Nem sempre as profecias citadas pelos pastores têm desfechos que eles consideram positivos.
É o caso de uma profecia feita pelo pastor Marcelo de Carvalho dias após a posse de Lula, na qual disse ter recebido a revelação de que a bandeira brasileira seria alterada.
"A bandeira do Brasil não será mais verde e amarela, estou profetizando. A bandeira do Brasil vai mudar, vai ser vermelha. Deus mostrou que as bandeiras, estou falando literalmente, as novas bandeiras do Brasil já começaram a ser confeccionadas", disse o pastor.
Marcelo de Carvalho atua no Ministério Ciência da Profecia, uma igreja sem endereço físico. Ele não diz nas redes onde mora, mas seu celular tem o DDD de Santa Catarina.
O pastor conta com mais de 200 mil seguidores no YouTube. No mesmo vídeo, Marcelo cita outra revelação: "Deus mostrou rachaduras em todos os lugares do Brasil", afirmou.
"Sabe o que isso significa? Significa que o Brasil será destruído."
Mas eis que, nesse cenário, o pastor aponta uma saída: a compra de um curso virtual de R$ 389 para "sobreviver ao que está vindo".
"Diante dessa revelação, diante dessa sentença, Deus me mandou fazer o seguinte: o curso estava concluído, mas agora, em função do novo governo, do que Deus mostrou, Deus colocou no meu coração o seguinte: vou começar a acrescentar materiais nesse curso", ele diz.
Contatado pela BBC, Marcelo não respondeu e apagou o vídeo. Dias depois, após nova tentativa de contato, ele respondeu por email.
O pastor disse que, em seu vídeo, havia apenas reproduzido revelações de outra pessoa - ainda que, na gravação, ele diga que recebeu aquelas profecias diretamente de Deus.
Sobre o curso, Marcelo disse que "é apenas um curso que ensina as pessoas a viver melhor em meio a crises financeiras, a cultivar e armazenar alimentos, se possível, a ter menos dívidas".
Marcelo disse ainda que tirou o vídeo do ar porque ele era muito longo. Questionado se seus vídeos poderiam estimular atos como as invasões em 8 de janeiro, disse: "Sempre disse que o povo tinha que aceitar o novo governo do presidente Lula. Essa, inclusive, foi a razão de eu ser xingado por muitas pessoas de direita."
Radicalização nas redes sociais
Para Vinicius do Valle, doutor em Ciência Política pela USP e que pesquisa o universo evangélico desde 2010, as redes sociais permitiram a ascensão de líderes religiosos sem vínculos com grandes instituições.
Ele afirma que, por não estarem ligados a grandes igrejas, muitos desses pastores "não têm uma grande instituição pela qual eles têm que ser responsáveis, prezar pela imagem, então eles têm uma liberdade maior para fazer profecias, acusações e agir de forma mais extremista".
Valle diz ainda que a maneira como as redes incentivam conteúdos que causam fortes emoções pode estar abrindo as portas para um extremismo religioso que talvez não tivesse tanto apelo em igrejas físicas.
"Os pastores que têm seu maior público nas redes sociais, eles até têm um estímulo para serem mais radicalizados, porque as redes sociais são um ambiente que trazem essa radicalização maior, esse extremismo maior", afirma.
Além disso, ele diz que as redes sociais propiciaram aos pastores uma nova fonte de financiamento. É possível, diz Valle, que muitos pastores de igrejas pequenas recebam mais por seus canais do YouTube do que por dízimos pagos por fiéis.
Para Celeste Leite dos Santos, doutora em Direito pela USP e promotora de Justiça em São Paulo, os vídeos dos pastores citados na reportagem têm de ser analisados pelos investigadores dos atos de 8 de janeiro.
"Quando você começa a incitar os fiéis à prática de crimes, você ultrapassa os limites de uma liberdade religiosa. Porque todo direito fundamental, ele não é ilimitado", afirma.
"Se nós temos a liberdade religiosa, nós também temos a liberdade de todos os cidadãos brasileiros de poderem contribuir com o Estado social e democrático de direito vigente e não sofrer intimidações, não correr o risco de que amanhã ele vai acordar e já estar vivenciando um regime de exceção obtido através da violência e da força", afirma.
Análise após análise do resultado das eleições, há um fator que deve merecer toda a atenção e que, até agora, mereceu apenas algumas leves menções.
Admitindo que as pesquisas subestimaram os resultados de Jair Bolsonaro, não será exagero dizer que ele teve de 25 a 30 pontos acima de Lula no eleitorado evangélico, algo como 25 a 30% da população.
Uma percentagem sobre a outra, isso dá, por baixo, uma vantagem ao fascista de 6% do eleitorado nacional, muito mais que a votação de Simone Tebet e Ciro Gomes. Por cima, mais que a dos dois somados.
Não deixar que essa deformação das eleições pela orientação religiosa cresça e até diminuí-la tanto quanto possível é essencial para enfrentarmos o 2° turno.
É, talvez, a formulação mais difícil e complicada da campanha de 2° turno, até porque uma abordagem direta será tratada como “assédio” pela máquina de pastores que se associou a Bolsonaro, como se os fiéis fossem sua propriedade, à qual ninguém mais devesse ter acesso.
E a eles tentam manipular pelo medo – fechamento de igrejas, aborto, “ideologia de gênero”, etc – e agora o novo ingrediente de atemorização: “a Nicarágua” e os confrontos por lá.
Paris vale uma missa. E, por aqui, chamado verdadeiro: “me dê a mão, irmão”. Direto a ele, com a fraternidade que defendemos e que não combina com quem despreza seus sofrimentos.
Bom dia meus ungidos!!!! Vocês acharam que as denúncias acabaram?! Não mesmo. Hoje a denúncia é contra o Roberto Marinho, pastor e amigo de Feliciano. Segue o
Denúncias envolvem Silas Malafaia, Magno Malta, Damares Alves, a pastora e ex-deputada Flordelis e o próprio Marco Feliciano
por Ricardo Nêggo Tom
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Acompanhando os escândalos sexuais envolvendo a cúpula do cristianismo brasileiro, pude ouvir o silêncio ensurdecedor de fiéis que acreditam na santidade de muitos desses pastores e pastoras mais devassos e pervertidos do que qualquer profissional da zona do meretrício. Que os profissionais da zona não se ofendam com a comparação. Tem casos de estupro, assédio sexual, abuso de menores, orgias, adultério, tem áudio de pastora conservadora elogiando o “varão” de homem casado e até relações homossexuais, prática que eles tanto condenam e demonizam. Estamos falando de uma igreja do jeito que o diabo gosta, e que talvez esteja sendo comandada pelo próprio na figura de líderes religiosos sem escrúpulos e sem nenhum respeito pelo nome do Deus que dizem seguir.
A jornalista Patricia Lélis, que em 2016 denunciou uma tentativa de estupro contra ela cometida pelo pastor e deputado Marco Feliciano, volta a carga em 2022 trazendo ainda mais denúncias e revelações sobre o que acontece nos porões obscuros do cristianismo evangélico brasileiro. Obviamente, ela precisa provar o que tem dito e publicado em suas redes sociais, a respeito de figuras como Silas Malafaia, Magno Malta, Damares Alves, a pastora e ex-deputada Flordelis e o próprio Marco Feliciano, a quem Patrícia agora acusa de promover orgias durante os eventos gospel que ele organiza e participa. Isto incluiria, segundo a jornalista e ex-secretária de Feliciano, a contratação de garotos de programa para satisfazer aos seus desejos sexuais menos héteros. Pelo visto, a máquina de passar cartão do pastor aceita depósito em espécie.
Talvez eu comece a expor algumas pessoas antes do esperado. A começar por Marco Feliciano. Eu não fui a única mulher que ele estuprou e abusou, eu apenas fui a única em que o caso se tornou público. Feliciano, vamos falar sobre suas orgias durante o evento dos Gideões?!
[Foram retirados da listas de pregadores do Gideões 2022 "vários nomes importantes que eram figuras sempre presentes, como Gilmar Santos e Abílio Santana, mas manteve Marco Feliciano e Junior Trovão"]
Apesar de as acusações serem graves, é importante que não se generalize o segmento como um todo, porque ainda existem pessoas sérias e comprometidas com o evangelho de Cristo. Porém, se analisarmos a conduta de tais líderes com relação a seus fiéis e ao evangelho distorcido e alienante que eles lhes oferecem, é possível concluir que sacanagem é a especialidade da casa. Afinal, uma coisa puxa a outra.
Quem rouba milhares de pessoas pobres e carentes através da imposição do dízimo, é bem capaz de organizar surubas com o dinheiro arrecadado em nome de Deus. E tais surubas, não em nome de Deus, é claro, seriam muito mais dignas do que o falso culto que eles celebram em suas igrejas. Desde que não envolvam estupros e aliciamento de menores de idade, uma acusação que Patrícia Lélis direciona ao senador Magno Malta, e que se espera que ela também possa provar. Logo ele, que se notabilizou pela sua luta contra a pedofilia.
A ex-namorada de Eduardo Bolsonaro, também conhecido como “bananinha”, devido a uma revelação feita pela mesma Patrícia de que ele tinha o “mito” pequeno, também aponta Silas Malafaia como uma espécie de Sultão do meio gospel, que costuma contratar garotas de programa para alegrar os bacanais ungidos que ele gosta de organizar. É a marcha para o prazer de um dos principais defensores da família cristã e tradicional brasileira. Eu fico imaginando o Malafaia participando de uma suruba com aquela voz estridente e irritante, obrigando as “irmãs” a dizerem amém após receberem a unção seminal do seu espírito de porco. A minha dúvida é: Será que eles também vão para o inferno ou a putaria para esses "ungidos de deus" é liberada através de um excludente de ilicitude divino?
você também vai inventar laudo falso pra ela? Somos todas loucas mentirosas? Lembrando que: Eu jamais quis expor outras vítimas, pensei muito antes de fazer isso. Nãos sejam uns filhos da puta com outras vítimas, como muitos foram comigo!
Patrícia Lélis
@lelispatricia
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A vítima mais recente que me procurou do Marco Feliciano, foi a Tahyline. Ela relata que foi perseguida por Feliciano e teve que chegar ao ponto de trocar se número.
Enquanto o cabaré evangélico brasileiro vai pegando fogo, eu fico aqui lembrando das vezes em que ouvi esses homens e mulheres de Deus apontando os seus dedos sujos para o “pecado” dos outros e oferecendo o fogo do inferno para aqueles que, segundo a moralidade cristã que eles defendem, são abomináveis aos olhos de Deus. Seja pela forma como se orientam sexualmente, pela religião que praticam ou pela ideologia política que defendem. Enquanto a esquerda defende às claras uma liberdade de comportamento que os seus adeptos usam com moderação, a extrema direita, os inquisidores da liberdade alheia, se refestelam até o talo com uma liberalidade oculta e promíscua que eles abominam publicamente. Que Patrícia Lélis apresente as provas que diz ter o mais rápido possível e que tenha início o apocalipse particular de cada um desses falsos profetas usurpadores da fé alheia e profanadores do verdadeiro evangelho de Cristo.
Patrícia Lélis
@lelispatricia
Agora vamos expor MARISA LOBO, a psicóloga que assinou um laudo me diagnosticando como mitomaníaca SEM NUNCA TER ME CONSULTADO. A mesma que fazia aquelas loucuras da cura gay. Ela ajudava Feliciano e pastor Everaldo a lavar dinheiro nas igrejas, segue o :
A exposta dessa vez será: DAMARES ALVES. Tem cara de velha boazinha?! Tem. Mas na verdade ela sempre acobertou estupros e abusos de Magno Malta e Feliciano. Vamos aos prints:
Patrícia Lélis
@lelispatricia
Detalhe, Damares foi reclamar depois com minha mãe por causa disso
E eu que achava que a minha alma já estava perdida por estar no “mundo”, estou descobrindo que o meu mundo perto do mundo dessa gente é uma verdadeira igreja. Glória a Deus!
Patrícia Lélis
@lelispatricia
Vcs estão acompanhando o caso da igreja IPDA? Que é uma briga por poder e santidade? Léia Miranda tá tendo um caso com um pastor casado da igreja. Vale lembrar que Léia é a mais conservadora dentro da ala conservadora. Uma loucura!
Léia Miranda teve um áudio vazado em que deixa claro um caso com um pastor casado da igreja
[O pastor David Miranda Neto, líder do Regenere da Igreja Deus é Amor, revelou que um laudo pericial confirmou que é a voz de sua tia Léia Miranda que aparece em um vídeo com áudios picantes.
Na conversa, Leia Miranda, que é cantora, pregadora e coordenadora geral das instituições Reviver, além de integrante do alto clero da IPDA, elogia o órgão genital do rapaz e conta detalhes de uma relação sexual com ele.
Na Igreja Pentecostal Deus é Amor (IPDA) existem duas alas: uma mais conservadora, que faz parte justamente Léia Miranda e a mais progressista na questão de uso e costumes – como corte de cabelo, depilação e barba para homens – comandada por David Miranda Neto, filho de Débora Miranda.
Com o áudio vazado, uma reunião definiu que Léia fosse afastada dos púlpitos, onde costumava pregar contra o adultério e cantar hinos e da diretoria da Fundação Renascer, que cuida das obras sociais da Deus é Amor]
Material didático associa o feminismo à zoofilia e incesto e o diabo à esquerda. Defende o machismo, o racismo e o apedrejamento da mulher que Jesus perdoou. E esquece a fome de 33 milhões de brasileiros, as 500 mil crianças prostitutas, a fila da morte nos corredores dos hospitais
A ASSEMBLEIA DE DEUS DE SANTA CATARINAestá usando desde julho – período pré-eleitoral – uma cartilha anti-esquerda para doutrinação de fiéis. O material, enviado aoIntercept, menciona nominalmente Luiz Inácio Lula da Silva como defensor da chamada “ideologia de gênero”, termo que conservadores usam para atacar os movimentos LGBTQI+ e feminista, e espalha pânico moral ao associar o feminismo à pedofilia, zoofilia e outras “perversidades”.
“O feminismo representa uma das maiores armadilhas do mundo contemporâneo, levando a sociedade a um nível de depravação e perdição inimaginável. Como toda ideologia mundana, tomou proporções inimagináveis, financiando coisas sórdidas como: pedofilia, zoofilia, sexo desregrado, homossexualidade e diversas outras perversidades. O feminismo é uma aberração nascida no mais profundo inferno, produzindo divisão, briga, promiscuidade, homossexualidade e todo tipo de sordidez”.
Parece um fórum de internet dedicado à misoginia, mas trata-se de uma transcrição literal da cartilha para jovens e adultos “Revista EBD – O cristão e os desafios do nosso tempo: entendendo as ideologias, póliticas[sic]e pensamentos da atualidade”, versão do professor. Essas frases saíram mais precisamente da “Lição 12 — Feminismo e a distorção de papéis”.
‘Pedofilia’, ‘depravação moral’ e destruição do casamento': cartilha deturpa conceitos do feminismo.
Esse material – uma legítima cartilha do ódio e intolerância – foi distribuído nos templos da Assembleia de Deus de Blumenau e por toda a próspera região do Vale do Itajaí de Santa Catarina para ser usado na escola bíblica dominical ao longo do trimestre de julho a setembro. Não por acaso, o teor do conteúdo coincide em muitos pontos com o discurso de Jair Bolsonaro, do PL.
Além das feministas, a obra também ataca toda a esquerda, as correntes cristãs vistas como liberais, os evangélicos que não querem misturar igreja com política, o estado democrático de direito, todo o arcabouço legal que garante direitos aos cidadãos não-heteronormativos, o sistema de ensino público e privado e muito mais. Nem a lei do divórcio de 1977, que assegura o direito dos casais a se separarem, escapa da raiva santa exposta no livro.
Ao longo de 124 páginas divididas em 13 lições, é descrito um cenário de medo e horror para o cristão moderno e sua família. Ele passa por toda a realidade paralela erigida em cima de teorias da conspiração e quimeras da extrema direita: globalismo, ideologia de gênero, fim da família tradicional, perseguição aos cristãos, marxismo cultural, ditadura estatal na forma de viver e criar os filhos, “abortismo”, Paulo Freire e por aí vai.
De maneira explícita, o ex-presidente Lula é lembrado nominalmente na obra como um incentivador do que é chamado de ideologia de gênero. Em um quadro amarelo no capítulo dedicado ao tema, a cartilha lembra que ocorreu em seu governo a implementação do Programa Nacional de Desenvolvimento Humano, que estabeleceu direitos básicos hoje desfrutados pela a população LGBTQI+, como união civil, adoção de crianças e reconhecimento do nome social em documentos oficiais, além de políticas afirmativas. Para os autores da cartilha, algo imperdoável.
Trecho da cartilha que menciona nominalmente o ex-presidente e candidato Lula.
“Durante o governo do presidente Luís[sic]Inácio Lula da Silva o movimento LGBT e os ideólogos de gênero conquistaram garantias significativas”, lamentam. Eles escrevem que, se as definições de homem e mulher não são mais absolutas, cada um se torna o que bem entender. Assim, “isso é apenas o começo da catástrofe, pois quando a relativização domina, já não tem critérios para nada, e normalizar a pedofilia e o incesto é questão de tempo”, profetiza o texto. E nada de cair “na conversa de que os cristãos estão se intrometendo na vida dos outros que desejam ser diferentes”. Afinal, “eles não querem apenas um direito para ser quem desejam, querem implantar uma ditadura que afeta a nós e nossos filhos”.
O que é dito e ensinado na escola dominical é entendido como 100% verdade pelo povo fiel.
A cartilha não tem um autor claro, mas traz um prefácio escrito pelo pastor Lediel dos Santos, vice-presidente da Assembleia de Deus em Blumenau. “É impossível não enxergar que estamos em uma grande e intensa batalha”, diz o texto de abertura. “Mais do que nunca precisamos nos posicionar também no campo ideológico e político se queremos de fato edificar. Se o povo de Deus não buscar governar de acordo com os princípios bíblicos, alguém irá nos desgovernar. Esta é a hora de combater o bom combate!”.
Santos é um dos donos da editora Kaleo, que publicou a cartilha raivosa. O outro sócio, Alexandre de Almeida, também é pastor da Assembleia de Deus em Blumenau, segundo dados da Receita Federal. Fundada em 2019, a editora surgiu “com a intenção de difundir conteúdos de qualidade de escritores que ainda não são grandemente conhecidos no mercado publicitário mas cujo pensamentos e ideias merecem ser compartilhados”, diz seu site.
O material, aliás, é oferecido na plataforma para uso em escolas dominicais de todo o Brasil. Cada exemplar custa R$ 13,90 mais a taxa de envio.
Cartilha é utilizada na escola bíblica dominical, uma das instituições mais tradicionais da Assembleia de Deus e de igrejas cristãs no geral.
Apocalipse cristão
A cartilha começa delineando o “apocalipse cristão contemporâneo”. Duas lições inteiras justificam com trechos da bíblia a promiscuidade entre política e religião. Com essas bases lançadas, os capítulos seguintes partem para cima da esquerda e tudo que consideram ser sua obra, sempre a serviço do demônio.
Além do capítulo sobre feminismo, “Educação – um desafio para a igreja brasileira”, “Marxismo cultural e seus impactos”, “Grupos minoritários”, “Ideologia de gênero”, “Machismo: masculinidade deformada” e, por fim, “Sexualidade distorcida em uma cultura erotizada” completam o extenso material. Cada capítulo ou lição equivale a um domingo de aula na escola dominical.
O argumento principal que permeia todo material é o de que não há hipótese de um evangélico ser de esquerda. “Um cristão genuíno é por definição um conservador”, afirma o texto na terceira lição, chamada “Sendo um conservador em um mundo corrompido”. No capítulo “O que o cristão precisa saber sobre direita e esquerda”, o material reafirma que a esquerda só serve para dividir a miséria. Mais adiante, na mesma seção, reforça que “algumas ideologias, como as de esquerda, são fundamentalmente contra o cristianismo”.
Cartilha diz que a esquerda quer 'controlar todos os aspectos da vida social. Sobrou até para Paulo Freire, criticado por ser um 'libertador'.
O pedagogo Paulo Freire é lembrado com destaque na lição sobre os desafios da educação e merece um intertítulo próprio, “O desserviço da pedagogia de Paulo Freire”.
Já na lição sobre o marxismo cultural, o texto questiona: “Quantas meninas não querem se casar mesmo tendo mais de 25 anos?”. A culpa seria do fim da moral e do incentivo à promiscuidade dos esquerdistas que dominam a indústria cultural, principalmente o jornalismo da grande mídia. E arremata: “a bíblia e o marxismo são incompatíveis.”
Trecho da cartilha sobre ‘marxismo cultural’ usa o Brasil Paralelo como referência teórica.
Como apoio aos professores, a editora oferece ainda vídeos no YouTube em que explica os principais pontos das aulas. Ali, o tom é menos explícito que na cartilha, mas a intenção segue clara. Na lição 6, por exemplo, “O que um cristão precisa saber sobre esquerda e direita”, publicado em 5 de agosto no canal da Kaleo, um “professor” não identificado repassa o que é mais importante: “é impossível você ser de esquerda e ser cristão”.
O Intercept tentou falar com Lediel dos Santos e Alexandre de Almeida, donos da editora, e pediu um posicionamento para a Assembleia de Deus de Blumenau sobre o material e a campanha política implícita. Não houve resposta.
Ataque sensível
A escola bíblica dominical é uma das instituições mais tradicionais da Assembleia de Deus e de igrejas cristãs no geral. É a interface da vida real com o que é ensinado e refletido dentro do templo. Nela, boa parte dos fiéis estuda a bíblia em grupo e busca uma bússola moral e exemplos práticos para guiar seu cotidiano de acordo com os ensinamentos da igreja.
“Estão atacando por um lado que é muito sensível na comunidade”, afirmou o advogado Artur Antunes. Criado dentro da Assembleia de Deus de Santa Catarina, o advogado indignou-se ao tomar conhecimento do material didático para doutrinação político-eleitoral e procurou o Intercept para denunciar o caso.
“O que é dito e ensinado na escola dominical é entendido como 100% verdade pelo povo fiel que frequenta a instituição. E não é pouca gente, boa parte dos fiéis que vai ao culto aos domingos fica para a escola dominical depois”, explicou. “O objetivo disso, junto com o que é dito durante os cultos, é consolidar a imagem de Bolsonaro junto aos fiéis como o único candidato possível para os cristãos. Ao mesmo tempo, associa o Lula a todas essas fake news e a assuntos que preocupam muito os religiosos”.
Na escola da igreja, as turmas são divididas entre crianças e jovens de até 14 anos, que recebem aulas e materiais didáticos diferentes, e jovens e adultos a partir dos 15 anos de idade —submetidos à cartilha do horror deste trimestre. Os professores geralmente são voluntários da própria comunidade religiosa, o que aumenta o grau de confiança nas informações que são passadas nessas reuniões.
Na opinião de Antunes, o efeito eleitoral disso é poderoso. “Coloca-se quase como se o fiel tivesse que escolher entre votar em um candidato de esquerda e a própria religião, sua participação naquela comunidade. É uma coação mesmo. A conotação disso é óbvia quando pensamos na eleição presidencial, mas espraia-se por todas as candidaturas, que passam a ser consideradas com essa lupa hedionda”.
Lula e Alckmin em roda de oração em evento com evangélicos no Rio de Janeiro - Ricardo Stuckert
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito é um movimento apartidário que atua em 20 Estados do Brasil
por Amanda Sobreira /Brasil de Fato
O uso político da religião evangélica promovido por Jair Bolsonaro e pela primeira-dama Michelle Bolsonaro provocou uma reação da ala progressista de grupos protestantes. A menos de um mês, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, um movimento apartidário que atua em 20 Estados do Brasil, declarou apoio ao candidato Lula nas eleições de outubro diante “das ameaças diuturnas das forças reacionárias sustentadas pelo governo federal e pelo próprio Bolsonaro”, como consta no documento divulgado.
O Pastor Ariovaldo Ramos, fundador e coordenador nacional da Frente, participou de uma roda de conversa no Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto, em Fortaleza. Junto com o Padre Lino Allegri, da coordenação da Pastoral do Povo da Rua e Egbomi Evelane d'yemanja, Presidente da Associação Algaba, Mãe de Santo de Candomblé, falaram sobre a contribuição das religiões para a Democracia.
Roda de conversa no Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto sobre a contribuição das religiões à democracia / Divulgação MST
Em entrevista aoBDF Ceará, o Pastor Ariovaldo explica que a Frente surgiu em 2016 para denunciar o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na avaliação do pastor, a escolha de igrejas pentecostais e neopentecostais pela política partidária, a partir do envolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus, vai na contramão das práticas evangélicas.
“Existe uma lógica de poder que não é um projeto nem de esquerda e nem de direita. É um desejo de estar no poder e fazer com que o país siga por decreto os padrões morais e éticos da nossa fé, como forma de revidar as perseguições que o cristianismo já sofreu. É uma lógica que contraria as tradições cristãs do martírio e a história da fé protestante, a que mais atuou na construção do Estado laico”, explica o Pastor.
O Novas Narrativas Evangélicas, outro movimento anti-fundamentalista, lançou sua agenda por posicionamentos democráticos, plurais e inclusivos. Em cinco eixos, a plataforma composta por lideranças, coletivos, iniciativas e pessoas evangélicas, defende pautas antirracistas, ações de preservação do meio ambiente e clima, urgência no combate à fome e a miséria, os direitos da população LGBTQIA+ e a defesa da democracia, das instituições e dos direitos humanos, também alinhados à tradição protestante.
“Nosso desafio é disputar esse espaço dentro da igreja, deixando claro para os evangélicos, que ainda estão iludidos com seus líderes, que o bolsonarismo não tem absolutamente nada a ver com os valores do evangelho. Nós temos pessoas das mais diversas correntes históricas e o que nos une é crer que Jesus sempre está ao lado do oprimido. Precisamos espalhar essas boas novas e deixar claro que o evangélico é plural, que não é massa de manobra e que não é natural ser evangélico e ao mesmo tempo bolsonarista, muito pelo contrário”, explica Filipe Scarcella, cearense integrante do Nossas Narrativas e pastor da Aliança de Batistas do Brasil, outra organização evangélica comprometida com justiça social, inclusão e combate a preconceitos.
Em Fortaleza, aFrente de Evangélicos pelo Estado de Direito, tem promovido encontros e debates nas instituições religiosas como forma de resgatar os valores cristãos. “Queremos reencontrar esses fiéis, que por algum motivo, escolheram outro caminho e lembrá-los dos verdadeiros valores cristãos baseados no amor, na tolerância e no respeito ao próximo”, destaca a coordenadora local da Frente, Edna Freitas. Movimentos evangélicos de todo o país estão se unindo na campanha “Somos UM pela democracia, Somos todos pelo Brasil”. OEvangélicxs pela Diversidadese apresenta nas redes sociais como espaço de acolhimento e combate ao fundamentalismo religioso e suas implicações para a comunidade LGBTQIA+. O Coletivo afirma preencher uma lacuna na perspectiva da afirmação da diversidade sexual e de gênero e contrapondo a visão hegemônica cis-heteronormativa nas igrejas.
Leis criadas por Lula favorecem religiosos
O ex-presidente Lula criou a lei da liberdade religiosa, em 2003, que garante a abertura, organização e estruturação interna de organizações religiosas, sem a interferência do Estado. A lei, aliás, é o argumento ideal para combater afake news, já desmentida, que diz que Lula fecharia as igrejas, caso seja eleito próximo presidente. Uma manobra para aumentar o apoio dos eleitores evangélicos mais fervorosos. Também foi Lula que, em 2009, sancionou a lei que cria o Dia Nacional da Marcha para Jesus, a ser comemorado 60 dias depois da páscoa. Anualmente, o evento reúne milhares de fiéis de várias denominações protestantes. O Dia Nacional do Evangélico também foi criado no governo de Lula, em 2010.
A disputa por esses eleitores não é à toa. 25% do eleitorado brasileiro é de cidadãos que se identificam como evangélicos. Destes, 16% se importam com a religião do candidato, segundo levantamento do Instituto Ipec. A bancada evangélica da Câmara Federal representa 21% dos parlamentares. Na avaliação do Pastor Ariovaldo, da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, a esquerda cometeu um equívoco ao não analisar o comportamento desse grupo, que notoriamente elegeu Jair Bolsonaro em 2018. “O que nós estamos vivendo é um retrocesso de 100 anos em várias frentes. A nossa perspectiva é apoiar o partido que melhor governou esse país e que melhor governou várias cidades do Brasil, sem zombar de Deus e da nossa fé”, ressaltou o Pastor.
Na pesquisa feita pelo Datafolha, entre os 16 e 18 de agosto, o ex-presidente Lula tem 41% das intenções de voto contra 38% do presidente Bolsonaro, entre os evangélicos que ganham até dois salários mínimos. Esse público representa 53% dos 5744 cidadãos entrevistados para o levantamento. Na comparação feita entre os evangélicos que recebem mais de dois salários mínimos por mês, Bolsonaro fica na frente, com 61% do apoio desses eleitores, enquanto Lula aparece com 22%. No total, o atual presidente tem 49% das intenções de voto dos evangélicos, contra 32% de Lula.
Entre os evangélicos que não votariam em Bolsonaro de forma alguma, 44% são de baixa renda. Na faixa acima, 24% também rejeitam o atual presidente. O registro no TSE é: BR-09404/2022. A margem de erro é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos, segundo o Datafolha.
Encontro de Lula com os evangélicos
Lula esteve com pastores e pastoras em um encontro com evangélicos em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O ex-presidente recebeu apoio de lideranças e fiéis de diferentes gerações e diversas igrejas. Durante o encontro, os discursos reconheceram as transformações ocorridas nos primeiros governos do PT, e declaram apoio para que Lula seja eleito e o Brasil volte a ter políticas inclusivas que garantam dignidade aos mais pobres.
A principal iniciativa dos líderes é a divulgação de uma Carta Aberta à população brasileira, que conta com a assinatura de importantes nomes do campo democrático evangélico, como Pr. José Marcos (Batista/PE), Bispa Marisa de Freitas (Metodista/emérita), e Pra. Viviane Costa (Assembleia de Deus/RJ).
O grupo informa que busca com a campanha o combate às fake news, à desinformação, ao pânico moral, à instrumentalização da religião na política e às narrativas autoritárias e violentas, promovidos por líderes políticos e evangélicos de extrema
Ariovaldo Ramos é teólogo, escritor, articulista e conferencista com larga experiência na missão da igreja. Faz parte da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Um movimento que tem como objetivo promover a justiça social e garantir o Estado Democrático de Direito. Ari, como é conhecido, também é um incentivador da teologia da missão integral, TMI, uma vertente teológica evangélica que defende que a dignidade humana, o cuidado com o meio ambiente e a luta contra toda a forma de opressão e injustiça são aspectos indissociáveis da mensagem do Evangelho. Atualmente Ariovaldo ministra na Comunidade Cristã Reformada.
Os pastores Ariovaldo Ramos e Uilian Corcino batem um papo sobre a seguinte questão: Qual deve ser a prioridade para o voto evangélico?.
A supremacia branca da primeira-dama é criticada em grupos bolsonaristas
247 -A postura da primeira-dama Michelle Bolsonaro sobre religiões de matriz africana gerou críticas até entre bolsonaristas nas últimas semanas. Várias mensagens que evocam respeito a todas as religiões e julgam que ela erra ao ligar rivais do marido ao demônio circularam em grupos favoráveis a Jair Bolsonaro (PL). Asinformaçõessão do jornal Folha de S.Paulo.
Análise do Observador Folha/Quaest, que monitora mais de 1.200 grupos de WhatsApp durante o período eleitoral, mostra que a tendência é de apoio a Michelle entre bolsonaristas, mas sem consenso.
A Quaest verificou, de 18 de julho a 22 de agosto, 360 mil menções relacionadas à primeira-dama e à socióloga Rosângela Silva, a Janja, mulher de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 721 grupos políticos, tanto da direita como da esquerda. Depois, fez uma "análise de sentimento", que consiste em identificar se o conteúdo é relacionado a críticas e/ou ataques (negativo) ou a elogios e/ou apoio (positivo).
Escreve Vicente Vlilardaga: "Nunca houve um casal presidencial no Brasil que quisesse impor sua fé de maneira tão agressiva e afrontosa como Jair e Michelle Bolsonaro. Pisoteando as religiões afrobrasileiras, contrariando uma tradição nacional de ecumenismo e de não interferência do governo em assuntos de crença e inundando de misticismo e irracionalidade o debate político, o presidente e a primeira-dama intensificaram nas últimas semanas uma ofensiva messiânica para tentar virar a eleição. Fazem isso ao arrepio da lei, frequentemente com cultos dentro do Palácio do Planalto, ignorando o preceito constitucional de que o Estado é laico e com o objetivo de conquistar eleitores evangélicos. Realizam um movimento apelativo para atrair mais apoio de pentecostais e neopentecostais, com foco prioritário nas mulheres, o eleitorado que mais rejeita Bolsonaro, o que Michelle tenta remediar com aparições fervorosas. Sempre que pode, ela trata de vincular o principal adversário do marido, Lula, a forças demoníacas e de atacar a umbanda e o candomblé de forma gratuita, preconceituosa e com conotações racistas". Leia reportagem aqui.
A historiadora Lilia Moritz Schwarcz analisa: Eu sempre digo que esse é um aspecto importante, que a gente não tenha nenhum apartheid na lei. Por outro lado, o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, recebeu uma média de 50% dos africanos que saíram compulsoriamente do seu continente, teve uma lei curtíssima de inclusão social, que não previu qualquer tipo de aporte ou cuidado com essas populações. O que nós vimos no período pós-emancipação foi uma continuidade da escravidão, mas sem o sistema formal. Nada foi feito no sentido de mudar, pensando em programas de suporte, moradia, educação. Não houve nenhum projeto de inclusão dessas populações. Eu estudo um autor, o Lima Barreto, que justamente era uma voz isolada, que acusava a invisibilidade dos negros. Eu dei uma palestra na PUCRS, com quatro textos dele, brincando que o “negro não existe no Brasil”, porque basta não querer olhá-lo. Ele fala que existe esse processo de invisibilidade, não só das populações negras, mas também dos indígenas, das mulheres. O Brasil teve uma Constituição maravilhosa em 1988, uma constituição que previu a inclusão social. Nesses 30 anos, as pesquisas mostram que o Brasil não ficou um país mais justo. Para resumir, não temos uma discriminação no corpo da lei, mas a própria sociedade produz as suas regras e, nessa produção coletiva, a gente vai se revelando, como uma República muito falha, com instituições muito frouxas. Isso tudo são termômetros para medir a nossa democracia que vai muito mal, obrigada. Transcrevi trecho inicial. Leia mais
A primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou hoje, em um culto evangélico em Belo Horizonte, que o Planalto já foi "consagrado a demônios".
Pareceu um ataque a um aliado de Bolsonaro: Rosane Collor conta que o marido, "para se defender de inimigos políticos, o então presidente Fernando Collor participava de sessões de magia negra". Leia reportagem de Renata Ceribelli.
"Podem me chamar de louca, podem me chamar de fanática, eu vou continuar louvando nosso Deus, vou continuar orando", disse Michelle, ao lado do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), na Igreja Batista Lagoinha, na capital mineira, em um evento em comemoração ao Jubileu de Ouro do pastor Márcio Valadão.
Michelle disse ainda estar em um momento de guerra. "É um momento muito difícil, não tem sido fácil. É uma guerra do bem contra o mal, mas creio que nós vamos vencer".
Esse dualismo é demonstrado in Reportagem do Metrópoles: "Michele do Bolsonaro. A face de um Brasil de extremos.
Como a história familiar da primeira-dama ajuda a explicar a realidade do país. Ela superou a pobreza, escapou da violência e de um ambiente de criminalidade. Em movimento improvável, ascendeu ao topo do poder. Muitos de seus parentes, no entanto, se somam a milhares de brasileiros presentes nas estatísticas dos marginalizados"
Nesta terça-feira (9), a primeira-dama Michelle Bolsonaro usou seu perfil no Instagram para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e religiões de matriz africana como o Candomblé.
Michelle compartilhou um vídeo em que Lula recebe um banho de pipoca de uma religiosa. As imagens foram filmadas no ano passado em um evento que ocorreu na Assembleia Legislativa da Bahia, em Salvador.
“Isso pode, né! Eu falar de Deus, não”, escreveu a primeira-dama. A publicação original foi feita por uma vereadora bolsonarista de São Paulo.
“Lula já entregou a sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne e nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã”, diz a legenda da postagem.
Michelle sabe ser terrivelmente evangélica, terrivelmente fria e distante dos parentes que não são chamados por Deus, não são convidados da primeira-dama para orar no Palácio do Planalto de madrugada, acompanhados de cantores e pastores.
Nas imagens que divulga, Michelle anda pelos principais pontos do Palácio espantando os demônios.
Michelle Bolsonaro: A face de um Brasil de extremos
Em 15 de agosto de 2019, Ary Filgueira e Mirelle Pinheiro escreveram no Metrópoles: Sábado 10 de agosto de 2019, "o Brasil tomou conhecimento de que a avó materna da primeira-dama Michelle Bolsonaro aguardava cirurgia acomodada em um corredor do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), na periferia do Distrito Federal. A notícia correu rapidamente pelas redes sociais. Em poucas horas, a idosa foi transferida e operada em outra unidade do governo, desta vez com toda assistência.
Para os tribunais do senso comum, no entanto, o desfecho médico não encerra o assunto. Desde que Michelle subiu a rampa do Planalto ao lado do marido, Jair Bolsonaro (PSL), muitos brasileiros passaram a reparar na distância que a primeira-dama mantém de alguns de seus consanguíneos.
Embora esteja a meia hora do gabinete presidencial, boa parte do núcleo familiar de Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro não testemunhou o dia em que o marido dela tomou posse na Praça dos Três Poderes.
Desde então, as pessoas levantam hipóteses, julgam e, por vezes, condenam a atitude da primeira-dama. No último fim de semana, as redes sociais exibiram milhares de veredictos dos que se valem das aparências para sentenciar.
Qualquer família guarda seus segredos, tem suas graças e desgraças. A de Michelle não é diferente. Por ser pessoa pública, a curiosidade pelas origens dessa mulher é inevitável. A patrulha aumenta por causa da retórica de valorização da família, presente nas falas de Bolsonaro.
O que, até agora, não foi noticiado é a complexidade da história de Michelle. Ao sair de Ceilândia, ela deixou para trás um cenário de violência, sofrimento e criminalidade.
Dois tios maternos da primeira-dama do Brasil enfrentam problemas com a polícia. Um dos irmãos de sua mãe foi condenado por estupro, em 2018, a 14 anos de prisão. O outro encontra-se preso preventivamente por suposto envolvimento com a milícia.
Na década de 1980, a mãe de Michelle foi indiciada por falsificação de documento. Atualmente, está inscrita em programa habitacional do Governo do Distrito Federal com um RG emitido em Goiás que contém informações adulteradas.
Já nos anos de 1990, a avó materna da mulher de Bolsonaro cumpriu pena por tráfico de drogas – a mesma idosa que há alguns dias foi internada em hospital público do DF.
Foram duas sobrinhas do tio de Michelle que o denunciaram por estupro sofrido quando ainda eram crianças. Em 2015, o avô materno da primeira-dama morreu assassinado de forma brutal, fato que os investigadores concluíram ter sido latrocínio.
Vivendo em um contexto de carências, a família de Michelle também se tornou vítima da violência, um resumo do que é a realidade nas periferias desassistidas do Brasil.
Em Brasília, o descaso do governador bolsonarista Ibaneis Rocha, e a carência de políticas públicas do governo federal, o governo que é "o negócio do Jair", considerado o pior presidente do Brasil.
AVÓ:
POBREZA, CADEIA E SOLIDÃO
Maria Aparecida Firmo Ferreira, 78 anos, costumava tomar banho de sol na esquina da Chácara 85 do Setor Habitacional Sol Nascente sempre por volta das 15h. Junto à comunidade do Pôr do Sol, a região reúne 140 mil habitantes e ostenta a qualificação de maior favela da América Latina, já quase na divisa com Águas Lindas de Goiás.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região fica abaixo da linha da pobreza. Lá concentra-se boa parte de todos os problemas sociais de Ceilândia. Apenas 24% das ruas têm rede de águas pluviais e somente 30% são asfaltadas. Mas os moradores se queixam principalmente da violência. O tipo de crime mais comum na região administrativa é o tráfico de drogas. Em 2018, foram realizadas 1,2 mil apreensões pelas polícias Militar e Civil.
Deficiente física, Aparecida caminha com dificuldade e precisa de muletas. Passa muitas horas do dia na porta de casa observando quem entra e quem sai de uma das localidades mais perigosas de Ceilândia. Para os vizinhos, a rotina é motivada pela expectativa de receber visitas.
A aposentada se desequilibrou em 8 de agosto e caiu de costas no chão. Maria Aparecida fraturou o quadril e acabou sendo internada no Hospital Regional de Ceilândia. Depois de dois dias aguardando por uma cirurgia em maca improvisada nos corredores da instituição, ela foi transferida para o Hospital de Base e realizou o procedimento no dia 11 de agosto. A idosa recebeu alta da unidade de terapia intensiva (UTI), na terça-feira (13/08/2019), e foi encaminhada para a enfermaria.
Maria Aparecida é avó de Michelle e tem oito filhos. Mora apenas com Gilberto Firmo Ferreira, que é surdo. Por causa da perda de audição do tio, a primeira-dama especializou-se na Linguagem Brasileira de Sinais.
Mãe e filho residem em uma casa simples, localizada em rua de terra batida paralela e a 10 metros de distância da via principal, asfaltada. O imóvel foi adquirido depois da venda de uma propriedade no centro de Ceilândia.
Fachada da casa de Maria Aparecida, ela mora apenas com um de seus filhos, Gilberto Firmo Ferreira, que é surdo (que ensinou a língua de Libras à Michelle
Com o dinheiro, a avó de Michelle comprou uma chácara de 15 hectares e a repartiu em frações para cada um dos filhos. O terreno não possui escritura, como todos os do Sol Nascente. Alguns venderam as terras presenteadas pela mãe, outros perderam as parcelas para invasores.
No passado, Maria Aparecida esteve confinada na Colmeia – penitenciária feminina de Brasília – por tráfico de drogas. O caso ocorreu em 1997. Aos 57 anos, ela já tinha netos. Michelle, na época, estava com 15 anos.
Maria Aparecida era dona de casa quando foi flagrada com entorpecentes. Sustentou que a droga não a pertencia. Segundo a versão que contou, um vizinho teria pedido para ela guardar alguns pertences.
A explicação não convenceu os policiais da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), responsáveis pela prisão. Aparecida foi julgada e condenada. Ficou presa durante dois anos. Em 1999 ganhou liberdade.
O terreno onde Maria Aparecida mora não possui escritura, como todos os do Sol Nascente. O que comprova que na maior favela da América Latina não existe Deus nem governo.
MÃE:
MARIA DAS GRAÇAS OU
MIRELE DAS GRAÇAS?
Michelle não mantém contato frequente com a mãe, Maria das Graças
Em 1988, o delegado Durval Barbosa, que naquela época chefiava a Delegacia de Falsificações e Defraudações, indiciou Maria das Graças Firmo Ferreira, a mãe de Michelle, pela tentativa de tirar documento com o uso de uma certidão falsa. Duas décadas depois, Durval ficaria conhecido em todo o país ao se tornar o delator da Caixa de Pandora, maior esquema de corrupção já desvelado na capital da República. O escândalo, de 2009, desmantelou o governo de José Roberto Arruda.
No inquérito, Barbosa relata que a Certidão de Nascimento nº 10.751 expedida em Planaltina de Goiás e apresentada por Maria das Graças continha dado inverídico. O documento informava que a mulher era 9 anos mais nova do que sua idade biológica. Além disso, omitia o nome do pai dela, Ibraim Firmo Ferreira.
Segundo a polícia, a farsa foi descoberta quando os peritos encontraram uma homônima de Maria das Graças no banco de dados do Instituto de Identificação do DF. Ao comparar a foto recente dela com a antiga, desconfiaram que se tratava da mesma pessoa.
Maria das Graças foi conduzida coercitivamente para a delegacia, onde confessou a fraude que caracteriza o crime de falsidade ideológica. O processo, no entanto, acabou prescrevendo em 11 de março de 1994. Na ocasião, o juiz substituto Sandoval Gomes de Oliveira, ao analisar o caso, concluiu que a ação do Estado seria inócua em razão do tempo transcorrido.
Mas Maria das Graças não desistiu. Em Goiás, conseguiu registrar nova identidade com dados falsos. Na carteira adulterada, trocou de nome: Mirele das Graças Firmo Ferreira. Manteve o nome do pai, Ibraim Firmo Ferreira, e voltou a informar idade com defasagem. Desta vez de 11 anos. Maria das Graças nasceu em 11 de junho de 1959, em Presidente Olegário, Minas Gerais. OMetrópoles teve acesso ao RG alterado. A reportagem, no entanto, não vai expor a documentação para preservar o sigilo da fonte.
Segundo familiares, a mãe de Michelle teria mudado o ano de nascimento por vaidade. Com o documento modificado, registrou os três irmãos de Michelle: Suyane Lanuze Ferreira Lima, 27 anos, Geovanna Kathleen Ferreira Lima, 20 anos, e Yuri Daniel Ferreira Lima, 15 anos. Na certidão de nascimento de Michelle, no entanto, consta o nome de batismo da mãe, Maria das Graças.
O surpreendente é que, usando uma identidade com dados forjados, “Mirele”, a Maria das Graças, mãe da hoje primeira-dama conseguiu se tornar beneficiária do programa habitacional Morar Bem, inaugurado na gestão do petista Agnelo Queiroz. O auxílio prevê a candidatos de baixa renda condições facilitadas de pagamento da casa própria
Na visão de alguns dos familiares de Michelle Bolsonaro, esse passado problemático seria um dos motivos para ela não manter uma convivência mais frequente com a mãe. No caso dos irmãos, no entanto, a primeira-dama cultiva boa relação.
Além do documento com o nome de batismo, a mãe de Michelle Bolsonaro tem um RG em nome de Mirele
Em nome de Mirele das Graças Firmo Ferreira, consta uma ocorrência de lesão corporal registrada em 2007. O documento descreve que ela teria desferido vários golpes com uma pedra na cabeça de José Ribamar dos Santos, à época um senhor de 62 anos. Questionada pela polícia, “Mirele” (a Maria das Graças) contou que era inquilina do homem e estava com aluguel atrasado. Saiu de carro com o locador para tentar encontrar um parente que emprestaria dinheiro para ela quitar a dívida.
Porém, no caminho, Ribamar teria desviado o veículo para um matagal e tentado violentá-la. Nessas circunstâncias, “Mirele” o teria agredido. No local, a polícia chegou a encontrar pertences do homem em um saco plástico com gasolina. Mas a pista não chegou a ser investigada e, por isso, a situação não foi esclarecida.
A sogra do presidente da República leva uma vida humilde. Tem o hábito de passar as manhãs em casa e à tarde sai para para tomar sol e conversar com os vizinhos. Na época das eleições de 2018, ela foi vista fazendo campanha para Bolsonaro, apesar do distanciamento que mantém do genro.
No programa eleitoral de Jair Bolsonaro transmitido pela TV no dia 25 de outubro de 2018, as vésperas do segundo turno, Michelle revelou que a influência para fazer caridade começou com o tio materno e a mãe. “Ela sempre me ensinou que a gente não deve negar água nem comida para ninguém”, disse. Em seguida, falou sobre a convivência com Gilberto, que é surdo: “Ele plantou uma sementinha na minha vida e despertou meu amor pela Libras”, concluiu. Na época, essas declarações não chamaram atenção.
“Mirele”, Maria das Graças, Gracinha, mãe da primeira-dama e sogra do presidente da República do Brasil é uma típica brasileira marginalizada. Nem os supostos crimes que cometeu, nem as violências que sofreu foram enxergadas pelas instituições. [É uma cidadã abandonada, uma sofredora no pior país para o trabalhador. Transcrevi trechos. Leia mais]
O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, e Jair Bolsonaro durante cerimônia do Dia da República da Índia. Foto: Alan Santos/PR
Em 20 anos, a Índia foi de promessa democrática ao um regime autoritário que proíbe dissidentes e trata minorias religiosas como cidadãos de segunda classe
NA VIRADA DO MILÊNIO,tendo a Índia como inspiração, o economista indiano e prêmio NobelAmartya Senescreveu umartigono prestigioso Journal of Democracy sobre como a democracia se tornava um valor universal. Era uma fase de otimismo, quando economias emergentes despontavam como grandes promessas democráticas.
Para Sen, junto com o consistente crescimento econômico, a Índia estava sabendo tratar as diferenças políticas dentro dos parâmetros constitucionais, e os pleitos eleitorais garantiam a alternância de poder. O país superava o enorme desafio de lidar com sua diversidade de linguagens e religiões. O problema da exploração da fé por políticos sectários estava sendo contornado. Mas Amartya Sen alertava que a prosperidade do país dependia da estabilidade religiosa – além de hindus, a Índia tem a terceira maior população islâmica do mundo, além de cristãos, budistas,siques,parsisejainistas. Touché.
Em 20 anos, o cenário mudou radicalmente. A Índia, assim como o Brasil, foi “da esperança ao ódio” em queda livre. Passou de grande potência democrática a um regime autoritário, que proíbe manifestações e persegue a imprensa livre – a imprensa é chamada de“presstitute”. O mesmo Journal of Democracy agora traz umartigoargumentando que, ainda que o país mantenha eleições regulares, todo o restante que constituiria uma “democracia liberal” se esvaeceu, como a garantia da liberdade ao debate e o funcionamento equilibrado das instituições. A professora Nikita Sud, da Universidade de Oxford, vai mais longe edizque os fatos recentes questionam o status democrático e acenam ao autoritarismo.
Vozes que contestam o regime do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, são chamadas de traidoras, inimigas da nação, anti-Índia. Mais grave ainda é o estado legitimar massacres de turbas nacionalistas contra minorias religiosas, especialmente muçulmanas. Em 72 anos de independência, o país vive uma de suas mais profundas crises. Só nos últimos dias, foram mais de40 mortos e milhares de feridos.
Em recente entrevista para a revista New Yorker, o próprio Sen realiza uma jornada autorreflexiva sobre as transformações da Índia e o que teria dado errado. Consternado, ele comenta que hoje a maioria de seus amigos tem medo de se comunicar pelas redes sociais por serem vigiados. Ainda sem respostas fechadas sobre a crise democrática, ele acredita ter subestimado a importância da secularização nas democracias.
Em uma reportagem doGuardiansobre como supremacistas hindus estão dividindo a Índia, a cientista política Niraja Jayal afirma que, como seria impossível expulsar milhões de pessoas do país, o governo agora tenta consolidar o papel de subordinação dos muçulmanos. Essa unificação imposta de cima para baixo não entrega o desenvolvimento econômico almejado por todos, mas responde ao ideal de uma comunidade hindu pura, limpa e paternal. O que está em jogo nessa arbitrariedade, em última instância, é o desejo de decidir quem pode e quem não pode ser indiano.
Foto: Jewel Samad/AFP via Getty Images
Modi e a pureza étnica
A violência religiosa não é nova na Índia. Massacres ocorreram em 1984 e 2002. No último, mais de 1 mil pessoas (800 muçulmanas) morreram. Na época, Modi era governador de Gujarat, no oeste da Índia, e éacusado de ter incentivadoos ataques. Como em 2002, a atual onda de violência também está sendo legitimada pelo governo, encabeçado por Modi, o que torna a situação atual grave e inédita.
A derrocada democrática na Índia começou em 2014, com a eleição de Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, o BJP, de orientação nacionalista hindu. Uma tese que avaliei na Universidade de Oxford (não citarei o autor por razões de segurança), feita com base em pesquisa etnográfica em uma sede do BJP, não deixa dúvidas que a Índia foi pioneira na instalação de um “gabinete do ódio”, especializado em espalhar notícias falsas e memes discriminatórios e que incitam a violência contra inimigos internos, principalmente esquerdistas e muçulmanos.
Como no Brasil, muitos se perguntam quem são os eleitores de Modi e do BJP e se surpreendem em ver o quanto de gente que saiu do armário e passou a falar sem medo sobre os “infiltrados da nação”. Assim como Bolsonaro, o primeiro-ministro ocupou o debate público, na primeira eleição, com um discurso contra a corrupção, tendo como alvo os escândalos da administração anterior. Comoanalisaa professora Nikita Sud, Modi é obcecado pela ideia de limpeza: das ruas da capital Délhi, da corrupção e da questão ética, reproduzindo o fanatismobrâmanepor pureza. Nada mais anti-Índia do que a era Modi: a “Nova Índia” é hindu, com religião e linguagem única e não celebra sua diversidade étnica e cultural.
Um parente de Rahul Thakur, 23 anos, que morreu nesta semana nos ataques de gangues extremistas na capital Nova Délhi, antes da cremação do jovem. Foto: Money Sharma/AFP via Getty Images
O estopim para o massacre
Em 2019, o parlamento indiano aprovou umaemendaà lei de 1955, que garantia cidadania a imigrantes de diversas minorias religiosas, sem discriminá-las – a lei significou um passo importante no sonho de construir uma Índia diversa e não dividida. A emenda deu um passo atrás ao excluir a cidadania a muçulmanos oriundos do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão.
Como resposta à emenda, a população reagiu. Foram mais de 70 dias de protestos pacíficos, em grande parteliderados por mulherese jovens indianas, quereinventam a cena da resistência no país. Mas a polícia reprimiu com violência: cortou sinal da internet nas ruas, prendeu e bateu nos manifestantes. O governador de Uttar Pradesh, Yogi Adityanath, pediu “revanche” contra quem foi às ruas.
De um lado, há protestos. De outro, há ataques brutais contra quem protesta. Mas, como é bem conhecido por nós brasileiros, a narrativa da mídia hegemônica nem sempre discute a assimetria. Há uma insistência emretrataros eventos como “confrontos” da “polarização”, enquanto acadêmicos e ativistas não têm dúvida de que se trata de um massacre unilateral de grupos supremacistas contra minorias. A leniência e incentivo do estado indiano a todo esse horror são um fato. Cotidianamente, autoridades dão depoimentos incendiários e já há infindáveis registros que mostram a polícia observando e sendo cúmplice dos massacres.
Os mais recentes, dos últimos dias, têm ocorrido em Délhi, que está com as emergências de hospitais lotadas. Encapuzados atacam homens e mulheres sozinhos. Colocam fogo em pessoas. Lincham-nas, quebram suas mãos e membros, chamam-nas de traidores e inimigos enquanto gritam “Jai Shri Ram”, slogan nacionalista. Também há muitos registros de linchamento de pessoas comendo carne de gado (já que a vaca é um animal sagrado para os hindus) e depredação de casas e mesquitas.
Sem entregar a promessa econômica, os supremacistas insistem em viver do ódio
Umataque emblemático ocorreu início de janeiro, na Jawaharlal Nehru University, a JNU, uma das mais tradicionais, críticas e progressistas universidades da Índia, que desperta o ressentimento dos nacionalistas. Cerca de 60 homens entraram encapuzados no campus, com pedaços de pau, gritando “atirem nos traidores”. As câmeras filmaram tudo, inclusive a polícia deixando os agressores agirem.
As turbas são milicianas. Seus sujeitos pertencem à organização não partidária nacionalista Rashtriya Swayamsevak Sangh, aRSS, que buscaarquitetar um estado-nação hindu. Fundada em 1925 por membros ligados ao fascista italiano Benito Mussolini, hoje, estima-se, tem 6 milhões de filiados.
Um aspecto que me chama atenção em particular, por minha própria trajetória de pesquisa sobre a juventude bolsonarista, é o apelo que a RSS tem entre os jovens. Como mostra a investigação do jornalista Samanth Subramanian, Akhil Bharatiya Vidyarth Parishad, a ABVP, é a ala jovem da RSS que atua perseguindo outros jovens. Interessante perceber que, por muito tempo, eles tinham vergonha de se mostrar e eram minoria na progressista JNU. Mas desde a virada do milênio, precisamente quando a extrema direita passa a se organizar no mundo e ganhar proeminência, eles começam a ganhar eleições em diretórios.
Os paralelos com minha pesquisa e de Lucia Scalco sobre juventude periférica em Porto Alegre são reveladores e merecem um futuro aprofundamento. Por ora, basta notar que tanto afigura empresarialde Modi quanto a organização miliciana têm atraído milhões de jovens homens desempregados por causa da recessão, um exército de frustrados sofrendo de uma dupla crise de provedor e masculinidade. Esses homens se aliam à milícia e se radicalizam como vingança ao sonho de futuro interrompido. No Brasil, vimos o germe dessa atitude entre jovens que se aliaram ao bolsonarismo.
Isso ocorre justamente em uma época de baixo crescimento econômico – estima-se uma taxa de 5% este ano, a taxa mais baixa em 11 anos – e aumento significativo da pobreza. Em plena recessão, sem sinais de recuperação, diversos analistas notam que, para o governo Modi, polarizar é justamente o objetivo para manter as bases mobilizadas na política da inimizade interna. Sem entregar a promessa econômica, os supremacistas insistem em viver do ódio – e qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Foto: Alan Santos/PR
Não é à toa que Bolsonaro foi oconvidadono Dia da República da Índia em 2020. Os dois líderes têm muito em comum no discurso vazio anticorrupção, na incompetência econômica na promoção de desenvolvimento, no desrespeito às liberdades políticas e civis, na forma como lidar e deslegitimar a imprensa e os fatos científicos e, principalmente, a simpatia por grupos milicianos e paramilitares. São autoritários que afundam seus países no obscurantismo e enterram o sonho de um mundo multipolar de economias emergentes e democráticas, as quais serviam de referência para o resto do mundo.
Num campo progressista que se pretende descolonial, discutir a situação do nossos irmãoBRICSdeve ser uma prioridade. Muitos fatos na Índia nos refletem como um espelho, outras nos ensinam importantes lições. Dentre as lições, destaco uma: a de que a reeleição de Modi em 2019 teve impacto direto na escalada da violência e a subsequente legitimação da sanha autoritária do estado indiano.
Nota: agradeço à ajuda dos colegas e amigos Nikita Sud, Tatiana Vargas Maia e Fabrício Pontin na apuração deste texto.
O sentimento anti-esquerda permeia as igrejas da Universal. Na Record, de Edir Macedo, há uma "cruzada para reeleger" Jair Bolsonaro
247 -Texto publicado nesta semana no site da Igreja Universal apresenta razões pelas quais "um cristão de verdade não pode nem deve compactuar com ideias esquerdistas". O material ideológico lista cinco supostas diferenças entre a forma de pensar de uma pessoa cristã e uma de esquerda, defendendo a ideia de que são incompatíveis, informa o jornalista Maurício Stycer, noUOL.
O texto é encerrado com uma frase do bispo billionário Renato Cardoso, genro de Edir Macedo, fundador da igreja e proprietário do Grupo Record, da RecordTV e várias outras empresas: "Se você se diz cristão e ainda vota na esquerda, há apenas duas possibilidades: ou você não segue realmente os ensinamentos do cristianismo ou os segue e ainda não entendeu o que a esquerda é verdadeiramente".
O sentimento anti-esquerda permeia as igrejas da Universal, onde o discurso é pró-Bolsonaro, pró-extrema direita. Na emissora, há uma "cruzada para eleger" o chefe de governo, segundo o jornalistaJuremir Machado. OJornal da Recordchegou a exibir uma série de reportagens em que acusa, sem provas, o PT e seus dirigentes de terem sido financiados pelo narcotráfico. Quando existe denúncia que a Record foi complada com o dinheiro do tráfico internacional de cocaína. Conheça várias reportagens sobre mercadores do templo. Idem sobre religião
"Sevícias" é um palavrão mais aceitável para tortura física praticada pela ditadura militar de 1964. Pela Lava Jato, que levou ao suicídio um agente dissidente da Polícia Federal.
Os três mosqueteiros Deltan Dallagnol, Sergio Moro, Newton Ishii & Carlos Fernando dos Santos Lima propagador da Liga da Justiça desde o tráfico de dinheiro do Banestado
Esse gosto pela tortura de promotores e procuradores fica explícito, exposto como um cancro de pele, na fácil e aceitável formação de ligas da justiça. Sadismo que deveria ser estudado, tanto que os promotores recusam e negam o pedido de desculpas à Beatriz Abagge e demais vítimas do terrorismo judicial.
Raízes históricas religiosas explicam essa tara, danoso rompante da supremacia branca sempre nas sombras, contra as religiões afro-brasileiras e indígenas. E lideranças comunitárias sempre perseguidas pelos escravocratas tipo Ratinho, pai do governador da escola civíco-militar.
Ana Júlia o Brasil esperança
Como explicar a troca do professor de formação universitária, pelo sargentão da ordem unida, na formação estudantil do movimento "ocupa escola" que Ana Júlia sonhou um novo pensar contra nocivas tradições xenofóbicas, racistas, escravocratas, misóginas, antifeministas ?
Ratinho nazifascista
Fica explicado o discurso do Ratinho contra a deputada federal Natália Bonavides: "Natália, você não tem o que fazer, não? Você não tem o que fazer, minha filha? Vá lavar roupa a calça do teu marido, a cueca dele, porque isso é uma imbecilidade querer mudar esse tipo de coisa. Tinha que eliminar esses loucos? Não dá para pegar uma metralhadora, não?", disse o ex-deputado federal da ditadura militar durante o programa "Turma do Ratinho", na rádio.
Natália Bonavides o Brasil livre
Idem a singela, "inocente" fraqueza "feminina" do prefeito de Curitiba, eleito por confessar: "Eu nunca cuidei dos pobres. Eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que eu tentei carregar um pobre no meu carro eu vomitei por causa do cheiro", disse Rafael Greca (PMN).
Greca nojo de pobre
Caso Evandro: 'Marco histórico', diz Beatriz Abagge sobre carta do Governo do Paraná com pedido de perdão por 'torturas'
Documento foi assinado pelo secretário Ney Leprevost; Beatriz chegou a ser condenada por morte da criança. 'Condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas', cita trecho da carta.
"Eu considero esse pedido um marco histórico. Fez o Ministério Público estar esperneando e reclamando através de nota pública [confira a íntegra mais abaixo] que não foi esse o entendimento do grupo de trabalho, mas foi, sim. O MP precisa parar de agir como acusador, ele tem que agir como defensor do povo, de nós, afinal de contas a prova da tortura está aí para todos verem", disse ela, em entrevista ao g1.
O documento é assinado pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost, com data de 4 de janeiro.Veja a íntegra da carta.
"Expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora", cita trecho da carta.
Ele também diz que não pode inocentar ou anular o julgamento que condenou Beatriz Abagge, mas que uma cópia da carta de perdão e do relatório final do grupo de estudos será enviado ao Poder Judiciário.
"Eu não vou me calar, eu vou continuar lutando tanto em meu nome, como em nome de todos os outros acusados", pontuou Beatriz.
Nota pública do Ministério Público nega o terrorismo da justiça medieval e a costumeira tortura
"A respeito das recentes manifestações públicas relacionadas ao relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho 'Caso Evandro - Apontamentos para o Futuro', o Ministério Público do Paraná esclarece que não foram identificados, no referido documento, elementos probatórios que evidenciassem a prática de qualquer ilicitude por parte dos integrantes da Instituição que atuaram na persecução penal que conduziu à condenação de alguns dos réus indicados na denúncia criminal.
A atuação dos agentes ministeriais ocorreu com estrita observância aos princípios do devido processo legal, da moralidade e da ampla defesa, sem que houvesse conhecimento ou compactuação com condutas que pudessem caracterizar violação aos direitos fundamentais dos acusados.
Ademais, salienta-se que o referido Grupo de Trabalho, a teor de seu relatório final, não concluiu que o Estado do Paraná devesse formalizar qualquer pedido de perdão aos acusados, como noticiado por alguns órgão de imprensa.
Como se sabe, houve judicialização de pedido de revisão criminal, procedimento já em trâmite no Tribunal de Justiça do Paraná, sendo este o ambiente adequado e competente para análise de todos os aspectos processuais e probatórios envolvidos, o que faz por recomendar a não especulação precipitada de versões ante o encaminhamento do caso a pronunciamento jurisdicional".
Em relação a nota, Beatriz Abagge afirmou que é inadmissível esse posicionamento do MP.
"Como o órgão mesmo disse, os fatos e a revisão criminal serão discutidos na Justiça, ele não tem que repudir em cima ou falar alguma coisa, porque diz respeito ao Estado. O MP na época em que fomos presas eles tinham um convênio com a PM, eles tinham um interesse em comum e, foi a partir desse convênio, que foi encaminhado o Grupo Águia. Então o MP está defendendo o que? O corporativismo? Acreditaram justamente em uma história macabra, maluca, para acusar sete pessoas inocentes", disse ela.
Pedido de revisão criminal contra a 'santa inquisição'
Em dezembro, a defesa de Beatriz Abagge e outros condenados protocolou um pedido de revisão criminal das condenações deles três pela morte da criança.
O documento apresenta um parecer que, segundo a defesa, atesta a veracidade das gravações que apontam que houve tortura dos então suspeitos durante a investigação, na década de 1990, para que eles confessassem o crime.
Segundo a defesa, durante os julgamentos em que os três foram condenados, as gravações com as confissões foram apresentadas editadas.
A defesa pede que as condenações e os processos sejam anulados, além de uma indenização aos condenados.
O pedido foi feito após o jornalista Ivan Mizanzuk publicar no podcast Projeto Humanos os áudios completos das confissões. Segundo a defesa, as gravações completas mostram pedidos de socorro dos então investigados e provas de coação e ameaças por parte de torturadores.
O documento também apresenta um parecer psicopatológico que aponta que houve tortura. Agora, o recurso precisa ser analisado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que decide se acata ou nega o pedido.
Defesa pede revisão das sentenças de condenados pela morte de Evandro Ramos Caetano — Foto: Reprodução/RPC
O Ministério Público do Paraná informou que analisará os elementos que serão levados ao processo pela revisionante e se manifestará nos autos.
"Convém observar que a desconstituição de uma condenação criminal somente ocorre no caso de surgir nova prova cabal de exclusão de responsabilidade da pessoa condenada", informou a promotoria.
Julgamentos safados
Desde os anos 1990, caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias.
Na época, as Beatriz e Celina Abagge, mãe dela, foram inocentadas porque não houve a comprovação de que o corpo encontrado era do menino Evandro.
O MP recorreu e um novo júri foi realizado em 2011. Beatriz, a filha, foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe não foi julgada porque, como ela tinha mais de 70 anos, o crime já tinha prescrito.
Os pais de santo, Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula, também foram condenados, na época, pelo sequestro e homicídio do garoto.
Vicente de Paula morreu por complicações de um câncer em 2011 no presídio onde estava. As penas de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos se extinguiram pelo cumprimento.
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