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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

13
Jan22

"Em Minas Gerais, vivemos com bombas-relógio", diz biólogo do Movimento dos Atingidos por Barragens

Talis Andrade

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Biólogos e ativistas do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) de Minas Gerais monitoram região da barragem no subdistrito de Bento Rodrigues, onde aconteceu a tragédia da ruptura da barragem da Samarco, em 2015.

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Biólogos e ativistas do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) de Minas Gerais monitoram região da barragem no subdistrito de Bento Rodrigues, onde aconteceu a tragédia da ruptura da barragem da Samarco, em 2015.
 © Movimento dos Atingidos por Barragens

Minas Gerais tem hoje 364 barragens de mineração ativas. Entre elas, três atingiram o nível de segurança máximo, onde a mineradora já não tem controle sobre a estrutura, como o dique Lisa da mina do Pau Branco, cujo transbordamento causou pânico em Nova Lima no fim de semana passado. O biólogo Guilherme Camponês, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), detalhou a precariedade da fiscalização e a flexibilização da lei ambiental brasileira num território dominado por mineradoras.\

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Após as tragédias de Mariana e Brumadinho, as instituições e o governo brasileiro parecem ainda não terem se dado conta da importância de efetuar as transformações necessárias para evitar que novas catástrofes ambientais que ceifam centenas de vidas humanas continuem acontecendo, num contexto de aparente impunidade das mineradoras.

O biólogo Guilherme de Souza Camponês, ativista do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), explicou à RFI que o susto do final de semana passado em Nova LIma, na região metropolitana de Belo Horizonte, quando se cogitou um novo rompimento de barragem, foi, na verdade, um "transbordamento do chamado dique de Lisa que fica na mina de Pau Branco da [empresa francesa] Vallourec".

"Foi confirmado que não se tratava de um rompimento, mas uma pilha de sedimentos que caiu. Nessa mina, eles utilizam o método de disposição a seco do detrito, eles tiram a água do rejeito para armazenar, então as pilhas de rejeito caíram dentro do dique de Lisa, uma barragem que continha água de chuva mais o sedimento fino que escorreu dessa pilha de rejeitos", conta Camponês. O método de armazenamento a montante é considerado um dos mais perigosos e faz parte de 39 barragens no estado de Minas Gerais. Do total de 364, 46 estão com "o nível de emergência acionado, e três estão no nível de segurança máximo".O biólogo Guilherme de Souza Camponês, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).O biólogo Guilherme de Souza Camponês, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

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O biólogo Guilherme de Souza Camponês, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). © Guilherme de Souza Camponês

"Três pilhas dessas com sedimentos da mineração caíram dentro do dique em Nova Lima e provocaram transbordamento, que gerou o vazamento que passou por cima da barragem e se espalhou pela BR-040 que liga Brasília ao Rio de Janeiro passando por Belo Horizonte", relata o profissional. "E esses sedimentos também escorreram para baixo da própria rodovia que ficou paralisada por dois dias por conta disso", diz.

"A gente fala aqui em Minas Gerais que vive com as bombas-relógio em cima das nossas cabeças; aqui no estado são 364 barragens segundo a ANM, Agência Nacional de Mineração. São barragens conhecidas que estão registradas mas tem várias ainda que não estão cadastradas. 39 barragens foram construídas com aquele método de construção a montante, o mesmo método da barragem de fundão que se rompeu em Mariana e da mina do Córrego do Feijão, que se rompeu em Brumadinho", denuncia.

Segundo Guilherme, as três barragens que se encontram hoje no nível de segurança máximo pertencem à companhia Vale do Rio Doce. "Temos a P3 e a P4, que ficam em Nova Lima, a Forquilha 3 que fica em Ouro Preto e o dique Lisa de Nova Lima, da Vallourec, que também entrou em nível três de segurança", explica. "Nesse nível três exigido que todas a população que todas as pessoas que estejam ali na zona do rompimento onde o rejeito vai chegar sejam evacuadas", relata.

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Mina de Pau branco, explorada pelo conglomerado francês do Vallourec, que fica em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. © Bruno Costalonga Ferrete

Sobre o que pode ser feito para se evitar novas tragédias num contexto de mudanças climáticas, o biólogo afirma que "o que pode ser feito é que as mineradoras sigam à risca os protocolos de segurança; a lei ainda tem brechas: por exemplo essa barragem de Nova Lima que transbordou. Ela estava com a documentação em dia e teoricamente a Agência Nacional de Mineração a fiscalizou e estava ok, mais isso não garante que a barragem estava segura, tanto é que aconteceu o transbordamento", aponta.

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Transferência de responsabilidade do Estado para mineradoras

 

"O que acontece na verdade hoje é apenas um automonitoramento das próprias mineradoras diretamente ou através de empresas terceirizadas, mas de toda forma essa fiscalização fica na mão delas. O trânsito na BR-040 foi liberado com a condição de que a mineradora assegurará a segurança da via, ou seja, não é Agência Nacional que atesta que o local está seguro, então estamos em zona de risco e não sabemos se e quando a barragem vai romper. Existe uma transferência de responsabilidade onde a empresa joga a bola para o Estado e vice-versa", denuncia.

Segundo ele, a população continua exposta por que os governos federal e estadual fazem esse tipo de concessão para a mineradora. "Hoje todo poder está na mão da mineradora; as leis ambientais são flexibilizadas para permitir a mineração e o processo de fiscalização é precário, o território é controlado pelas mineradoras", diz. Camponês explica que as licenças ambientais para instalar e operar mineradoras são emitidas pelo governo do Estado de Minas Gerais, mas o principal órgão de fiscalização é a Agência Nacional de Mineração, uma instituição federal.

"É incrível, a Vallourec não falou ainda quantas pessoas ou quantas famílias foram evacuadas. A gente soube pela defesa Civil que foram seis pessoas, mas não existe um comunicado oficial da empresa", afirma Camponês. "O poder ficar todo na mão das mineradoras. Na nossa avaliação, enquanto não houver soberania do povo sobre o território vai continuar acontecendo isso. O objetivo das mineradoras é o lucro elas não estão preocupados com a segurança das pessoas ou do Meio Ambiente. Elas estão preocupadas com a maximização do lucro. Enquanto seguirmos essa lógica continuaremos a ter esse tipo de crime e de tragédia", concluiu o biólogo.Image

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01
Ago21

Coisas do semiárido

Talis Andrade

 

O Patrono dos Projetos de Irrigação de Pernambuco está vivíssimo. As sementes do sonho exportarão 1 bilhão de dólares de frutas, em 2021

 

por Gustavo Krause

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Este ano a fruticultura irrigada do semiárido nordestino exportará 1 bilhão de dólares. Podia ser mais. Falta dinheiro para infraestrutura. Mentira! Tem 6 bilhões para “irrigar” votos.

No dia 27/10/2015, visitei o ex-Deputado Oswaldo Coelho. Saúde abalada sem afetar a disposição de viver e acreditar no futuro. Obediente às prescrições médicas e aos padrões da conveniência, programei uma permanência em torno de 15 a 20 minutos.

Um largo sorriso de boas-vindas desfazia sintomas de fraqueza, reafirmava o vigor sertanejo e a crença visionária na viabilidade do semiárido tropical. Quando fiz menção de sair, escutei a voz suave da hospitalidade: “Não vai, agora, não. Menina, traz café, suco e um pedaço do bolo de rolo”. Marcas da família Coelho, mesa farta, coração generoso.

Osvaldo foi um inovador na administração pública pernambucana (Secretário da Fazenda, 1967-1971). Abriu as portas meritocráticas do concurso público, oportunidade que não desperdicei, e fincou os alicerces do aperfeiçoamento contínuo do capital humano. A conversa era a de um jovem idealista e saudável. Olho no futuro e nas causas que moveram sua vida pública: Educação, do fundamental, profissionalizante, à Universidade do Vale do São Francisco e o progresso que democratiza oportunidades, respeita a caatinga e as águas do São Francisco que dão mais do que recebem.

No dia 30/10/15, um presente: mangas, uvas, queijo de cabra e um cartão: “coisas do semiárido”. No dia 01/11/15, a dolorosa notícia: Doutor Osvaldo faleceu!

O Patrono dos Projetos de Irrigação de Pernambuco, por força da Lei 17.086/20, está vivíssimo. As sementes do sonho exportarão 1 bilhão de dólares de frutas, em 2021.

Os números revelam exemplos. O primeiro é a transformação de Petrolina, “uma povoação de passagem de Juazeiro”, no jardim das oportunidades: vitória do Político com causa.

O segundo desmente que a escassez dos recursos financeiros limitam os governos e consagra o princípio de que decisões estratégicas geram os recursos necessários.

No caso brasileiro, a política se transformou, com raras exceções, em instrumento de benefícios pessoais. É mentira que faltam recursos. Tem dinheiro para Fundo Eleitoral/imoral que reflete a política da miséria.

Os dados são uma chance histórica para que a ABRAFRUTAS, sob a lúcida presidência da Guilherme Coelho, mostre ao Brasil que no primeiro semestre o crescimento da exportações foi 30%, o faturamento 40% e 70% das exportações saem do Nordeste.

Competitivas, as frutas recebem certificação social, manipulação e sustentabilidade. No agronegócio, a fruticultura é o setor que mais emprega, inclusive, a mão-de-obra feminina, o que fortalece a renda familiar.

Orçamento é peça fundamental da democracia representativa. É hora de debater coisas sérias como “coisas do semiárido”.

 

06
Out20

Vale administra o dinheiro da multa que ela própria pagou após rompimento de barragem

Talis Andrade

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Acordo entre a mineradora e o governo Bolsonaro está sendo questionado

 
por Pedro Rafael Vilela
 
 

Responsável pelo maior desastre ambiental da história do país, com o rompimento da barragem de rejeitos minerais em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, a mineradora Vale já está administrando os R$ 250 milhões em recursos das próprias multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por causa da tragédia.

O acordo foi anunciado no início de julho pela empresa e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e incluem também o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Algumas semanas depois, o pacto foi homologado pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte.

Pelos termos assinados entre as partes, a mineradora vai apresentar e executar os projetos a serem financiados com o valor das multas, que devem incluir melhorias na infraestrutura de sete parques nacionais localizados em Minas Gerais e em programas de saneamento, manejo de resíduos e áreas verdes urbanas em municípios do estado. Não há obrigatoriedade de aplicação dos recursos em projetos relacionados à região atingida pelo rompimento da barragem. O prazo para a realização dos investimentos é de três anos.

O acordo, convertido em sentença transitada em julgado, agora é alvo do Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF-MG). Em recurso interposto na semana passada, procuradores da República pediram a nulidade da sentença que homologou o acordo sob alegação, entre outras coisas, de que a 12ª Vara Federal de Belo Horizonte não teria competência para analisar o caso e de que o MPF nem sequer foi intimado a se manifestar sobre o assunto, como determina a legislação.

Segundo o MPF, ao receber o pedido para que homologasse o resultado da negociação extrajudicial, o juízo da 12ª Vara Federal acatou os argumentos das partes e invocou o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado no caso rio Doce, relacionado ao rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015, para fundamentar sua competência. Sua justificativa foi a de se evitar “confusão e/ou sobreposição de obrigações jurídicas reparatórias e/ou compensatórias ambientais, tendo em vista tratar-se de desastres distintos”, de acordo com a decisão.

Porém, conforme argumenta o MPF no recurso, o novo Acordo Substitutivo de Multa Ambiental não se relaciona em absolutamente nada com o TTAC ou mesmo com o desastre de Mariana. Pelo contrário: as multas aplicadas pelo Ibama “referem-se tão somente ao desastre de Brumadinho, que ocorreu três anos depois, em outro local geográfico e de responsabilidade exclusiva da Vale, não da Samarco ou da BHP, empresas também responsáveis pelo desastre de Mariana”, dizem os procuradores do MPF.

Eles também sustentam que, por falta da obrigatória intimação do Ministério Público, não houve o trânsito em julgado da decisão e ainda há prazo tanto para o MP como para terceiro interessado impugnarem a sentença.

“A escolha do juízo da 12ª Vara Federal não foi realizada sem objetivo, nós observamos que as decisões sobre o processo do Rio Doce têm beneficiado mais as empresas que os atingidos e o processo de reparação. Ou seja, não é só um problema formal, mas uma verdadeira movimentação política para que os objetivos do acordo fossem aceitos sem nenhuma contestação, que são conceder a Vale poderes de gestão e de polícia nas unidades de conservação objetos do acordo, territórios esses que são de interesse econômico da própria mineradora, o que significaria um total retrocesso a gestão dos recursos ambientais.”

“Além disso, o acordo não prevê a participação dos atingidos na gestão desses recursos”, afirma Anna Galeb, assessora jurídica popular e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Gestão de parques

Outro ponto crítico do acordo da Vale com o Ministério do Meio Ambiente é o que prevê que a mineradora assumirá a gestão completa dos projetos de manutenção e preservação de parques nacionais. As unidades de conservação envolvidas no acordo são os Parques Nacionais da Serra da Canastra, do Caparaó, da Serra do Cipó, da Serra do Gandarela, Cavernas do Peruaçu, Grande Sertão Veredas e das Sempre-Vivas, que deverão receber obras infraestrutura, cercamento e sinalização, fortalecimento e apoio à gestão.

Até mesmo os planos de manejos dos parques ficarão a cargo da Vale, segundo a acordo. Uma das cláusulas do acordo diz que a aplicação dos recursos será efetivada de acordo com programa a ser apresentado pela Vale em até 6 meses a partir do trânsito em julgado da homologação judicial, prazo que se encerra no início de 2021. O programa está sujeito à avaliação pelo ICMBio em até 15 (quinze) dias após o seu recebimento e, posteriormente, aprovado, em até 15 dias pelo Grupo de Acompanhamento do acordo, composto por integrantes do governo federal.

Um dos parques que ficarão sob gestão da Vale com base nesse acordo é o da Serra da Gandarela, que é entrecortado por diversos projetos de mineração. Criado em 2014 para proteger uma importante porção da Mata Atlântica mineira, o parque fica no coração do Quadrilátero Ferrífero, ao sul da Serra do Espinhaço, a 40 km de Belo Horizonte (MG). Inicialmente previsto para ter 38 mil hectares, a área final do parque ficou em cerca 31,2 mil para excluir justamente um projeto de de extração de ferro da Vale na região, o Apollo.

“Há diversos conflitos de interesse envolvidos, especialmente nos territórios apontados que tem um potencial de mineração muito grande, a homologação desse acordo dá carta verde para que a Vale comece a atuar como um poder paralelo nesses territórios. A lei bem aponta que a gestão das unidades de conservação deve ser realizada por entidades específicas para tal atuação, com a fiscalização adequada do Estado e ampla participação das comunidades nesse processo”, acrescenta Galeb.

A reportagem do Brasil de Fato procurou a Vale para comentar sobre os eventuais conflitos de interesse da companhia na gestão de projetos de conservação ambiental em Minas Gerais e sobre o recurso apresentado pelo MPF para suspender os efeitos do acordo, mas a empresa não respondeu. Ibama e ICMBio também foram procurados, mas se limitaram a informar que as informações disponíveis sobre o caso já foram divulgados nos canais oficiais do governo federal.

 
 

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03
Out20

Poetas nordestinos contra Bolsonaro no sertão

Talis Andrade

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por Urariano Mota

- - -

Dos jornais na quinta-feira primeiro de outubro:

“O presidente Jair Bolsonaro desembarcou nesta quinta-feira (1º), em São José do Egito, no sertão do estado, para inaugurar a segunda etapa do Sistema Adutor do Pajeú”.

Nesse giro, de cabeça e ausência de caráter, Bolsonaro inaugurou obra inaugurada por Lula e Dilma. A primeira etapa da adutora foi inaugurada em 2013, no governo Dilma. Antes, a captação das águas no Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco foi inaugurado no governo Lula. Mas o presidente de improviso e seus seguidores em caráter de traição, como o senador Fernando Bezerra Coelho, pensam que calam a voz da consciência. Sobre eles, falaram antes os poetas de São José do Egito, terra fértil da poesia popular.

No discurso – na falta de melhor palavra -, Bolsonaro teve dificuldade para lembrar o nome do município e pediu para os moradores buscarem bons candidatos nas eleições deste ano. Alguns trechos da fala do boneco de Trump na presidência, em São José do Egito:

“Vamos caprichar para escolher prefeitos e vereadores. Vamos escolher gente que tenha deus no coração….”

Ora, contra essa fala, o poeta Lamartine dos Passos e Silva na inédita Antologia dos poetas do Pajeú, que tenho em arquivo, escreveu estes versos numa premonição:

 

O DEUS CAPITAL

E assim, do níquel, fez-se o verbo santo;

Eclodia o poder do capital.

Triunfante miséria social

Envolveu os humanos com seu manto;

Proclamando a riqueza e o seu encanto,

Congelando justiça e consciência.

E, abolindo da terra a inteligência,

Faz-se Deus de poder universal;

Gera um mundo tão vil, tão desigual;

Joga os homens na vala da indecência.

 

É o único Deus que oferece

Paraísos reais aqui na terra

É quem diz quando há paz ou quando há guerra;

É quem diz quem progride ou quem padece.

Sua fonte é o trabalho que arrefece

O espinhaço do proletariado.

Seu destino, entretanto é projetado,

Sobre os cofres repletos da nobreza

Condenando o mais pobre a mais pobreza

Dando, assim, mais desgraça ao desgraçado.

 

É o sustento dos Deuses-fantasia;

Compra fé do mais justo ao mais tirano;

Borda d’ouro e cristais o vaticano;

Encarcera e profana o Deus-poesia.

Em seu nome a verdade principia;

Em seu nome a verdade se extravasa.

Onde lança os tentáculos arrasa,

Como um polvo gigante, soberano,

Ditador imortal desse oceano

De ganância, cinismo e mente rasa.

 

Dele o poder emana, é sua cria;

Pelo dinheiro, o poder mancha o nome;

Pra minoria farta se consome

(podre paródia de democracia).

E os baluartes da demagogia,

Com um Deus no bolso, roubam toda a massa;

Esses ladrões, depois que o pleito passa,

Voltam pro trono longe da miséria.

Enquanto o pobre tomba na matéria

Que, em breve tempo, só será carcaça.

 

Mas sem saber onde pisava, sem conhecer o pensamento e sentimento da voz poética dos sertanejos, o boneco de faixa de presidência cometeu mais esta ignorância:

“Deus foi tão abençoado que nos deu até a hidroxicloroquina para quem se acometer da doença”

A isso responde a poeta Carmen Beatriz dos Passos e Silva, na mesma Antologia dos poetas do Pajeú, com este certeiro soneto:

 

PROCURA-SE DEUS

São em vão os caminhos palmilhados

Por quem faz neste mundo a violência.

Tantas guerras, humanos humilhados

Por pessoas de grande prepotência.

 

Buscam Deus nos lugares mais errados

Onde reina a injustiça, a incoerência,

Onde a paz e o amor são enterrados

Ante o ódio, a maldade e a indecência.

 

Rezam aos céus pra pedir dinheiro e fama

E a grandeza da alma é esquecida;

A moral e a bondade jogam à lama…

 

Quando alguém por justiça ainda clama,

Viram as costas pra voz já tão sofrida,

Apagando os sinais da santa chama.

 

Mas o fascista no poder não se recupera, surdo e cego que é para a poesia, e tenta recuperar um lema integralista, a versão do fascismo brasileiro:

“que tenham na alma o patriotismo e queiram de verdade o bem do próximo. Deus pátria e família”.

Para tal patriotismo Deus-Pátria-Família, Simone dos Passos e Silva Leite , uma das vozes poéticas de São José do Egito assim lhe responde:

 

HINO ÀS AVESSAS

Bradam forte os heroicos da nação

Para ver da justiça a clava erguida,

Ao lutar, desbravar bosques da vida,

Ver nascer liberdade neste chão.

Mas as flores que brotam são em vão,

Desfolhadas de forma infame e vil.

E o penhor da igualdade no Brasil

É esquecido por esta Pátria Amada,

Sem razões pra gritar “Terra Adorada”,

Pois não é dos seus filhos Mãe Gentil.

 

E as estrelas do lábaro ostentado,

Ofuscadas no breu do sofrimento,

Vão perdendo no azul do firmamento

O poder de luzir manto sagrado.

Só restou o colorido desbotado

Do que foi o pendão da esperança.

Hoje é pavilhão de insegurança

De um país sem orgulho da bandeira,

Com o progresso e a ordem brasileira

Sucumbindo e ficando na lembrança

 

Nosso hino nasceu desafinado

Entoando uma falsa liberdade,

Que na pauta da vil desigualdade,

Chora as notas de um povo aprisionado.

Se o arranjo não foi bem orquestrado

Resta, em versos, lutar pela utopia,

Libertar dos grilhões a poesia

E trazer esperança à brava gente,

Pra poder transcender eternamente

Novos sons imortais da sinfonia.

 

Então o arremedo de presidente seguiu para outros lugares, a espalhar o seu vírus. A sua única imunidade è aos poetas de São José do Egito, que cantam na voz de Gilmar Leite:

 

Quando as águas tremulam na corrente

São poemas do audaz de Rogaciano,

Que cantou contra o mundo desumano

Na defesa dos pobres e oprimidos,

Que nas margens soltavam os gemidos

 

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11
Jun20

Vale vai pagar R$ 124 milhões a investidores nos EUA

Talis Andrade

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ConJur - A Vale fechou um acordo para pagar US$ 25 milhões (R$ 124 milhões) a investidores que processaram a companhia nos Estados Unidos, acusando-a de esconder informações sobre a barragem em Mariana (MG), que se rompeu em 2015, causando uma tragédia na região. As informações são do Monitor do Mercado.

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A Vale era sócia da Samarco, mineradora responsável pela barragem de rejeitos, junto com a BHP.

Os investidores acusam a empresa de ocultar informações sobre políticas de riscos e procedimentos de segurança. Essa falta de transparência teria impedido que eles avaliassem o tamanho do prejuízo que o desastre traria.

O rompimento da barragem de Fundão é considerado o desastre industrial que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos.

De acordo com comunicado divulgado pela mineradora, uma vez que o acordo foi aceito, o Tribunal do Distrito Sul de Nova York ainda vai publicar a sentença e determinar o encerramento do caso, "que não poderá ser objeto de recursos".

Abalo financeiro
No ano do desastre, a Vale registrou prejuízo líquido de R$ 45 bilhões. No ano seguinte, em 2016, já voltou a lucrar (R$ 13 bilhões) e, em 2018, atingiu lucro líquido de R$ 25 bilhões. Ao fim de 2019, no entanto, teve novo prejuízo, de R$ 8,7 bilhões.

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10
Mar20

El delito de la sed: la privatización del agua en Brasil

Talis Andrade

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Fuentes: Brecha (Uruguay)
 

El parlamento está dando luz verde a un anhelo del presidente Jair Bolsonaro: la privatización de Brasil, ahora concretada en la privatización del agua y el alcantarillado. El resultado es una creciente militarización de las fuentes y los canales, que va de la mano de la criminalización de los sedientos.

Por 276 votos contra 124, la cámara de representantes aprobó, la noche del miércoles 11 de diciembre, el texto básico del proyecto que establece el marco legal del saneamiento básico. La propuesta establece nuevas normas para el sector y allana el camino para que los privados se hagan cargo del servicio. Para la oposición, “la cámara aprobó la privatización del agua” (Revista Forum, 11‑XII‑19).

Uno de los puntos más controvertidos del texto es el que hace obligatoria la licitación de los servicios de saneamiento para permitir la competencia entre las empresas públicas y privadas. “La mitad de los brasileños no tiene alcantarillado y 35 millones no acceden al agua limpia. Lo que decidirá si los municipios tendrán saneamiento son las potenciales ganancias de las grandes empresas”, dijo la congresista Sâmia Bomfim (PSOL) al explicar su voto negativo.

 

A contramano

Quienes defienden la privatización esconden el hecho de que desde 2000 han sido reestatizados 884 servicios de agua en el mundo”, añadió el diputado Glauber Braga (PSOL). En efecto, un análisis del Transnational Institute reveló en 2017 que unas 180 ciudades de 35 países habían revertido la privatización del agua, desde Bolivia hasta Alemania. Entre las principales razones para tomar esa decisión figuraban el empeoramiento del servicio privatizado y el aumento desmedido de las tarifas, “ambos dictados por la necesidad de generar ganancias para los accionistas”, destaca el periodista Antonio Martins en la página Outras Palavras.

En tanto, la diputada del PT Erika Kokay apuntó: “El agua es un derecho fundamental. No puede quedar atrapada en la lógica del lucro. Estamos ante un retroceso histórico que va a penalizar a los más pobres”. Los datos hablan por sí solos: apenas el 45% del alcantarillado pasa por algún tipo de tratamiento; el restante 55%, correspondiente a 5,6 millones de metros cúbicos por año, es arrojado directamente a la naturaleza.

Anderson Guahy, dirigente del Sindicato de los Trabajadores en Agua, Alcantarillado y Medio Ambiente de São Paulo, dijo al periódico Brasil de Fato: “Desde 2003, en la ley 11.445, aprobada durante el gobierno Lula, ha habido una regulación para que los municipios tuvieran un control mayor del saneamiento, intentando universalizarlo”. Las licitaciones que se prevén con la nueva ley favorecen a las grandes empresas de la construcción, del tipo de Odebrecht.

Además, los municipios cuyo saneamiento no genera ganancias pueden quedarse sin el servicio, porque hasta ahora había un “subsidio cruzado”, explica Guahy, que hacía que las ciudades donde se generaba ganancia subsidiaran a las que daban pérdidas. Con la privatización “los municipios menores y medios tendrán que pagar más, porque una entidad privada no está obligada, como una estatal, a suministrar agua a todos los municipios que asume y, por tanto, si no tiene ganancias, no va a invertir”.

 

Guerra en el Nordeste

El 2 de febrero, día de Iemanjá, el diario O Estado de São Paulo comenzó a publicar una serie de notas tituladas “Guerra de las aguas”, del periodista Patrik Camporez. El diario destaca que los canales que desvían el agua del río São Francisco hacia las grandes haciendas de la fruticultura en el nordeste están siendo vigilados por guardias armados y drones, mientras se levantan muros para proteger el agua, convertida en negocio para exportar fruta.

Brasil posee el 12% de toda el agua dulce del mundo. El acceso al agua abundante y limpia fue libre durante siglos. Hasta los años noventa casi no había conflictos por ella. Pero en los últimos cinco años fueron registrados 63 mil conflictos con la intervención de la policía y surgieron 223 “zonas de tensión” por el agua. Diez años atrás había sólo 30 zonas de tensión, según la Agencia Nacional de Aguas.

Aunque los casos son muy diversos, hay un patrón común: “El poder económico, el agronegocio, la administración de las hidroeléctricas, las industrias y los taladores ilegales, que quieren apropiarse de las tierras fiscales, intentan de muchas maneras restringir el acceso a los ríos y las represas”, escribe Patrik Camporez (O Estado de São Paulo, 2‑II‑20). El mismo informe establece que el Estado los apoya y, en cambio, siempre salen perjudicados los pueblos originarios y negros, los agricultores familiares y las comunidades tradicionales.

La situación del árido y seco nordeste es tan grave que los pozos privados son vigilados por el ejército. La descripción del periodista parece cosa de otra época: “Jeeps con soldados cortan las calles polvorientas. La operación de guerra del ejército para controlar el agua del subsuelo se convirtió en rutina en el sertão nordestino”.

São Josê de Belmonte es una localidad de 30 mil habitantes en Pernambuco, célebre por un subsuelo pletórico de agua, codiciada por los especuladores. En la madrugada, la ciudad está congestionada por los camiones que recogen agua para venderla a la población.

La carrera desenfrenada por los pozos de Belmonte llevó al gobierno federal a llamar al ejército para controlar y distribuir el agua en la región, que también es llevada en cisternas hacia los estados vecinos de Paraíba y Ceará”, apunta Camporez. El municipio tiene más de mil pozos grandes, de hasta 150 metros de profundidad. “En cada punto de captación hay un equipo del ejército”.

 


Conflictos eternos: de la tierra al agua

Sin conseguir resolver el antiguo problema de los conflictos de tierras, el país vive ahora una nueva crisis. Cada curva de un río caudaloso y de corrientes casi secas es disputada a bala, facón o destornillador”, escribe el periodista Patrik Camporez.

Camporez detalla que los canales prohibidos para buena parte de los habitantes de las regiones irrigadas fueron construidos en las décadas del 80 y el 90 para las plantaciones de fruta de exportación en el nordeste.

La criminalización de quienes no tienen agua es un drama más del semiárido nordeste. El equipo de reportaje estaba cerca del canal, en Petrolina, cuando pudo ver que un habitante se aproximó al curso con un balde y un barril, miró para los lados y, superando el miedo, agarró agua del lugar. Era Cosme Angel, de 26 años, que repartiría el barril con 20 vecinos”, relata Camporez. Cosme explicó luego a los periodistas: “Es una lucha diaria. Si quiero tomar agua directo de un río, tengo que buscar a más de 20 quilómetros en la costa. Entonces, prefiero correr el riesgo de que me vean y llamen a los vigías del agua para hacer la denuncia”.

El caso más emblemático es el del líder comunitario Haroldo de Silva Betcel, de 34 años, asesinado con un destornillador en las márgenes del Igarapé Tiningu, en Santarém, en el estado de Pará. La policía civil dijo que el crimen se debió a la disputa entre ribereños y hacendados por el control del curso del río Tapajós. “En el Brasil de hoy, el agua se convirtió en un asunto policial”, sentencia Camporez.

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22
Fev20

Brasil à beira do apartheid hídrico

Talis Andrade

Patrulhas armadas, drones e muros já bloqueiam acesso a rios e represas brasileiros. Privatização do saneamento e da Eletrobras ameaçam levar segregação a todo o país. Surge uma pauta política obrigatória: o Direito à Água desmercantilizada

 

Texto Antônio Martins

Fotos Dida Sampaio

Elementos insólitos marcam agora a paisagem, nos canais de irrigação que desviam a água do Rio São Francisco para as grandes fazendas de fruticultura do Nordeste. Em Petrolina (PE), seguranças armados ao estilo Robocop, apoiados por drones, deslocam-se em motocicletas, vigiando a canaleta, para que a população não tenha acesso à água. Os moradores precisam arriscar-se, furtivos, para matar a sede. Em Cabrobó (PE), surgiu um enorme muro, diante do conduto da “transposição”. Agricultores que estão a menos de cem metros da corrente já não tem acesso a ela, nem como dessedentar suas poucas cabeças de cabras. As cenas, que parecem brotar de uma ficção distópica, estão em algo hoje raro na mídia comercial brasileira: uma reportagem. O jornalista Patrick Camporez passou semanas viajando pelas regiões onde estão explodindo os conflitos pela água no país. Seu relato está numa sequência de quatro matérias (1 2 3) que O Estado de S. Paulo começou a publicar domingo (2/2) e se estenderá até amanhã.

Brasil dispõe de 12% de toda a água doce que há no mundo. O acesso à água, abundante, foi por séculos livre. Até há duas décadas, quase não havia conflitos. Este cenário está se transformando rapidamente, mostra Patrick. Nos últimos cinco anos, foram registrados 63 mil boletins de ocorrência policiais registrando confrontos. Surgiram 223 “zonas de tensão”. Os casos são muito diversos, mas o contexto é comum. O poder econômico – agronegócio, administração de hidrelétricas, indústrias, grileiros interessados em se apropriar de terras públicas – tenta, de múltiplas maneiras, restringir o acesso a rios e represas. O Estado quase sempre o apoia. Agricultores familiares e comunidades tradicionais – índios e quilombolas – são as grandes vítimas. 

As mortes se multiplicam. Em Santarém, na confluência de dois dos maiores rios do mundo (Amazonas e Tapajós), o líder quilombola Haroldo de Silva Betcel teve uma grande chave de fenda fincada às costas pelo capataz de uma fazenda. A região virou polo sojeiro. Haroldo cometeu o “crime” de se rebelar contra os fazendeiros, que compraram terras, cercaram igarapés e bloquearam o acesso do quilombo Tiningu (existente desde 1868) à água. Em Colniza (MT), outra fronteira de expansão do “agro”, um agricultor foi morto, e nove feridos, a bala por jagunços de grandes proprietários, quando retiravam o líquido no Rio Traíra.

Os métodos chocam. Notórios desde os tempos da colônia por seu conhecimento sobre os labirintos aquáticos, os índios Mura, do Amazonas, estão atônitos com uma nova ameaça: os búfalos. Os proprietários rurais soltam os animais nos igarapés, para que levantem lodo do fundo dos leitos, tornem a água insalubre e devastem a vegetação rasteira das margens, alimento dos peixes de que dependem os Mura.

Dois retrocessos políticos de enorme gravidade ameaçam submeter 200 milhões de brasileiros ao tormento revelado por Patrik Camporez. A privatização da Eletrobras colocará em mãos privadas, se concretizada, não apenas a geração de energia, mas também as centenas de barragens que regulam e condicionam o fluxo de nossos rios. Controlados por empresas cujo objetivo é o lucro, as represas serão vistas não como um Comum, mas como um ativo a ser explorado da forma mais rentável possível. Em sua mensagem à reabertura do Congresso, este ano, Bolsonaro elencou a medida entre suas prioridades, no ano legislativo que começa.

Já a população urbana está diante do projeto que privatiza o abastecimento de água e os serviços de saneamento – hoje públicos em quase todo o país. Está no Senado, já tendo passado pela Câmara, texto neste sentido, também encaminhado pelo Palácio do Planalto. Entre diversos itens bizarros, um dispositivo obriga as prefeituras a oferecerem à iniciativa privada o “direito” de apresentar propostas para a compra dos serviços municipais de água e esgoto. A proposta coloca o Brasil na contramão de uma tendência internacional. Um relatório do Transnational Institute revelou, em 2017, que em 180 cidades, de 35 países – da Bolívia à Alemanha haviam revertido a privatização de seu abastecimento. Entre outras razões estavam a piora nítida dos serviços e o aumento acentuado das tarifas – ambos ditados pela necessidade de gerar lucros para os acionistas. Vale lembrar que o Estado de S.Paulo apoia tanto a privatização da Eletrobras quanto a do abastecimento urbano

Tanto pelo que já ocorreu, quanto pelo que ainda está em jogo, em tempos áridos, surge no Brasil mais uma pauta – para uma esquerda que esteja disposta a enxergar os dramas concretos da população e os horizontes pós-capitalistas. Trata-se de conceber e propor medidas concretas para que a água seja direito, e não mercadoria.

Inclui derrubar muros e desarmar milícias; desapropriar os proprietários de terra que restrinjam o acesso da população a cursos de água que passam por suas posses; assegurar que todos possam servir-se livremente dos rios, lagos e canais – na medida necessária para seu consumo, a manutenção de suas lavouras familiares e a dessedentação do gado.

Envolve, em especial, garantir o que nunca foi feito antes: um vastíssimo programa de obras públicas para despoluir os rios urbanos, enfrentar as crises hídricas que fustigam metrópoles como São Paulo e Rio, superar nosso imenso atraso em saneamento – especialmente nas periferias – e converter a água num Comum. Ele gerará, ao mesmo tempo, centenas de milhares de ocupações, de todo tipo. Será financiado com os recursos de uma Reforma Tributária e com a emissão de moeda pelo Estado – ou seja, com os mesmos métodos usados para salvar os bancos, em tempos de crise, mas agora com enorme ganho social.

Vivemos tempos de grandes ameaças, mas enormes possibilidades. Os programas de “reformas fracas” já não dialogam com uma sociedade angustiada. É preciso pensar o pós-capitalismo.

 

24
Nov19

A alma soterrada do Brasil

Talis Andrade

Desde que retomaram suas terras às margens do São Francisco, em 2012, os moradores do Quilombo Croatá vêm resistindo a tentativas criminosas de expulsá-los novamente. Dona Enedina é um desses resistentes brasileiros.

Por vezes, aparecem no quilombo capangas armados para perturbar Dona Edina e os outros. Esses homens, contam várias fontes, recebem ordens do empresário Walter Arantes. Ele é um dos donos da rede de supermercados BH 

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Dona Enedina: resistente, bem-humorada, honesta, diligente e generosa

Estive no mais profundo Brasil, numa das regiões mais secas e pobres do país. Ela fica no centro dessa gigantesca nação, e, no entanto, é afastada e isolada. Possivelmente apenas poucos brasileiros a conhecem.

O norte de Minas Gerais é marcado pelo calor, solo árido, espinhos e poeira. E por uma injustiça que já dura séculos. É a terra dos latifundiários e dos antigos coronéis. É também, porém, a terra de lavradores e pescadores, que se impõem contra a natureza impiedosa. E contra a discriminação histórica.

Através da paisagem onde predominam o amarelo e marrom, corre o poderoso Rio São Francisco, o "Velho Chico", a artéria vital da região. Tranquilo e belo, ele flui por seu largo leito, mas todos que o conhecem dizem que é preciso atentar para sua força e respeitá-la, pois, quem o subestima é arrastado e engolido.

Na margem do "Velho Chico" vive Dona Enedina. Ela construiu uma casa simples, de barro e madeira, e cobriu-a de telhas de argila que parecem ter sido modeladas sobre a coxa do artesão. A casa tem uma varanda sombreada, com dezenas de plantas, uma cozinha com um fogão de barro e um pequeno banheiro, onde ela se banha com a água do rio.

A casa de Dona Enedina fica num quilombo chamado Croatá, onde vivem 25 famílias de lavradores e pescadores. Seus antepassados foram escravos que construíram os palácios do Brasil, araram seus campos, morreram em suas minas de ouro, cozinharam para os senhores e criaram os filhos deles. Eles foram forçados a isso, mas ninguém jamais lhes pediu desculpas, agradeceu, muito menos pagou uma reparação.

Mas Enedina Souza dos Santos não se queixa. Ela é orgulhosa, e trabalha. "Eu remo e pego peixe. Eu corto madeira, cubro o telhado, construo paredes e coloco canos d'água. Eu planto feijão, milho e mandioca. Eu crio animais e cuido das crianças. Eu sei usar a foice, o machado e a enxada. Eu sou uma mulher macho, e ninguém vai me tirar da minha terra."

Quando a visitei, Dona Enedina estava dando de comer aos porcos. Alguns anos atrás, alguém lhe presenteou uma leitoa, e, desde então, ela criou e vendeu dúzias de porcos. Além disso, tem incontáveis galinhas tagarelas, cães e dois gatinhos que criou na mamadeira, depois que uma ave de rapina matou a mãe deles. Dona Enedina também tem uma roça do tamanho de meio campo de futebol, e uma horta circular. Ela gostaria de começar com a semeadura, mas desde abril não chove.

Dona Enedina também pesca no São Francisco. Mas, diz, os peixes estão doentes desde que a lama tóxica do rompimento da barragem de Brumadinho contaminou também o rio: "O 'Velho Chico' está sofrendo!"

Aos 51 anos, Dona Enedina é uma empreendedora exemplar, além de mãe de seis filhos. É casada com um homem branco, oito anos mais novo que ela. Os dois maridos anteriores, ela mandou embora, pois a traíram. "Aqui, quem dita o tom sou eu", afirma e ri.

Tudo o que ela construiu está ameaçado. A massa falida da Atrium – uma fazenda falida – entrou na Justiça com um pedido de reintegração de posse contra a comunidade de Croatá. Segundo os moradores, a massa falida inclui latifundiários, especuladores e grileiros de terras públicas em áreas da União no São Francisco.

Por vezes, aparecem no quilombo capangas armados para perturbar Dona Edina e os outros. Esses homens, contam várias fontes, recebem ordens do empresário Walter Arantes. Ele é um dos donos da rede de supermercados BH e aliado político do ex-governador Newton Cardoso (MDB), hoje aposentado. Arantes tem vários processos abertos contra ele, a maioria por crimes ambientais, e chegou a ser preso no âmbito da Lava Jato em 2018. Em Belo Horizonte, ele responde por "enriquecimento ilícito", entre outras acusações.

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"Esses grileiros não me impressionam com as picapes Hilux deles", desafia Dona Enedina. "Uma vez eles vieram, mas a gente tinha construído uma barricada. Quando viram as nossas foices, deram no pé."

Em 1979, o Rio São Francisco inundou o Quilombo Croatá, e seus moradores fugiram. Quando voltaram, um latifundiário havia se apoderado das terras. Só em 20008 encontraram coragem para retornar – e foram expulsos. Em 2012, Dona Enedina e os demais tentaram de novo e começaram a construir casas.

"Os fazendeiros vieram com escavadeiras e helicópteros, para nos ameaçar", lembra Dona Enedina. E o Estado? Pôs-se do lado dos fazendeiros, mandou a Polícia Militar para intimidar os moradores e negou os serviços públicos. Até hoje a comunidade Januária, a que Croatá pertence, não instalou eletricidade no quilombo. Assim, é à luz de lampião que nos reunimos à noite, enquanto Dona Enedina preparava feijão, arroz e galinha no fogão.

"O mais importante para a gente poder ficar foi o Conselho Pastoral dos Pescadores da Igreja Católica", conta. "As irmãs do Conselho nos ensinaram que temos direitos. Não os conhecíamos, antes."

Dona Enedina é secretária na Associação dos Quilombolas. É uma das líderes da resistência. A pequena comunidade se encontra regularmente para se aconselhar e cantar. "Não somos grileiros, especuladores ou invasores", afirma Dona Enedina. "Croatá tem mais de 100 anos de história. Nós somos posseiros!"

Enedina Souza dos Santos é uma mulher que é como a alma soterrada do Brasil: resistente, bem-humorada, honesta, diligente e generosa. O Brasil seria um país melhor com mais Enedinas.

 

 

01
Ago19

Raiva da Paraíba. Bolsonaro corta água da transposição do Rio São Francisco e Lula reage: é desumano

Talis Andrade

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247 - O perfil do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Twitter publicou nesta quinta-feira, 1, uma denúncia grave relacionada ao abastecimento de água no município de Monteiro, oriunda da transposição do rio Francisco. 

"Desde março, o governo Bolsonaro cortou o envio de água da transposição do Rio São Francisco até Monteiro, na Paraíba. A obra pronta desde 2017, e Bolsonaro simplesmente interrompe o fluxo de água para o sertão. É incompreensível e desumano. E silêncio na imprensa. #RecadodoLula", disse o ex-presidente. 

Monteiro foi a primeira cidade paraibana a receber as águas da transposição em março de 2017. Atualmente, o canal da transposição em Monteiro acumula apenas água das chuvas. 

No total, 35 cidades paraibanas dependem da água das transposição. Entre elas está Campina Grande, a segunda maior do estado.

 
21
Mai19

Brumadinho: somos todos atingidos?

Talis Andrade

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por Fernando Bretas

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Existe em Brumadinho uma articulação chamada Somos Todos Atingidos. É uma reunião e união de movimentos sociais e pessoas interessadas em debater e discutir os impactos trazidos pelo crime hediondo cometido pela empresa Vale S/A, em particular, e discutir todo o sistema minerário excludente e espoliador do qual nosso município - como todos os municípios situados no chamado "Quadrilátero Ferrífero" mineiro - é refém.

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Como muitos outros movimentos que se organizaram sob a comoção do assassinato coletivo cometido pela Vale, este grupo busca colaborar com a organização popular em todas as regiões do município, no entendimento de que todas as pessoas são, de algum modo, atingidas por um crime destas proporções. Acreditam que, para além das reparações pecuniárias - que são fundamentais e que devem abranger todos os aspectos sociais, econômicos, ambientais e outros que sequer temos consciência, além de serem estendidas não apenas a Brumadinho, mas para todos os habitantes da calha do Rio Paraopeba e até onde os reflexos da lama tóxica derramada se fizerem sentir - será preciso construir uma nova ordem econômica para toda a região, que substitua a sanha e a avidez do lucro a qualquer custo. Pelo respeito à vida em seu sentido mais amplo. Uma nova ordem onde a cobiça e o acúmulo dêem lugar à solidariedade e à partilha, onde a consciência ecológica substitua a visão precificada da natureza e onde o "Ter" dê lugar ao "Ser" humano.

Para construir este caminho, é preciso que a dor que sentimos agora se transforme na energia renovadora que possa mudar as nossas práticas cotidianas. Precisamos entender que repetindo os mesmos hábitos, práticas e vícios haveremos de colher exatamente os mesmos resultados que são a morte e a destruição de nossos irmãos e modos de vida.

Com esta visão e entendendo que as relações humanas se dão nas cidades e é nelas que as forças da sociedade disputam seus espaços de atuação e suas visões de mundo, a articulação Somos Todos Atingidos procura congregar as forças sociais que entendem que outro mundo é possível, baseado nos valores que nos identificam: a democracia como única forma de expressar a tolerância, a inclusão, o respeito ao diferente, a harmonia, a sede de conhecimento e o amor, que entendemos como os valores a serem cultivados nesta nova ordem que esperamos nascer da lama que soterrou nossas vidas. Transcrevi parte 

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