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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

29
Out21

Mourão: mundo joga pedra no Jair

Talis Andrade

 

por Fernando Brito

O vice-presidente Hamilton Mourão, para explicar a ausência de Jair Bolsonaro na COP-26, conferência mundial do clima, porque lá “todo mundo vai jogar pedra nele”.

Apesar de Mourão sugerir que isso é obra “da esquerda” – “a maioria das pessoas que tem realmente uma consciência ambiental maior é de esquerda, então, há crítica política embutida nisso aí” – as pedradas, deveria saber Mourão, não vem só da esquerda e as maiores pedras partiram de governo de centro-direita na Alemanha e na França. Muito menos Joe Biden pode ser chamado de esquerdista, ainda que nossos bolsonaristas pensem assim.

A questão é o prejuízo que a falta de credibilidade – para dizer o mínimo dos mínimos – do governo brasileiro está bloqueando as possibilidades que nosso país tem, pela extensão e natureza de seu território, de aproveitar a crescente preocupação global com o clima para alavancar o desenvolvimento sustentável do Brasil.

O comércio de créditos de carbono promete, finalmente, deslanchar nos próximos anos e pagar, em dinheiro vivo, iniciativas preservacionistas por aqui, incrivelmente mais baratas e significativas que as que países desenvolvidos possam desenvolver. Estima-se que pudessem nos gerar até US$ 40 bilhões em 25 anos. Há oportunidades abundantes em preservação de mananciais, matas ciliares, reservas legais, sem impacto nas atividades econômicas e, até, com impactos positivos sobre a proteção do solo agrícola.

Estamos, porém, andando para trás: aumentamos, em 2020, em 9,5% nossas emissões de gases estufa, a maior elevação desde 2006. ao mesmo tempo que a retração econômica causada pela pandemia fazia as emissões mundiais baixarem 6,7%.

Temos tudo para ser o país em que o mundo não taca pedras, mas aplica recursos para a conservação que, em tempos nos quais a sustentabilidade – além de uma necessidade – também virou valor de mercado.

Mas isso nada adianta se passamos a ser a “Geni ambiental”, o país das queimadas, dos madeireiros e garimpeiros ilegais mas protegidos pelo presidente, da madeira contrabandeada sob a proteção do próprio Ministério do Meio Ambiente e da expansão da eletricidade em usinas térmicas poluentes.

Também nisso, maldito Jair!

 

22
Fev21

Os “presentes” da CIA para o Brasil

Talis Andrade

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Novos diálogos da Lava Jato, revelados pela Operação Spoofing, escancaram ingerência dos EUA. “Retomada golpista” na América Latina visa água, petróleo e bases militares. No centro da sabotagem, Petrobrás, a maior empresa brasileira

por José Álvaro de Lima Cardoso /OutrasPalavras

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A comprovação da atuação e interesse dos EUA no golpe – que estas novas denúncias da Lava Jato, analisadas pela polícia federal na Operação Spoofing, descrevem com sórdidos detalhes – são dimensões fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil nos últimos oito ou nove anos. Impressiona, por exemplo, que o núcleo da força-tarefa da Operação Lava Jato tenha comemorado a ordem de prisão contra Lula em abril de 2018. O chefe da Operação, Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa à época, chegou a exclamar, de forma empolgada, que foi um “presente da CIA”.

Dos bastidores do golpe sabemos o mínimo, com o tempo saberemos muito mais. Mas os diálogos vazados recentemente, dos agora desmascarados membros da Lava Jato, deixam muito evidente que toda a operação nada tinha a ver com combate à corrupção, mas era uma tramoia coordenada por um país estrangeiro, visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos econômicos e políticos. O que se sabe é que os Estados Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da região.

A estratégia norte-americana tem caráter subcontinental, praticamente todos os países da América do Sul sofreram golpes, adaptados a cada realidade social e política. Na maioria dos países foram ataques desferidos sem participação aberta das forças armadas (que atuaram nos bastidores), utilizando os grandes meios de comunicação, parcela do judiciário e políticos da oposição para sacramentar o processo. Durante os governos Lula e Dilma, o Brasil tomou iniciativas que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos sul-americanos, fortalecimento do Mercosul, organização do BRICS, votação da Lei de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em parceria com a França, fortalecimento da indústria, etc.

Somente um processo sofisticado de manipulação da população poderia possibilitar o apoio a uma operação entreguista como a Lava Jato e aceitar com naturalidade o repasse, ao Império do Norte, de petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares. Em 2015 achávamos que o pessoal da operação Lava Jato eram apenas idiotas úteis, deslumbrados com a chance de rastejar perante o poder imperialista. No entanto, com as impressionantes denúncias que foram surgindo, a partir da Vaza Jato, ficamos sabendo que a coisa foi bastante diferente. O chefe da operação, por exemplo, estava ganhando um bom dinheiro, como palestrante e vendedor de livros, inclusive em reuniões secretas com banqueiros, que ajudaram a financiar o golpe. Deslumbrado pelos acontecimentos, Dallagnol foi, possivelmente, o mais imprudente de todos: em algumas conversas vazadas comentou ter faturado com palestras e livros R$ 400 mil, somente em alguns meses de 2018.

Os procedimentos ilegais utilizados na operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora. Blindados pela mídia, a arrogância e o descaso com a opinião pública era tão grande que a Lava Jato fez acordos de colaboração com o departamento de justiça dos EUA, com troca de informações de um lado e outro, para uso inclusive, das estruturas jurídicas americanas em processos contra a Petrobrás.

O interesse do capital internacional, essencialmente o norte-americano, obviamente é ampliar o acesso e o controle sobre fontes de recursos naturais estratégicos, em momento de queda da taxa de lucro ao nível internacional (terra, água, petróleo, minérios, e toda a biodiversidade da Amazônia). Mas no golpe houve todo um interesse geopolítico, de alinhar o Brasil nas políticas dos EUA, como ocorreu em todos os golpes.

Os países imperialistas corrompem para ter acesso a direitos e todo tipo de riquezas dos países subdesenvolvidos. Logo após o golpe no Brasil, em 2016, conforme estava no script, o governo Temer tomou várias medidas favoráveis às petroleiras: redução das exigências de conteúdo local, redução de impostos, dispensa de licenças ambientais, concessão de poços de petróleo a preços de banana. A mamata envolve valores acima de um trilhão de reais (em 20 anos), tirados da mesa dos brasileiros mais pobres (conforme previa a lei de Partilha). Algum incauto, por mais colonizado e tolo que seja, seria capaz de supor que, nessa altura dos acontecimentos, essas benesses concedidas às petroleiras foram concedidas pela simples admiração aos costumes requintados dos países imperialistas?

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Uma informação que circulou em 2016, após o golpe, com origem no Wikileaks, foi a de que Michel Temer era informante do governo americano. É claro que as informações que ele passava para a embaixada americana eram remetidas para órgãos estratégicos do governo dos Estados Unidos. O detalhe é que Temer era vice-presidente da República e seu partido era o segundo mais importante na coalização de governo. Temer fazia críticas pesadas ao governo na ocasião, afirmando que o governo gastava muito com programas sociais. Temer, que atualmente é uma espécie de conselheiro informal de Bolsonaro, negou as denúncias, claro. Mas o Wikileaks divulgou telegramas trocados entre Temer e a embaixada, além de outros indícios.

O envolvimento dos Estados imperialistas nos golpes recentes na América Latina, liderado pelos EUA, atende a interesses de Estado (por exemplo, água, petróleo, bases militares). Mas em boa parte corresponde ao interesse das suas empresas também, grandes oligopólios, que dominam amplos setores da produção mundial. Segundo a Revista Forbes, das 500 maiores empresas do mundo em 2019, 62% se originam em quatro países (EUA, China, Japão e França). Só os EUA é o país-sede de 128 grupos, mais de ¼ do total. O país de origem das grandes empresas mundiais é sempre uma boa referência para saber se o país em questão é desenvolvido ou subdesenvolvido. Das 500 maiores empresas do mundo apenas oito são brasileiras, de acordo com o ranking Fortune 500, o que diz muita coisa sobre o nosso desenvolvimento.

Isto significa que, apesar de o Brasil ser a 10ª economia do mundo, sedia apenas 1,6% das 500 maiores empresas do mundo. Não por coincidência, a primeira empresa brasileira, com a 74ª colocação no mundo, a Petrobrás, foi a empresa-alvo da operação Lava Jato e do golpe em geral. Observe-se que das oito empresas brasileiras que constam da lista da Forbes três são estatais, na mira dos tubarões para serem privatizadas.

12
Ago20

A nova fase do poder imperial na América Latina

Talis Andrade

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EUA amargam crise e brutais desigualdades. Para adiar “bomba-relógio”, financiam novos golpes e tentam retomar controle da região. Objetivo: derrubar governos não-alinhados e pilhar recursos como o petróleo brasileiro e o lítio boliviano

por José Álvaro de Lima CardosoOUTRASPALAVRAS

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Os números da crise da economia mundial são impressionantes. O PIB dos EUA encolheu 32,9% no trimestre abril/maio/junho, a uma taxa anualizada. Foi a maior queda desde a Grande Depressão. Na Alemanha, motor da economia europeia, o PIB de abril a junho recuou 10,1% em relação ao trimestre anterior. É a queda trimestral mais acentuada desde 1970, quando os registros começaram a ser realizados. Se comparado ao mesmo período do ano passado, o recuo do produto alemão foi de 11,7%. O PIB da China subiu 3,2% no segundo trimestre na comparação com o mesmo período de 2019. No confronto com os três primeiros meses do ano, quando a economia do país parou, a alta foi de 11,5%. O crescimento chinês no segundo trimestre, baixo para o seu padrão histórico, destoa do resto do mundo. Mas a China é um ponto fora da curva, e a “fábrica do mundo”.

No centro capitalista, não se trata somente de uma crise econômica, é também uma crise política brutal. Os Estados Unidos, mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país imperialista da Terra, enfrentam grandes contradições internas, porque o seu modelo de desenvolvimento gera imensa desigualdade social. Pelo menos desde o governo Ronald Reagan (1981/1989), o estado de bem-estar norte-americano, que já era fraco, foi sendo paulatinamente destruído. Se estima que atualmente existam mais de 40 milhões de pobres nos EUA. Cerca de 40% dos estadunidenses se queixam de que não conseguem cobrir despesas inesperadas com emergências, que ultrapassem 400 dólares. Quase 30 milhões de pessoas nos EUA (quase 10% da população) vivem na chamada insegurança alimentar, não têm o suficiente para comer. A exemplo do Brasil, a insegurança alimentar nos EUA vem aumentando bastante com a pandemia. Além disso, os EUA têm cerca de 500 mil pessoas em situação de rua (morando na rua ou em abrigos públicos). A grande maioria são negros ou latinos.

O fato de que os EUA tenham um número tão grande na condição de pobreza representa uma verdadeira bomba-relógio. Uma revolta geral dos trabalhadores dentro do país imperialista mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social, simplesmente imprevisível. Este risco, inclusive, talvez tenha influenciado a decisão dos EUA, há mais de uma década, de retomar para sua área de influência os governos da América Latina, naquele momento ocupados por governos progressistas. A partir de Honduras, em 2009, os EUA foram derrubando, um a um, todos os governos progressistas eleitos na América Latina.

Por conta da crise econômica e dos golpes de Estado, que atingiram quase todo o continente, a situação política na América Latina é instável e caracterizada por grande polarização. Com a crise mundial, para o imperialismo não foi mais possível conviver com governos reformistas e nacionalistas, que atrapalhavam (ou atrapalham) as intenções dos EUA no subcontinente. A crise econômica mundial tornou imperativa uma política geral de guerra contra o povo. Governos de esquerda, mesmo que moderados, são sempre obstáculos importantes a implementação deste tipo de política, mesmo porque chegaram ao poder respaldados pelo voto. Obviamente que esse tipo de política gera uma instabilidade muito grande, na medida em que uma parcela expressiva da população (mais consciente) se nega a seguir para o matadouro, sem reagir.

No Brasil, os golpistas diziam que era tirar Dilma Rousseff que o crescimento econômico e os investimentos internacionais retornariam, como num passe de mágica. Dado o golpe, com a grande farsa do impeachment, o governo Michel Temer foi um verdadeiro show de horrores, com entreguismo sem limites e um retumbante fracasso na economia. Para “fechar” o processo golpista, fraudaram as eleições de 2018, apoiados numa operação gestada no Departamento de Estado norte-americano (cada vez mais desmoralizada pelo oceano de denúncias), entrou Bolsonaro e a coisa só piorou. Com o advento da pandemia, logo de saída ficou evidenciado que Bolsonaro é o pior governo da história do país, uma penitência cruel, que o povo brasileiro jamais mereceria.

Quando afirmávamos em 2014, que a Lava Jato nada tinha a ver com corrupção e que era uma operação do governo estadunidense para roubar petróleo, água, recursos naturais em geral, biodiversidade da Amazônia, e para interromper um limitado processo de construção de um projeto nacional de desenvolvimento, nos acusavam de estar alimentando uma “teoria da conspiração”. Esses seis ou sete anos, desde a intensificação da construção do golpe, mostraram que a conspiração é muito mais grave do que qualquer teorização do fenômeno. Nessa altura dos acontecimentos as “confissões” dos crimes cometidos pelos responsáveis pela Lava Jato seria mais do que suficiente para anular toda a farsa do processo de impeachment. O fato de que isso não tenha ocorrido mostra que os golpistas ainda estão no poder (nos vários poderes).

Os golpes na América Latina, desde o de Honduras, em 2009, possuem dois eixos comuns: a) desenvolvimento de uma política de guerra contra a população; b) saqueio da região. Uma esquerda reformista no poder, por mais moderada que seja, atrapalha a implementação dos referidos eixos de governo. Um acontecimento bastante recente, serve para revelar ainda mais a natureza do processo que se desenvolve na América Latina. Elon Musk, dono da empresa Tesla e a 5ª pessoa mais rica do mundo, escreveu em sua conta no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A ameaça foi uma resposta a uma postagem enviada ao bilionário sobre seu objetivo de impedir que o ex-presidente boliviano Evo Morales continuasse no poder, pelo interesse no lítio (chamado de Petróleo Branco, a maior parte das reservas mundiais estão na Bolívia).

A descarada confissão do bilionário revela que a América Latina está sendo, de fato, saqueada por autênticos ladrões. Convictos da impunidade, não fazem nem mesmo questão de esconder o fato. O ex-presidente boliviano Evo Morales (2006-2019), golpeado inapelavelmente pelo império em 2019, denunciou no dia 07/08/20 que um “novo golpe de Estado” está sendo gestado em seu país, visando dar poderes absolutos à ditadura de Jeanine Áñez e impedir que a esquerda volte ao poder, cenário muito provável, se houverem eleições. Além de apontar os nomes dos golpistas nacionais, Morales denunciou também a participação dos Estados Unidos, com consultoria e equipamento bélico para reprimir o movimento popular, principalmente nas regiões de El Alto e Chapare, onde, segundo consta, haverá mais resistência ao possível novo golpe de Estado.

Os golpistas na Bolívia tentaram institucionalizar o processo, através de novas eleições diretas, nas quais Evo Morales, exilado na Argentina, não pode concorrer. Eleições totalmente fajutas. Apesar de tudo, o partido de Evo Morales (MAS), inscreveu um candidato para as eleições, que aparece bem à frente, nas pesquisas eleitorais. Em função da grande possibilidade do candidato do MAS vencer as eleições, mesmo com todas as manobras possíveis, provavelmente darão um novo golpe. O que acontece na Bolívia segue um script, que, adaptado em cada país, está sendo seguido em todo o subcontinente latino-americano.

03
Jul20

Entre a fortuna, a Coca-Cola e o povo brasileiro

Talis Andrade

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III - Jereissati, PSDB, Cid, Ciro Gomes & CIA: devolvam a água para o Brasil

por Roberto Bueno

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O Senador Jereissati (1948-) é homem de provecta idade, o que desperta a curiosidade por refletir sobre a condição humana quando o umbral do além se aproxima: o que mais falta faz, bens de ordem moral ou bens de ordem econômica? Quando todos nós chegarmos ao momento em que divisarmos o horizonte assim de tão perto, teremos ciência da inevitabilidade do resultado do avanço dos dias, mas que juntamente à velhice não acompanha a velhacaria. Esta última sempre esteve mobilizada para a destruição aos instrumentos de efetivação dos interesses populares, a exemplo dos representantes que tentaram reduzir fortemente a taxa de juros, postos que atinge o mundo do rentismo, assim como a importante redução da margem de lucro da iniciativa privada nas parcerias com o setor público. Destituir do poder por vias golpistas foi sempre a resposta dos setores oligárquicos brasileiros casados ao militarismo.

O eixo das ocupações da oligarquia nacional a qual pertence o Sen. Jereissati e o seu PSDB nunca foi a corrupção, a qual, por certo, conhecem como poucos, pois se assim fosse, os holofotes e o protagonismo seriam integralmente da oligarquia demofóbica que controlou os cofres do Brasil desde a colônia até o recente advento do Rodoanel paulista. É a este círculo de homens que pertence com destaque o Sen. Jereissati, que entre a fortuna, a Coca-Cola e, por outro lado, o povo brasileiro, não hesitou em mobilizar as forças políticas auxiliares, como é o caso da família Gomes, Cid e Ciro, que correram em seu apoio com voto e silêncio obsequioso, respectivamente. E pensar que Ciro Gomes já encontrou tempo e espaço para repreender penosamente a Deputada Federal Tabata Amaral por sua posição política na reforma da previdência! O tempo, sempre o senhor da razão.

Ciro Gomes cavou espaço nas fileiras do histórico PDT herdeiro das tradições do melhor PTB, legenda negada pelo establishment através da estratégia da Golbery do Couto e Silva para interditar a retomada das melhores chances eleitorais de Brizola quando de seu regresso ao Brasil após longo período de exílio. Ciro Gomes realizou o movimento político orientado a cooptar o sólido eleitorado trabalhista cultivado por Brizola, mas pretendeu fazê-lo ao arrepio dos princípios partidários de defesa da ideia de que a propriedade privada deve vir acompanhada do condicionamento ao bem-estar social, sob o reconhecimento da importância da intervenção do Estado na economia e o desenho de uma sociedade socialista e democrática.

Justamente neste grave momento da vida nacional em que são acumulados cadáveres a cada dia os irmãos Cid e Ciro Gomes abraçaram irresolutamente os interesses do cacique Jereissati para projetar no futuro outros tantos mortos, estes, de sede e males outros derivados da insuficiência de água para higiene, além dos problemas energéticos. Após o fato, Ciro Gomes já não precisará preocupar-se com encontrar respostas para perguntas incômodas, não carecerá de disfarçar ou tergiversar, e já tampouco haverá espaço para fazer o famoso mea culpa, que a tantos exige, dedo em riste, aliás, assacando práticas corruptas, quando o realismo político indica com decisão que não há maior corrupção do que apoiar a entrega de bens públicos como foi o caso da Vale do Rio Doce, da privatização de tantas empresas à baixo preço, e agora, por fim, da entrega para a exploração da iniciativa privada de um bem de domínio público de importância existencial, como é o caso da água. Fossem todos os homens dotados de doses expressivas de vergonha como condição essencial para a sua sobrevivência e, temo, alguns talvez simplesmente evaporassem em face de suas opções políticas.

Brizola alertava aos jovens para evitar que cavassem a própria sepultura, enquanto aqueles que hoje mal trajam as honradas e honrosas vestes trabalhistas são os próprios coveiros desta juventude. Sinal dos tempos! Quanta mudança! Ciro Gomes supõe que poderá cavalgar sobre a imagem histórica e genuinamente popular de Brizola, mas não lhe bastará pronunciar “interésse” para ludibriar o povo. Brilho próprio, rica herança e trajetória singular e coerente, a memória política de Brizola dispõe da autonomia e independência à similaridade dos indomáveis cavalos selvagens, que não se prestam a subjugação. Ainda impacta no imaginário popular o legado intelectual e prático de Brizola, distanciado de qualquer relação com as opções políticas dos irmãos Gomes e seu patrocinador, o grande oligarca das terras cearenses, o Sen. Jereissati.

Para aproximar-se ao núcleo doutrinário do trabalhismo Ciro Gomes teria de adotar práticas compatíveis que neste momento implica proteção à água, notável bem de domínio comum. A privatização do saneamento básico e da água no bojo do PL 4.162/2019 representa duríssimo ataque ao povo e, por conseguinte, às tradições do trabalhismo. A herança de Brizola é de sincero esforço pela justiça social, tão bem expressa em seu constante combate de que apenas a “minoria, os filhos da fortuna, cercados de todas as garantias, possa[m] realizar as suas aspirações, e os filhos da pobreza somente o consigam, à custa de suas própria saúde, ou então, inexoravelmente morram na ignorância?” A posição assumida pela família Gomes é de tratar o poder com a deferência necessária, indiferente a primeira das aspirações dos filhos da pobreza mais profunda: a água.

Aos que sobreviverem das consequências detratoras da vida os Gomes implicitamente sugerem encarregar-se de ofertar algo para obter a legitimação política indispensável que se traduza nas urnas. A partir desta votação sobre o PL 4.162/2019 Ciro Gomes explicitou que já não dispõe de pretextos ou justificativas para encobrir posições nacionalistas, populares e em defesa da soberania, pois manifestou que está ao lado e defendendo os interesses da direita ultracapitalista, voraz e inescrupulosa. A ela Ciro Gomes denunciou em tantos discursos inflamados, alguns dos quais assisti pessoalmente, como se pretendesse, realmente, atacar tais interesses uma vez detentor do poder.

No momento da votação à sorrelfa de tão relevante matéria como a do PL 4.162/2019, sem mediar o devido aprofundamento e maturação dos debates, todos testemunhamos, sob a limpidez do céu de brigadeiro, que os irmãos Gomes são amigos da retórica e do capital tanto quanto adversários ferrenhos da mais genuína doutrina do trabalhismo pedetista-brizolista. Não há espaço para a convivência desta histórica doutrina trabalhista que a família Gomes brande em público e sua união indissolúvel com os interesses do Sen. Jereissati, disposto a cultivar a sede do povo brasileiro através da continuidade ao processo de expropriação de suas riquezas.

Esta oligarquia nacional não devolverá por vontade própria as riquezas que estão sendo celeremente retiradas do controle do povo brasileiro. Jereissati encarna a extrema-direita civil que está unida à extrema-direita que anda com fuzil ao ombro, unidas indissociavelmente pelo interesse econômico em que pontifica a política neofascista. Estão todos juntos nisto e a recuperação da água e demais riquezas passa pela reordenação do campo progressista e de intensa mobilização popular.

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30
Jun20

"Não há espaço para a convivência da histórica doutrina trabalhista que a família Gomes brande em público e sua união indissolúvel com os interesses do sen. Jereissati"

Talis Andrade

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II - Jereissati, PSDB, Cid, Ciro Gomes & CIA: devolvam a água para o Brasil

por Roberto Bueno

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Fugindo ao prévio acordo de não pautar projetos que não tivessem direta relação com a pandemia durante a sua duração, o Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, quebrou o acordo e pautou a votação do PL 4.162/2019, que resultou aprovado. O PL 4.162/2019 foi relatado pelo Sen. Tasso Jereissati, cujo interesse na matéria é indisfarçável, posto que é expressão política do grupo Calila Participações, que vem a ser a única acionista da empresa brasileira Solar, cuja dimensão econômica pode ser compreendida em sua posição no organograma econômico planetário da empresa transnacional norte-americana Coca-Cola, pois é dela uma das 20 maiores fabricantes.

O Sen. Tasso Jereissati pertence e não pertence ao povo brasileiro, pois se entre nós se encontra e aqui é nascido, por outro lado, já abandonou a sua pertença ao povo brasileiro por tornar-se um cidadão com interesses globais, os quais sobrepõem aos do povo brasileiro. É algo novo, veem a si mesmos como um novo tipo humano, espécie de “super-raça” identificada pela riqueza operante em escala planetária, altamente endinheirada, a quem tudo é dado e permitido para explorar os empobrecidos cidadãos nacionais. Aqui está posicionado o Sen. Jereissati assim como outros políticos como o Sen. José Serra, pertencentes ao restrito grupo que subloca forças políticas e lideranças de expressão nacional para avançar com seu projeto de expropriação. Estes são os representantes mais visíveis de terceira linha dos reais ordenadores políticos, BlackRock, J.P. Morgan, Goldman Sachs etc. cujos interesses são cruzados em escala global.

O Sen. Jereissati é representante-mor dos altos interesses da Coca-Cola no Brasil que interagem com estes altos poderes globais que tem interesses em energia mas em recursos hídricos, química como em vários minerais. O Sen. Jereissati é apoiador de Governo submetido a esta lógica neofascista global que está disposto a sufocar dezenas de milhares de indivíduos como ocorre no Brasil e agora apresenta sua outra face no PL 4.162/2019. O Sen. Jereissati foi o seu relator e fez aprová-lo no Senado Federal por expressiva maioria de 65 votos contra 13, permitindo alienar a água, bem de domínio público é propriedade estratégica e essencial para a vida humana e do povo brasileiro, riqueza cuja detenção é anunciada como vital no cenário das disputas geopolíticas que despontam no horizonte dos próximos 20 ou 30 anos.

As ações do Sen. Jereissati deixam entender que basta ter a força política para subjugar o povo brasileiro, e nesta toada, nada lhe impedirá e seus seguidores inescrupulosos de propor a eliminação completa de todo e qualquer direito social e político, quem sabe, de restaurar algum inovador modelo de escravidão devidamente encoberto juridicamente segundo o hábito tucano. O Sen. Jereissati é do mesmo nobre Ceará que os irmãos Gomes, Cid e Ciro, ambos notáveis personalidades que se apresentam e presumem de xerifes de botequim em chamas, estando o segundo deles habitualmente em posição de reclamar para si sapiência cujo resumo encontrou nas cadeiras de Harvard financiadas pelo grande capital transnacional do qual se apresenta não apenas como desvinculado como inimigo.

Após o verdadeiro crime contra os mais altos interesses do povo brasileiro ao aprovar a alienação das águas e do saneamento, eis então que a sapiência encarnada em Sobral, o iluminado Gomes vem a público causar vasta surpresa ao dizer desconhecer um tema público de relevância ao afirmar: “Não tenho posição formada, estou estudando a matéria”. Dono de vasta carreira política, não cansando de listar repetidas vezes ao público todos os cargos e mandatos que já deteve, e eis que após décadas percorrendo o país abordando toda sorte de temas Ciro Gomes diz desconhecer o tema da água, que precisará estudá-lo e, mais, o fará após o momento crucial da votação realizada neste último dia 24.06.2020.

Isto explicita qual é o real grau de compromisso da figura pública que se posta ao lado dos direitos populares e de intransigente defesa da soberania nacional etc. É ingenuidade supor que em matéria transcendente para o povo brasileiro, e do alto de sua alegada experiência e múltiplos conhecimentos técnicos, que Ciro Gomes venha a tomar conhecimento do PL 4.162/2019 tão somente após a sua aprovação no Senado Federal. Isto leva a recordar outro recente momento crucial da vida nacional, o das eleições presidenciais de 2018, quando no segundo turno o irmão Gomes optou por ausentar-se do debate público e, assim, fortaleceu as possibilidades do candidato de extrema-direita que estava à frente nas pesquisas e que venceu as eleições e hoje realiza com sobras a trágica previsão sobre a necessidade de matar pelo menos 30 mil brasileiros(as). [Continua]

 

 

 

 
27
Jun20

Jereissati, PSDB, Cid, Ciro Gomes & CIA: devolvam a água para o Brasil

Talis Andrade

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por Roberto Bueno

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Nos hospitais brasileiros quase já não é possível respirar, mas enquanto as dezenas de milhares de mortes se acumulam sem cessar a cada dia, a preocupação do Senador Jereissati, do PSDB, de seus aliados mais próximos como o PMDB e de tantas forças políticas de direita como o DEM é bem outra, focados em aprovar projetos altamente lucrativos, mesmo quando em absoluto prejuízo do povo brasileiro. Não são calouros na matéria e recordaram a máxima deste Governo de utilizar a tragédia de dezenas de milhares de mortos para “fazer passar a boiada”. Esta é a moralidade que inspira o bloco oligárquico que já operou a alienação do pré-sal com amplo destaque para o Sen. José Serra, mas também realizaram o esquartejamento da maravilhosa empresa que é a Petrobrás, vendendo-a aos pedaços, alienando refinarias, nada importando a sua posição de símbolo da tecnologia nacional e o seu papel estratégico para o desenvolvimento do país, ao passo em que silenciam e aprovam a entrega de R$1.5 trilhão aos bancos passivamente assistem o argumento da impossibilidade do Governo que apoiam em atender a demanda por investir cerca de R$300 bilhões para sustentar as famílias brasileiras até o final do ano, as mesmas que contribuíram com seu trabalho para recolher o R$1.5 trilhão entregue aos bancos sem contrapartidas.

Este grupo voltou à carga com apoio dos irmãos Gomes para aprovar legislação restritiva ao acesso do povo brasileiro ao livre uso de um dos bens públicos de maior relevância, posto que indispensável para a vida e a saúde pública, a saber, a água. Isto evidencia que o Brasil experimenta dias de extrema dificuldade, explicitando que o golpe foi dado, mas que os seus interesses ainda não foram realizados na íntegra. A violência continua em todas as suas dimensões, o saque à nação aumenta, o genuíno roubo à mão armada das riquezas do povo brasileiro não cessa, e a insana ambição de triturar a vida de mais de duzentos milhões de brasileiros(as) não parece ter disposição para encontrar seu termo senão quando secar seus corpos de sua última gota de sangue. Há uma densa nuvem de assassinos que ronda o nosso continente e, especialmente, o Brasil, e nenhum deles parece submetido a outra lógica que a de exterminar o maior número possível de indivíduos sob a inspiração e associação com as forças transnacionais do grande império.

Neste dia 24.06.2020 foi pautado o Projeto de Lei (PL) 4.162/2019 no Senado Federal, cujo objeto é a privatização de serviços de saneamento, dentre os quais se inclui nada menos do que a água, matéria cuja decisiva relevância é dificilmente comparável, sendo notável a articulação semântica dos redatores do referido PL que criaram a figura do “produtor de água”, como se não se tratasse de um bem público com original natural. As consequências do uso e emprego dos recursos hídricos são vastos, para além do essencial, de hidratação humana, envolvendo a central questão energética [Continua]

 

28
Set19

A desindustrialização brasileira e a desigualdade social. Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que 95% da população

Talis Andrade
"Brasil está atravesando a mais grave crise desde a década de 1880"
Patricia Fachin entrevista Márcio Pochmann 
 
 

Versão em espanhol

lenta recuperação da economia brasileira indica que o país “passa pela mais grave crise desde a década de 1880” e a renda per capita do ano de 2019 é “quase 9% menor ao do mesmo ano de 2014”, quando iniciou a recessão econômica, diz o economista Márcio Pochmann à IHU On-Line. Apesar de a renda nacional não ter aumentado nos últimos anos, “a riqueza dos já muito ricos segue aumentando, uma vez que o ônus de toda a crise tem sido repassado para a classe trabalhadora. Em 2018, por exemplo, enquanto o PIB teria variado 1,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, os ganhos financeiros foram multiplicados por mais de sete vezes”, menciona. E acrescenta: “Neste primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil fecha a primeira década perdida em termos econômicos do século XXI. Nos últimos 40 anos, o país acumula duas décadas perdidas”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o economista reflete sobre o processo de desindustrialização da economia brasileira e sobre a inserção do país na revolução tecnológica. “A industrialização é a coluna vertebral de um país desenvolvido. Com a precoce desindustrialização brasileira, o Brasil regride à condição da procissão dos milagres descritos por Sergio Buarque de Holanda no seu livro a “Visão do Paraíso”, que predominou entre o início da colonização lusitana (1500) e o final da República Velha (1889-1930). Ou seja, a dependência do exterior determina o tipo de produção interna que deve ser fomentada para a exportação, conforme demonstraram os anteriores ciclos econômicos do açúcar, ouro, borracha, café e agora dos bens do agronegócio assentados na exploração dos recursos naturais e mão de obra barata”, avalia.

 

Márcio Pochmann (Foto)

Márcio Pochmann é graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente é professor titular no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Entre seus livros, destacamos Políticas do trabalho e de garantia de renda – O capitalismo em mudança (São Paulo: Editora São Paulo); E-trabalho (São Paulo: Publisher Brasil, 2002) e Desenvolvimento, trabalho e solidariedade (São Paulo: Cortez, 2002). 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Como o senhor está analisando a conjuntura nacional, em especial a situação econômica do país? Como analisa especificamente os dados que apresentam uma lenta recuperação econômica?

Márcio Pochmann - O Brasil passa pela mais grave crise desde a década de 1880, quando o capitalismo se tornou o modo de produção dominante. Já são seis anos de uma economia paralisada no patamar quase 5% inferior ao registrado no ano de 2014, sendo a renda per capita do ano de 2019 quase 9% menor ao do mesmo ano de 2014. Isso se a renda nacional fosse equanimemente repartida, pois para 90% da população houve piora, salvo os 10% mais ricos, inclusive com o aumento da quantidade de bilionários.

Noutras palavras, a renda nacional não aumenta, porém a riqueza dos já muito ricos segue aumentando, uma vez que o ônus de toda a crise tem sido repassado para a classe trabalhadora. Em 2018, por exemplo, enquanto o PIB teria variado 1,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, os ganhos financeiros foram multiplicados por mais de sete vezes.

Com a crise, a aceleração do desmonte da sociedade urbana e industrial, o esvaziamento das políticas públicas, a ausência do Estado e o distanciamento das instituições de representação de interesses (partidos, sindicatos, associações estudantis e de bairros, entre outras) trazem consigo o protagonismo crescente de igrejas e de milícias e crime organizado.

Não há experiência internacional comprovada de país que conseguiu crescer sustentadamente com o receituário neoliberal atualmente aplicado no país. Neste primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil fecha a primeira década perdida em termos econômicos do século XXI. Nos últimos 40 anos, o país acumula duas décadas perdidas. 



IHU On-Line - Como compreende a chamada Revolução 4.0?

Márcio Pochmann - O progresso tecnológico tem sido utilizado como ideologia de acomodação da classe trabalhadora diante da gravidade socioeconômica em que o país vive, pois ao se adotar do terrorismo de dados não comprovados de destruição de empregos, objetiva-se submeter à pacificação pelo acirramento da competição individual no interior do mundo do trabalho pelas falsas saídas da qualificação e flexibilização dos contratos do trabalho, todas elas de padrão de vida e trabalho rebaixadas.

Acontece que os países atualmente com maior avanço tecnológico (EUAAlemanhaChina) não são os que apresentam maiores taxas de desemprego, pelo contrário. Têm problemas por conta da precarização dos postos de trabalho gerados pelo receituário neoliberal, mas não desemprego tecnológico.

Países como o Brasil, por exemplo, com desemprego massivo e que tem 1/3 da força de trabalho à procura de uma ocupação, não se destacam pelo avanço tecnológico. Aliás, no Brasil os poucos setores com algum investimento tecnológico foram os que mais empregos criaram, como nos casos dos setores financeiros (casas lotéricas, fintech e outros) e telecomunicações (call center, TV por assinatura e outras). Em geral empregos precários como aqueles que se expandem com a adoção das novas tecnologias de comunicação e informação na mobilidade de pessoas e mercadorias, como Uber e outras modalidades. Em síntese, a tecnologia não determina emprego, mas a política de repartição dos ganhos de produtividade que abre a possibilidade de melhor gerir a relação entre o tempo de vida e trabalho, permitindo reduzir jornada de trabalho, postergando a idade de ingresso no mundo do trabalho.

Na primeira Revolução Industrial e Tecnológica - RIT, ao longo do século XIX, o tempo de trabalho heterônomo (aquele realizado para financiar a sobrevivência) comprometia 2/3 do tempo de vida humano, em geral. Durante o século XX, com a segunda RIT, a política de redistribuição dos ganhos de produtividadepossibilitada pela inovação tecnológica permitiu que o tempo de trabalho ocupasse 40% do tempo de vida, em média.

Não fosse o terrorismo praticado pela retórica atual da tecnologia dizimadora de empregos, cujo objetivo é o de impedir que o poder dos trabalhadores seja traduzido em poder político, capaz de reconfigurar a política de redistribuição dos ganhos de produtividade, o trabalho heterônomo poderia significar cerca de 1/5 do tempo de vida, com ingresso no mundo do trabalho após a conclusão do ensino universitário, educação para vida toda e jornada semanal de 12 horas de trabalho.

Sem que o poder dos trabalhadores se converta em poder político, o salto nos ganhos de produtividade continuará sendo favorável a maior concentração da renda, riqueza e poder. No Brasil, somente os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que outros 95% da população, assim como apenas seis homens brancos e velhos (Jorge Lemann - AB Inbev, Joseph Safra - Banco SafraMarcel Telles - AB InbevCarlos Sicupira - AB InbevEduardo Saverin - Facebook e Ermirio de Moraes - Grupo Votorantimconcentram, juntos, uma quantidade de riqueza que equivale à somatória do que ganha a metade da população brasileira.



IHU On-Line - Nas últimas décadas, muitos economistas têm chamado atenção para a desindustrialização brasileira e para a falta de investimento em ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, muitos apostam que o futuro da economia dependerá dos avanços da chamada Revolução 4.0. Diante desse contexto, ainda faz sentido o Brasil se preocupar com o fenômeno da desindustrialização?

Márcio Pochmann - A industrialização é a coluna vertebral de um país desenvolvido. Com a precoce desindustrialização brasileira, o Brasil regride à condição da procissão dos milagres descritos por Sergio Buarque de Holanda no seu livro a “Visão do Paraíso”, que predominou entre o início da colonização lusitana (1500) e o final da República Velha (1889-1930). Ou seja, a dependência do exterior determina o tipo de produção interna que deve ser fomentada para a exportação, conforme demonstraram os anteriores ciclos econômicos do açúcar, ouro, borracha, café e agora dos bens do agronegócio assentados na exploração dos recursos naturais e mão de obra barata.

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