O pagamento de proteção à república do Paraná, a falsa morte de Youssef e o "exílio" no Leblon de Dario Messer outro doleiro querido
Forum - Acusados de compor um esquema capitaneado pelo chamado “doleiro dos doleiros”, Dario Messer, dois outros doleiros – Vinícius Claret, conhecido como “Juca Bala”, e Cláudio de Souza – revelaram, em delação premiada ao Ministério Público Federal, que entre 2006 e 2013 foi montado um esquema de corrupção em Curitiba.
Segundo Ricardo Galhardo, do Estado de S.Paulo, ambos garantiram que pagavam uma taxa mensal de proteção, no valor de US$ 50 mil (cerca de R$ 186 mil), ao advogado Antonio Figueiredo Basto e um colega, cujo nome não foi divulgado, para não serem presos. O advogado, por conta da propina, defendia os doleiros no Ministério Público e na Polícia Federal. As informações corroboram depoimentos do advogado Rodrigo Tacla Duran, ex-funcionário da Odebrecht, investigado na Operação Lava Jato, que está na Espanha.
Figueiredo Basto é considerado um dos principais especialistas do Brasil em colaborações premiadas. Na Lava Jato, foi o responsável por negociações e acordos de delação de Lúcio Funaro, Renato Duque, Ricardo Pessoa, entre outros. Em 2004, intermediou o primeiro acordo nesse formato no país no caso do Banestado, em nome do doleiro Alberto Youssef.
A taxa de proteção vinha sendo paga à república do Paraná desde os tempos da operação BanEstado - Banco do Estado do Paraná, que teve Sergio Moro como juiz, Alberto Youssef, "rei dos doleiros", e Dario Messer na lavagem de 260 bilhões de dólares.
Até ser preso em São Luís, em 2014, Youssef era dado por morto.
De Dario Nasser diziam que estava exilado no Paraguai. Mas, em reportagem de Chico Otávio, datada do dia 11 último, publica a revista Época:
Até um mês atrás, Dario Messer era visto com frequência circulando no Leblon, bairro da Zona Sul carioca, a bordo de uma scooter sem placa (A amigos ele não se enrubescia ao dizer que era para evitar multas, já que estacionava com frequência em locais proibidos). Era fácil reconhecê-lo. Messer nunca usava capacete. Quem o viu, geralmente vestido de bermuda, camisa surrada e chinelos, custaria a acreditar que é o mesmo homem que amealhou, em sete anos, uma fortuna de US$ 24 milhões (R$ 81,3 milhões, pela cotação do último dia 7) com a lavagem de dinheiro suspeito. Desde a semana passada, quando a Operação Câmbio, Desligo o apontou como o “doleiro dos doleiros”, Messer desaparaceu das ruas do Leblon e do mundo. Para caçá-lo, o Ministério Público Federal (MPF) está montando, com a ajuda de acordos de cooperação, uma força-tarefa internacional que também seja capaz de desmontar uma lavanderia que operou em 52 países, com cerca de 3 mil offshores, empresas montadas no exterior, no caso como fachada para negócios ilícitos.
Até recentemente a imprensa não publicava fotos de Messer. Salvo uma repetida foto apagada dele junto do pai. A família Messer era proprietária do Banco Dimensão, um banco com o jeitinho brasileiro de ser que desapareceu por encanto, pura magia
A despojada rotina do doleiro chegou ao fim depois das colaborações premiadas de Cláudio Barbosa, o Tony, e Vinícius Claret, o Juca Bala, ex-sócios de Messer, que atribuíram ao piloto de scooter o controle de “uma gigantesca rede de lavagem de dinheiro, essencial para a prática de crimes como corrupção, sonegação tributária e evasão de divisas”, como sustentou o pedido de prisão do MPF. O banco paralelo do doleiro, por onde teria passado US$ 1,6 bilhão, era sediado no Uruguai e operado do Panamá Country Club, condomínio de luxo em Hernandarias, distrito paraguaio na fronteira com Foz do Iguaçu, residência oficial de Messer.
Messer acreditava estar blindado nos vizinhos do Mercosul. Em 2003, transferiu as operações de lavagem para o Uruguai. Dez anos depois, quando era alvo de um inquérito iniciado pela Operação Sexta-feira 13, desencadeada pela Polícia Federal, com foco em crimes contra o sistema financeiro no Rio de Janeiro e em São Paulo, obteve cidadania paraguaia. Oficialmente, morava em Hernanderias, mas atravessava a Ponte da Amizade com frequência, embarcando na ponte aérea de Foz para o Rio. Sua cobertura na Avenida Delfim Moreira, no Leblon, era palco de rega-bofes reunindo jogadores de futebol, dirigentes de escolas de samba e algumas das beldades que brilham nos desfiles da Marquês de Sapucaí.
Essa blindagem, contudo, começou a apresentar trincas. Em março do ano passado, as autoridades uruguaias, tradicionalmente avessas à cooperação internacional, surpreenderam ao acolher a ordem de prisão contra Barbosa e Claret, sócios de Messer que geriam as operações naquele país. Depois de passar uma temporada atrás das grades, a dupla desistiu de lutar contra a extradição e voltou ao Brasil para denunciar o esquema do “doleiro dos doleiros”. Na semana passada, o Uruguai voltou a demonstrar boa vontade ao prender quatro compatriotas envolvidos com Messer (Francisco Muñoz Melgar, Raúl Zóboli e os irmãos Jorge e Raúl Fernando Davies Cellini).
O obséquio uruguaio não ocorre por acaso. As prisões foram autorizadas no momento em que o país vizinho providencia mudanças na legislação para se livrar da pecha de paraíso fiscal. O governo precisa provar ao Grupo de Ação Financeiras Contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi), espécie de xerife do mercado financeiro internacional, que está abandonando a cultura do segredo que acobertava gente como Messer. Caso contrário, corre o risco de voltar à lista dos países lavadores, de onde foi retirado em 2016 sob a condição de mudar.
Como foragido, Messer foi incluído na difusão vermelha da Interpol — espécie de índex dos mais procurados do planeta. Ele não foi achado na mansão paraguaia ou na cobertura do Leblon, onde a Polícia Federal recolheu quilos de papel triturado. Como nem a mulher do doleiro, Rosane, estava em casa, as autoridades acreditam que a Operação Câmbio, Desligo vazou. Uma das suspeitas de rota de fuga seria o Paraguai. A outra seria Israel, terra de origem da família Messer.
O doleiro é visto no Paraguai como amigo pessoal do presidente Horácio Cartes. Em 2013, Messer integrou uma comitiva oficial de Cartes em visita a Israel. Documentos obtidos pelo O Globo mostram que ele era sócio no Paraguai, na Matrix Plus, de um primo de Cartes, Juan Pablo Jimenez Viveros. De acordo com a investigação no Brasil, Messer teria obtido a cidadania paraguaia por meio de despacho do ministro da Suprema Corte do país, Miguel Oscar Bajac. Para isso, teria apresentado um nada-consta brasileiro quando já era alvo de inquérito aberto a partir da Operação Sexta-feira 13.
As autoridades paraguaias, no entanto, afirmam querer colaborar com as brasileiras no caso Messer. Os procuradores da República do país vizinho chegaram a criar um grupo de WhatsApp com os colegas do Brasil para a troca de informações. As relações bilaterais, no âmbito penal, têm crescido. Recentemente, os ministérios públicos federais dos dois países se uniram para investigar os supostos crimes praticados pela Operação Condor, aliança político-militar formada por ditaduras da América do Sul nos anos 1970.
Messer também não deverá encontrar facilidades em Israel. Um recente acordo de cooperação com o Brasil permitiu às autoridades israelenses desbaratarem uma quadrilha internacional que atuava naquele país. Para isso, o Brasil autorizou a transferência, em duas ocasiões, do preso Yoran El Al. Ele havia sido preso em 2011, por crimes relacionados a drogas, crime organizado e lavagem de dinheiro. Sua delação, que valeu ao Brasil um elogio do Ministério da Justiça israelense, permitiu uma ampla operação policial contra a família Abergil, comandada pelo mafioso Itzak Abergil.
Messer não desapareceu sozinho. Dos 46 alvos da Operação Câmbio, Desligo, etapa mais recente da Operação Calicute (versão da Lava Jato no Rio), 11 continuavam foragidos até a conclusão desta edição. As fugas de Rene Loeb, Alberto Lisnovetzky, Carlos Alberto Braga de Castro, Wander Bergmann, Patricia Matalon, Bella Kayreh, Chaaya Moghrabi, Ernesto Matalon, Claudine Spiero, Richard Andrew e Augusto Rangel reforçam as suspeitas de vazamento.
De acordo com Barbosa e Claret, Messer era o cabeça do negócio e ficava com 60% dos lucros obtidos nas operações de lavagem. Eles contaram que, até meados de 2013, o doleiro chegou a ter um banco em Antígua e Barbuda, denominado EVG, para atender a clientela. De 2011 até 2016, segundo eles, Messer teria lucrado US$ 15 milhões. Em 2009, ano em que ele “bombou”, como sustentam os delatores, embolsou de uma só vez US$ 9 milhões. Não há registro dos ganhos em outros anos.