Denúncia não pode ser aceita somente com base em colaboração premiada
Por José Higídio, ConJur
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Conforme o inciso II do §16 do artigo 4º da Lei 12.850/2013, a partir de alteração promovida em 2019 pela lei "anticrime", o recebimento da denúncia não pode se basear somente em relatos obtidos em colaboração premiada.
Assim, a juíza Caroline Vieira Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, rejeitou uma denúncia da "lava jato" fluminense por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa contra Renan Miguel Saad, advogado e procurador do estado do Rio de Janeiro.
A decisão foi tomada após o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anular boa parte das provas apresentadas pelo Ministério Público Federal, pois foram obtidas a partir dos sistemas do chamado "Setor Operações Estruturadas" da construtora Odebrecht.
Histórico
Em 2021, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (hoje aposentado), declarou imprestáveis as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht com relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As acusações contra Lula na "lava jato" se baseavam tanto no acordo quanto em cópias dos sistemas MyWebDay e Drousys, ambos da construtora.
O acordo da Odebrecht foi usado contra Lula por iniciativa do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba, o que levou o ministro a desconsiderá-la como prova. Quanto aos sistemas da construtora, há evidências de que as cópias dos dados foram adulteradas e que não houve tratamento adequado em relação ao referido conjunto probatório.
A decisão de Lewandowski foi posteriormente confirmada pela 2ª Turma do STF. Desde então, vários outros réus em processos que foram abertos com base na análise desses sistemas têm pedido e conseguido o trancamento de ações penais com base no uso dessas provas em seus próprios casos.
Após a aposentadoria de Lewandowski, Toffoli assumiu a relatoria desses casos. No último mês de maio, ele anulou o uso das provas obtidas a partir do sistema Drousys na ação contra Saad. Ele considerou que os elementos usados no processo coincidiam, "ao menos em parte", com os que foram declarados imprestáveis pela 2ª Turma.
O sistema Drousys foi citado diversas vezes na peça que deu origem ao processo e foi base para a principal acusação contra Saad — a de ter mediado pagamento de propina na construção da Linha 4 do Metrô do Rio. Em novo parecer na ação, o MPF indicou outras provas que também embasariam a inicial.
Fundamentação
"O que se tem são meras suposições realizadas pelo MPF a partir dos elementos de prova até então produzidos, nada havendo de concreto que evidencie, sequer, a materialidade delitiva", afirmou a juíza Caroline Figueiredo. Ela também não constatou indícios de autoria e confirmou a ausência de justa causa para prosseguimento do processo.
Segundo a magistrada, o único elemento concreto nos autos era o depoimento de um delator — um ex-diretor de contratos da Odebrecht. Ela ressaltou que isso "não pode servir, unicamente, para inaugurar uma ação penal contra quem quer que seja".
A juíza ainda refutou outros elementos trazidos pelo MPF: mais depoimentos, documentos encontrados por meio de busca e apreensão, e-mails e um suposto contrato fictício de prestação de serviço. Nenhum deles trazia prova do cometimento de atos ilícitos.
Saad foi representado pelo advogado Bruno Fernandes.
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