Luiz Carlos Cancellier - (crédito: Ufsc/Divulgação)
Cancellier tirou a própria vida após ser alvo de operação da Polícia Federal. Após seis anos, o TCU arquivou a representação lavajatista que tratava das supostas irregularidades na UFSC
por Aline Gouveia
Um grupo de 56 ex-reitores de universidades federais do país pedem justiça porLuiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que tirou a própria vida após ser alvo de operação da Polícia Federal, em 2017, que apurava supostas irregularidades na universidade catarinense.
Ele chegou a ser preso por obstrução de Justiça na investigação.Cancellier alegava inocência e questionava os métodos aplicados na operação "Ouvidos Moucos". Após quase seis anos do caso, o Tribunal de Contas da União arquivou, na segunda (10/7), a representação que tratava de supostos desvios em contratos de locação de veículos com recursos do programa Universidade Aberta do Brasil, enviados à UFSC.
Para os ex-reitores, Cancellier foi vítima de perseguição pela chamada "Lava-Jato das Universidades" — em referência à operação da PF que investigava desvios e lavagem de dinheiro, e que é alvo de críticas.
"O Reitor Cancellier foi vítima de uma ação ilegal de destruição de sua reputação, após uma representação sobre supostos superfaturamentos em contratos. Por razões até hoje ocultadas, a representação não levou a uma investigação, e sim a uma ação da Polícia Federal que determinou a prisão sumária e sem provas do Reitor, decretada pela então Delegada Erika Marena", diz a nota assinada pelos ex-reitores.
"A linha de ação que gerou os horrores sem precedentes vividos por Cancellier foi aplicada de maneiras diferentes e em inúmeras outras situações impostas a reitores de instituições federais entre 2016 e 2022. Foram conduções coercitivas, negações ao direito de defesa, denúncias junto a órgãos de controle e várias humilhações públicas que causaram sofrimento e adoecimento", acrescentou o grupo.
Após a decisão do TCU de arquivar a representação, o ministro da Justiça Flávio Dino anunciou que vai adotar as providências cabíveis em face de possíveis abusos e irregularidades na conduta de agentes públicos federais.
Em janeiro, opresidente Luiz Inácio Lula da Silvadisse que os integrantes da operação Lava Jato tinham responsabilidade pela morte de Cancellier. O petista afirmou que o ex-reitor foi alvo da atuação de uma equipe que buscava "punir antes de investigar".
Segundo o grupo de reitores, a decisão do TCU sobre o caso do reitor Cancellier não é suficiente. Eles cobraram a continuidade de investigações sobre a atuação dos agentes da PF envolvidos na operação, punição dos responsáveis e reparação pública.
"É preciso não só contar mais uma vez a história do Reitor Cancellier mas exigir justiça, para que não seja esquecida e para que não se repita, por seu simbolismo e por representar um período no qual sofremos com as denúncias infundadas. Ao abrir mão de sua vida tragicamente, Cancellier também foi um anteparo e uma proteção aos demais, diante de tanta criminalização", ressaltam os ex-reitores.
Ex-reitores assinam nota
Amaro Henrique Pessoa Lins – UFPE, 2003-2011
Ana Dayse Rezende Dórea - UFAL, 2003-2011
Ana Lúcia Almeida Gazzola – UFMG, 2002-2006
Angela Maria Paiva Cruz - UFRN, 2011-2019
Arquimedes Diógenes Ciloni - UFU, 2000-2008
Carlos Alexandre Netto – UFRGS, 2008-2016
Celia Maria Silva Correa Oliveira - UFMS, 2008-2016
Cleuza Sobral Dias – FURG, 2013-2020
Dilvo Ristoff – UFFS, 2009-2011
Eliane Superti – UNIFAP, 2014-201
Felipe Martins Muller - UFSM, 2009-2013
Fernando Antonio Menezes da Silva - UFRR, 2000-2004
Gustavo Oliveira Vieira – UNILA, 2017-2019
Gilciano Saraiva Nogueira – UFVJM, 2015-2019
Helio Waldman - UFABC, 2010-2014
Helvécio Luiz Reis – UFSJ, 2004-2012
Jefferson Fernandes do Nascimento - UFRR, 2016-2020
Jesualdo Pereira Farias - UFC, 2008-2015
João Carlos Salles Pires da Silva - UFBA, 2014-2022
João Carlos Brahm Cousin – FURG, 2005-2012
José Carlos Ferraz Hennemann - UFRGS 2004-2008
João Luiz Martins - UFOP, 2005-2013
José Arimatea Dantas Lopes - UFPI, 2012-2020
José Henrique de Faria - UFPR, 1994-199
José Ivonildo do Rêgo - UFRN, 1995-1999 e 2003-2011
José Geraldo de Souza Junior - UnB, 2008-2012
José Rubens Rebelatto – UFSCar, 1996-2000
Josué Modesto dos Passos Subrinho - UFS, 2004-2012 e UNILA, 2013-2017
Marcone Jamilson Freitas Souza - UFOP, 2013-2017
Malvina Tuttman - UNIRIO, 2004-2011
Maria Beatriz Luce - Unipampa, 2008-2011
Maria Lúcia Cavalli Neder – UFMT, 2008-2016
Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil – UFSCar, 2008
Mauro Del Pino – UFPel, 2013-2017
Naomar Almeida Filho - UFBA, 2002-2010 e UFSB, 2013-2017
Nelson Maculan Filho – UFRJ, 1990-1994
Newton Lima Neto – UFSCar, 1992-1996
Nilma Lino Gomes – Unilab, 2013-2014
Odilon Antonio Marcuzzo do Canto - UFSM, 1993-1997
Orlando Afonso Valle do Amaral - UFG, 2014-2018
Oswaldo B. Duarte Filho - UFSCar, 2000-2007
Paulo Burmann – UFSM, 2013-2021
Paulo Gabriel Soledade Nacif – UFRB, 2006-2013
Paulo Márcio de Faria e Silva - UNIFAL-MG, 2010-2018
Paulo Speller – UFMT, 2000-2008; UNILAB, 2010-2013
Em 2017 segui de Brasília para Florianópolis para participar da banca de doutoramento de José Alexandre Ricciardi Sbizera. Tratava-se de um instigante estudo sobre as relações entre direito e literatura, assunto fascinante. O título era provocativo: "Linguagem, Direito e Literatura: estilhaços heurísticos para pensar a relação entre o riso, o jurista e o leitor". Uma tese que opunha à seriedade e à formalidade do protagonismo jurídico o escárnio e a irrisão da vida real. Uma tese chocante.
O orientador desse belíssimo trabalho era Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, onde realizou-se essa memorável banca. Penso que pode ter sido a última banca de Cancellier, ou uma das últimas, entre tantas bancas que realizou. De qualquer modo, foi um privilégio. Um privilégio raro na minha vida acadêmica. Lédio Rosa de Andrade (desembargador, professor, que faleceu aos 60 anos, em 2019) também estava nessa banca inesquecível. Era muita cultura por metro quadrado. Um papo jurídico cabeça, para iniciados. Nem todo jurista sente conforto em discutir temas não dogmáticos. Alexandre Morais da Rosa, com sua visão realista do processo penal, também estava na banca.
Cético, irreverente, diferente, o examinando apresentava um trabalho à altura daquele programa de pós-graduação, uma referência maior no pensamento crítico brasileiro, tradição que vinha — entre outros — da tese de Horácio Wanderley Rodrigues, "A crise do ensino jurídico de graduação no Brasil contemporâneo : indo além do senso comum", orientado por Olga Maria Boschi de Aguiar e Edmundo Lima de Arruda Jr. Na banca dessa tese de 1992, Roberto Aguiar (UnB), Roberto Kant de Lima (UFF) e Reinaldo Fleuri (UFSC). Leonel Severo da Rocha coordenava o curso. No mesmo ano, 1992, Lédio Rosa de Andrade defendeu na UFSC dissertação sobre a então chamada "magistratura alternativa". Lenio Streck lá defendera dissertação de mestrado em 1988 ("Tribunal do Júri e estereótipos") e tese de doutorado em 1995 ("Eficácia, poder e súmulas de direito").
Ao longo dos anos de 1990, a linha da UFSC era de algum modo paralela com uma linha conceitual que se desenvolvia na UnB. Warat, Lyra Filho, Luiz Fernando Coelho, Tarso Genro ("Os juízes contra a lei"), Amilton Buerno de Carvalho, Wolkmer ("Contribuição para o projeto da juridicidade alternativa") e o então tão jovem Clèmerson Merlin Clève ("Uso alternativo do direito e saber jurídico alternativo") faziam parte dessa patota, que tanto influenciou Cancellier.
Na tarde daquela banca não me passava pela cabeça, nem de longe, que o orientador daquele brilhante doutorando passaria por situação devastadora, humilhante, e de violência sem precedentes, que o levaria ao suicídio. A indignação que todos sentimos é traduzida pelo discurso fúnebre proferido pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade, em um dos momentos mais tristes e revoltantes da história do direito brasileiro. É quase uma obrigação que assistamos a essa fala cheia de indignação, em forma de lamento, de alerta e de desabafo contra a truculência e o autoritarismo.
Guardo de Cancellier as mais fortes recordações. Nasceu em Tubarão, em 13 de maio de 1958. Falamos sobre essa cidade, traumatizada por uma cheia nos anos 1970. Simples, sem a afetação de alguns acadêmicos pernósticos, ainda que autoridade inconteste no meio universitário, delicado, receptivo com o visitante, defendia seu orientando, porque sabia que esse é um dos papeis do orientador, quando autorizada a defesa em banca. O orientador, todos sabemos, também é avaliado.
Inteligente e perspicaz, Cancellier conduziu o júri acadêmico com alegria e segurança. Era o chefe do evento. Dominava. Pontificava. Parece que todos sabíamos que era um momento histórico, não pela tragédia que veio depois (porque não imaginávamos) mas pelo transe cultural que então vivíamos. Cancellier deixou o examinando mostrar a essência, os limites e o alcance do trabalho. Permitiu que nós examinadores explorássemos as tensões que decorriam de pesquisa tão inusitada. Foi uma tarde inesquecível, para marcar com uma pedrinha branca, como diziam os romanos em face de ocasiões memoráveis.
Impressionado com o orientador, procurei conhecer sua trajetória acadêmica e ler seus trabalhos. Cancellier era um visionário. Em 2001 havia defendido dissertação de mestrado sobre o tema da informatização do Judiciário e do processo digital. Em 2003, defendeu tese de doutoramento sobre a reglobalização do Estado e a sociedade em rede. Assuntos que hoje, passados 20 anos, ainda enfrentamos com timidez.
Preso de modo aviltante, afastado compulsoriamente da reitoria, num contexto sensacionalista, irresponsável e midiático, sem provas, Cancellier, abaladíssimo, suicidou-se atirando-se em um vão de um shopping center em Florianópolis.
Recomendo o livro reportagem de Paulo Markun, Recurso Final - a investigação da Polícia Federal que levou ao suicídio um reitor em Santa Catarina, publicado pela Objetiva, em 2021, do qual copio a orelha: "Luiz Carlos Cancellier de Olivo foi estudante de direito, militante do Partido Comunista e líder estudantil. Trocou a carreira de jornalista pela de assessor político e retornou à Universidade Federal de Santa Catarina dezesseis anos depois, tornando-se reitor com menos de dezoito anos de vida acadêmica. Sem ficha ou antecedentes criminais, no fim da tarde de 14 de setembro de 2017 juntou-se aos 2 mil presos do complexo da Agronômica, em Florianópolis, com outros seis funcionários da UFSC. Só ali teve informações sobre o motivo de sua prisão, ao ouvir a cifra que teria sido desviada do programa de educação à distância da Universidade: 80 milhões de reais. Apesar da surpresa de Cancellier, o número já corria o Brasil em sites e noticiários de TV, que anunciavam a recém-batizada Operação Ouvidos Moucos, que contava com mais de cem policiais federais. No lastro da Lava Jato, deflagrada alguns anos antes (...) a Ouvidos Moucos gerou muita curiosidade e expectativa, colocando o ex-reitor no centro de um furacão de especulações. Mas a insuportável pressão teve um desfecho trágico".
O livro de Paulo Markun é uma pérola do jornalismo investigativo brasileiro. Markun é um jornalista sério. O reitor foi considerado culpado, antes de qualquer julgamento. Nas palavras do autor desse importante livro, os últimos dias de Cancellier foram um mal sem cura. O suicídio se deu 18 dias depois da prisão. Passados cinco anos, não há provas que sustentem a acusação, considerada inconsistente pelo TCU.
Não se sabe, e nunca se saberá, o sentido íntimo desse gesto de desespero. Talvez, e no limite, o libelo contundente de quem se sente injustiçado. E esse sentimento, todos sabemos, é muito mais forte do que a participação hipócrita num jogo em que as cartas estão marcadas. Como ouvimos na canção (Hurricane) do poeta/compositor Nobel norte-americano (Dylan), "couldn't help but make me feel ashamed to live in a land where justice is a game".
Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC, suicidou-se em um shopping de Florianópolis dezoito dias após ser preso de forma arbitrária e sem provas pela Polícia Federal
247 -O dia 14 de outubro de 2022 marca exatos cinco anos da prisão arbitrária e injusta de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele se suicidou dezoito dias após ser preso, sem provas, no âmbito da Operação Ouvidos Moucos, um desdobramento da Lava Jato deflagrada pela Polícia Federal no dia 2 de outubro para apurar um suposto desvio de recursos públicos em cursos de educação a distância.
Embora não fosse o alvo central das acusações, a suspeita era de que o reitor havia interferido nas investigações na corregedoria da universidade. A suposta interferência, porém, nunca foi comprovada.
Afastado do cargo e exposto à humilhação pública, Cancellier jogou-se do alto de uma escada do Beiramar Shopping, em Florianópolis, caindo no vão central do centro comercial. “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”, escreveu ele em bilhete encontrado pela polícia e divulgado pela família.
A ação arbitrária da operação que levou Cancellier à morte expôs as arbitrariedades praticadas pelo MInistério Público e pela Polícia Federal, com a conivência da mídia corporativa, em meio às centenas de denúncias infundadas que se seguiram à Operação Lava Jato.
Quem matou Luiz Carlos Cancellier de Olivo?
Desgraçadamente no Brasil a presunção de inocência que decorre do processo penal democrático foi abandonada – inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – em nome da fúria punitivista, do falacioso discurso de combate à impunidade e do Estado Penal
por Leonardo Yarochewski
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Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO foi encontrado morto na manhã da segunda-feira 3 de outubro de 2017, no Beiramar Shopping, em Florianópolis. Segundo investigação preliminar, a hipótese é de suicídio.
No dia 14 de setembro, o reitor CANCELLIER foi preso em decorrência da Operação “Ouvidos Moucos”, da Polícia Federal (PF), por suspeita de desvio de recursos dos cursos de Educação a Distância (EaD). Segundo a PF, o reitor CANCELLIER nomeou professores “que mantiveram a política de desvios e direcionamento nos pagamentos das bolsas do EaD”. Ainda, de acordo com a PF, o reitor “procurou obstaculizar as investigações internas sobre as irregularidades na gestão do EaD”.
Embora tenha sido solto no dia seguinte à prisão, o reitor, 60 anos, estava afastado da UFSC por decisão judicial. CANCELLIER era doutor em direito pela UFSC e professor da universidade desde 2005.
Um bilhete foi encontrado no bolso da calça de LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO com os seguintes dizeres: “Minha morte foi decretada no dia do meu afastamento da universidade”.
Em carta publicada no jornal O Globo, o reitor CANCELLIER revela o caráter humilhante da sua prisão e de seus colegas da UFSC:
Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia.
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.[1]
Hodiernamente, em nome de um ilusório combate a criminalidade e como forma de antecipação da tutela penal, a prisão provisória vem sendo decretada a rodo – notadamente nas operações espetaculosas das forças tarefas que unem a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal – em assalto aos direitos e garantias fundamentais. Não é sem razão que cerca de 40% das pessoas que estão presas no Brasil são de presos provisórios (prisão preventiva) e que ainda não foram julgadas nem na primeira instância.
MICHEL FOUCAULT já se referia ao suplício como forma de ritual para um grandioso espetáculo. “Na forma lembrada explicitamente do açougue, a destruição infinitesimal do corpo equivale aqui a um espetáculo: cada pedaço é exposto no balcão”.[2] Mais adiante, FOUCAULT observa que “há também alguma coisa de desafio e de justa na cerimônia do suplício. Se o carrasco triunfa, se consegue fazer saltar com um golpe a cabeça que lhe mandaram abater, ele a mostra ao povo, põe-se no chão e saúda em seguida o público que o ovaciona muito, batendo palmas”.[3]
Independente da acusação, a Operação Ouvidos Moucos – que culminou com a decretação da prisão do reitor da UFSC – foi mais uma, entre tantas outras, eivada de ilegalidade e arbitrariedade. Desgraçadamente no Brasil a presunção de inocência que decorre do processo penal democrático foi abandonada – inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – em nome da fúria punitivista, do falacioso discurso de combate à impunidade e do Estado Penal.
A prisão provisória (cautelar) que deveria ser decretada apenas e tão somente em casos extremos e excepcionais – e, mesmo assim, quando não há outra medida de caráter menos aflitivo para substituí-la (Lei 12.403/11) – se converteu em regra. Em seu instigante e indispensável “Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos”, ALEXANDRE MORAIS DA ROSA a partir da teoria dos jogos assevera que “as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou tática de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra como ‘tática de aniquilação’, uma vez que os movimentos da defesa vinculados à soltura”. [4]
No Estado Penal prende-se primeiro – sem direito a defesa – para depois apurar. As prisões são filmadas, noticiadas e exibidas pelos abutres da grande mídia que transformam a desgraça alheia em mercadoria e o processo em espetáculo.
No espetáculo midiático – braço do Estado Penal -, LUANA MAGALHÃES DE ARAÚJO CUNHA observa que “as dúvidas acerca do delito, circunstâncias e autoria são transformadas em certezas. O possível autor do fato criminoso é tratado como culpado e julgado pela opinião pública que cuida de impor ao indivíduo a pena da estigmatização”. [5] NILO BATISTA nota que “a imprensa tem o formidável poder de apagar da Constituição o princípio de inocência, ou, o que é pior, de invertê-lo”. [6]
No Estado Penal, a defesa é relegada ao segundo plano, quando não considerada estorvo para as investigações. No Estado Penal, promotores de Justiça e procuradores da República se transformam em acusadores e paladinos da justiça. Os juízes, no Estado Penal, se travestem em verdugos, e alguns em “super-heróis”. No Estado Penal, a Constituição da República é dilacerada e com ela são triturados os direitos e garantias do Estado Constitucional.
RUBENS CASARA, referindo-se ao Estado Pós-democrático, observa que “no momento em que direitos e garantias individuais são afastados com naturalidade por serem percebidos como empecilhos ao livre desenvolvimento do mercado e à eficiência punitiva do Estado, lamenta-se a ausência de debates sobre o agigantamento do Estado Penal. Lamenta-se a ausência de debates que tratem da amplitude e importância do valor liberdade”.[7]
No Estado democrático de direito fundado, realmente, em bases democráticas – democracia material – deve prevalecer o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa. Repita-se, o status libertatis é a regra. A presunção é de inocência. A prisão cautelar como medida drástica e de exceção somente deveria ser decretada como remédio extremo, como ultima ratio. Em caso da imperiosa necessidade de decretação de alguma medida cautelar, que seja feita a opção pela menos gravosa e menos aflitiva ao acusado. Por fim, que seja sempre evitada à prisão e que a liberdade sempre prevaleça.
Na verdade, nua e crua, o reitor LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO não se suicidou, foi “suicidado”, foi “suicidado” sem direito a defesa e com emprego de meio cruel, por todos aqueles que representam e agem em nome do Estado Penal, que massacram diuturnamente a dignidade da pessoa humana, postulado do Estado democrático de direito.
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Nota deste correspondente: Os assassinos do reitor LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO, assassinos nazistas, todos eles foram levados por Sérgio Moro, pago por Bolsonaro, pela prisão do candidato Lula da Silva, para ocupar cargos no Ministério da Justiça e Segurança Pública no ano de 2019. Todos os assassinos, assassinos fascistas, foram bem recompensados. Chegou a hora da punição. Do julgamento do povo.
Morte do reitor Cancellier após abuso da PF é tema de documentário da GGN
Nota de Combate: Dois meses após a morte de Cancellier, Marena foi designada para a Superintendência Regional da PF em Sergipe. Quando assumiu o Ministério da Justiça de Bolsonaro, Moro a nomeou para a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Foi exonerada em 2020, depois da saída do ex-juiz da Lava Jato.
Um dia antes de se suicidar, o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, foi ao cinema. Naquele 1º de outubro de 2017, estava em cartaz o filme “Polícia Federal: a lei é para todos”, com um enredo que glamourizava o trabalho da delegada Erika Marena na operação “lava jato”.
Esse e outros episódios são apresentadas no documentário “Levaram o reitor: Quando o modelo lava jato adentrou uma Universidade”, da GGN, desnudando a série de erros e abusos que precipitaram o fim trágico da vida de Cancellier e deixaram marcas indeléveis nas vidas dos envolvidos — exceto, até agora, para os perpetradores da violência institucional.
Cancellier foi preso em julho de 2017, junto com outros seis professores universitários, sob acusação de chefiar uma quadrilha que teria desviado R$ 80 milhões de dinheiro público da educação. A cifra, divulgada com estardalhaço, na verdade, correspondia ao total dos repasses para um programa de EaD ao longo de oito anos. Os supostos desvios, depois foi esclarecido, não chegavam a R$ 2,5 milhões.
A operação foi chefiada pela mesma Erika Marena que é endeusada no filme sobre a PF. A prisão foi determinada pela juíza Janaína Cassol Machado, que saiu de licença um dia após a decisão. No dia seguinte, a juíza substituta Marjôrie Cristina Freiberger decidiu soltá-lo imediatamente por falta de provas.
Mesmo solto, o professor continuou sem o direito de pisar na universidade durante o inquérito. Ele cometeu suicídio logo em seguida, em outubro de 2017. O inquérito, por outro lado, não apresentou qualquer prova até o momento.
O ato extremo do reitor colocou em xeque o método de investigação que havia se tornado praxe no Brasil: prende-se e humilha-se primeiro; ouve-se depois. Sob aplausos acríticos da maior parte da imprensa brasileira, era esse o modus operandi da comemorada “lava jato”, replicado na investigação sobre supostos desvios de dinheiro público na UFSC.
O documentário foi concluído após 5 meses de investigação, pré-produção, produção, entrevistas feitas por videochamadas, edição e imagens. Os produtores analisaram milhares de páginas de peças judiciais de diversos órgãos — Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU), o inquérito da Polícia Federal, as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) e os despachos da Justiça Federal, além de documentos de Fundações e outros obtidos pela investigação.
247 -O ex-procurador Deltan Dallagnol qualificou como “bando de imbecis” os críticos da espetaculosa operação da Polícia Federal, comandada pela delegada Erika Marena, responsável pela operação que perseguiu reitores em Santa Catarina, prendendo ilegalmente Luiz Carlos Cancellier, então reitor da UFSC e que se suicidou em 2017, depois de uma humilhação pública com acusações de corrupção na universidade. Até hoje, nunca foram apresentadas provas do envolvimento de Cancellier no esquema. O diálogo faz parte do arquivo da Vaza Jato e foi divulgado nesta terça-feira (18) pelo siteThe Intercept Brasil.
De acordo com a reportagem, no diálogo travado via Telegram em 2017, o então procurador-chefe da Lava Jato conversava sobre o suícidio de Cancellier com a delegada Erika Marena. “Erika, vi a questão do suicídio do reitor da UFSC. Não sei o que passa pela sua cabeça, mas pelo amor de Deus não se sinta culpada. As decisões foram todas dele. Não sei se publicamente houve algum ataque, mas se Vc quiser qq expressão pública de solidariedade, conte comigo”, escreveu Dallagnol quatro dias após a morte do reitor.
“Erika, eles não prevalecerão. É um absurdo essas críticas. Um bando de – perdoe-me – imbecis. Nessas horas, quando há maior pressão, o importante é focarmos na realidade crua: Vc respeita todas as regras, atuou 100% corretamente e como fazemos em TODOS os outros casos. Não fique chateada, amiga, que eles não merecem. Vc sabe que no processo de luto uma das fases é RAIVA, e faz parte que pessoas que se sensibilizem procurem atribuir culpa, mas isso é absolutamente injusto. Conte com meu apoio e minha prece”, escreveu Deltan em um outro trecho da conversa. “E se quiser conversar saiba que sempre tera (sic) aqui um ouvido amigo”, completou.
Questionado pela reportagem sobre o assunto, Dallagnol [o cruel e verdadeiro imbecil] respondeu por meio de sua assessoria que “nas investigações em que trabalhou com a delegada Marena, ela sempre demonstrou correção, competência, dedicação e qualidade técnica, assim como respeito aos direitos fundamentais dos investigados e réus”. [Competência máxima para prender tem qualquer polícia fascista, nazista. Prender inocentes é pra lá de fácil. Prender milicianos outra história. Bem diferente. Idem prender traficantes de drogas, de moedas. É difícil. Dou o exemplo do doleiro Alberto Youssef, para quem o procurador Deltan Dallagnol pediu o perdão do juiz Sergio Moro. Idem o intocável bandido Dario Messer. Prender um reitor é descomplicado. Prender um professor é acessível. Prender um estudante é compreensível. Todas as vezes que a dupla Moro-Dallagnol prenderam Youssef negociaram com ele a liberdade via a prostituta complacente da delação premiada]
Como sempre aconteceu e acontecerá, Dallagnol não reconhece os trechos dos diálogos divulgados pelo Intercept, e que “um suicídio é sempre uma tragédia humana a ser lamentada, independentemente das circunstâncias”. [Idem os responsáveis por um suicídio são assassinos] A delegada Erika Marena, que atualmente trabalha na Polícia Federal do Paraná, não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.
Quase três anos depois, a reputação de Cancllier continua manchada pela covardia inominável das instituições em recusar a admitir o erro, formular um pedido público de desculpas, derradeira maneira de consolar familiares e amigos dele, e punir os responsáveis por esse crime
No dia 14 de setembro de 2017, uma operação desencadeada pela Polícia Federal, a Ouvidos Moucos – comandada pela delegada Erika Merena -, acompanhada por equipes de TV, invadiu o campus da Universidade Federal de Santa Catarina e levou presos vários professores.
Foi o ápice do clima de macarthismo instaurado no país, no bojo da Operação Lava Jato, a tragédia final de um dos períodos políticos mais torpes da história do país, comparável aos tempos de AI-5 e imensamente piores do que os tempos atuais. O clima criado pelo discurso de ódio intimidou o Supremo, fez com que a mídia abafasse o episódio, permitindo a ascensão de linchadores em todos os poderes.
Na PF, eles foram despidos, constrangidos, tiveram as partes íntimas revistadas. Depois foram encaminhados ao Departamento de Administração Prisional para serem encarcerados.
A indignidade foi tratada com naturalidade pela mídia, totalmente entorpecida pelo macarthismo emanado da Lava Jato.
No dia 2 de outubro de 2017, o reitor Luiz Carlos Cancellier subiu no último andar de um shopping em Florianópolis e se matou. Foi um gesto de indignação, de quem viu na própria morte a única maneira de romper com a violência da prisão e a total indiferença de uma opinião pública que perdera totalmente o compromisso com a justiça.
As acusações eram de desvio de R$ 3 milhões, referentes a cursos de educação à distância.
A denúncia foi feita por um professor polêmico, Rodolfo Hickel do Prado, indicado como corregedor da Universidade pela Controladoria Geral da União, no movimento absurdo dos órgãos de controle de interferência na autonomia universitária. As acusações de Hickel contra Cancellier não eram sequer de desvio de dinheiro, mas de tentativa de obstrução das investigações.
O inquérito resultou em um catatau de 817 páginas, onde o nome de Cancellier é citado 8 vezes. No dia 10 de maio de 2018 a Folha questionou a PF, de que não havia uma prova sequer que incriminasse Cancellier em desvio de recursos. A única menção era de um empréstimo de R$ 7 mil de um dos professores a um filho de Cancellier.
A resposta da PF foi nas entrelinhas. Apenas se limitou a informar de que a investigação estava finalizada, uma maneira de informar que nada mais foi encontrado.
Quase três anos depois, a reputação de Cancllier continua manchada pela covardia inominável das instituições em recusar a admitir o erro, formular um pedido público de desculpas, derradeira maneira de consolar familiares e amigos dele, e punir os responsáveis por esse crime. É princípio básico da justiça de transição. Denunciar os abusos, punir os responsáveis, é a maneira das instituições aprimorarem seus protocolos de atuação, se tornarem melhores, impedindo a repetição dos malfeitos.
Os principais personagens dessa tragédia
Delegada Erika Merena
Coordenou a operação, convocou mais de cem policiais de todo o país, foi responsável direto pelas humilhações impostas a Cancellier. Mais tarde, ainda no apogeu da Lava Jato, denunciou o novo reitor da UFSC por injúria, devido a um evento de solidariedade a Cancellier, transmitido pela TV da Universidade, pelo fato de ter aparecido, ao fundo, uma faixa em protesto contra ela. A denúncia não foi aceita pela Justiça Federal de Florianópolis. Erika se tornou delegada de confiança de Sérgio Moro e da Policia Federal.
Juíza Janaina Cassol
Autorizou a prisão de Cancellier e saiu de licença um dia depois. A juíza substituta Marjôrie Cristina Freiberger ordenou sua soltura, por falta de provas. Mais tarde, declarou-se impedida de julgar ação da delegada Marena contra o reitor da UFSC.
Procurador André Stefan Bertuol
Principal responsável pelas acusações contra Cancellier. Não satisfeito, inidiciou também o filho de Cancellier, devido a um empréstimo de R$ 7 mil (!) feito pelo um dos coordenadores do programa da UFSC para ele. Recentemente, foi nomeado Procurador Regional eleitoral para o Estado de Santa Catarina.
Quando a Justiça Federal rejeitou denúncia contra o novo reitor da UFSC, por injúria, o MPF de Santa Catarina recorreu à 3a Turma recursal da JF do estado, insistindo no acolhimento da denúncia. Segundo a denúncia, caberia ao reitor, como autoridade de primeira hierarquia da administração universitária presente na solenidade em questão, exercitar o poder de polícia administrativa que “coibisse o malferimento à honra funcional dos servidores públicos retratados na faixa”. E ele, o reitor, teria consentido em “se deixar ser fotografado/filmado em frente à faixa “injuriosa”.
Os catorze meses seguintes foram marcados pela ausência de políticas educacionais e pela ignorância sem precedentes do MEC. O debut de Weintraub como gestor público de alto-escalão foi marcado pelo anúncio do “corte de 30%” nos recursos destinados a despesas discricionárias, como água, luz, limpeza e segurança, das instituições federais de ensino superior. O novo ministro denunciava a dominação da academia por “comunistas”, reclamava dos elevados dispêndios governamentais e protestava contra o uso de drogas pelos universitários. Ao mesmo tempo, anunciou o “bloqueio preventivo” de recursos, sustentado no argumento de que algumas universidades estavam promovendo “balbúrdia” ou “eventos ridículos” nos seus campi. Inicialmente, seriam os casos da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao longo do mês de maio de 2019, sobretudo nos dias 15 e 30, o país inteiro foi tomado por multitudinárias manifestações contra as arbitrariedades do MEC. Em um movimento nacional, centenas de milhares de brasileiros ocuparam as ruas para protestar. Houve amplo apoio de vereadores, prefeitos, deputados, senadores e governadores. Recorda-se que a OAB também questionou o contingenciamento de verbas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa furiosa difamação das instituições públicas pelo próprio MEC estava claramente associada com o programa “Future-se”, que havia sido anunciado em meados de 2019. Tratava-se de um plano de promoção da privatização das universidades, via participação de fundações e fundos de investimento, que terminariam por anular a autonomia tanto administrativa como didático-científica. Ficou evidente a falta de compromisso do Estado com o financiamento da Educação, do ensino, da pesquisa, da extensão e do desenvolvimento. As instituições passariam a operar de acordo com contratos de resultados e alcance de metas, que condicionariam o acesso a bolsas da Capes, por exemplo. As Ciências Humanas foram abertamente consideradas como não prioritárias. Recorda-se que quatro dias antes de deixar o cargo, Weintraub retomou a mesma ideia: “Como brasileiro, eu quero ter mais médico, mais enfermeiro, mais engenheiro, mais dentistas. Eu não quero mais sociólogo, antropólogo, não quero mais filósofo com o meu dinheiro”.
Em novembro de 2019, o então ministro disse “você tem plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas de algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico”. Os alvos eram a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a UnB, já atacada por promover “balbúrdia”. Depois das graves acusações, Weintraub foi chamado para prestar esclarecimentos na Comissão de Educação da Câmara de Deputados. Na ocasião, disse que “as universidades estão doentes, pedindo nosso socorro. Sou a favor da autonomia em pesquisa, pode falar do que quiser, até de Karl Marx, não tem problema, mas a PM tem que entrar nos campi”. Não recuou um milímetro. Pelo contrário, foi além: “Você pega laboratórios de química – uma faculdade de química não era um centro de doutrinação – desenvolvendo drogas sintéticas, metanfetamina, e a polícia não pode entrar nos campi”. As propagandas falsas e negativas do MEC visavam desqualificar as instituições. Recorda-se que apenas 1% de todos os brasileiros está matriculado em uma universidade pública.
Em fevereiro de 2020, pela nona vez, Weintraub foi chamado a comparecer ao Congresso Nacional. No caso, devia prestar esclarecimentos sobre as falhas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado em novembro de 2019. Os problemas foram os erros nas correções de mais de 5 mil provas, a suspensão da divulgação dos resultados por parte do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e a grande dificuldade para realizar as inscrições. Mantendo a sua linguagem peculiar, o chefe da pasta afirmou que “Eu não prometi que seria, mas foi o melhor Enem de todos os tempos”. No bojo desses acontecimentos, claramente ampliou-se uma grande onda de indignação.
Com uma portaria matreira, no dia do Natal de 2019, Bolsonaro tentou alterar o rito para a nomeação de reitores de universidades e institutos técnicos federais, descartando a histórica consideração da chamada lista tríplice de candidatos. A proposta sequer foi votada por deputados e senadores, perdendo validade. Já em um cenário de Covid-19, diante de números assustadores e crescentes de contaminados (mais de 1 milhão) e de falecidos (mais de 50 mil), o MEC chegou a sentenciar, de maneira arbitrária, que manteria a data de realização do ENEM em 2020. O anúncio foi recebido com espanto, gerou protestos e forçou o Ministério a recuar.
Como se não bastasse, na famosa reunião ministerial de 22 de abril, que teve o conteúdo divulgado ao público por decisão da Suprema Corte, o então ministro da Educação afirmou: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. Assim, terminou incluído no inquérito que apura fake news contra o Supremo. Weintraub considerou a operação da Polícia Federal (PF), ordenada pelo STF, como a “Noite dos Cristais brasileira”, sendo duramente repreendido por entidades judaicas e pela própria embaixada de Israel no Brasil.
No início de junho de 2020, uma nova medida provisória do presidente previa autorizar o ministro da Educação a “nomear reitores e vice-reitores de universidades federais sem consulta à comunidade acadêmica” nos casos de mandatos que terminassem durante a quarentena. Houve grande revolta nas universidades, no Congresso e em diversas instituições. O texto dizia que “não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19”. Os presidentes do Senado e da Câmara de Deputados se manifestaram veementemente contra a proposta inconstitucional, que foi devolvida ao Poder Executivo.
Fora do Brasil, Weintraub também causou conflitos. Quis associar a forma de falar do personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, com a pronúncia praticada pelos chineses. A sua postagem não é digna de um alto-funcionário do governo do Brasil. Escreve: “Geopolíticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?”. A situação é completamente vexatória. Falou em “comunavírus” e “vírus chinês”. O governo de Pequim respondeu de maneira contundente e a Procuradoria-Geral da República solicitou ao STF a abertura de inquérito para investigar Weintraub pelo crime de racismo.
No seu último dia como ministro, ainda foi anunciada uma portaria que desobriga as instituições públicas de ensino superior a apresentarem planos de inclusão para negros, indígenas e deficientes em programas de pós-graduação (mestrado, especialização e doutorado). A medida gerou forte reação e, se mantida, será mais uma derrota do governo, já anunciada por entidades, movimentos sociais, parlamentares e juristas. Um bom resumo dos acontecimentos foi apresentado pela UNE, a Ubes e a ANPG, em carta conjunta, na qual consideram que o ex-ministro “retirou recursos da educação, ofendeu as universidades públicas, ignorou os debates sobre o Fundeb, atacou a autonomia universitária e transformou o MEC numa verdadeira ferramenta ideológica bolsonarista, por isso ganhou a ira e o repúdio de toda a comunidade da educação” (Continua )