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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

27
Jan22

Frei Damião: por que o Nordeste precisa de santos?

Talis Andrade

Frei Damião

Legenda: Frei Damião de Bozanno, nascido Pio Gionotti, em 5 de maio de 1898, na aldeia de Bozzano, município de Massarosa, na Toscana italiana, chegou ao Brasil em 1931
Foto: Divulgação/Machado Bitencourt
 

 

por 

Na semana que passou, se deu o lançamento do documentário dirigido por Deby Brennand, “Frei Damião: o santo do Nordeste”. O título da película dá a entender que o frade capuchinho teria sido o único homem considerado santo a ter sua trajetória de vida associada à região Nordeste. No entanto, o espaço que hoje é nomeado de Nordeste foi palco de inúmeros eventos capitaneados por homens considerados santos, beatos ou beatas, ainda quando vivos, pela população, sendo eles de origem popular ou não. 

Podemos dizer que o Nordeste é terra de santos, a ponto de os chamados movimentos messiânicos ser um tema fundamental na elaboração do imaginário em torno dessa região. Movimentos como o da Pedra Bonita que, em 1838, levou à morte cerca de 200 pessoas no sertão pernambucano, foi retomado por escritores como José Lins do Rego e Ariano Suassuna e associado ao sertão nordestino e ao que seria sua religiosidade mística e rústica.

Os acontecimentos de Canudos, no sertão da Bahia, uma guerra que se estendeu entre 1896 e 1897, colocando em confronto os seguidores do beato Antônio Conselheiro e o Exército brasileiro, imortalizado pelo livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, que forneceu muitas imagens para a elaboração do imaginário em torno do Nordeste. 

Mas o primeiro santo popular do Nordeste foi o Padre Cícero Romão, da vila e depois cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará, que em 1889 teria sido protagonista, junto com a beata Maria de Araújo, do milagre da hóstia, em que, na eucaristia, a hóstia se transformava em sangue. 

Outros fenômenos messiânicos aconteceram nesse espaço, como o movimento de Pau da Colher, ocorrido no município de Casa Nova, na Bahia, entre 1934 e 1938, em torno do beato José Senhorinho, ligado ao beato paraibano Severino Tavares que, por sua vez, estava ligado ao beato José Lourenço, do Caldeirão, no município do Crato, Ceará. 

 

Ambos movimentos foram duramente reprimidos por forças policiais, levando a matança da maior parte de seus adeptos (o Calderão entre 1936 e 1937 e Pau da Colher no ano seguinte).

 

Muito já se estudou esses fenômenos de religiosidade popular, essas maneiras populares de entender e praticar o catolicismo, muitas vezes para desagrado das próprias autoridades católicas, que colaboravam, quando não demandavam, a repressão aos movimentos. O caso Padre Cícero é emblemático, pois, mesmo sendo um membro da Igreja, foi excomungado e dela apartado. 

A pergunta que sempre se fez é por que o Nordeste é um espaço propício para o desenvolvimento desses fenômenos? 

A miséria da maior parte da população, vítima de carências de todos os matizes, desde carências materiais até carências afetivas e espirituais, o que leva a busca de qualquer amparo, de qualquer ajuda, de qualquer palavra de conforto ou de esperança. Vivendo uma vida terrena muito precária e cheia de sofrimentos, as promessas e profecias messiânicas de finais dos tempos e de salvação após a morte ganhavam logo muitos adeptos. O desespero, a desesperança na vida terrena faziam com que muitos depositassem sua fé nesses profetas populares e suas mensagens de salvação. O analfabetismo da maior parte das pessoas a afastava de uma Igreja oficial que ainda pregava suas cerimônias em latim e participava dos banquetes do poderosos, levando vidas muito distanciadas daquela do Cristo, muitos claramente “vivendo em pecado”, distantes da vida da população. 

 

Os beatos e santos populares se destacavam por falar uma linguagem que todos entendiam, por partilharem visões escatológicas, apocalípticas, muitas vezes atravessadas por elementos religiosos vindos das crenças africanas e indígenas de onde descendia a maior parte dos pobres.

 

Frei Damião de Bozanno, nascido Pio Gionotti, em 5 de maio de 1898, na aldeia de Bozzano, município de Massarosa, na Toscana italiana, chegou ao Brasil em 1931, indo residir no Recife, no Convento Senhora da Penha, da Ordem dos Capuchinhos, à qual pertencia. Sua formação religiosa começou aos 12 anos de idade (1910), numa Igreja Católica, ainda vivendo a reação ultramontana, ou seja, a militância das instituições católicas contra as mudanças trazidas pela modernidade burguesa (a Reforma, o Iluminismo, a Revolução Francesa, o liberalismo, o laicismo, a ciência moderna, o racionalismo, o socialismo, o comunismo, o anarquismo, o espiritismo). Foi ordenado sacerdote um ano após a ascensão do fascismo na Itália, em 1923, que contou com entusiástico apoio e militância da cúpula da Igreja Católica. Foi nesse período que se doutorou em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1925).

O catolicismo tal como entendido e praticado por Frei Damião deve muito a sua formação ultramontana e feita numa Igreja comprometida com o fascismo. O fato de ser filho de camponeses levou a que tivesse muita habilidade em lidar com as populações rurais e interioranas do Nordeste. Percorria o interior dos estados nordestinos através do que chamava de santas missões, realizando caminhadas e romarias, utilizando como símbolos uma cruz e um terço. 

Suas pregações eram feitas em praça pública, sobre um tablado, com microfone e autofalantes, que potencializavam sua voz rouca e diminuta, carregada por um sotaque italiano. Nelas ameaçava a todos com o inferno caso se afastassem da Igreja e aderissem a novas seitas (outras religiões), o demônio era presença contante em suas verdadeiras admoestações contra os pecados, condenava aqueles que viviam amancebados, oferecendo-se para casar a todos que viviam nessa condição, batizava os meninos que não podiam morrer pagãos, interpretava que fenômenos como as secas e os sofrimentos eram fruto de castigos divinos devido aos pecados. 

Essa versão profundamente conservadora da doutrina católica calava fundo numa população praticamente abandonada, não só pelos poderes públicos, mas pela própria Igreja oficial. Suas missões rendiam uma boa arrecadação de esmolas e emolumentos para sua Ordem, a ponto de, mesmo muito doente e sentindo muitas dores por causa de seu grave desvio na coluna, com uma voz quase inaudível, continuar sendo levado pelo Frei Fernando, para muitos lugares.

 

 

Se ele era um santo na visão de muitos populares, sua visão tradicional da missão da Igreja, seu completo distanciamento de um catolicismo renovado pelo Concílio Vaticano II, sua atuação muito em desacordo com a Teologia da Libertação, numa região em que se destacavam grandes nomes do catolicismo progressista como D. Helder Câmara, D. José Maria Pires, D. Aloísio Lorscheider, fez com que, desde os anos sessenta, Frei Damião fosse muito bem recepcionado e bajulado pelas elites políticas tradicionais da região, que via na promoção de suas visitas e na circulação em sua companhia uma forma de agradar os eleitores. 

Ainda em vida, em 1975, foi agraciado com uma medalha cunhada a ouro, na cidade de Sousa (PB), onde ele mesmo celebrou a missa da inauguração de seu busto, esculpido pelo artista plástico pernambucano Abelardo da Hora, no ano seguinte. Em 2004, a cidade de Guarabira (PB), inaugurou o Memorial Frei Damião. Tendo falecido em 1997, no Recife, recebeu os títulos de cidadão pernambucano e recifense.

Mas o episódio onde ficou mais explícito o uso político feito de sua popularidade e, ao mesmo tempo, de seu posicionamento conservador e retrógrado no interior da Igreja Católica, se deu no segundo turno da campanha presidencial de 1989. Um Frei Damião com 87 anos, com um fio de voz, atrapalhado pela saliva que lhe saia permanentemente pelo canto da boca, dada a torção de seu pescoço, comparece ao programa eleitoral do candidato Fernando Collor de Mello, para contrabalançar o apoio que o seu oponente de esquerda, Luís Inácio Lula da Silva, vinha recebendo dos setores progressistas da Igreja Católica, notadamente das Comunidades Eclesiais de Base. 

Foi uma das últimas aparições públicas do “santo do Nordeste”, colocando a sua voz a serviço do candidato que, como ele, fazia um discurso moralizante e moralista contra a corrupção. Sua fala contra o perigo do comunismo e rotulando o Caçador de Marajás do candidato das famílias, dos verdadeiros cristãos, foi decisiva para a vitória daquele que se mostraria um engodo. Fica para imaginarmos, por que ele levou essas informações para seu túmulo santificado, de um venerando da Igreja, em processo de beatificação, situado na capela de N. Sra. das Graças, no Convento São Félix, no Recife, que tratativas foram feitas com a Ordem dos Capuchinhos para que aquela entrevista fosse feita.

09
Jan22

Brasil-2: pandemia e caos econômico e social

Talis Andrade

Retirantes Portinari

Por Altamiro Borges

A barbárie durante a pandemia é tanta que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, instalada no Senado em abril do ano passado e batizada de CPI do Genocídio, indiciou Jair Bolsonaro, muitos capachos do governo e vários empresários inescrupulosos – como Luciano Hang, o “Véio da Havan”, e os sócios da Prevent Senior, onde “óbito também é alta” – por vários crimes previstos na legislação brasileira. 

O presidente da República só não sofreu impeachment porque se aliou aos políticos pragmáticos do Centrão, cedendo cargos públicos e milhões de reais em emendas parlamentares. Concluído seu triste mandato, o fascista poderá ser preso por liderar a maior mortandade da história recente do Brasil. Ele ainda deverá ser julgado no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia/Holanda, por crimes contra a humanidade. 

No cômputo geral, sua gestão na pandemia misturou incompetência gerencial, principalmente no período do general Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde; com genocídio premeditado, expresso na tese anticientífica da imunidade de rebanho via infecção; e com lucro macabro, escancarado nas tentativas de propina na compra da vacina indiana Covaxin ou na ação de planos de saúde, como a Prevent Senior e a Hapvida. 

O negacionismo teimoso do presidente-capitão – que tratou o coronavírus como “gripezinha”, “histeria da mídia” e “coisa de maricas”, que serviu de garoto-propaganda de remédios ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina, e que agiu contra o uso de máscaras e de medidas de isolamento social – só confirmou sua postura criminosa, sua opção pela necropolítica, sua falta de empatia com o sofrido povo brasileiro. 



Desemprego, arrocho e retirada de direitos 

Além das centenas de milhares de mortos e de milhões de sequelados, o péssimo enfrentamento à pandemia da Covid-19 também resultou em efeitos econômicos e sociais ainda mais danosos ao Brasil na comparação com outras nações. 

Enquanto governantes de vários países arquivavam os dogmas neoliberais e aplicavam bilhões de dólares para reanimar suas economias, o “austericídio fiscal” do ministro Paulo Guedes levava à falência quase 600 mil empresas no período, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de setembro último. 

No final de 2019, antes da pandemia, o país tinha 4,369 milhões de estabelecimentos; no segundo trimestre de 2021, o número despencou para 3,788 milhões – baixa de 13,3% ou 581,3 mil empresas a menos. Essa quebradeira agravou ainda mais o quadro de desemprego no país. Neste período, o número de empregados no setor privado caiu 10,1% – de 44,7 milhões para 40,2 milhões. A redução foi de 4,5 milhões de vagas. 

A tragédia social só não foi maior graças ao auxílio emergencial de R$ 600, que foi aprovado em 2020 a partir da pressão do movimento sindical e da bancada progressista no Congresso Nacional. Totalmente insensível, a equipe econômica do governo não tinha previsto qualquer benefício e, quando forçada, aceitou conceder apenas R$ 200 em três parcelas. 

A condução desastrosa do país teve efeitos destrutivos na vida dos trabalhadores. Todos os indicadores pioraram. O desemprego aberto, que já era alto antes da pandemia, explodiu e hoje vitima quase 15 milhões de brasileiros – cerca de 13% da População Economicamente Ativa (PEA). 

Na juventude, a situação é ainda mais desesperadora e sem perspectiva. Entre os jovens de 18 a 24 anos, o desemprego atingiu 27,1% em agosto último. A renda também despencou. Através de planos capengas e parciais, o governo repôs uma parcela ínfima do salário dos trabalhadores que tiveram suas jornadas reduzidas ou seus contratos suspensos na pandemia. Na média nacional, o rendimento dos assalariados com registro em carteira no setor privado e público diminuiu 20%; no caso dos autônomos, a queda foi ainda mais acentuada, de 40%. 



A precarização do trabalho nas empresas 

A pandemia também acelerou a precarização do trabalho. O patronato aproveitou a crise para promover processos de reestruturação produtiva que ceifaram empregos, renda e direitos. Houve a intensificação do trabalho por aplicativos, do home office e de outras mutações com base na tecnologia da informação. 

A uberização, como fenômeno do trabalho sem direitos e massacrante, cresceu sem qualquer controle ou regulamentação. O trabalho remoto é utilizado pelas empresas para sabotar a legislação, alongar jornadas e intensificar a exploração. As denúncias de aumento da jornada por parte de trabalhadores em home office aumentaram 4.205% em 2020. 

Muita gente hoje está disponível 24 horas por dia para ser explorado; novas doenças crescem no mundo do trabalho, como a depressão e a Síndrome de Burnout, que é o distúrbio emocional decorrente da exaustão extrema, estresse e esgotamento físico. A informalidade está virando regra no Brasil. Segundo o IBGE, já são quase 25 milhões de trabalhadores por conta própria. 

O patronato também aproveitou a pandemia para rebaixar os salários. Segundo balanço de julho último do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas), 54% dos reajustes obtidos pelos sindicatos nas datas-base ficaram abaixo da inflação. Só 16,5% dos acordos conquistaram ganhos reais. 

Esse arrocho fica ainda mais grave em função da alta da inflação no último período, que atinge principalmente os alimentos, energia elétrica e combustíveis. Nessa onda da precarização, o governo tentou impor a chamada “carteira verde e amarela” e uma minirreforma trabalhista. Ambas visavam eliminar direitos – principalmente da juventude, com a extinção das férias e do 13º salário –, mas foram barradas temporariamente graças à pressão do sindicalismo. 

Já no setor público, o governo segue tentando aprovar a Proposta de Emenda Constitucional da reforma administrativa – também batizada de “PEC da rachadinha” –, que acaba com a estabilidade e as carreiras no funcionalismo, estimula a privatização e a terceirização e degrada a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. 


** Continua...

28
Nov21

Sou cúmplice da pobreza indecente que existe em meu país

Talis Andrade

 

Desse fracasso escandaloso todos somos parte, como autores ou como cúmplices

26
Jul21

Imigração: quase 3 mil crianças brasileiras entraram ilegalmente nos EUA pelo México em apenas 2 meses

Talis Andrade

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Foto PAUL RATJE/AFP. Agente do órgão americano de Alfândega e Controle de Fronteira patrulha área no Texas pela qual costumam passar imigrantes sem documentação

 

O Brasil já é a sétima origem mais frequente de migrantes sem visto, à frente de Cuba e Venezuela

 

  • por Mariana Sanches /BBC News 

- - -

Apenas em maio e junho de 2021, 2.857 bebês e crianças brasileiros com até 6 anos de idade atravessaram irregularmente a fronteira dos Estados Unidos com o México e acabaram detidas pelo serviço de migração.

Esses dados inéditos do órgão americano de Alfândega e Controle de Fronteira, obtidos pela BBC News Brasil, apontam que o total de menores de 6 anos apreendidos por agentes americanos em apenas dois meses já supera todo o acumulado dos 7 meses anteriores.

Destas 2.857 crianças, 12 entraram no país sem a companhia dos pais ou de algum responsável legal por elas e, no momento do encontro com autoridades americanas, foram mantidas temporariamente sob custódia do governo do democrata Joe Biden.

Uma delas é o bebê João*, de um ano e meio, cuja história a BBC News Brasil contou em detalhes há uma semana. João passou mais de um mês em um lar temporário no Estado da Virgínia depois que foi encontrado na companhia dos avós, encaminhados para deportação. A mãe dele, que conseguiu acesso aos EUA depois de atravessar a fronteira com seu outro filho adolescente, precisou comprovar não ter antecedentes criminais no Brasil para poder se reunir ao bebê. Agora, eles esperarão em território americano pelo desfecho de seu processo na Justiça migratória.

Os números da imigração brasileira irregular têm crescido a cada mês, e atraído atenção crescente do serviço migratório americano. O país já é a sétima origem mais frequente de migrantes sem visto, à frente de Cuba, Haiti, Nicarágua, Colômbia e Venezuela, países que vivem intensas crises domésticas e com histórico de remeter grandes quantidades de população ao território americano. A cifra de brasileiros detidos em 2021 ao avançar pela fronteira dos EUA sem visto (29,5 mil) é o recorde registrado em toda a série histórica, que mede tais movimentos por nacionalidade desde 2007. Há 10 anos, em 2011, apenas 472 brasileiros foram detidos na mesma condição.

A esmagadora maioria das quase 4.867 crianças de até 6 anos que chegaram dessa forma aos EUA desde outubro passado estava acompanhada dos pais. O mesmo vale para as outras 1.297 crianças brasileiras entre 7 e 9 anos e os 2.585 pré-adolescentes e adolescentes entre 10 e 17 anos que, igualmente, fizeram o trajeto no período. É o que as autoridades americanas chamam de unidades familiares: ⅔ dos quase 30 mil brasileiros já detidos pela imigração em 2021 estavam em famílias nucleares, o que inclui pais e filhos.

Essa configuração tem a ver com uma estratégia estimulada pelos coiotes, como são chamados os operadores dessas rotas ilegais. Eles incentivam a prática do "cai-cai": ou seja, a viagem de migrantes sem visto com seus filhos menores de idade para garantir que os adultos não sofram deportação imediata na chegada aos EUA, quando se apresentarem às autoridades locais.

"Acompanhei o caso recente de um homem que juntou os US$ 12 mil cobrados por um coiote e ficou furioso quando a mãe de sua filha, com quem não era casado, não aceitou que a menina de 15 anos o acompanhasse na jornada pelo México. Ele dizia que para fazer um 'investimento' tão alto, precisava ter a certeza de que não seria deportado. E isso só seria possível com a presença da adolescente, que não seria deportada nem separada de seu pai", relata a socióloga Sueli Siqueira, especialista em migração de brasileiros para os EUA da Universidade do Vale do Rio Doce.

Estratégia 'cai-cai'

Tanto autoridades brasileiras quanto americanas ouvidas pela reportagem afirmam que a estratégia "cai-cai" havia sido praticamente abandonada durante a gestão Trump, quando o então presidente republicano adotou práticas como a separação entre pais e filhos, a deportação sumária de menores de idade e a obrigatoriedade de esperar pela resposta ao pedido de asilo em território mexicano.

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Famílias latino-americanas continuam contratando 'coiotes' para chegar aos EUA, em viagens arriscadas

 

Mas todas essas medidas restritivas foram revistas e, parcial ou totalmente, abolidas ainda na gestão Trump ou já no governo Biden, o que levou à retomada do "cai-cai".

Eleito sob a promessa de tornar o sistema de migração "mais humano" e de criar um caminho de obtenção de cidadania para 11 milhões de migrantes que já vivem no país sem documentos, Biden tem encarado uma crise no assunto, com a chegada de quase 1,3 milhão de pessoas pela fronteira apenas em 2021. Dessas, 95 mil eram menores de idade sem os pais ou responsáveis.

O volume levou o atual presidente a designar a vice para gerir o problema. Em visita recente à Guatemala, Kamala Harris foi clara: "Não venham (aos Estados Unidos)".

É improvável, no entanto, que o apelo tenha efeito sobre os latino-americanos que querem tentar a vida nos EUA agora. Afundada em um misto de crise econômica e descontrole pandêmico, a região vive uma espécie de nova década perdida, que lembra os anos 1980. Não por acaso, foi nesse período que a primeira grande onda de migrantes brasileiros chegou aos EUA, em fuga do desemprego e da inflação alta. Agora, de acordo com o IBGE, o desemprego no Brasil se aproxima dos 15% e a inflação tem mostrado força especialmente em itens básicos, como alimentos.

Para a socióloga Sueli Siqueira, a "desesperança com a política e a economia do Brasil" e a "crença de que Biden vá tornar mais fácil a vida de quem vem de fora" têm alimentado o fluxo de brasileiros, que deve se manter alto ainda por muitos meses.

Ela nota ainda que as características dessa migração - majoritariamente em família - também indicam que essas pessoas estão tentando uma mudança definitiva de país, um reassentamento e recomeço de vida, e não apenas trabalhar ganhando em dólares por algumas temporadas para depois regressar ao Brasil.

30
Out20

Visão do inferno

Talis Andrade

 

Por Hildegard Angel /Jornalistas pela Democracia 

O fogo nos consome. Queimam os sabiás, as palmeiras de Bilac, as onças do Pantanal, a maçaranduba, o cedro, os jatobás de nossa Floresta Amazônica. O hospital público deficitário arde em chamas e respira por aparelhos, num esforço desesperado para, mesmo sem fôlego, salvar nossas vidas secas. O incêndio não é desastre, é projeto. A Pátria é o butim que eles golpeiam, esquartejam, repartem.

Como hienas famintas, se atiram sobre nossas carnes. Um quer o Banco Central pra dividir com seus cupinchas. Outro quer dar o sistema de saúde pros comerciantes da dor, nem que para isso se redija nova Constituição. O senador pleiteia o aquífero pra sua multinacional vender em garrafas plásticas. O Pré-sal já se foi, junto com nossas esperanças equilibristas... 

Enquanto isso, o “imperador piromaníaco”, assim tão bem definido por seu ex-porta voz, toca sua harpa em desafino com a vida, e “o coral dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”.

Quando partirem, nos deixarão a carcaça atirada na caatinga, como no quadro de Portinari. E nós, brasileiros, condenados a sermos eternos retirantes, passeando nossa desgraça ante os olhos distantes de robustos espectadores estrangeiros, que assistem pela TV ao holocausto do Terceiro Mundo, como seriado da Netflix.

25
Out20

Araújo confessa: atua para Brasil ser pária; delinquência ataca João Cabral

Talis Andrade

blog PANORAMA: JOÃO CABRAL DE MELO NETO – Espanha e Touradas

por Reinaldo Azevedo

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Ninguém mais tem o direito de desconfiar de que o Brasil está se tornando um pária no mundo, seja pelas escolhas do governo em matéria de política externa, seja por sua atuação em organismos e fóruns multilaterais, seja por sua política ambiental, seja pelo incentivo à barbárie cultural, à estupidez e à ignorância mais rombuda.

Tudo isso se conjugou nesta quinta no discurso do chanceler Ernesto Araújo durante solenidade de formatura no Instituto Rio Branco. Os formandos escolheram como patrono o diplomata e poeta João Cabral de Melo Neto, que morreu em 1999.

É o autor do célebre poema "Morte e Vida Severina", de 1955, que virou peça de teatro em 1966, com música de Chico Buarque. É, sim, uma obra de crítica social, mas já então a artesania do verso se mostrava evidente num texto que trata das mazelas da seca e das "vidas severinas" que a tudo suportam em busca de alguma transcendência — a esperança que seja.

João Cabral nunca foi esquerdista ou escreveu obra de militância. Ao contrário: parte da crítica engajada apontava o seu alheamento das questões políticas e seu suposto apego excessivo ao formalismo. É preciso ser um tarado ideológico, dotado de uma ignorância profunda, para apontar viés esquerdizante na sua poesia.

Ainda que houvesse, pergunta-se: e daí? Isso impede a boa obra? Arte e política não costumam formar uma mistura tranquila, tampouco eficaz. Assim como as revoluções não geram necessariamente boa poesia, é uma tolice supor que poesia possa fazer revolução, embora, por óbvio, a arte se deixe marcar por seu tempo. Mas aquela que permanece transcende as disputas mundanas.

João Cabral foi um poeta gigantesco, seja pelo rigor formal, seja pela dimensão humana, transcendente e, a seu modo, metafísica da obra, que passou longe de vulgatas do pensamento de esquerda ou de direita. Toda arte carrega, é evidente, valores ideológicos intrínsecos, mas estes não são o desiderato do discurso artístico.

Acontece que o olavista — discípulo do astrólogo Olavo de Carvalho — Ernesto Araújo não passa de um prosélito medíocre e de um recém-convertido ao pensamento de extrema direita. Então as brutalidades que o seu mestre consegue sigilar num discurso mais elaborado — quando não está dedicado a proferir palavrões e a fazer digressões sobre o orifício excretor alheio —, ele o faz de modo grosseiro, extravasando a sua ignorância arrogante.

O pêndulo de Bolsonaro vinha se deslocando para o centro, ainda que muito distante dele. Para os acordos com o Centrão, a conversa vale. Mas é evidente que decidiu que é chegada a hora de fazer concessões a seus soldados de extrema-direita. O ataque à vacina do Instituto Butantan é um sinal para juntar a tropa. E o mesmo se diga do discurso de Araújo.

O chanceler resolveu deixar claro como Brasil vê o mundo e como nele se vê, com ataques à ONU e, claro, genuflexão no altar de Donald Trump. Afirmou:

"Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, por exemplo, os presidentes Bolsonaro e Trump foram praticamente os únicos a falar em liberdade. Naquela organização, que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu. Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária. Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, do lado de fora, do que ser um conviva no banquete do cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e dos semicorruptos. É bom ser pária. Esse pária aqui, esse Brasil; essa política do povo brasileiro, essa política externa Severina -- digamos assim -- tem conseguido resultados".

É mesmo? Quais resultados?

Que o agronegócio ouça. Que os industriais fiquem atentos. Que os mercados abram os ouvidos. Por alinhamento ideológico, o ministro das Relações Exteriores resolveu transformar o país num pária internacional e se orgulha disso.

O último resultado vistoso de Araújo foi a imposição de sobretaxa, pelos EUA, para o alumínio brasileiro.

Aí ele resolveu falar sobre o que não sabe e não leu, não sem deixar claro que, na sua mentalidade, o papel das Severinas e Severinos é servir a gente como Araújo, mas crendo em Deus e temendo o comunismo.

Contou que uma emprega doméstica que trabalhava em sua casa na década de 80 chamava-se... Severina. E que ela odiava o comunismo porque este é "contra Deus".

E atacou João Cabral, que teria se voltado "para o lado errado, para o lado do marxismo e da esquerda".

E mandou ver:

"Sua utopia, esse comunismo brasileiro de que alguns ainda estão falando até hoje, constituía em substituir esse Brasil sofrido, pobre e problemático por um não-Brasil. Um Brasil sem patriotismo, sujeito, naquela época, aos desígnios de Moscou e, hoje, nesse novo conceito de comunismo brasileiro, sujeito aos desígnios sabe-se lá de quem".

É tanta bobagem reunida que nem errado ele consegue ser.

Chulo, vulgar e ignorante, acusou a esquerda de reduzir tudo a "conceitos como gênero e raça" e de querer promover "a ditadura do politicamente correto e da criação de órgãos de controle da verdade".

Sempre que um extremista de direita ataca o que chama de "ditadura do politicamente correto", fiquem certos: está com vontade de ofender mulheres, negros e gays e acha um absurdo que a lei puna o que ele considera ser "liberdade de expressão".

E emendou frases de efeito:

"Todo isentão é escravo de algum marxista defunto. Tratar os conservadores de ideológicos é o epítome da prática marxista-leninista: chame-os do que você é, acuse-os do que você faz".

"Isentão" é vacabulário de bloqueiro arruaceiro e fascitoide.

Não perguntem a Araújo em que livro Lênin escreveu essa frase, que é carne de vaca do olavismo, porque ele terá de perguntar ao mestre, que responderia: "Sei lá eu, porra! Isso sou eu lendo Lênin".

Ah, sim: a questão ambiental seria só uma orquestração da esquerda, também parte da "estratégia comunista". E, terríveis que são, os esquerdistas aproveitaram o coronavírus para tentar implementar um "gigantesco aparato prescritivo, destinado a reformatar e controlar todas as relações sociais e econômicas do planeta". A isso ele chamou "covidismo".

Não era um discurso no hospício. Era o chanceler brasileiro numa cerimônia de formatura.

Que as pesquisas se cumpram e que Biden vença a eleição nos EUA. Quem sabe as escolhas do povo americano façam com que nos livremos da delinquência intelectual no Itamaraty. 

 

25
Out20

É preciso responder à infâmia contra João Cabral de Melo Neto

Talis Andrade

João Cabral de Melo Neto: A carreira diplomática com touradas na Espanha e  intrigas em Londres

 

Olhem o que fala a besta do fascismo no Itamaraty, quando participou de uma formatura do Instituto Rio Branco na quinta-feira, e criticou o escritor e diplomata João Cabral de Melo Neto, escolhido como patrono da turma.

Os intelectuais brasileiros têm uma tarefa inadiável, acima de todas as outras. Acima da família, da prática cotidiana, acima das suas religiões, crenças ou credos. Hoje, esta é a mais urgente das mais urgentes tarefas: destruir o governo Bolsonaro. 

Não se trata somente de fazê-lo sair logo do Planalto, uma tarefa da maioria do povo, de todos os cidadãos do Brasil. Não se trata somente de levá-lo aos tribunais brasileiros e internacionais. É além disso. Trata-se de destruir o governo Bolsonaro. É um imperativo, um dever de consciência. 

Eis uma das razões. Olhem o que fala a besta do fascismo no Itamaraty, quando participou de uma formatura do Instituto Rio Branco na quinta-feira, e criticou o escritor e diplomata João Cabral de Melo Neto, escolhido como patrono da turma:

“A utopia de João Cabral, esse comunismo brasileiro de que alguns ainda estão falando até hoje, consistia em substituir esse Brasil sofrido, pobre e problemático por um não-Brasil, um Brasil sem patriotismo”

Mas o que era mesmo a utopia de um dos maiores poetas brasieliros? Numa de suas lições isto: 

“Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos”.

Mas o excremento fascista no Itamaraty aproveitou a solenidade e cometeu mais este jato: 

“Sim, o Brasil hoje fala de liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária, que sejamos esse severino que sonha e essa severina que reza”. 

Essa é uma infâmia primeiro à poesia, segundo a João Cabral de Melo Neto, terceiro à inteligência e honra nacional. O Severino universal do poeta é  outro, diferente em tudo das trevas no poder:

Poema célebre de João Cabral tem versão em desenho animado - MEC

“— Seu José, mestre carpina,

e em que nos faz diferença

se acabamos naufragados

num braço do mar miséria?

*

— Severino, retirante,

muita diferença faz

entre lutar com as mãos

e abandoná-las para trás….

*

— Seu José, mestre carpina,

que lhe pergunte permita:

há muito no lamaçal

apodrece a sua vida?

e a vida que tem vivido

foi sempre comprada à vista?

*

— Severino, retirante,

sou de Nazaré da Mata,

mas tanto lá como aqui

jamais me fiaram nada:

a vida de cada dia

cada dia hei de comprá-la”João Cabral de Melo Neto Archives - CENPEC

Mas para o fascista no Itamaray o Brasil e Severinos devem ser:

“Na ONU, que teria sido, que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu. Sim, o Brasil hoje fala de liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária” 

Por isso retornamos: é preciso destruir o governo Bolsonaro. Então esclareço o modo como esse alto e necessário imperativo de consciência pode ser realizado: é preciso destruir a ideologia fascista, é preciso destruir a ordem e moral fascista, é preciso lutar sem tréguas ou quartel, em todas as tribunas, em todas as escolas, jornais, televisão, rádio, conversas íntimas, conversas públicas, nas ruas, em casa, no campo e na cidade. O mal que está no Planalto é um câncer que contamina e se propaga em metástase no seio do povo brasileiro. É preciso destruí-lo como a nossa mais nobre e urgente tarefa. As perguntas que caem sobre nós são estas:  

- És um escritor? 

- És um poeta? 

- És um professor?

- És um músico, um cineasta, um jornalista, um pintor, um artista de teatro?

Se respondermos “sim”, devemos então responder à pergunta seguinte: 

- És um homem? 

- Sim. 

Então este é o nosso caminho: destruir o governo Bolsonaro. De todas as formas, conteúdos e maneiras. Ou não poderemos sequer olhar a altura da nossa civilização. Ou não seremos dignos destes versos:Morte E Vida Severina: Amazon.es: João Cabral de Melo Neto: Libros

“— Severino retirante,

deixe agora que lhe diga:

eu não sei bem a resposta

da pergunta que fazia,

se não vale mais saltar

fora da ponte e da vida;

nem conheço essa resposta,

se quer mesmo que lhe diga;

é difícil defender,

só com palavras, a vida,

ainda mais quando ela é

esta que vê, severina;

mas se responder não pude

à pergunta que fazia,

ela, a vida, a respondeu

com sua presença viva.

E não há melhor resposta

que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,

que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,

teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco

em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena

a explosão, como a ocorrida;

mesmo quando é uma explosão

como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão

de uma vida Severina”. 

Que o poeta e sua defesa encarnem uma ação contra a infâmia que chamam de Bolsonaro.

 

 
09
Abr20

Sem trabalho, com fome e medo de ir ao médico: o drama dos brasileiros ilegais na quarentena em Londres

Talis Andrade

drama imigante.jpg

 

Luis Barrucho 
Da BBC News 


Para G., o retorno ao Brasil tem um gosto amargo.


"Estou indo embora sem realizar meus planos.Sem poder ter ajudado a minha família. A gente conhece a realidade do Brasil. Sou de uma cidade no interior de São Paulo, onde é muito difícil para arranjar trabalho e mesmo trabalhando você recebe um salário que não é digno. O pouco que você recebe, mal dá para se alimentar, comprar uma casa e se vestir bem. No Brasil, não temos mínimas condições de vida", diz.


"Se não fosse o coronavírus, teria ficado aqui. Não estou ilegal porque eu quero. Adoraria estar pagando os meus impostos como todo cidadão. E tudo por causa de um maldito papel. Até quando um documento vai determinar quem é humano ou não? É um papel que diz o que nós somos? Achei que fosse o nosso caráter, a nossa dignidade, as nossas palavras, mas isso não vale de nada se você é um fantasma", desabafa.


"Saí do Brasil fugindo da minha realidade. Sempre estive fugindo de alguma coisa. No Brasil, é da criminalidade, do governo que rouba o nosso povo. Aqui, continuo fugindo - da polícia de imigração. O sonho de muitos brasileiros ilegais é conseguir esse papel para mostrar que somos gente", acrescenta.


G. conta que chegava a trabalhar de "15 a 18 horas por dia".
"Como ganhamos por hora, quanto mais trabalhar melhor. Mas imagine sair para trabalhar e ter que esconder o material de trabalho, mudar de rota quando tem batida no metrô", diz.

 

"O pior dia da minha vida aqui foi quando fui aprovado em uma entrevista de emprego e tive que mentir quando me pediram meu documento. Falei que ia buscá-lo no carro e nunca mais voltei. Tive que virar as costas para uma oportunidade honesta. Era para ser chapeiro em uma cozinha. Um trabalho tão pequeno para muitos, mas para mim gratificante. Poderia ter uma renda fixa", relembra.


Quase ao fim da conversa de 1h com a BBC News Brasil, G. faz seu último desabafo.
"Imigrante ilegal não pode reclamar. Tem muitas pessoas que tiram proveito da nossa situação. Tem muitos brasileiros que tiram proveito de brasileiros, muitos britânicos que tiram proveito de brasileiros, que nos ignoram, que sentem nojo e repúdio da gente, mas que se beneficiam do nosso trabalho indiretamente", diz.


"Quer saber como? Quem você acha que vai entregar a comida na sua casa com tudo fechado?", indaga.
"Agora, se a gente vai comer ou não, não importa. Somos esquecidos. Acho que muitos brasileiros ilegais vão morrer. Ou de fome, por não ter o que comer, ou do vírus, por não ter a quem pedir ajuda. Isso se não formos presos antes", conclui. Transcrevi trechos. Leia mais

 

09
Abr20

Ignorados pelos EUA, imigrantes ilegais apelam ao governo brasileiro por ajuda

Talis Andrade

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Brasileiros sem documentos não têm direito ao auxílio de US$ 1,2 mil aprovados recentemente pelo governo americano

 

por Mariana Sanches e Rafael Barifouse
Da BBC News 

Consultado, o Itamaraty informou que não teria como consolidar os números de pedidos de ajuda de brasileros em situação de "desvalimento" nos Estados Unidos em tempo hábil. Mas segundo a BBC News Brasil apurou, na última semana, apenas o consulado em Boston recebeu mais de 900 pedidos de ajuda, e o número tende a aumentar conforme a quarentena se prolongue.

"Nas últimas 48 horas, mais de cem brasileiros nos procuraram em busca de auxílio financeiro: quase ninguém pagou o aluguel, muita gente com criança pequena e há semanas sem receber nenhum dinheiro", afirma Tiago Prado, um dos líderes comunitários brasileiros na região de Boston que ajuda a organizar e encaminhar as demandas dessas pessoas para instituições de caridade e autoridades brasileiras.

Por decisão judicial, ordens de despejo estão suspensas por enquanto, e a orientação de ONGs e líderes comunitários é de que as pessoas deixem de pagar o aluguel e mantenham o dinheiro que têm em mãos para gastos com comida e remédio.

"Não posso pagar o aluguel e ficar sem ter o que comer", resume André*, de 27 anos, há cinco anos, morador de Nova York, a megalópole do Estado mais afetado pelo coronavírus, que responde sozinho por 150 mil casos.

A cidade está em quarentena total desde 22 de março. André perdeu o emprego de garçom antes disso, e viu todas as outras formas de trabalho desaparecerem. Sem recursos e sem visto, tomou uma decisão drástica: saiu de sua própria casa para sublocar o espaço e conseguir alguma renda.

Nesse período, foi morar com um amigo, dono de um restaurante, que tentar salvar o que restou do negócio apostando no delivery. Em troca do teto, André faz as entregas do restaurante. Ele diz que teme se contaminar, mas que não vê outra opção a não ser sair por aí com refeições sob o braço para arrumar um jeito de viver. André não possui convênio médico, e os EUA não contam com um sistema universal de saúde pública. Seu alívio é saber que o Congresso americano aprovou uma lei que obriga o Estado a custear testes e tratamento de saúde para quem contraia o vírus, independente de convênio ou de status migratório.

Embora a expectativa inicial seja de que a quarentena dure até o dia 30 de abril, André acredita que a situação vai se estender até o fim de junho, o que é provável, considerando-se que os EUA se converteram no novo epicentro global da doença no mundo. Hoje, a cada quatro infectados, um está no país: são mais de 400 mil contaminados e 15 mil mortos. E o pico da epidemia, de acordo com a projeção da Casa Branca, acontecerá por volta do dia 15 de abril. Transcrevi trechos. Leia mais 

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15
Mar20

Precariado, corona vírus e pandemia

Talis Andrade

 

THIAGO-LUCAS_ empreendedor & outros bichos .jpg

 

por Pedro Simonard

Nas últimas enchentes que levaram o caos a Belo Horizonte no último mês de janeiro uma imagem causou impacto: um entregador que trabalha “com” o iFood, no meio da enchente, com água até o joelho, indo fazer uma entrega. Ele não tinha opção já que ele é um “empreendedor” é só recebe quando trabalha. A justiça já definiu que não há vínculo empregatício entre os aplicativos de entrega de comida – iFood, Uber Eats e outros – e os entregadores. Em decisão da Justiça de Trabalho de São Paulo uma juíza afirmou que há “ausência de vínculo de emprego por falta de preenchimento dos requisitos necessários”. E quais são os requisitos necessários para que haja vínculo empregatício? São cinco. A subordinação (o empregado deve cumprir as ordens do empregador), habitualidade (a prestação de serviço deve ser contínua e com uma expectativa de continuidade entre patrão e empregado), onerosidade (o empregado presta um serviço ao empregador e recebe um pagamento por isto), pessoalidade (ocorre quando um trabalhador não pode ser facilmente substituído por outro), pessoa física (o empregado não pode ser uma pessoa jurídica). No caso dos ifooders e dos ubereatsers – não existem os farialimers? - não se configura a subordinação porque o “empreendedor autônomo” é “livre” para escolher quais entregas fará sem sofrer punição por isto, descaracterizando a subordinação, e não se configura a habitualidade, porque o entregador pode escolher “livremente” seu horário de trabalho, o meio pelo qual irá trabalhar e quando irá trabalhar, descaracterizando a habitualidade. Se não há subordinação nem habitualidade a magistrada da Justiça do Trabalho entendeu que não há vínculo empregatício. Sendo assim, de acordo com seu “livre arbítrio” o entregador Wesley Muniz , fotografado dentro da enchente, decidiu por conta própria que realizaria a entrega. 

Esta seria a justificativa do discurso neoliberal que chama desempregado de empreendedor. Segundo as mudanças nas leis trabalhistas brasileiras realizada segundo os preceitos neoliberais, a relação de trabalho se dá entre iguais e coloca em interação social alguém que quer contratar mão de obra e alguém que, em pé de igualdade, quer vender sua mão de obra. Isto é uma grande falácia porque o que vende sua força de trabalho é forçado a vendê-la para sobreviver. Assim como ele, outros milhares querem vender sua força de trabalho para poucos que querem comprá-la e que, devido a isto, podem reduzir o valor do trabalho.

Na verdade, Wesley foi fazer a entrega arriscando-se a contrair uma leptospirose ou a ser carregado pela correnteza da enxurrada ou a ser tragado por um buraco porque ele só recebe pagamento pela entrega realizada. A vida dura do trabalhador precarizado não permite que ele se dê ao luxo de não trabalhar. A paga é pouca e para conseguir amealhar algo que lhe permita colocar-se um pouco acima do trabalho escravo e/ou da miséria absoluta ele tem que trabalhar muitas horas quase sem descanso.Esta dura relação de trabalho onde o “empregador” – já vimos que não se pode considerar o iFood e o Uber Eats como empregadores – maximiza seus lucros explorando mais-valia absoluta de um trabalhador que não possui nenhum direito trabalhista é muito bem abordada no filme Você não estava aqui (Sorry we Missed You, 2019) do cineasta britânico Ken Loach, conhecido por seus filmes políticos entre os quais Terra e liberdade (Land and Freedom, 1995 e Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake, 2016). Você não estava aqui explora a difícil relação entre um trabalhador precarizado e sua família, estando ele sempre ausente de casa devido a seu trabalho. A sequência inicial deste filme começa com um diálogo que ilustra bem a fragilidade da relação entre um trabalhador especializado desempregado, em situação desesperadora e que aceita um trabalho precarizado e um “empregador” muito à vontade para explorar o trabalhador porque sabe que há um enorme exército de desempregados e, mais cedo ou mais tarde, alguém mais desesperado aceitará as relações de trabalho aviltantes que ele propõe. O diálogo começa com o trabalhador, outrora um especializado operário da construção civil, enumerando uma infindável lista de atividades especializadas que ele é capaz de executar. O “empregador”, cujo uniforme demonstra que não é o dono da empresa, pergunta-lhe porque ele largou o trabalho e ele responde que largou porque estava cansado de fazer o que fazia e porque seus colegas de trabalho eram preguiçosos e que prefere trabalhar por conta própria. O “empregador” pergunta-lhe, então, se ele já recebeu seguro desemprego e ele responde que tem dignidade e que preferiria passar fome a receber o seguro desemprego. O “empregador” retruca dizendo que o trabalhador é “um dos nossos”. E continua: “vamos deixar as coisas claras. Nós não te contratamos, você embarca. Chamamos isto de onboarding. Não trabalha para nós, trabalha conosco. Você não dirige para nós, realiza serviços. Não há contratos, não há metas de desempenho. Tem que atender às normas. Não há salário, senão comissões por serviços prestados. Está claro?” Ao que o trabalhador responde “sim, sim, tudo bem” e agradece.

Este diálogo e a situação de Wesley Muniz explicitam de maneira cabal as novas relações de trabalho que os neoliberais cinicamente defendem, alegando que se dão entre pessoas livres que em pé de igualdade decidem estabelecer uma relação de trabalho livre onde qualquer uma das partes pode romper a relação no momento em que assim o desejar. O trabalhador precisa trabalhar todos os dias, o máximo de horas possíveis para fazer um ganho que lhe assegure a reprodução da sua força de trabalho. Isto o torna vulnerável em vários aspectos, inclusive no que concerne à sua saúde. E aí surge um problema nestes tempos de pandemia de corona vírus.

As notícias difundidas pela grande mídia dão conta que o corona vírus se propaga rapidamente e é muito letal e esta informação é o que a maioria da população retém e aceita como a única verdade, muito graças às imagens de pessoas usando máscaras nas ruas, de disputas por alimentos em supermercados que ajudam a causar medo e pânico, utilizados pelos governos para chantagear a população. No Brasil, o Ministro da Fazenda Paulo Guedes não se cansa de ameaçar a população, condicionando o combate ao corona vírus à aprovação das reformas que vão piorar ainda mais as condições e vida do trabalhador brasileiro.

Os médicos e cientistas afirmam que este vírus é muito menos letal que outros que já apavoraram a população mundial no século XXI como o ebola e o H1N1. Mas esta informação não é retida pela população. O irresponsável presidente da República, o tosco Jair Bolsonaro, afirmou em live que o perigo do vírus está sendo “superdimensionado” pela imprensa irresponsável, mas afirmou isto utilizando uma máscara para se proteger. O que fica desta imagem é que se ele, o presidente da República que goza de uma série de regalias, está usando máscara é porque o risco é alto e todos estão sujeitos ao ataque do vírus.

O combate à doença recomenda boa alimentação, descanso e isolamento. O trabalhador precarizado, sem direito a descanso semanal remunerado e sem horário de trabalho pré-estabelecido, não se alimenta saudavelmente, não descansa e tem que se relacionar com várias pessoas durante sua jornada exaustiva de trabalho. Sua atividade laboral coloca sua vida em risco, bem como a vida daqueles que entram em contato com ele. Este trabalhador é submetido a uma rotina de trabalho exaustiva que prejudica sua saúde e afeta o seu sistema imunológico. Por outro lado, descanso e isolamento significariam que o precarizado deveria permanecer em sua casa enquanto o risco de contágio permanecesse. Para ele, contudo, não ir trabalhar significa não ter dinheiro para sobreviver. E lá vai ele, o trabalhador precarizado, trabalhar, lá vão os milhares de ifooders e ubereatsers, sem outra opção, fazer entregas, expondo-se e expondo aqueles com quem entram em contato ao risco de contágio pelo corona vírus. Mas não são apenas os precarizados que correm risco. Os carteiros, por exemplo, manuseiam pacotes e cartas vindas de locais onde o corona vírus está disseminado e também entram em contato com várias pessoas durante sua jornada de trabalho. Tal como os pracarizados e outros trabalhadores não precarizados, os carteiros também podem se tornar vetores do vírus.

As novas relações de produção capitalistas pressupõem um Estado que não investe em políticas sociais voltadas para os trabalhadores e direciona o dinheiro que seria nelas investido para o financiamento o grande capital. Nesta crise atual, o governo Trump anunciou ajuda de 200 bilhões de dólares para socorrer as empresas estadunidenses. Três dias depois, o governo alemão anunciou “ajuda ilimitada” às empresas alemãs para superação da crise econômica. Nenhuma medida para a geração de empregos ou para repassar dinheiro para os trabalhadores para que possam ficar em casa e se protegerem do vírus. Nenhuma medida para baratear o preço dos remédios e de produtos para assepsia, mas muitas medidas que visam liberar dinheiro para aperfeiçoar os mecanismos de concentração de capital e precarização do trabalho ou alguém duvida que este será o resultado final desta crise do capitalismo? Ela resulta do desmonte do Estado, dos cortes no orçamento e nos investimentos públicos, da desregulamentação do trabalho e das leis trabalhistas e os governos não propõem nenhuma medida para rever estes equívocos.

O fato é que o vírus atinge o Brasil em um momento em que o país está sendo governado por indigentes cognitivos e entreguistas paus-mandados do imperialismo. Seria interessante as esquerdas se unirem e convocarem uma greve geral para o dia 18 de março, aproveitando que uma das recomendações para combater a propagação do corona vírus é evitar aglomerações e ficar em casa. Parar a produção até o governo Bolsonaro cair. Seria importante, também, a criação de grupos de ajuda mútua que contribuíssem para a criação de medidas que permitissem que todos os trabalhadores, os precarizados sobretudo, pudessem ficar em casa sem passar por dificuldades. Entre as reivindicações desta paralisação, além do #ForaBolsonaro e #EleiçõesgeraisJá, o fim do teto de investimentos, mais verbas para o SUS, contratação de mais profissionais de saúde, mais verbas para a educação e a pesquisa, políticas públicas de distribuição de renda, medidas emergenciais para a criação de empregos, fim das privatizações e reestatização de todas as empresa que foram privatizadas desde 2016.

Esta crise do capitalismo globalizado intensificada pelo corona vírus enfraquece o capitalismo e o discurso ideológico que o sustenta. Poderia se tornar uma ótima oportunidade para o estabelecimento de novas relações de produção e de trabalho que contribuíssem para o fim da exploração do trabalhador. Contudo, os movimentos sociais e os trabalhadores não estão em um nível de organização que lhes permita assumirem o protagonismo político na atual conjuntura. Pode ser que fatos novos – o aprofundamento da crise? – possam mudar esta conjuntura e favoreçam a que este protagonismo se apresente.

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