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Por Mariana Pitasse Rio de Janeiro (RJ)
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Durante a curta carreira parlamentar, em pouco mais de um ano de mandato, Marielle Franco (PSOL) apresentou 16 projetos de lei na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, sendo oito individuais e oito assinados com outros vereadores. Cinco desses projetos foram aprovados em sessão extraordinária, em agosto do ano passado, cinco meses após seu assassinato. No entanto, mesmo após terem se tornado lei, a maioria dos projetos encontra barreiras em sua implementação e apenas um deles passou a valer na prática: a Lei 6389/2018, que institui o 25 de julho como o “Dia Tereza de Benguela e da Mulher Negra” no Rio de Janeiro.
Os outros quatro projetos encontram-se em diferentes situações. Dois deles estão em queda de braço com o prefeito Marcelo Crivella (PRB), tendo sido vetados com a justificativa de que criariam um aumento das despesas públicas. Em seguida, tiveram o veto derrubado pela Câmara dos Vereadores, o que os tornou leis, mas não foram efetivados enquanto políticas públicas. Um deles tem por objetivo a criação de um “Espaço Infantil Noturno” (ver abaixo) de acolhimento para crianças, no período em que pais estão no trabalho ou na escola, o outro visa dar continuidade ao processo de formação dos adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas.
“Ou seja, a gente tem importantes leis aprovadas, mas que a prefeitura não implementa”, sintetiza o vereador e colega de partido de Marielle, Tarcísio Motta (PSOL). De acordo com a assessoria de comunicação da Prefeitura do Rio, o governo ainda está analisando as medidas que serão adotadas em relação às leis.
Aprovados e sancionados pelo prefeito do Rio, outros dois projetos ainda não foram efetivados na prática. São eles: a Lei 6394/2018, que cria o “Dossiê Mulher Carioca”, uma espécie de estatística periódica sobre as mulheres atendidas pelas políticas públicas no município, e também a Lei 6415/2018, que trata sobre a elaboração de uma campanha permanente de enfrentamento ao assédio em locais públicos da cidade.
“Ela batizou esse projeto de ‘Assédio não é passageiro’, e essa lei está valendo. A ideia é, por exemplo, que as empresas coloquem cartazes nos transportes públicos, anunciando a questão do assédio como crime. Também dizendo o número que a mulher assediada pode ligar, além de algumas mensagens educativas para os homens. Precisamos pressionar a prefeitura para implementar essas leis. É uma luta permanente”, acrescenta Motta.
A sessão extraordinária de agosto do ano passado foi precedida de uma reunião dos vereadores do campo progressista com os outros parlamentares para alinhar o parecer favorável à maioria dos projetos de Marielle. Na ocasião, os parlamentares também aprovaram a lei que passou a nomear o plenário do Palácio Pedro Ernesto com o nome de Marielle Franco. Segundo Tarcísio Motta, um dos articuladores da sessão extraordinária, houve resistência de parlamentares fundamentalistas aos projetos que tratavam de questões de gênero.
Projetos como o 72/2017 que pretende instituir o “Dia da luta contra a homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia” e o 82/2017 com o objetivo de criar o “Dia da visibilidade lésbica” tiveram votações adiadas por gerar polêmica entre os parlamentares. Já o projeto que trata sobre tratamento humanizado na rede pública de saúde em casos de aborto legal, não foi sequer discutido e está fora de pauta desde 2017.
“Mesmo assim não acredito que foi apenas uma aprovação simbólica. São as ideias dela concretizadas em projetos de lei que podem mudar a vida das pessoas. Mas não basta só aprovar, a prefeitura tem a responsabilidade de implementar esses projetos. Nossa luta agora é essa. Muitos precisam de um decreto da prefeitura regulamentando para que sejam implementados”, destacou Motta.
Projetos assinados por Marielle e outros vereadores, de forma coletiva, estão ainda sendo colocados em pauta para votação por parlamentares do PSOL. Um dos que está mais próximo do início da fila para ser votado, conforme informações disponibilizadas no site da Câmara dos Vereadores do Rio, é o PL 642/2017 que pretende instituir assistência técnica gratuita para habitações de interesse social, elaborado em parceria com o Tarcísio Motta.
Espaço Coruja
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Principais bandeiras de sua atuação, os projetos apresentados ao plenário da Casa legislativa logo na primeira semana de mandato foram os apelidados de “Espaço Coruja”, o PL 17/2017, e “Pra fazer valer o aborto legal”, PL 16/2017.
O primeiro, que se tornou lei, tem como objetivo criar um Espaço Infantil Noturno que prevê o uso de creches e outras estruturas infantis da rede municipal para receber e desenvolver atividades com crianças de seis meses a cinco anos com o objetivo de “atender à demanda de famílias que tenham suas atividades profissionais ou acadêmicas concentradas no horário noturno”, segundo o texto que descreve a iniciativa.
Enquanto a prefeitura não implementa a lei, milhares de mães e pais continuam sem amparo do poder público. É o caso de Nathalia Correa, de 27 anos, moradora de Irajá, na zona Norte do Rio de Janeiro. Para ela, o projeto é urgente. Nathalia é mãe de Arthur, de cinco anos, e estudante de pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela é mãe solo, ou seja, assume todas as responsabilidades pela criança, sejam financeiras ou por disponibilidade de tempo.
“Eu faço faculdade no horário noturno e não tenho uma solução fixa para meu filho. Tem dias que deixo com a minha mãe, mas nem sempre ela pode. Tem dias que eu deixo de estar na faculdade para estar com ele ou às vezes o levo comigo, mas isso pode ser um problema porque tem professores que não aceitam”, explica.
Na avaliação de Natália, a lei pode beneficiar principalmente as mulheres, que ainda são as principais responsáveis pelos cuidados com os filhos e correm o risco de perderem seus empregos ou terem que largar seus estudos por não terem condições de contratar alguém para cuidar deles.
É o que comprova uma pesquisa do Ministério da Educação feita em 2016. Segundo o levantamento, 18,1% das mulheres, entre 15 e 29 anos, indicaram a gravidez como motivo para largar os estudos. Já entre os homens da mesma faixa etária, somente 1,3% interrompem os estudos pela mesma razão.
Aborto legal
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O outro projeto apresentado por Marielle logo que assumiu o mandato foi pensado para garantir o direito de atendimento humanizado e sem violências às mulheres que estão em situação de aborto legal. No Brasil, o aborto é um direito garantido às mulheres em caso de anencefalia, risco de morte e gravidez decorrente de estupro. Apesar disso, muitas mulheres nessas situações esbarram no preconceito, com a falta de informação e até com maus tratos de profissionais da saúde que as atendem. Nesse sentido, a ideia do projeto é garantir o que já está previsto em lei, e assim, evitar mortes e tratamento inadequado para as mulheres que precisam de cuidados da rede pública de saúde.
Em 2014, quase 5% das mortes maternas no Brasil tiveram como causa o aborto, de acordo com levantamento feito pela campanha “Legal e Seguro", promovida pelas organizações Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Observatório de Sexualidade e Política (SPW) e IPAS – Saúde, Acesso e Direitos.
Ainda segundo o levantamento, mulheres negras são as maiores vítimas de óbitos. Esse quadro se explica porque elas são levadas a buscar ajuda em situação limite, seja por medo de serem maltratadas ou mesmo por falta de acesso à informação qualificada. O projeto de Marielle trata justamente desses casos e não foi sequer colocado para votação na Câmara dos Vereadores do Rio.
“Não é um projeto que autoriza o aborto. Ele quer simplesmente garantir o que já estava previsto em lei: que a mulher que tem aborto espontâneo ou garantido por lei seja tratada humanamente dentro dos hospitais públicos. Mas a gente tem uma Câmara de Vereadores muito conservadora. Muito afinada com todo esse debate intransigente em relação ao aborto porque são fundamentalistas religiosos. Então trazem para o Estado, que é laico e que deveria legislar para todos, aqueles preceitos que eles acham que tem na Bíblia. Então isso foi um problema completo”, lembra a deputada estadual do Rio de Janeiro Renata Souza (PSOL), que foi chefe de gabinete de Marielle durante seu mandato.
Figura pública
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Mulher, negra e nascida na favela da Maré, na zona Norte do Rio de Janeiro, Marielle teve a luta pelos direitos humanos como seu objetivo de vida desde cedo. Mas foi na luta institucional que ela se tornou figura pública, reconhecida como liderança em ascensão no Rio de Janeiro e tornando-se a quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016, com mais de 46 mil votos.
Marielle era socióloga, com mestrado em Administração Pública. Antes de se tornar vereadora, já tinha atuação na política institucional, com mais de 10 anos como assessora parlamentar do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), período em que integrou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
“A candidatura de Marielle foi fruto de força e vontade coletivas. Um dia ela entrou em minha sala e disse para mim que seria candidata. Respondi que ela estava pronta para se candidatar. Falei para ela: ‘voa’. Mari estava no momento certo, amadurecida, preparada. Ela trabalhou comigo desde o meu primeiro dia na Alerj. Fomos nos transformando e amadurecendo juntos no parlamento”, conta Freixo.
Quando assumiu o mandato como parlamentar, Marielle continuou defendendo os direitos das mulheres e da população mais pobre, combatendo o preconceito e a violência na Câmara do Rio. Foi presidente da Comissão da Mulher da Câmara de Vereadores e também relatora de uma comissão composta por quatro parlamentares, que tinha como objetivo monitorar a intervenção militar no Rio de Janeiro.
“Infelizmente, Marielle só se tornou esse símbolo por causa de seu assassinato. Para nós que convivemos com ela, sempre foi uma potência, sempre teve capacidade de representar mulheres, negras e faveladas. Mas seu aparecimento como símbolo ocorre, infelizmente, após sua morte. Aí deixo a minha crítica. Por que o Brasil ou o mundo não conheceram Marielle antes? Acho que no fundo, essa comoção com seu assassinato, passa por um desejo frustrado, uma dor de quem não pode ter conhecido essa mulher incrível quando ela estava viva”, conclui o deputado.
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