratamento-idoso-judiciario

(03) CNJ. Web: https://www.cnj.jus.br/atencao-a-pessoa-idosa-em-tarde-de-debates-comissao-recebe-sugestoes-para-politica-judiciaria/

(04) CALMON. Patrícia Novais Calmon, “Direito das Famílias e da Pessoa Idosa”; 2ª ed., Editora Foco, 2023, p. 31.

(05) CHIARELLI, Tássia Monique. BATISTONI, Samila Sathler Tavares. Trajetória das Políticas Públicas Brasileiras para pessoas idosas frente a Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030). Web: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/55685

(06) MINISTÉRIO DA SAUDE. Web: https://bvsms.saude.gov.br/publicada-a-relacao-nacional-de-medicamentos-rename-2022/

(07) ATTIA, Peter. Outlive: a arte e a ciência de viver mais e melhor. Ed. Intrínseca, 2023.

22
Set23

Yalorixá e líder quilombola assassinada na Bahia

Talis Andrade
 

Quem mandou matar Mãe Bernadete Pacífico?

 

por NPC 

Na noite do dia 17/08/23, a Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), foi executada a tiros dentro do terreiro onde vivia. Mais um crime cometido em consequência de disputas fundiárias em torno de terras das comunidades tradicionais.

A pressão e as ameaças feitas por grupos ligados à especulação imobiliária não são algo novo na realidade daquela região. Em 2017, Flavio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, filho biológico de Mãe Bernadete, foi executado com dez tiros. Ao longo desses seis anos que se passaram, a Yalorixá seguiu firma na luta por justiça pelo assassinato do filho e pelos direitos dos quilombolas, e por isso se tornou alvo de ameaças.

Ainda em 2017, ela foi incluída no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), mas não foi suficiente. Em junho de 2023, já quase sem proteção, Mãe Bernadete denunciou sua situação para a presidenta do Superior Tribunal Federal (STF), a ministra Carmem Lúcia. A partir daí, as ameaças se intensificaram.

Agora, pouco mais de dois meses depois da denúncia, essa mulher que dava corpo a tantas lutas, como pela demarcação das terras quilombolas e contra o racismo religioso, entre outras, foi assassinada.

De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2022, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Bahia é o terceiro estado do país onde, nos últimos anos, foram registrados os maiores índices de conflitos por terra no campo, ficando atrás apenas de Maranhão e Pará. Com relação a ameaças de morte e agressões, os números mostram que, entre 2021 e 2022, houve um aumento de 175% no número de pessoas agredidas e 170% nas ameaças de morte no estado.

Há anos a comunidade do Quilombo Pitanga dos Palmares luta pela regularização fundiária de suas terras. Apesar de terem tido o direito reconhecido em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, o processo tramita lentamente e ainda não foi concluído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O resultado disso é que as 289 famílias que ali vivem, aproximadamente, seguem vulneráveis e expostas à pressão da especulação imobiliária, direta ou indiretamente, e correm riscos não apenas de serem expulsas do território, mas também risco de vida.  

Diante de um crime tão brutal, diversas entidades e lutadores se manifestaram em repúdio ao crime. Que possamos nos unir para, de maneira coletiva, fortalecer a luta pelos direitos humanos, pelos direitos das comunidades e povos tradicionais e contra o machismo, racismo e intolerância religiosa.

20
Set23

Provocações sobre marco temporal, execução de liderança quilombola, jornalismo e direito à verdade

Talis Andrade

O jornalismo não pode se furtar à sua parcela de responsabilidade quanto à superação da herança colonial que perpetua violências - Foto: Manny Becerra/Unsplash

por Aline Rios
objETHOS

Na semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a discussão sobre o marco temporal indígena que, inclusive, irá ditar os rumos sobre Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ que está sendo requerida pelo Governo de Santa Catarina, e também, quando vêm à tona novas informações sobre a execução da liderança quilombola e Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, executada aos 72 anos com 22 tiros, sendo 12 deles em sua face, a organização Artigo 19 oportunamente publica o relatório Direito à Informação: memória e verdade), em que busca chamar a atenção para a estreita relação entre direito à informação, direito à verdade e reparação histórica.

No relatório de 75 páginas, lançado no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, em 30 de agosto, a Artigo 19 busca expor o quanto o acesso aos arquivos nacionais públicos pode ser mais ou menos determinante para o reconhecimento e superação da ocorrência sistemática de violações dos direitos humanos no passado. O documento relaciona a questão à violência contra povos negros e indígenas no contexto brasileiro, mas também situa aspectos mais recentes, como a repressão durante a ditadura militar e o que chama de ‘violência embranquecedora’, que ainda é perpetrada contra as populações brasileiras não-brancas.

A Artigo 19 expressa no relatório que compreende o direito à informação como um direito humano fundamental, mas também de caráter instrumental, uma vez que passa por este a necessária efetivação de outros direitos. Em Direito à Informação: memória e verdade, a organização aponta a vinculação entre o direito à informação e o direito à verdade; sendo este entendido como a obrigação do Estado de publicizar informações sobre violações de direitos humanos ocorridas a qualquer tempo e que sejam relevantes para a reparação e o acesso à justiça.

Essa exposição da ‘verdade histórica’ teria, portanto, a pretensão de superar o negacionismo e o revisionismo, reclamando uma reescrita da história, mas também, reivindicando o redesenho de políticas públicas e superando a impunidade fincada no colonialismo e que ainda corrompe o sistema social, político e de justiça no Brasil.

 

Brasil profundo

E antes de ‘torcer o nariz’ para as questões aqui colocadas, carecemos de lembrar que há pouco tempo o país teve como mandatário da Presidência da República e representante da extrema direita e elites oligárquicas, um Jair Messias Bolsonaro que, sem qualquer pudor, cometeu o disparate de afirmar em rede nacional, durante entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), que “(…) se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, os próprios negros que entregavam os escravos”.

Tamanho despropósito, para se dizer o mínimo, em um país que ainda engatinha e esbarra em vários obstáculos para promover dispositivos como a Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira na escola, que encarcera a população negra em massa, e que também é vergonhosamente um país em que mais se mata negras e negros, algo assim não poderia jamais ocorrer sem reprimendas. Mas, no Brasil profundo e, ao mesmo tempo, ‘raso’, ainda há quem diga que não existe racismo no país.

Quando transpomos o olhar para a questão indígena, não se pode esquecer da reiterada afirmação da primeira ministra dos Povos Indígenas da história do país, Sônia Guajajara, que sempre faz questão de enfatizar que “sem território, não existem povos indígenas”.

Para a Artigo 19, a preservação e acesso a documentos públicos no Brasil é essencial para passar essa história a limpo, uma vez que isso permitiria constatar como o Estado brasileiro tem agido nestes mais de 500 anos para promover ou contribuir para o esbulho das terras indígenas e, portanto, para o apagamento dessas identidades e extermínio de sua população.

 

Informar para superar

Assim como versa o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, profissionais do jornalismo, devidamente qualificados para o exercício da profissão com ética e compromisso social, devem atuar de maneira rigorosa na defesa dos direitos humanos e, por meio dessa, contribuir para o fortalecimento da democracia.

Dessa forma, considerando as 21 recomendações que a Artigo 19 faz a respeito do acesso às informações que se encontram em arquivos nacionais públicos, além de buscar esses dados para melhor contextualizar a oferta noticiosa à sociedade, o jornalismo pode e deve atuar para fortalecer esse sistema.

Uma atuação jornalística mais responsável e comprometida nesse sentido pode assegurar os meios para que as populações negras, quilombolas e indígenas possam reescrever suas histórias por si mesmas, mas também pode atuar: fiscalizando e vigiando o acesso aos arquivos públicos; divulgando a existência e o acesso a esses documentos; combatendo os obstáculos ao cumprimento da transparência no acesso a essas informações; cobrando medidas para promover a segurança informacional desses acervos; além de reivindicar a necessária redução da opacidade sobre os documentos de interesse público que se encontram em poder do Estado.

O jornalismo enquanto forma de conhecimento ancorada no presente e atravessada por contradições (GENRO FILHO, 1987), não pode se furtar à responsabilidade de lançar luz sobre o passado colonialista brasileiro e que, lamentavelmente, ainda chancela o silenciamento de vozes como a de Mãe Bernadete e, do grito sufocado dos nossos povos originários.

É preciso que se reconheça a violência historicamente praticada contra determinadas populações brasileiras, para que suas vítimas possam buscar e garantir a reparação destas, mas, principalmente, para que estas jamais voltem a se repetir.

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Referências:

CUNHA, Brenda. Et al. Direito à Informação: memória e verdade. 1ª Edição. São Paulo: Artigo 19, 2023.

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Editora Tchê, 1987.

A líder do Quilombo Pitanga dos Palmares foi assassinada na noite desta quinta-feira (17). Em julho, Maria Bernadete Pacífico falou sobre a violência contra quilombolas em um encontro com a ministra do STF Rosa Weber.

18
Set23

Bolsonaro usou R$ 1 bilhão da Defesa para criar 2º orçamento secreto

Talis Andrade

 

Ao menos 23 parlamentares do Centrão indicaram o destino de recursos do programa Calha Norte, que financiava obras de infraestrutura no Norte, Nordeste e Centro-Oeste

 

19
Ago23

Luto entre os quilombolas

Talis Andrade

 

As comunidades remanescentes de diferentes povos africanos, reconhecidas como quilombolas, têm sido desprezadas, assim como os indígenas. Entram e saem governos e o mandamento constitucional, que garante a demarcação das terras que ocupam, não é respeitado. Nos últimos 10 anos, pelo menos 30 líderes quilombolas foram mortos, por resistirem à pressão de especuladores ou de latifundiários que ambicionam as terras que ocupam. É assim com os indígenas, estejam eles em áreas demarcadas, ou não.

Nesta quinta-feira, a líder da comunidade Pitanga de Palmares, na Bahia, Bernadete Pacífico, 72 anos, foi executada com 14 tiros, em casa, por dois homens de capacete, ainda não identificados. Jurandir, filho de Mãe Bernadete, como ela era conhecida, por ser uma ialorixá (dirigente de uma casa de candomblé), atribui o assassinato à especulação imobiliária. Segundo ele, a mãe havia recebido várias ameaças. Em 2017, o irmão Flávio Gabriel Pacífico foi morto diante da escola da mesma comunidade. Ambos os casos serão investigados pela Polícia Federal.

Os quilombolas somam 1.327.802 pessoas, ou 0,65% da população brasileira, espalhadas por 1.696 municípios, segundo o Censo de 2022. Depois da Bahia, onde vivem 397.059 quilombolas (29,90% da população recenseada) e o Maranhão, com 269.074 pessoas, Minas Gerais tem a terceira maior população de remanescentes dos quilombos — 135.310 pessoas, distribuídas em 392 comunidades oficialmente reconhecidas. Desde a Constituição de 1988,o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) titulou menos de 60 quilombos, dos 3 mil existentes no país, de acordo com levantamento da Fundação Palmares, que não tem a atribuição de regularizar os territórios. Nos cálculos de especialistas, mantido o atual ritmo de identificação e titulação dos territórios, provavelmente, o Brasil levará 2.188 anos para concluir a legalização dessas áreas.

Os quilombolas, bem como os povos originários, vivem da produção agropecuária. Mas, como os indígenas, têm relevante importância na preservação do patrimônio ambiental. Esse costume tem estreita relação com a afrorreligiosidade praticada pelos afrodescendentes. Os cuidados com a flora e com as nascentes fazem parte das tradições desses povos. Preservar a natureza vai além dos conceitos de sustentabilidade ambiental. É uma expressão religiosa, legada pelos seus ancestrais.

A morosidade do poder público em questões de interesse dos indígenas e dos negros é, entre tantas outras, uma manifestação de desprezo e desrespeito a esses segmentos da sociedade. Favorece aos conflitos, que resultam em perdas de vidas e prejuízos aos dois grupos, que não contam com influentes representantes nos espaços de poder político.

Intolerância e racismo andam juntas no Brasil — e alimentam-se mutuamente. Desde o início do século 16, quando chegaram os primeiras grupos de negros sequestrados, para serem escravos nas terras Santa Cruz, que a sociedade brasileira estabeleceu uma divisão desumana entre pretos e brancos. Os negros eram, na concepção dos cristãos, indivíduos sem alma, sem sentimento e, portanto, não eram humanos, mas, sim, as criaturas inferiores em relação aos eurocentristas. Esse entendimento ainda prevalece em diferentes camadas da sociedade, o que explica as renitentes e cruéis expressões de racismo, em pleno século 21. Explicam também o descuido das instâncias de poder com essas parcelas sociedade.

27
Jun23

Clima pesou no TRF-4: Thompson Flores, Malucelli e Gabriela Hardt dificilmente escapam da aposentadoria (prêmio pelos crimes cometidos)

Talis Andrade

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Flores não foi à posse do novo presidente do tribunal, descontente com o não-convite a Moro e também contrariado por prestar depoimento à corregedoria

 

por Joaquim de Carvalho

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve divulgar em agosto o relatório sobre a correição realizada na 13a. Vara Federal em Curitiba e em gabinetes dos desembargadores da 8a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4a. Região. 

O resultado não deve agradar pelo menos três magistrados: Gabriela Hardt, Marcelo Malucelli e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Sergio Moro também não ficará bem, mas o CNJ já não tem mais jurisdição sobre ele. O problema Moro será resolvido primeiramente no âmbito da justiça eleitoral.

Pelo menos é isso o que se comenta entre funcionários graduados no TRF-4, onde a correição já foi realizada. Thompson Flores teve que prestar depoimento e seu descontentamento ficou nítido quando ele deixou de comparecer à posse do novo presidente do tribunal, Fernando Quadros da Silva, na última sexta-feira (23).
Quadros da Silva não é lavajatista, como deixou claro em uma frase de seu discurso. "O Judiciário deve permanecer discreto e agir somente quando chamado, esses são os ideais que defendemos”, afirmou.

Na posse estavam presentes a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, os ministros do STF Dias Toffoli e Edson Fachin, além da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, juntamente com os ministros do STJ Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, e Herman Benjamin.

Thompson Flores, que presidiu o tribunal no auge da Lava Jato, entre 2017 e 2019, foi uma ausência notada. Ele teria defendido que o cerimonial enviasse convite a Sergio Moro, para comparecer na condição de senador pelo estado do Paraná, um dos três que compõem a 4a. Região. Mas Thompson Flores não foi atendido.

Além disso, o clima no TRF-4 pesou para Thompson Flores depois que ele foi obrigado a prestar depoimento na correição. Quando era presidente do tribunal, Thompson Flores se uniu ao desembargador João Pedro Gebran Neto e a Sergio Moro, na época titular da 13a. Vara Federal em Curitiba, para que um alvará de soltura de Lula não fosse cumprido no dia 8 de julho de 2018.

Pelo que se comenta nos corredores do TRF-4, Thompson Flores poderá ser instado a pedir aposentadoria. Marcelo Malucelli, que é visto nas sessões do tribunal com a aparência de quem está tomando tranquilizantes, dificilmente escapará da aposentadoria compulsória, já que ele não conseguiu convencer os responsáveis pela correição de que agiu corretamente ao se manter como relator da Lava Jato mesmo em uma situação de conflito de interesses: seu filho é sócio e genro de Sergio Moro.

O destino de Gabriela Hardt também parece selado: dificilmente deixará de ser aposentada compulsoriamente. Ela prestou dois depoimentos. No segundo, para o próprio corregedor Luiz Felipe Salomão, teria deixado a sala chorando. Sua transferência imediata para a 3a. Turma Recursal do Paraná foi uma exigência do próprio corregedor. 

A correição comandada por Luiz Felipe Salomão poderá ter também repercussão criminal, além das punições administrativas. O CNJ já constatou que parte do dinheiro recebido em acordos de leniência não foi destinado conforme as normas legais. 

O Ministério Público Federal tem responsabilidade direta nesses desvios de finalidade, que podem ou não configurar corrupção. Quem tinha o dever de zelar pelos recursos é o juiz - no caso, Moro, Gabriela Hardt e Luiz Antônio Bonat.

E quem tinha que revisar decisões equivocadas ou ilegais da 13a. Vara Federal de Curitiba é o TRF-4 – primeiramente, a 8a. Turma –, mas este não cumpriu o seu papel de maneira adequada e, até recentemente, continuava a blindar a turma de Moro, como ocorreu com o escandaloso afastamento de Eduardo Appio.

A volta de Appio à 13a. Vara Federal em Curitiba, aliás, ainda não está decidida.

 

 

 

 
 
03
Jun23

“É preciso cogitar a prisão preventiva de Moro para que ele não interfira nas investigações”, diz Joaquim de Carvalho

Talis Andrade
Joaquim de Carvalho, Tony Garcia e Sergio Moro
Joaquim de Carvalho, Tony Garcia e Sergio Moro (Foto: Brasil 247 | Reprodução | ABR)

 

 

Jornalista diz que denúncias de Tony Garcia, que delatou o ex-Juiz suspeito Sérgio Moro, precisam ser investigadas a fundo

247 - O jornalista Joaquim de Carvalho avaliou, no contexto das revelações do empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia na entrevista-bomba concedida à TV 247 nesta sexta-feira (2), que deve ser cogitada a prisão preventiva do ex-juiz suspeito e atual senador Sergio Moro (União-PR) para que ele não interfira nas investigações, dado seu grau de envolvimento e aparente periculosidade.

No programa de ontem, o empresário revelou que Moro e personagens que depois se tornaram procuradores da Lava Jato o instruíram, ainda em 2006, a conceder uma entrevista ao jornalista Alexandre Oltramari, da revista Veja, para tentar incriminar o ex-ministro José Dirceu. Garcia conceder a entrevista ao jornalista em 2006 e, em 2012, Dirceu foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da Ação Penal 470, o chamado Mensalão, com voto da ministra Rosa Weber, que tinha Sérgio Moro como juiz auxiliar.

>>> “Moro fez de Curitiba a Guantánamo brasileira”, diz o empresário Tony Garcia

Joaquim afirmou neste sábado ao Bom Dia 247 que Garcia tem provas de suas acusações e procura um juiz adequado para apresentá-las: "O que [Tony] quer é um juiz independente. [Pode ser o] Dias Toffoli, pode ser o corregedor nacional de Justiça, e o que ele conta é que ele tem provas. E ele disse isso: 'eu não posso falar, porque tenho que falar no momento apropriado e para um juiz apropriado'. E vai entregar as provas!"

O jornalista, então, ponderou acerca da necessidade de uma prisão de Sergio Moro: "E o que Tony entregar, eu vou falar sério, tem que ter no mínimo imediatamente busca e apreensão [contra Sergio Moro e outros possíveis envolvidos], e, como o Moro parece ser uma pessoa perigosa, pelo que ele relata, você tem que cogitar uma prisão preventiva, para a instrução criminal, para que ele não interfira na instrução criminal"."Tem que cogitar [a prisão], mas tem que ser juiz independente. Eu sei que o Luis Felipe Salomão é bastante independente, o corregedor do CNJ ligado ao Alexandre de Moraes, e corajoso. É ele quem mandou fazer a correição na Lava Jato e nos gabinetes dos desembargadores do TRF-4. Mas é fundamental que o Tony Garcia tenha essa oportunidade [de entregar as provas]. Muitas vezes você só consegue entender o esquema quando alguém de dentro conta", concluiu. Assista abaixo:

 

23
Abr23

Por que o depoimento de Tacla Duran é fundamental para se conhecer a verdadeira história da Lava Jato

Talis Andrade

 

Zucolotto e Vinícius Borin, denunciados por Tacla Duran por intimidação
Carlos Zucolotto e Vinícius Borin, denunciados por Tacla Durán por intimidação

 

por Joaquim de Carvalho

O advogado Rodrigo Tacla Duran pediu à 13a. Vara Federal de Curitiba e ao Ministério da Justiça no Brasil que redefina a data de validade do salvo conduto que assegurará a ele vir ao Brasil sem o risco de ser molestado pelos remanescentes do lavajatismo no País.

Seu depoimento estava marcado para quinta-feira da semana passada, 13/04, mas ele protocolou petição para que uma nova data fosse marcada, sob o argumento de que dois aliados de Sergio Moro haviam se habilitado no processo, o que, na avaliação dele, constitui uma tentativa de intimidação.

"Trata-se, assim, a tentativa de habilitação ao presente feito, de reiterada conduta intimidatória, pelo delator VINICIUS VEIGA BORIN contra a testemunha protegida, razão pela qual se impõe a decretação do sigilo retromencionado, sem prejuízo de que sejam adotadas outras medidas por parte deste r. juízo", escreveu.

Tacla Duran também relatou à 13a. Vara Federal de Curitiba um episódio anterior em que Vinícius Borin o teria ameaçado. Borin era um dos responsáveis por um banco em Antigua, o Menl Bank, que prestava serviços à Odebrecht (mas não só), e teve acordo de delação homologado por Moro.

Para ele, o acordo foi um excelente negócio, segundo constatou a coluna Radar, de Veja, em uma nota de 2019, publicada com o título "A vida boa de mais um delator da Lava Jato". Borin pagou R$ 1 milhão em multas, embora tivesse movimentado 2,6 bilhões de dólares, ficou em casa, não usou tornozeleira eletrônica, e foi autorizado por Moro a fazer várias viagens ao exterior. Apareceu na internet várias vezes degustando vinhos caros.

 

Em 2016, mensagem postada pelo procurador da república Júlio Noronha em um dos grupos da Lava Jato no Telegram revela que o Departamento de Justiça dos EUA estava preocupado com a ameaça de Borin a Tacla Duran. A mensagem foi encontrada no HD apreendido na casa do hacker Walter Delgatti Neto, durante a Operação Spoofing.

 

Noronha compartilha com os colegas da Lava Jato mensagem que recebeu de um procurador norte-americano identificado como David. O texto está em inglês, segue a tradução:

"Olá Júlio. Quando nos falamos pela última vez, havíamos discutido uma ligação de acompanhamento no início da semana. Por favor, deixe-nos saber se você está disponível hoje ou outro dia desta semana para falar sobre a Odebrecht. Também queremos fornecer outra atualização sobre Rodrigo Tacla Duran. Conversamos com seu advogado nos Estados Unidos na sexta-feira. Ele informou que o advogado brasileiro de Tacla está em contato com Carlos Fernandez (sic) no MPF a respeito de um possível encontro com Tacla nos Estados Unidos. Dissemos a ele que não acreditávamos que haveria tal reunião, mas que discutiríamos com todos vocês. O advogado de Tacla também informou sobre algumas mensagens sobre Wickr que foram enviadas para outro de seus clientes ("El Chino") de alguém que ele acredita ser Vinicius Borin, sugerindo que "El Chino" e Tacla deixem os EUA e nunca mais voltem para o Brasil. Gostaria de discutir isso com você também. Por favor, deixe-nos saber se você tem tempo para uma chamada hoje ou outro dia desta semana."

 
Trecho da petição em que Tacla Durán denuncia ter sofrido ameaça de delator aliado de Moro
Trecho da petição em que Tacla Duran denuncia ter sofrido ameaça de delator aliado de Moro 

 

El Chino é Wu-Yu Sheng, que trabalhou com doleiros no Brasil antes de se mudar para os Estados Unidos, durante a Lava Jato. Embora prestasse serviços à Odebrecht, não foi alvo de ações da Lava Jato em Curitiba. O motivo pode ser desvendado a partir do depoimento de Tacla Duran no Brasil.

El Chino teria comprado proteção junto a advogados da chamada "panela de Curitiba", com elo no sistema de justiça que tinha Moro como autoridade central. O indício é uma nota publicada na coluna Radar, de Veja, em 20 de março de 2019. 

Segundo a publicação, El Chino contou ao Departamento de Justiça dos EUA, com o qual colaborava, que pagou 500 mil dólares a advogados em Curitiba. De fato, ele não foi incomodado pela força-tarefa coordenada por Deltan Dallagnol, mas em 2018 teve a prisão decretada no Rio de Janeiro, por Marcelo Bretas.

Foi aí que colocou a boca no trombone nos EUA. A compra de proteção teria se limitado a Curitiba, mas talvez tenham lhe dito que ele estaria livre das investigações da Lava Jato em geral. 

Não será possível confrontar a versão com El Chino, já que, em fevereiro de 2020, ele morreu, segundo atestado de óbito protocolado na 7a. Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que tinha à época Bretas como titular. O magistrado foi afastado do cargo pelo Conselho Nacional de Justiça em fevereiro deste ano por má conduta. Segundo o atestado de óbito, El Chino morreu de câncer na faringe, aos 42 anos de idade.

 
Wu-Yu Sheng, o El Chino
Wu-Yu Sheng, o El Chino

 

O fato é que, sendo verdadeiro o relato do Departamento de Justiça sobre a ameaça em 2016, a presença de Vinícius Borin na audiência em que Tacla Duran pretende revelar tudo o que sabe é indevida, e pode indicar, sim, intimidação.

A presença de outro aliado de Moro, Carlos Zucolotto Júnior, na audiência também pode representar coação no curso do processo, o que é motivo para decretação de prisão preventiva. Tacla Duran relatou a participação de Zucolotto no que ele entende ser um movimento articulado de intimidação nos termos abaixo. O texto foi extraído da petição:

"Do mesmo modo, verifica-se que CARLOS ZUCOLOTO JUNIOR também em manifesta conduta intimidatória em face da testemunha protegida, inclusive requerendo autorização para que participe pessoalmente de audiência designada por este r. juízo, reforçando a coação contra a testemunha protegida", denunciou Tacla Duran ao juiz Eduardo Appio, titular da 13a. Vara Federal de Curitiba.

"Em decorrência dos fatos verticalizados alhures (sic), a testemunha protegida já se encontra moralmente coagida e intimidada, havendo o risco, inclusive, de ser fisicamente constrangida em sede judicial", acrescentou.

Por fim,Tacla Duran requereu "pelo acima exposto, e principalmente pela conduta intimidatória de CARLOS ZUCOLOTO JUNIOR, com o condão de coagir presencialmente a testemunha protegida em audiência designada para esta data, é que se requer seja a mesma redesignada, em sigilo total, para outra data."

Zucolotto e Vinícius Borin, denunciados por Tacla Duran por intimidação
Zucolotto e Vinícius Borin, denunciados por Tacla Durán por intimidação

 

A petição de Tacla Duran foi protocolada simultaneamente ao despacho do desembargador Marcelo Malucelli, que, julgando recurso apresentado por um procurador de Curitiba, revalidou a prisão preventiva decretada por Moro.

A notícia foi para a página oficial do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, e quatro horas depois retirada. Nesse espaço de tempo, foram reveladas pela imprensa e nas redes sociais as relações pessoais entre Moro e Malucelli.

O filho, João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio de Sergio e Rosângela Moro em um escritório de advocacia em Curitiba. João Eduardo também é namorado da filha do casal Moro, Júlia, e está nomeado como assessor no gabinete do deputado estadual Luiz Fernando Guerra, na Assembleia Legislativa. Recebe aproximadamente R$ 13 mil por mês.

Além da retirada da matéria do site oficial do TRF-4, Malucelli enviou ofício à presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, para dizer que houve um equívoco: na verdade, ele não teria revalidado o decreto de prisão de Tacla Duran.

Nesta quinta-feira, 20/04, Malucelli se afastou de todos os casos da Lava Jato, declarando sua "suspeição superveniente, por motivo de foro íntimo".

Ele disse que "circunstâncias posteriores" (...) "que se relacionam com a integridade física e moral de membros" da sua família. Sobre integridade física, nada se sabe, mas quanto à integridade moral não resta dúvida de que foi abalada. 

Não por ameaça, mas por um fato concreto: o filho parece ocupar uma sinecura no gabinete do político aliado do ex-juiz. E esse é apenas um dos vínculos que, em nome da higiene processual, recomendavam que Malucelli mantivesse distância dos processos envolvendo Moro.

O Conselho Nacional Nacional de Justiça abriu investigação sobre a conduta do desembargador, que também é citado nos diálogos da Vaza Jato. 

Deltan Dallagnol, quando articulava nome da sua confiança para o lugar de Moro – que havia sido nomeado ministro de Jair Bolsonaro e abandonado a magistratura – disse a colegas que Marcelo Malucelli lhe passava informação de bastidores e também estava disposto a garantir estrutura administrativa para que o juiz Luiz Antônio Bonat assuir o posto, o que acabou ocorrendo.

No apagar das luzes de seu governo, Jair Bolsonaro nomeou Bonat e Malucelli para o Tribunal Regional da 4a. Região.

Nesta sexta-feira, o jornalista Jamil Chade noticiou em sua coluna no UOL que Malucelli só se declarou suspeito um dia depois do trânsito em julgado de uma reclamação de Tacla Duran.

Segundo a notícia, Tacla pediu a suspeição do próprio Moro (prejudicada, já que Moro não é mais juiz), Malucelli, Nivaldo Brunoni e Loraci Flores de Lima.

Malucelli se declarou suspeito e Nivaldo não é titular na 8a. Turma. Mas permanecerá Loraci Flores de Lima, irmão do delegado da Polícia Federal Luciano Flores de Lima, aquele que executou a condução coercitiva de Lula e era presidente do inquérito em que Marisa Letícia teve uma conversa privada com o filho vazada para a imprensa.

Nos processos em curso na 13a. Vara Federal de Curitiba, Tacla Duran juntou peças de inquérito policial contra ele em que Luciano Flores de Lima atuou. Com isso, seu irmão estaria impedido de julgar casos que o envolvem.

Com o trânsito em julgado da reclamação, no entanto, Loraci Flores de Lima poderá atuar, o que significa que as ações sobre Moro que passarem por lá terão olhos e mãos suspeitas.

A Lava é uma operação de cartas marcadas desde seu início. Como contou o criminalista Fernando Fernandes em seu livro "Geopolítica da intervenção", o caso foi parar nas mãos de um desembargador amigo de Moro, João Pedro Gebran Neto, ainda em 2014, por conta de uma conexão inexistente.

Deveria haver sorteio para a escolha do relator, mas se considerou que Gebran já tinha um caso conexo e, portanto, era o que em direito se chama magistrado prevento.

Só que o caso alegado para a prevenção não tinha nenhuma relação com processos da Lava Jato. "O incrível é que esse habeas corpus foi distribuído ao desembargador Gebran por prevenção ao mandado de segurança número 50025261220144040000. As partes eram Edmundo Luiz Pinto Balthazar, funcionário da Google do Brasil, contra o juiz. A prevenção utilizada para que os casos ficassem com Gebran não tinham nenhuma relação com a Lava Jato", narra Fernando Fernandes em seu livro.

Tudo isso passou batido diante do espetáculo em que se transformou a Lava Jato, com a intensa cobertura na mídia corporativa, que eu chamo de velha imprensa. 

Esses vícios do passado recente no sistema de justiça no sul do País, que transformaram setores do Judiciário do Brasil e tribunal de exceção, não podem se repetir.

Que Tacla Duran tenha a liberdade e, sobretudo, proteção para contar o que sabe, testemunhou e protagonizou. Parte dessa história já se sabe: segundo mensagens apresentadas pelo advogado, Carlos Zucolotto Júnior, padrinho de casamento de Moro e Rosângela, exigiu 5 milhões de dólares para conseguir benefícios em acordo de delação.

Tacla Duran depositou cerca de 613 mil dólares na conta do escritório de advocacia de Marlus Arns, parceiro de Rosângela Moro em processos da Apae e da chamada Máfia das Falências, como parte desse acerto (há documento de transferência bancária).

Seria o mesmo tipo de proteção pela qual El Chino pagou meio milhão de dólares? Parece. Mas tudo ficará claro se houver investigação e, para isso, é preciso dar o primeiro passo, que é o depoimento de Tacla Duran. 

 

08
Dez22

A contribuição do mau-caratismo de Moro

Talis Andrade

sergio moro pesquisa vaccari.jpeg

 

A face obscura da Lava-Jato

 
 
10
Nov22

Um dia de Lula vale quatro anos de Bolsonaro

Talis Andrade

 

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Correio Braziliense
@correio
Paula Marisa alega que todas as aparições recentes do petista são fotos ou vídeos antigos; ela diz que se ele não aparecer hoje irá criar teorias conspiratórias.
Paula Marisa aprendeu a mentir com Bolsonaro. Todo bolsonarista fanático mente. Bolsonaro mente mais que o filho senador, que mente mais que o irmão deputado federal, que mente mais que o irmão vereador federal, que mente mais que o irmão lobista
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"Um presidente da república pode errar, mas ele não pode mentir. Essa eleição foi a disputa entre um candidato e a máquina do Estado, porque ela foi utilizada na sua totalidade", @LulaOficial em reunião com parlamentares.
 
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Lula chora ao reafirmar compromisso com combate à fome no país; veja vídeo | Política | G1 g1.globo.com/politica/notic Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, mais de 30 milhões de pessoas passam fome no Brasil.
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