Violência eleitoral: noite da votação teve pico de assassinatos
Levantamento inédito da Agência Pública registrou cinco assassinatos apenas no final de semana do segundo turno
por Anna Beatriz Anjos, Caio de Freitas Paes, Clarissa Levy, Giulia Afiune, José Cícero, Júlia Rohden, Karina Tarasiuk, Laura Scofield, Mariama Correia, Matheus Santino, Nathallia Fonseca, Rafael Oliveira, Yolanda Pires /Agência Pública
* 40% dos ataques foram por bolsonaristas e 7% por apoiadores de Lula
* Desde o início da campanha houve pelo menos 15 assassinatos e 23 tentativas
Pedro Henrique Dias Soares, 28 anos, foi assassinado em Belo Horizonte (MG), enquanto comemorava a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência, no último dia 30 de outubro. Ele estava com familiares, na garagem de casa, quando um homem que vestia uma máscara chegou atirando. Além de Pedro, a mãe dele e uma prima saíram feridas, mas sem gravidade. A menina Luana Rafaela Oliveira Barcelos, de 12 anos, também baleada pelo mesmo agressor, faleceu nesta quinta-feira (3) em decorrência dos ferimentos.
As mortes são o ápice de uma campanha extremamente violenta, na qual ocorreram pelo menos 324 casos de violência eleitoral, uma média de quatro casos por dia, de acordo com levantamento exclusivo feito pela Agência Pública. Em 40% deles, os agressores eram apoiadores do presidente Bolsonaro. Apoiadores de Lula protagonizaram 7% dos ataques. Em 57% das ocorrências não foi possível identificar os agressores. Em dois terços, os agressores eram homens cisgênero.
Apenas em 30 de outubro, dia do segundo turno eleitoral, registramos 36 casos de violência política. Ao menos dez envolveram o uso de armas de fogo. Em todo o período eleitoral, houve pelo menos 15 assassinatos e 23 tentativas de assassinato. O segundo turno foi expressivamente mais violento. O fim de semana da ida às urnas teve 14 ocorrências com arma de fogo, 23 agressões físicas, cinco atentados ou tentativas de assassinato e cinco assassinatos. No final de semana do primeiro turno não houve registros de assassinatos.
“Eu não consigo expressar a dor que eu tô sentindo em ver um amigo querido, uma pessoa tão nova com uma caminhada imensa pela frente assassinado friamente por sua escolha política”, disse uma amiga de Pedro Henrique, nas redes sociais. Ruan Nilton da Luz, de 36 anos, foi preso em flagrante, acusado de homicídio e tentativa de homicídio. Ele tinha armas e certificado de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC). Antes do crime, segundo o portal O Tempo, o homem gritava “Bolsonaro” nas ruas e teria feito uma postagem nas redes sociais afirmando que se o presidente perdesse a reeleição, ele sairia fazendo “uma desgraça” nas ruas, o que pode indicar a premeditação do crime.
Em uma das eleições mais violentas da história do país, a reportagem da Agência Pública mapeou e checou ataques contra eleitores, candidatos, jornalistas e trabalhadores de institutos de pesquisa. Os dados foram colhidos desde o início oficial da campanha, em 16 de agosto, até o segundo turno, realizado em 30 de outubro, a partir de notícias divulgadas na imprensa local e nacional, nas redes sociais e em um questionário aberto ao público. O levantamento considera apenas ataques presenciais, excluindo ataques por telefone, por email e pelas redes sociais.
Pedro Henrique foi assassinado durante comemorações das eleições em MG
“A violência política é sistemática e afeta diretamente nossa democracia”, analisa Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, organização que também monitora casos de violência nas eleições junto com a Justiça Global. De acordo com o levantamento feito pelas duas organizações, que utiliza uma metodologia própria, apenas nos dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições deste ano, o número de episódios de violência política quase se igualou à quantidade de casos registrados nos primeiros sete meses do ano. Entre 1 de agosto e 2 de outubro de 2022, as organizações registraram 121 casos de violência política. Ou seja, até o primeiro turno, duas pessoas foram vítimas de violência eleitoral por dia.
“O acirramento da violência é crescente e segue um padrão consolidado antes mesmo do período eleitoral. Existe um discurso público contra determinados grupos de pessoas, vindo principalmente da autoridade máxima do país, que incentiva outros atores a reproduzirem a violência política e eleitoral”, considera Barbieri. “Nós percebemos uma concentração de casos contra candidaturas que atuam na defesa dos direitos humanos. Ou seja, a violência está cada vez mais sofisticada, intensa e direcionada a determinados grupos de pessoas, que já estão apartados dos espaços de poder e decisão”, acrescenta.
A coordenadora da Terra de Direitos alerta ainda que os números de casos de violência política e eleitoral podem ser muito maiores do que mostram os levantamentos em razão da subnotificação das ocorrências.
Gisele também destaca que é muito difícil identificar quem são os agressores. “Mas em mais de 70% dos casos onde é possível identificar os agressores, eles são homens cisgênero brancos e muitos são agentes políticos”, informa.
Do total de ocorrências de violência eleitoral mapeados pela Pública, 51% (166) foram motivados por discordância política. Em 125 houve violência contra mulheres, 19 envolveram racismo e oito, LGBTfobia.
Um dos casos de violência mais explícitos, envolvendo armas de fogo, foi protagonizado pela deputada federal bolsonarista reeleita Carla Zambelli (PL), na véspera do segundo turno. Ela apontou uma arma para o jornalista Luan Araújo, que é um homem negro e apoiador do PT, e com a arma em punho o perseguiu pelas ruas de São Paulo, em plena luz do dia. O vídeo que mostra a cena viralizou. Zambelli chegou a afirmar que tinha sido empurrada por Araújo, mas o argumento foi desmentido por testemunhas ouvidas pela Pública e também por um vídeo que mostra a deputada caindo sozinha, após ter sido xingada pelo militante. O PSOL entrou com um pedido de cassação de Zambelli e a Polícia Federal investiga o caso. (Continua)