Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

17
Jun22

O Brasil é melhor do que isso

Talis Andrade

www.brasil247.com - { imgCaption }}

 

por Pedro Munhoz /Bhaz

- - -

É difícil demais viver neste país e ter uma gota sequer de esperança em nosso futuro. Anteontem mesmo, recebemos a notícia de um brutal duplo assassinato na Amazônia, que despertou em muita gente boa, inclusive neste escriba, doses cavalares de ódio e de revolta.

Bruno Pereira, indigenista, servidor da Funai, tinha 41 anos quando foi emboscado e baleado por bandidos em meio ao mais rico ecossistema do planeta. Nas fotos, vídeos e relatos que passaram a circular desde o seu desaparecimento, vejo um homem comprometido e apaixonado pelo seu trabalho. Um homem com olhos e sorriso gentis, dedicado a defender dos bandoleiros e abutres de plantão, a floresta e os povos originários desta terra.

 

 

Dom Phillips, jornalista, nascido em 1964 em uma cidade inglesa a 8 km de Liverpool, era um apaixonado pelo Brasil e pela Amazônia. Aqui, se casou com uma baiana. Vivia em Salvador e usava a música de seus conterrâneos, os Beatles, para ensinar inglês de forma gratuita a crianças da periferia soteropolitana. Tinha 58 anos quando foi assassinado. Trabalhava em um livro sobre a questão ambiental na Amazônia.

 

 

Não faz um mês que nós, brasileiros, assistimos, estupefatos, a outro assassinato brutal. Genivaldo de Jesus Santos tinha 38 anos e andava de motocicleta quando foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal no município de Umbaúba, no estado do Sergipe. Diz-se que ele não usava capacete, coisa que o próprio presidente da república é useiro e vezeiro em fazer em suas voltinhas de motoca país afora.

 

 

Para essa infração de trânsito, o CTB prevê uma multa de R$293,47. Mas os agentes acharam por bem usar uma viatura da PRF para recriar, com spray de pimenta e gás lacrimogênio, uma câmara de gás, bem ao gosto de outros agentes, de outra época e de outro lugar.

A morte de Genivaldo, ao contrário do assassinato de Bruno e de Dom, foi “televisionada”, filmada, fotografada, divulgada e compartilhada nas redes sociais por milhares de brasileiros justamente indignados.

Mas no país em que vivemos, nesse carrossel de violações, de absurdos e de crimes abjetos contra a humanidade, sequer temos tempo de nos indignar em profundidade. Ainda mais quando o pano de fundo é uma catástrofe social e econômica sem precedentes em nossa história recente. Há, neste momento, milhões de brasileiros que não ganham o bastante para morar ou para comer.

Enquanto as ruas das grandes cidades se abarrotam, dia após dia, de gente que não tem um teto, e os produtos dos supermercados cada vez mais parecem tão inacessíveis como as vitrines das boutiques de luxo de outrora, nossa humanidade, de absurdo em absurdo, vai se desgastando. E a gente chega até a se esquecer que o Brasil pode ser muito melhor do que isso.

Não digo que a raiva, diante do absurdo, do inominável, seja algo errado ou contraproducente. Pelo contrário, não podemos deixar que essa sucessão interminável de situações abomináveis anestesiem nossa capacidade de nos indignar. E este país pode ser mesmo um lugar horrível, o que a nossa história comprova com muita facilidade e abundância de exemplos.

Mas lembrem-se que, se existe um Brasil que se construiu em cima da escravidão e da morte de negros e indígenas, existe também aquele Brasil que se construiu na resistência à escravidão e à morte. Se existe o país da fome, existe também aquele de Betinho e Júlio Lancelloti; se existe o país do autoritarismo e da tortura, existe também o Brasil das rodas de samba, do vizinho que ajuda, do amigo que estende a mão, dos amores que brotam, improváveis, pelos botecos da vida.

Se existe, por fim, o país da destruição da Amazônia, do garimpo e das madeireiras ilegais que matam gente, rios e florestas todos os dias, existe também o Brasil de Bruno Pereira.

Não são, no entanto dois países. É um só. E ele sempre foi esse poço de tensões e contradições que, nesse momento, parecem atingir proporções bastante extremas. Mas quero crer que ele continua a valer a pena, apesar de tudo. Há, entre famosos e anônimos, brasileiros que operam a mágica de manter acesa a esperança neste país tão complicado, tão difícil e tão cruel para com os seus.

Um dos maiores poetas (e profetas) brasileiros, Nelson Cavaquinho, cantava em sua icônica canção de 1973, “Juízo Final”, que queria “ter olhos pra ver a maldade desaparecer”. Por mais que Nelson não tenha conseguido alcançar o seu intento em vida, está aí algo por que vale a pena continuar lutando.

JUÍZO FINAL

por Nelson Cavaquinho

O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
 
É o juizo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer
 
É o juizo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer
 
O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
O amor será eterno novamente
O amor será eterno novamente

 

www.brasil247.com - { imgCaption }}

03
Jun22

A biografia do covarde

Talis Andrade

ALIENARO bolsonaro hacker.jpg

  • por Ruy Castro

 

Há dias, neste espaço (12/5), comparei Jair Bolsonaro àquele menino covarde que chuta um coleguinha pelas costas e, quando este reage, corre e vai pedir socorro ao irmão mais velho, chorando e dizendo-se agredido. Um garoto desses, se renitente na prática, será uma ameaça em adulto. No futuro, deem-lhe poder e um irmão mais velho —as Forças Armadas— e você terá Jair Bolsonaro.

Tenho alguma experiência na produção de biografias e me pergunto se e quando farão uma biografia à altura (ou à baixeza) de Bolsonaro. Primeiro será preciso encontrar um autor capaz de superar a revolta e repugnância que o personagem inspira, a fim de conferir ao trabalho a objetividade que a biografia exige. Depois, vencer a resistência das fontes de informações —muita gente sabe de horrores sobre ele, mas quantos se atreverão a contar? Bolsonaro é vingativo, sua índole é a do cão hidrófobo e, mesmo enjaulado e de focinheira, ainda terá força nos próximos anos para ir à forra contra quem o desagradar. Ou alguém duvida de que, mesmo sem ele, agentes avulsos de sua hidrofobia continuarão ativos?

Sempre acreditei que apenas a pessoa morta deveria ser biografada, e por um motivo óbvio: o de que só então sua história estará completa. Mas, no caso de Bolsonaro, é urgente a exceção. É preciso expô-lo o mais depressa possível, antes que a escalada de seu banditismo torne irrelevantes vilanias precoces. Tudo deve ser apurado, desde sua infância de menino covarde no interior de São Paulo até seu arrebatamento em desfilar de moto com 500 homens às suas costas, um deles atracado-lhe à garupa.

Informo desde já que não farei essa biografia. Ela exige um profissional mais jovem, com disponibilidade total e heroica determinação para chafurdar na merda.

Mas coloco-me à disposição para orientar, dar palpites e aconselhar a que se trabalhe de máscara, com o nariz tapado.

Image

Image

TRIBUNA DA INTERNETImage

TRIBUNA DA INTERNET

latuff bolsonaro bastão.jpeg

 

Covarde, Bolsonaro troca vidas por votos no Congresso | Partido dos  TrabalhadoresA mídia internacional e o risco Bolsonaro - Sinpro GoiásDesta vez exageraram com Bolsonaro! - OrlandoPassos.comNáufrago da Utopia: CARLA JIMÉNEZ: "BOLSONARO NÃO TEM HONRA NEM RESPEITO,  TEM ATITUDES DE UM COVARDE, DE UM SABOTADOR NACIONAL"

25
Mai22

Sobe para 25 o número de mortos chacina do Complexo da Penha; há 7 pessoas feridas

Talis Andrade

 

 

 

 

 

 

Foto: ReproduçãoTiroteio na Vila CruzeiroFoto: Reprodução

 
Desde às 5h da manhã de hoje (24), BOPE e PRF realizam incursão repleta de relatos de abuso de poder e letalidade. Os agentes  policiais invadiram a Vila do Cruzeiro gritando “todo mundo vai morrer”
 
 
31
Jan22

Manifestantes pedem afastamento do delegado arbitrário Alex Rodrigues que prendeu médico em Cavalcante GO

Talis Andrade

bolsominio medicos.jpg

 

Redação Mais Goiás

Profissionais de saúde e moradores de Cavalcante, Goiás, realizaram, na manhã desta sexta-fmanifestação contra a prisão do médico Fábio Marlon Martins França. A população diz que a prisão foi ilegal e pede o afastamento do delegado Alex Rodrigues da Silva, um escrivão e um agente da Polícia Civil que atuaram no caso. A corporação alega falsa e caluniosamente que Fábio França exercia a profissão de forma ilegal. A defesa e testemunhas, no entanto, afirmam que a detenção ocorreu depois que o profissional se recusou a atender o delegado de forma prioritária. O agente de saúde possui permissão do Ministério da Saúde para atuar na Unidade Básica de Saúde por meio do programa Mais Médicos (documentos abaixo).

De acordo com a coordenadora de postos de saúde do município, Cynthian Souza Avelino, a manifestação ocorreu por volta na Praça Diogo Teles, e contou com mais de 100 pessoas. Segundo ela, os manifestantes também se dirigiram até a porta da delegacia.

Agora, parte dos envolvidos no ato deve esperar o profissional na entrada da cidade. O médico, que foi preso e levado para Alto Paraíso, retorna a Cavalcante.

Segundo Cynthian, a população está revoltada com a prisão. “Ficamos todos incrédulos com o ocorrido porque o Fábio é um profissional muito tranquilo, simples, legal e amigável. Foi uma situação muito humilhante, pois a atuação dele pelo Mais Médicos é toda regular. Foi inaceitável”, criticou.

Abuso de autoridade e prisão ilegal

De acordo com o próprio médico e testemunhas, Fábio estava em atendimento na quarta-feira (26) quando o delegado Alex Rodrigues compareceu à unidade exigindo receber atendimento prioritário para um suposto diagnóstico de Covid-19.

Na oportunidade, o delegado teria ordenado que Fábio deixasse seu paciente para dar atenção exclusiva a ele. O agente de saúde teria negado atendimento em razão de descumprimento da ética profissional.

A prisão, porém, ocorreu apenas na quinta-feira (27), quando o delegado compareceu à unidade com outros dois agentes da Polícia Civil para dar voz de prisão a Fábio, pelos motivos acima mencionados.

veja medicos-cubanos-chegam-ao-brasil.gif

Alegações falsas da Polícia Civil

Na versão dada pela corporação, o delegado Alex Rodrigues da Silva, responsável pela delegacia de Cavalcante, esteve em uma unidade do Programa Saúde da Família (PSF) na manhã de quinta (27), com sintomas de Covid-19. O investigador teria desconfiado da atuação “insegura” do médico.

A Polícia diz que, diante da situação, "o delegado realizou levantamentos técnicos acerca do profissional e constatou que o registro junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM-GO) está cancelado".

Segundo o relato, outro abuso de autoridade: o investigador teria tomado medidas para o esclarecimento dos fatos diretamente com o médico. A corporação afirma, mentirosamente, que o profissional se alterou e ofendeu a autoridade policial.

Fábio foi autuado por exercício profissional da profissão, desacato, resistência, desobediência, ameaça e lesão corporal e segue preso.

Médico de Cavalcante preso: SMS diz que profissional é cadastrado no Mais Médicos e atua de forma legal – documento do MS comprova

Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Cavalcante também se posicionou acerca do caso e ressaltou que Fábio França atua dentro da legalidade há cerca de cinco anos.

Segundo a pasta, apesar de ter status “cancelado” no Conselho Federal de Medicina (CFM), o profissional tem autorização para atuar em postos de saúde, local em que estava no momento da autuação.

De acordo com a Secretaria, Fábio é integrante do Programa Mais Médicos desde 2016, “estando totalmente regular”. A pasta ressalta que o profissional possui os requisitos e registro necessário para a atuação pelo referido programa.

-medico-cavalcante.jpg

 

A Prefeitura e a pasta classificaram o episódio que terminou com o médico de Cavalcante preso como “ações desproporcionais”. “A Secretaria de Saúde tem acompanhado o caso de perto desde o início e prestado apoio e assistência ao profissional, que é bastante querido pela população e colegas de trabalho e não há nenhum registro que desabone a sua conduta até o momento”, diz trecho da nota.

De acordo com a Secretaria, Fábio é integrante do Programa Mais Médicos desde 2016, “estando totalmente regular”. A pasta ressalta que o profissional possui os requisitos e registro necessário para a atuação pelo referido programa.

médicos profissionais ativos.jpg

 

08
Mar21

Paraguai tem terceiro dia de protestos; manifestantes pedem renúncia de presidente devido a erros na gestão da pandemia (vídeos)

Talis Andrade

Grupo reunido no início da tarde deste domingo, 7 de março, próximo à casa oficial do presidente do Paraguai — Foto: Cesar Olmedo/AlmedoImagem do protesto em Assunção, em 5 de março de 2021 — Foto: Cesar Olmedo/ReutersPoliciais perseguem manifestante em Assunção, no Paraguai, em 5 de março de 2021 — Foto: Cesar Olmedo/Reuters

Por G1

Paraguai tem a terceira noite de protestos por causa dos erros de gestão do governo durante a pandemia da Covid-19. Os manifestantes se reuniram no final da tarde deste domingo (7) e, até as 20h, ainda estavam nas ruas pedindo as renúncias do presidente, Mario Abdo Benítez, e do vice-presidente, Hugo Velázquez.

De acordo com o jornal local "ABC Color", oito pessoas foram detidas nos protestos deste sábado (6). A polícia alegou que os manifestantes estavam tentando ultrapassar uma demarcação de segurança do local. O grupo foi solto na tarde deste domingo.

Em resposta às manifestações, Benítez anunciou a troca do ministro da Educação, Eduardo Petta, do Ministério da Mulher, Nilda Romero, e do chefe de gabinete do governo, Ernesto VillamayorA decisão foi transmitida em pronunciamento oficial pela televisão.

Na noite da sexta-feira (5), o ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, já havia renunciado pouco antes do primeiro protesto, que reuniu cerca de 5 mil pessoas. O presidente do Paraguai nomeou Julio Borba como novo chefe da pasta e afirmou que começaria a buscar mais remédios imediatamente.

Benítez também disse, durante o pronunciamento deste sábado, que poderá fazer novas mudanças nos ministérios do país no decorrer da próxima semana. O presidente chegou a pedir que os ministros entregassem os cargos.

 

"Sei que as pessoas esperam mudanças e eu vou fazê-las, vou nomear novas autoridades para a pacificação" .- Mario Abdo Benítez, presidente do Paraguai

Gestão desastrosa

Os manifestantes pedem as renúncias do presidente e do vice-presidente do país, acusados de fazerem uma gestão desastrosa diante do colapso. O Paraguai vacinou menos de 0,1% da população de pouco mais de 7 milhões de habitantes.

Em Cidade do Leste, praticamente todos os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermaria estão ocupados. Paraguaios e brasileiros que vivem no país vizinho estão cruzando a fronteira para tentar buscar atendimento em Foz do Iguaçu (PR), que também está com as UTIs lotadas.

nacion.750. paraguai 8m.jpg

py_ultimahora. paraguais 8m.jpg

 

 

07
Mar21

O Paraguai é o Brasil amanhã?

Talis Andrade

Protestos no ParaguaiProtestos em Assunção contra o Governo de Mario Abdo Benítez.Manifestantes, en las inmediaciones de Mburuvicha Róga.Lamentablemente, uno de los manifestantes terminó muerto, aunque en circunstancias ya ajenas a la gran movilización ciudadana.Manifestações no Paraguai (06 março 2021)La ciudadanía autoconvocada persiste en su pedido de renuncia del presidente Abdo. Los ciudadanos se volvieron a movilizar este domingo para manifestarse contra el Gobierno de Mario Abdo Benítez.

por Moisés Mendes

- - -

O presidente paraguaio, que pode cair a qualquer momento, é cria da velha direita latino-americana, mas não é o Bolsonaro deles. Não há ninguém com o mesmo padrão de crueldade, idiotia e chinelagem de um Bolsonaro na América Latina.

Não há mais ninguém com conexões tão profundas e comprometedoras com a militarização de um governo quanto Bolsonaro. Não há outro presidente com três filhos políticos com vínculos com milicianos.

Bolsonaro afundou o Brasil no lixão do que existe de pior na direita e na extrema direita mundiais.

Mario Abdo Benítez (foto) é de família com vínculos com o fascismo, mas evita apresentar-se como um extremista e tenta se desgrudar do passado comprometedor. Perto de Bolsonaro, seria quase um liberal.

O pai de Marito, como é chamado, foi um dos homens mais próximos do ditador Alfredo Stroessner, como seu secretário particular. Deixou para o filho o nome, uma fortuna em fazendas e a herança política.

Marito também passou pelo Exército e vende a imagem de homem apegado à Bíblia e à família. É a nova cara do caudilhismo do partido Colorado, que manda no Paraguai há seis décadas, com apenas uma interrupção no poder.

Presidiu o Senado e conquistou lugar na elite política. Foi figura importante no Congresso. Estudou marketing nos Estados Unidos. Mas não elogia militares e torturadores. É um reacionário cauteloso.

Bolsonaro é o que sabemos que é. Se derrubarem Marito, os paraguaios que o elegeram estarão mandando um recado ao Brasil.

É possível romper com uma decisão que eles mesmos tomaram ao eleger Marito em 2018 para um mandato de cinco anos.

Se mandarem para casa o caudilho chique, os paraguaios terão cometido uma façanha: abreviar o mandato de um líder do mais poderoso partido do país e filho de um cúmplice da ditatura que nunca foi julgado.

Bolsonaro não tem histórico de família a que possa se agarrar. Não tem nem partido. Tenta se proteger em grileiros, mas não tem ligação com latifundiários tradicionais com os quais possa se identificar.

Bolsonaro tem as milícias, os jagunços da Amazônia, tem os militares e tem o centrão, que alugou por um preço que talvez não consiga pagar.

Marito e Bolsonaro são filhos das ditaduras, um com grife, um homem fino e rico, e o outro um ogro de origem modesta, mas que age como se fosse rico e com uma família que deseja ficar rica a qualquer custo.

Marito tem 49 anos e conviveu, da infância ao início da juventude, com o poder mantido à força pelos militares. Bolsonaro tem 65 anos e nunca esteve próximo de poder algum.

Foi apenas um aspirante a oficial que ganharia fama como militar, por ter passado por quartéis como um rebelado (processado pela tentativa de atos terroristas), com um arremedo de carreira medíocre no Exército.

O partido de Marito organizou o golpe que levou ao impeachment de Fernando Lugo, o único presidente progressista do Paraguai, em 2012.

Ele e Bolsonaro ainda têm em comum o fato de que apoiaram a tentativa de golpe contra Maduro na Venezuela. E os dois foram paraquedistas do Exército.

Marito pode estar se preparando para um salto que talvez Bolsonaro não seja obrigado a dar no curto prazo. Porque o Paraguai tem milhares de jovens em manifestações nas ruas, e o Brasil tem amontoados de jovens em aglomerações em bares, praias e baladas.

Os militares podem segurar Marito lá e Bolsonaro aqui? Se cair, o paraguaio estará derrubando junto mais de meio século de coronelismo, militarismo, corrupção e banditismo dos herdeiros de Stroessner. E nós? Por enquanto, é certo que vamos ficar apenas olhando.

07
Mar21

Crise política por má gestão da pandemia se acirra no Paraguai

Talis Andrade

Manifestante carrega pedra em Assunção: noite foi novamente de confrontos

Manifestante carrega pedra em Assunção: noite foi novamente de confrontos

 

Presidente anuncia demissões de ministros, mas não consegue aplacar protestos. Manifestantes querem sua renúncia e novas eleições, e oposição começa a falar em impeachment

O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, anunciou na noite de sábado (06/03) uma série de mudanças em seu gabinete de ministros, numa tentativa de aplacar a ira dos manifestantes, que há dias vão às ruas de Assunção protestar contra a má gestão da pandemia no país.

Foram demitidos os chefes dos ministérios da Saúde, Mulher, Educação e do Gabinete Civil. Novas mudanças, segundo o presidente, não estão descartadas. Mas no momento parece improvável que a iniciativa do governo baste para acalmar os protestos: já no sábado, milhares de pessoas voltaram às ruas, pedindo a renúncia de Benítez. 

Com recorde de infecções, leitos de UTI lotados e um sistema de saúde à beira do colapso, o Paraguai, que chegou a ser elogiado por sua gestão da crise, também enfrenta falta de medicamentos para tratar pacientes de covid-19. A vacinação, além disso, avança lentamente: estima-se que apenas 0,1% da população foi imunizada.

Outra decepção entre os cidadãos do Paraguai é o atraso na chegada das vacinas, que por enquanto estão limitadas às 4 mil doses do imunizante russo Sputnik V que já foram administradas - apenas a profissionais da saúde.

Com uma população de 7 milhões de habitantes, o Paraguai registrou mais de 160 mil casos de covid-19 e 3.200 mortes em decorrência da doença desde o início da pandemia do novo coronavírus.

Novos protestos

Após os confrontos de sexta-feira, a noite de sábado para domingo prometia terminar sem novos episódios de violência, mas, já na madrugada, a Polícia Nacional paraguaia reprimiu com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo um grupo de manifestantes que lançou pedras contra os agentes de segurança, desta vez em frente à residência presidencial. 

Um grupo de aproximadamente 200 manifestantes se deslocou até a residência oficial depois de passar a noite no centro de Assunção numa marcha que convocou milhares de pessoas a exigirem a renúncia do presidente paraguaio, acusado de ser o principal responsável pela falta de material médico, de medicamentos e de vacinas contra a covid-19. 

Ao chegarem à residência presidencial, os manifestantes encontraram uma barreira de agentes policiais que os impediu de continuar. A tensão transformou-se em confronto, e oito pessoas foram presas. 

A noite de protestos começou com uma marcha em frente ao Parlamento, no mesmo ponto onde, 24 horas antes, uma pessoa morreu e 26 ficaram feridas, entre manifestantes e policiais, devido aos violentos confrontos 

O protesto foi convocado através das redes sociais sem siglas partidárias. Sob bandeiras do Paraguai e palavras de ordem, a nova marcha avançou do Palácio Legislativo ao Panteão dos Heróis, passando antes pela sede do Partido Colorado aos qual pertence o Presidente. 

Presidente paraguaio falou à nação para anunciar mudanças no gabinete

Presidente paraguaio falou à nação para anunciar mudanças no gabinete

 

"Fora Marito"

 "Fora Marito", gritava a multidão em coro em referência ao Presidente Mario Abdo, o "Marito". Os manifestantes disseram que só deixarão de protestar após a renúncia completa do governo. 

A revolta provocou uma crise política e, enquanto a marcha avançava, o presidente anunciava a troca de quatro ministros para, como explicou, "a pacificação do país". 

"O meu compromisso é o de escutar a todos. Vou nomear novos ministros para os Ministérios da Saúde, da Mulher, da Educação e do Gabinete Civil e continuaremos a estudar outras mudanças para a semana", anunciou o presidente, acrescentando estar "consciente de que a população espera mudanças". 

"O mandato será o de fazer todos os esforços possíveis para garantir o fornecimento de medicamentos em tempo oportuno com o estrito respeito aos processos administrativos vigentes", prometeu. 

Em rigor, a troca do ministro da Saúde já tinha sido anunciada na tarde de sexta-feira numa tentativa frustrada de conter o protesto anunciado para aquele dia. 

O anúncio do presidente foi visto como uma medida cosmética que não atende a principal exigência dos protestos: a renúncia do próprio presidente e a do seu vice, Hugo Velázquez, para que possam ser convocadas novas eleições. 

O governo é criticado tanto pela falta de uma política sanitária eficaz quanto por suspeitas de corrupção nos processos de compra de material médico. 

Oposição pede impeachment

Enquanto a população saía às ruas para exigir a renúncia do presidente e demonstrava a sua insatisfação com o governo em geral, a oposição paraguaia começou a falar em impeachment.

Durante o sábado, os vários partidos da oposição começaram a se reunir para avaliar a possibilidade de pavimentar o caminho até um julgamento político e estabelecer as bases de seu argumento.

Carlos Filizzola, presidente da Frente Guasu - a maior coalizão de esquerda - disse que os grupos reunidos na Mesa dos Presidentes da Oposição não se importam como Abdo Benítez deixará o cargo, desde que ele o faça.

"Eles (presidente e vice) têm que sair por impugnação, por renúncia ou por mobilização e pressão cidadã", disse Filizzola à imprensa.

Abdo Benítez esteve perto de ser impugnado em agosto de 2019, quando estava no poder havia um ano, depois que foi descoberto que ele havia assinado um acordo de compra de energia elétrica com o Brasil para a hidrelétrica de Itaipu, compartilhada pelos dois países.

Na ocasião, foi seu rival no partido governista e antecessor no cargo, o ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), que evitou o impeachment, retirando o apoio à iniciativa. Desta vez, no entanto, o setor de Cartes no Partido Colorado já anunciou que considerará a possibilidade de apoiar a saída do chefe de Estado.

07
Mar21

Covid-19: Paraguai vive noite de fúria entre polícia e manifestantes que querem a renúncia do presidente

Talis Andrade

Um manifestante perto de uma barricada em chamas durante a noite de violentos protestos em Assunção, capital do Paraguai. Em 6 de março de 2021.

Um manifestante perto de uma barricada em chamas durante a noite de violentos protestos em Assunção, capital do Paraguai. Em 6 de março de 2021. REUTERS - CESAR OLMEDO

 

Paraguai tem 3.256 mortos e 164 mil casos de Covid-19

 

por Márcio Resende
 

O protesto em frente ao Congresso era para ser pacífico, mas os enfrentamentos transformaram o centro da capital Assunção numa zona de guerra com um morto, vários feridos e um rastro de estragos materiais. A polícia ergueu um lenço branco de rendição. Um grupo de manifestantes passou a noite em vigília para exigir a renúncia do presidente Mario Abdo por má administração sanitária. A oposição avalia pedir a destituição do presidente.

A multidão atendeu a convocação que circulou pelas redes sociais para uma manifestação pacífica em frente ao Congresso que demonstrasse a insatisfação com a falta de uma política sanitária do governo, mas, depois de duas horas, começou o confronto entre os manifestantes e os agentes de segurança.

Os manifestantes gritavam "Fora Marito", em referência ao apelido do presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, o Marito. O protesto avançou contra a formação em linha da polícia que funcionava como uma barreira de proteção ao Palácio Legislativo. Os agentes reagiram para dispersar os que forçavam a passagem. A partir desse ponto, a região se tornou uma praça de guerra.

A polícia disparava jatos d'água, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Os manifestantes respondiam com pedras. Durante horas, houve correria e perseguição pelo centro de Assunção. Carros, lojas e edifícios públicos foram parcialmente destruídos.

 

A Central de Polícia foi atacada por manifestantes encapuzados que improvisaram barricadas para enfrentar as forças de segurança. A essa altura, os protestos também aconteciam em frente ao Palácio do Governo, onde os manifestantes gritaram palavras de ordem contra o presidente.

Noite de fúria

O delegado Silvino Leguizamón pediu um cessar fogo. Um grupo de policiais levantou um lenço branco e pediu trégua. Os manifestantes estavam em maior número. A polícia tinha perdido vários agentes feridos e tinha ficado sem balas de borracha.

Na negociação entre o delegado e manifestantes, ficou acertado que o protesto continuaria, mas de forma pacífica como no começo. Entoando o hino nacional paraguaio, os manifestantes retornaram ao Parlamento, onde disseram que continuariam até o presidente renunciar.

"Faço um pedido a toda a população em convulsão pelo fim da violência. Peço aos meios de comunicação que transmitam paz. Peço a Polícia Nacional que pare de disparar balas de borracha. E peço aos jovens que parem de atirar pedras", clamou o arcebispo de Assunção, Edmundo Valenzuela.

Até a madrugada, do lado dos manifestantes, o saldo parcial era de um homem de 32 anos morto por uma facada no coração e, pelo menos, 18 feridos com balas de borracha e intoxicação provocada pelo gás lacrimogêneo. Do lado da polícia, foram 11 feridos por traumatismos, a maioria de crânio, devido às pedras lançadas.

O ministro do Interior, Arnaldo Giuzzio, afirmou que a violência foi provocada por infiltrados na manifestação e transmitiu uma mensagem de calma por parte do presidente Mario Abdo.

As lideranças do Partido Liberal, principal partido opositor, vão se reunir neste sábado (6) para definir se pedirá a destituição do presidente por mau desempenho de funções durante a pandemia.

Renúncia do ministro da Saúde

Ciente da pressão social e do protesto que se anunciava pelas redes sociais, durante a tarde, o presidente Mario Abdo pediu a renúncia do ministro da Saúde Pública, Julio Mazzoleni, uma renúncia que o próprio Senado já tinha pedido na quinta-feira ao classificar o ministro como "negligente, improvisado e inoperante".

Durante a semana, o sindicato de enfermeiros, com o apoio de parentes dos pacientes de Covid-19, denunciou a falta de medicamentos e de material médico. "É um momento no qual se faz absolutamente necessário que os paraguaios fiquem unidos para combater a pandemia. Tomara que esta decisão sirva para unir o país", disse Mazzoleni ao anunciar a sua renúncia.

A saída do ministro, no entanto, não foi suficiente para acalmar a indignação popular com a falta de resposta do governo diante do aumento de casos, do colapso de hospitais e da ausência de vacinas.

Até agora, o governo paraguaio só obteve 4 mil doses da Sputnik V. Neste sábado, chegarão 20 mil doses da CoronaVac doadas pelo governo do Chile.

Com sete milhões de habitantes, o Paraguai tem 3.256 mortos e 164 mil casos de Covid-19 e um sistema de saúde precário que não responde a atual quantidade diária de doentes.

abccolor. paraguai 7m.jpg

adn. paraguai 7m.jpg

nacion. paraguai 7m.jpg

py_ultimahora. paraguai 7m.jpg

 

01
Mar21

Iphone de pobre, excelências?

Talis Andrade

Dos-crisis-mortales-ESP-.jpg

 

 

por Fernando Brito

- - -

Quem não entendeu que o Ministério Público Federal deixou-se possuir por um espírito de casta, deve ler a reportagem publicada esta manhã pela Folha, onde se registra uma verdadeira insurreição de procuradores da República contra o fato de que lhes está sendo oferecida a possibilidade de trocar seus atuais aparelhos de celular funcionais, gratuitamente, por Iphones novos, apenas porque o modelo não é o “top” de linha.

Dizem que dar-se a cada um deles, sem custo, um Iphone SE é “um insulto” e que “não querem esmola” de um aparelho que, o mais simples da cara linha Apple, custa R$ 2,6 mil reais, segundo o jornal. E “descascam” o secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR, Darlan Airton Dias, responsável pela escolha do mimo.

É isso mesmo, Darlan??!!! Você acha mesmo que depois de mais de três anos com um iphone 7, já ultrapassado, processador lento, bateria ruim, tela pequena, vamos aceitar por mais outros 30 meses um iphone SE?? Acho que ninguém aqui é moleque, Darlan!! (…) Isso é um insulto!! Não quero esmola! Acho que ninguém aqui quer esmola!! Estamos há quase um ano trabalhando de casa, celular, notebook, internet, energia… Que bagunça é essa?? Estão querendo nos humilhar??!! Não aceito humilhação, Darlan.

O celular faz parte de um “pacote” que inclui chip com linha bancada pelo dinheiro público, um tablet, e um um notebook no valor de R$ 4.500.

Nada mal para os 1.200 procuradores federais que, diz a Folha, ganharam em janeiro salários brutos de até R$ 102 mil e, quem quiser comprar do próprio bolso um aparelho “top” pode fazê-lo sem perder o chip “grátis”.

Será que já inventaram algum modelo a prova de hacker de Araraquara? Se tiverem, vai ser um sucesso de vendas

04
Jan21

A 'lava jato' foi um extremo que propiciou atual clima de ódio

Talis Andrade

Luiz Flávio Borges D'Urso tem tempo de carreira suficiente para saber que a vida do advogado criminalista não é fácil. E que ninguém que decide atuar nessa área do Direito pode aspirar a ganhar qualquer concurso de popularidade. Com cerca de 40 anos de estrada, D'Urso se acostumou a ver a opinião pública confundi-lo com os réus que defende, mas ele reconhece: a hostilidade nunca esteve tão alta quanto nos tempos atuais.

Presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, por três mandatos, D'Urso afirma que a sociedade brasileira está tomada pelo ódio e que isso representa um enorme desafio para o advogado criminalista. E, em sua opinião, esse clima de grande agressividade foi alimentado pela ação de agentes do Estado na "lava jato".

Os abusos cometidos na tal operação, segundo o advogado, foram muitos, levando a sociedade a exigir punição sumária para qualquer pessoa que tivesse seu nome citado na "lava jato", fosse qual fosse a acusação — o que incluía os advogados dos acusados. "De repente estava todo mundo contra aqueles alvos de acusação, pouco importando se aquilo era procedente, se era verdadeiro, bastava ser acusado da 'lava jato' e o indivíduo virava leproso. E os advogados que faziam a defesa desses leprosos também estavam contaminados, também se tornavam leprosos", comentou.

Em entrevista exclusiva à ConJur, Luiz Flávio Borges D'Urso lamentou os abusos cometidos por promotores e juízes na "lava jato", mas, surpreendentemente, mostrou-se otimista: para ele, a sociedade começa a perceber esses abusos e a exigir das autoridades que respeitem a lei. Ele disse também que o momento por que passa o Brasil é extremamente difícil para os advogados criminalistas, que precisam ter coragem para não se dobrar à pressão de uma opinião pública sedenta de sangue.

Mateus Silva Alves entrevista D'Urso

ConJur — No Brasil de hoje, com tanto ódio e tantas notícias falsas sendo disseminados pelas redes sociais, qual é o maior desafio da advocacia criminal?
Luiz Flávio Borges D'Urso — 
O desafio dos advogados que abraçam a área criminal, independentemente deste momento histórico, é permanente no sentido de encarar o poderio imenso do Estado. O Estado é poderoso e sufoca o cidadão quando dirige a ele isoladamente uma acusação. O desafio do advogado criminal é equilibrar essa relação de forças para que o indivíduo possa ter um julgamento justo, pautado nas garantias individuais. E, no momento atual, no qual o ódio aflora, o advogado criminal passa a ter de enfrentar não só o poderio do Estado, mas também essa contaminação da opinião pública, de uma sociedade sedenta de sangue, cruel, revoltada, dividida. De modo que, insisto, o desafio do advogado criminal hoje ganha musculatura por ele ter de enfrentar necessariamente o Estado e mais uma opinião pública na qual aflora a ânsia condenatória, de vingança, o que afasta a possibilidade do julgamento justo.

 

ConJur — Este momento exige que o advogado criminal adote uma postura mais combativa?
D'Urso — Em um momento como este, sem dúvida nenhuma o desafio se amplia, porque você tem de enfrentar (a hostilidade da sociedade). Não é possível simplesmente deixar passar em branco, fingir que não ouviu, fingir que não está acontecendo. Obrigatoriamente você tem de reagir, tem de ir à opinião pública, até para sensibilizar aqueles que não estão de má-fé.

Se o advogado não tiver a disposição de cumprir seu papel sem se importar se a conduta vai desagradar alguém, se vai isolá-lo, colocá-lo em uma situação de antagonismo à opinião pública e às autoridades, por óbvio ele não pode exercer a advocacia criminal. Essa independência é absolutamente imprescindível para exercer bem o seu papel. E qual é esse papel? É garantir o julgamento justo. O advogado criminal não está na causa para garantir impunidade, para escamotear a verdade, para inventar provas, até porque isso seria crime. Meu pai uma vez me disse: "O advogado criminal tem de passar pelo lamaçal sem sujar as barras da calça". Essa expressão é muito forte, porque efetivamente você vai estar em contato com as mazelas do ser humano, acusações severíssimas, em alguns casos procedentes, em outros não. Portanto, você vai abraçar a defesa de pessoas que são inocentes e de pessoas que são culpadas. Para os inocentes, você vai trabalhar no sentido de demonstrar a sua inocência, buscando absolvição. E, para o culpado, você não pode trabalhar para buscar a inocência a qualquer preço, você tem de trabalhar por uma decisão que traduza justiça, no limite da prova produzida.

Eu faço sempre a equiparação do padre ao exercício da advocacia criminal. O padre, quando está no confessionário, ele ouve o pecado cometido pelo pecador. E ele abomina esse pecado, mas ama o pecador. E nós abominamos o crime, nós odiamos o crime, mas o mesmo amor que tem o padre ao pecador nós precisamos ter ao nosso cliente, seja ele quem for, acusado do que for, tenha ou não cometido a conduta que for.

 

ConJur — Como o senhor lida com os atos de hostilidade que sofre em função de sua atividade profissional?
D'Urso — 
Eu consigo conversar de igual para igual com qualquer um, até com aqueles mais extremados, com um único argumento: se fosse o seu filho nesta situação, como você agiria? Se fosse com você, você não desejaria ter pelo menos o benefício da isenção para examinar se o que está sendo dito é verdadeiro ou não? Para examinar as provas? Por que você não quer a isenção para observar a conduta do semelhante? Aí entra o papel do advogado.

 

ConJur — O exercício da advocacia criminal tem lhe trazido muitos dissabores?
D'Urso — Independentemente da acusação, do que for, você tem um papel a cumprir, e isso às vezes custa caro, muito caro. Sabe quando eu vivi isso pessoalmente? Quando lá atrás, eu, que sou ex-aluno salesiano e devoto de Nossa Senhora Aparecida, me vi na condição de defender o bispo (evangélico) Sérgio Von Helder (que em 1995 chutou uma imagem da padroeira do Brasil em um programa de tevê). Aquilo foi um escândalo. Quando abracei aquela defesa, juntamente com Antonio Claudio Mariz de Oliveira, eu o fiz com absoluta convicção de que ia enfrentar um antagonismo muito grande. Mas, na minha concepção, não havia crime. Tecnicamente, o crime que se estava imputando a ele, o vilipêndio a objeto de culto, exigia que o tal objeto fosse consagrado ou tivesse participado de culto. E não foi o caso, portanto era só uma imagem, como aquelas que o funcionário da fábrica quebra quando têm algum defeito.

Pois bem, até o bispo (católico) que foi meu professor, que era muito amigo do meu pai, me telefonou para perguntar por que eu defendia um camarada que chutou a Nossa Senhora. E eu disse a ele: no plano moral eu estou profundamente ofendido e já falei isso para o meu cliente, mas no plano jurídico ele é inocente e eu vou defendê-lo. E o fiz sob censura não só desse bispo, mas de toda a minha família e dos meus amigos. O mesmo eu senti agora na "lava jato". Um dos meus clientes da "lava jato" é o Vaccari (João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores).

 

ConJur — E o que houve nesse caso?
D'Urso — Em um dado momento desse episódio, ele virou o inimigo público número um do Brasil. Então eu fui a um shopping center e lá fui abordado por um indivíduo que me conhecia de vista e me disse que me respeitava muito, mas que considerava uma vergonha eu fazer a defesa de um indivíduo como aquele (Vaccari Neto). E eu respondi que ele não entendia o papel do advogado criminal. Havia um antagonismo da opinião pública muito grande, mas ela confunde o advogado com o cliente e passa a hostilizá-lo porque não entende nosso papel.

 

ConJur — E qual é o papel da "lava jato" nessa escalada de intolerância?
D'Urso — O momento da "lava jato" foi um extremo que propiciou este momento de ódio a que nós estamos assistindo. Havia uma onda, foi um tsunami, começou lá com a história do Moro (Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça), com o Ministério Público, aí veio a imprensa, veio a opinião pública… De repente estava todo mundo contra aqueles alvos de acusação, pouco importando se aquilo era procedente, se era verdadeiro, bastava ser acusado da "lava jato" e o indivíduo virava leproso. E os advogados que faziam a defesa desses leprosos também estavam contaminados, também se tornavam leprosos. É muito difícil, muito difícil em um momento extremo você conseguir trabalhar. Mas, se você tem uma boa formação, você não se deixa levar, não se intimida. Sobral Pinto falava que a advocacia não é para os covardes.

Você tem de enfrentar essas coisas. "Ah, mas vai ser criticado". Se você não quiser ser criticado, tem de fazer outra coisa. Mas, para enfrentar tudo isso, além da formação, você tem de ter um mínimo de respaldo. Se o advogado estiver desamparado, sozinho, ele pode até reagir, mas sucumbe. Ele precisa ter atrás dele a entidade de classe, a associação, os colegas, enfim, ele precisa ter solidariedade.

 

ConJur — O que o senhor pensa do projeto de lei que reforça as prerrogativas dos advogados (PL 5284/20, em tramitação na Câmara dos Deputados — uma inovação importante é a proibição da quebra da inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado com base em indício, depoimento ou colaboração premiada)?
D'Urso — Bom, em primeiro lugar, a inviolabilidade do escritório de advocacia não é absoluta, e nem pode ser. Ela existe para garantir os arquivos nos quais o cliente nos confiou seus documentos, a sua defesa, mas dizer que o escritório é inviolável mesmo quando o advogado é o investigado, alto lá... Nesse caso, não se pode criar uma espécie de ambiente que está acima da lei. Quanto ao projeto de lei, eu não o conheço, precisaria examiná-lo, mas a situação em que o advogado passa a ser alvo de uma suspeita, de uma acusação, oriunda da palavra altamente suspeita de um delator é uma confusão que se fez muito na "lava jato". O delator é um criminoso que resolveu trair os seus (risos) e usar isso para o seu benefício. Ele não é testemunha. Testemunha vem com isenção, sem interesse na causa. Delator é outra coisa.

Em um contexto desse, valer-se da palavra de um delator para colocar um advogado como alvo de suspeita, e aí fazer uma busca e apreensão no seu escritório, é extremamente temerário. E o dano provocado às vezes é irreversível. Imagine, invadir o escritório de um advogado que foi acusado por um delator e é inocente... Você arrebenta com toda a clientela desse advogado, com todo o negócio dele, com a vida dele, com a profissão dele. E isso baseado no quê? Na palavra de um delator? Isso é uma temeridade. Se o projeto estabelece uma garantia nesse sentido, é excepcional. É bem-vindo.

 

ConJur — A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reagiram duramente contra esse projeto, chegando a chamá-lo de "carta branca para a lavagem de dinheiro". Isso é uma surpresa?
D'Urso — O que eu tenho a dizer sobre isso é que faz parte do folclore de resistência dos organismos, de que esses agentes do Estado se valem para mobilizar a opinião pública contra os projetos que são de interesse da cidadania, que são de interesse da defesa, que são de interesse da advocacia. Quantas vezes nós já vimos isso? Dizem que se passar tal lei, vai acabar a "lava jato", que se passar tal lei, não haverá mais julgamento... Tudo folclore. Não há tecnicidade nessas manifestações, que são feitas para a opinião pública. As entidades de agentes do Estado são suspeitas para opinar sobre um projeto desse porque isso traz um antagonismo aos excessos que muitos deles cometem.

 

ConJur — Então, na verdade, o que se deseja é continuar praticando esses excessos sem constrangimentos?
D'Urso — Quando se dizia que o juiz, ao violar prerrogativa de advogado, cometia crime, nós tivemos uma reação por parte de organismos de juízes dizendo o seguinte: o juiz não poderá mais exercer a judicatura. E por que isso? Exerça-a dentro da lei e não haverá problema algum. Mas, se continuar extrapolando, vai continuar cometendo crimes e vai responder por eles. Então, o que se fazia era pirotecnia para sensibilizar a opinião pública, os veículos de mídia, para formar uma campanha, uma onda contra um projeto que é de interesse da defesa. Eu falo para os meus alunos assim: vamos ver uma partida de futebol em que um time tem um goleiro e o outro não pode ter. É justo esse jogo? Claro que não! Esse jogo está viciado. Então, quando você tem o processo estabelecido na lei com aquela regra, tem de jogar o jogo dentro da regra. Agora, você querer extrapolar a regra, querer fazer uma série de coisas ilegais, produzir provas que não existem, pegar uma suspeita e transformar aquilo em acusação formal, ou uma acusação formal e transformar aquilo em uma condenação, forçando a situação, isso não é a regra do jogo, isso é extrapolar, é uma deslealdade.

 

ConJur — Essa cultura do "lavajatismo", que coloca o direito de defesa em posição delicada, é uma tendência irreversível?
D'Urso — À luz de 40 anos de experiência, eu vejo isso como um movimento pendular. Não faz tanto tempo assim, nós tivemos um episódio que passou a ser conhecido como 'caso Escola Base' (ocorrido em 1994 em São Paulo). Era uma escola de crianças cujos donos foram acusados de abuso sexual. Isso foi fruto do relato de uma criança para uma mãe, que foi à polícia, falou com outras mães, e aí passamos a ter um pré-julgamento. A mídia encampou isso e a autoridade policial, sem nenhuma preocupação, já imputou a autoria criminosa a essas pessoas. Aquilo era uma novelinha, todo dia tinha novidade, todo dia tinha entrevista… Bom, foi decretada a prisão dos três casais donos da escola, vidas destruídas, a escola depredada... Eu atuei nesse processo. E o que se via ali era que não existia prova alguma, tudo era muito frágil, mas era tudo embalado para presente porque a mídia se alimentava daquilo todo dia, a opinião pública se alimentava daquilo, em que pese que o preço fosse uma injustiça muito grande. Bom, resumindo, nem processo teve. O inquérito foi arquivado porque não havia nenhuma prova, tudo foi fruto da imaginação das crianças. E ali houve um arco, a sociedade disse: "Não, está errado, não pode ser assim porque amanhã seremos nós". Aí a mídia recuou, passou a haver um debate muito amplo sobre a necessidade de ouvir o outro lado sempre, a questão ética, a polícia passou a ter uma outra postura e a Justiça recebeu uma lição muito grande.

Quando veio a "lava jato", o pêndulo estava na outra extremidade. E aí tudo isso mudou. A mídia não se preocupou mais em garantir a voz daqueles acusados, não se preocupou mais em dar o mesmo destaque às duas partes, passou a mostrar o poderio do Estado e inflamar cada vez mais a opinião pública. O pêndulo estava lá em cima, na outra extremidade. E assim é até o dia em que começa a cair a ficha, em que as pessoas percebem que tem alguma coisa errada, que muita coisa está sendo desrespeitada, muita gente está indo para a cadeia injustamente. E aí começamos a assistir a uma resistência aos abusos, não à "lava jato". A "lava jato" é importante, prestou um serviço, mas nós não podemos aplaudir e não denunciar os abusos. O que houve de positivo tem de ser elogiado, não tenha dúvida, mas tivemos muito abuso, muita ilegalidade. E aí, para conter o Estado nessa ânsia, passamos a ver essa reação, o pêndulo começou a voltar.

 

ConJur — O senhor tem algum conselho a dar aos jovens advogados que desejam atuar na área criminal?
D'Urso — Eu tenho um recadinho para os jovens: aqueles que pensam em vir para a área criminal por causa do dinheiro, vão fazer outra coisa... O dinheiro tem de ser consequência de uma atividade feita por amor. Se você tiver amor pelo que faz, e o fizer muito bem, dificilmente você não terá uma compensação financeira. Com muito trabalho, estudando a vida inteira, você vai ficar bem. E digo mais: para aqueles que dizem que o mercado está saturado, pode vir porque não está saturado, não. O mercado está escancarado para quem é competente.

 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub