Renato Freitas vereador era alvo de ataques racistas na Câmara de Curitiba e ameaçado de cassação.
Renato Freitas deputado é alvo de ataques racistas na Assembleia do Paraná e ameaçado de cassação
Durante a sessão da Assembleia Legislativa do Paraná desta terça-feira (10), o deputado estadual Renato Freitas, representante do PT, foi alvo de um repugnante comentário racista proferido por uma espectadora na galeria. Uma liderança religiosa, ainda não identificada, insultou o deputado, que teve o microfone cortado após ter sido interrompido pelo presidente da casa, Ademar Traiano, do PSD.
Freitas solicitou a continuação de seu tempo de fala, mas teve seu pedido negado pelo presidente, que alegou que o “tempo estava congelado”. No entanto, o deputado ainda possuía segundos, e mesmo assim não pôde concluir o pronunciamento.
O grupo evangélico foi convidado por parlamentares de extrema-direita para pressionar contra o debate sobre o aborto, que tramita no Supremo Tribunal Federal, apesar de ter sido suspenso o julgamento sobre a questão.
Ao se dirigir às lideranças religiosas presentes e a parlamentares contra o direito das mulheres, o deputado fez referência ao discurso de Jesus em Mateus, quando falou aos fariseus sobre obras e fé. “Hipócritas”, afirmou Freitas, enquanto era vaiado e xingado pelas lideranças extremistas.
Ademar Traiano solicitou à Comissão de Ética que abrisse uma investigação contra Renato Freitas, mesmo sem apresentar qualquer motivo. A decisão foi questionada pelo deputado Zeca Dirceu (PT), que pediu para que o presidente informasse sobre qual artigo do regimento interno ele estaria incluindo Freitas.
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Publicada nesta sexta-feira (4), reportagem da Folha garante que “o governo Lula (PT) prepara uma alteração da legislação sobre o emprego das Forças Armadas durante crises de segurança ou de instabilidade institucional. A proposta elimina o atual modelo de operações de garantia da lei e da ordem [GLO]”. O objetivo da medida, segundo o jornal, seria “limitar o poder dos militares em crises domésticas de toda ordem”.
A mudança legal visa sanar problemas na segurança pública, como nos trágicos episódios dos atos golpistas do 8 de janeiro em Brasília, e superar distorções de viés político do artigo constitucional que trata das atribuições das Forças Armadas na aplicação da GLO. Pela proposta elaborada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e pelo titular da Defesa, José Múcio, não haveria mudanças no artigo 142 da Constituição, que trata das competências das Forças Armadas, mas na Lei Complementar que o regulamenta (número 97, de 1999).
“A intenção é criar no texto a possibilidade de as Forças Armadas cooperarem eventualmente em crises de segurança e ordem pública sem que seja necessário para isso a decretação de GLOs. A princípio, haveria mexidas nos artigos 15 (que trata do emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem) e 16 (sobre atribuição subsidiária das Forças Armadas) da Lei Complementar de 1999”, descreve a Folha.
Governo evita confronto direto
Segundo especula o jornal, o governo Lula teria avaliado que não tem força no Congresso Nacional para alterar o artigo 142 da Constituição, como propõe uma PEC do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “Para aprovar uma emenda constitucional são necessários três quintos dos votos em dois turnos, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado – no caso, uma quimera, num Congresso de extração conservadora, com uma Câmara presidida por Arthur Lira (PP-AL), que foi eleitor de Jair Bolsonaro”.
Além disso, afirma a Folha, “não há tampouco disposição do governo em comprar uma briga desse porte com os militares, que são frontalmente contra a alteração do artigo 142, em meio a outras prioridades do Planalto, sobretudo a agenda econômica”. Em função desses dois fatores, a proposta do governo optou por desidratar a PEC do deputado Carlos Zarattini, que foi anunciada em fevereiro como resposta aos ataques de 8 de janeiro.
Como lembra o jornal, “o artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas ‘destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem’. A PEC de Zarattini, que condensou proposta convergente do colega Alencar Santana (PT-SP), propõe retirar do texto constitucional essa competência... O entendimento de Zarattini e de boa parte do PT é de que a atual redação – que de resto é parecida com a de todas as Constituições republicanas – abre brechas para a intervenção indevida dos militares em temas civis, algo que se tornou mais palpável com a politização das Forças Armadas promovida no governo Bolsonaro”.
Iniciativas tímidas para inibir poder dos milicos
A decisão do governo de não mexer no inflamável artigo 142 da Constituição representa, em parte, uma vitória da oficialidade reacionária. É preciso avaliar qual será o preço desse recuo. Outras iniciativas têm tentado inibir o poder das Forças Armadas. Entre elas, está em curso uma medida que obriga militares que se candidatem em eleições a ir automaticamente para a reserva ou inatividade, o mesmo ocorrendo com o oficial que assumir um ministério. Nesses setes meses de governo, o presidente Lula também excluiu os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica das reuniões ministeriais – prática que virou rotina nas trevas bolsonarianas.
São passos importantes, mas tímidos diante do poder dos milicos de atentarem contra a democracia.
Saiu o dado do Banco Central (BC), sobre a atividade econômica, o IBC-BR, recuou 2,0% em maio, quando relacionado a abril. No ano acumula alta de 3,61% no ano e de 3,43% em 12 meses. A divulgação desse dado provocou reação diversa, na esquerda, que teve um surto de desespero, pois esperava que Lula tivesse uma varinha mágica, bastando dar um “pirlimpimpim” e a economia, destroçada por quatro anos de gestão criminosa de Bolsonaro, voltaria a se comportar como “uma China dos trópicos”; do outro a direita fascista, que comemorou o fato, apenas e tão somente por ser uma “derrota” de Lula.
Mas o que é real, nesse resultado, é o papel que o Banco Central, transformado em “entidade independente” a partir de 2021, tornou-se a ponta de lança dos interesses do capital financeiro já que manter uma taxa de juros em 13,75% estrangula qualquer tentativa de retomada de crescimento. Uma Lei Complementar tronou-se um dos principais instrumentos da luta de classe, que os incautos acreditam ter sido superada pelo fim da URSS, há mais de 30 anos, e o poder emanado dessa “entidade” agora se mostra claramente.
Os especialistas (ah os especialistas!) já afirmaram que o “mercado”, esse ente onipresente, projetou o crescimento do PIB em 2,24%, com base no crescimento de 1,9% no primeiro trimestre e é bom lembrar que no começo de 2023, a projeção era de 0,78%. Ora se esses mesmos especialistas estão (ou estavam) esperançosos de um crescimento superior ao de 2022, omitem que esse resultado é consequência direta da atividade predatória do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cujo mandato, de acordo com o que foi aprovado em 2021, só terminará em 31 de dezembro de 2024, é o principal trunfo do mercado financeiro.
Obviamente que é necessário ponderar que acreditar que recuperar um país literalmente devastado por 6 anos de desmonte, e aqui eu coloco o governo Temer na conta, um apenas 6 meses de governo é um delírio, creditado aos ufanistas mais ousados, visto que a recuperação econômica se dá pela conjunção de vários elementos, endógenos e exógenos, que exigem uma condução de política econômica orientada para o desenvolvimento.
Se olharmos o ambiente externo, marcado pelas agruras de uma economia mundial marcada por uma guerra europeia, que afeta o mercado mundial de alimentos e de combustíveis; e o ambiente interno, caracterizada pela permanente busca do governo em ter condições de governabilidade, num ambiente hostil, visto que o parlamento eleito em 2022 é dominado pelas forças reacionárias e conservadoras, além de um conjunto de governadores nada simpáticos ao governo.
E é nesse contexto que a Luta de Classes se mostra claramente. A luta histórica entre as diversas frações da burguesia e os diversos segmentos que formam o proletariado, dessa vez utilizando uma instituição republica, o Banco Central, mostra que a burguesia, um nome que parecia démodé, mantém incólume seus interesses, defendendo-os com unhas e dentes, ora financiando políticos reacionários, para formar uma base parlamentar para resguardar seus ganhos; ora apoiando governos reacionários e fascistas, no caso os governos Temer e Bolsonaro; ora controlando diversos segmentos do aparelho de Estado. A burguesia não dorme.
O proletariado, enfraquecido devido ao fato de que suas representações sociais se debilitaram ao longo dos anos, quer aceitando o conceito falacioso de “conciliação de classes”, que asseverava ser possível construir uma sociedade “onde todos ganham”, uma pilhéria convenhamos; quer perdendo espaço no campo institucional, atropelado pela aliança entre a burguesia e a extrema-direita mundial, que destroçou a social-democracia e os pretensos “socialistas”. O encolhimento da esquerda foi funesto para o proletariado e este vem pagando caro por essa derrota histórica.
Não se espere, nos próximos meses, o arrefecimento das contradições que hoje estão presentes na economia e na sociedade brasileira, mas é necessário, acima de tudo, preservar o pouco ganho que foi conseguido até agora, graças a um governo centrista, mas que tem a pretensão de recuperar o próprio capitalismo no Brasil, e isso implica numa grande coalizão de forças que enfrentem os interesses do capital financeiro e das forças reacionárias que, derrotadas momentaneamente, continuam muito fortes e influentes.
A instalação da CPMI que investigará a tentativa de golpe de Estado, no 8 de janeiro, mobiliza o país.
Considerada por todos os analistas de Brasília como verdadeiro “tiro no pé” disparado por parlamentares bolsonaristas de extrema-direita, a CPMI tem a obrigação de escarnecer e pôr à luz as vísceras do golpismo enrustido.
É preciso que a Comissão Parlamentar vá a fundo nos porões que financiaram, estimularam e apologeticamente insuflaram as pessoas a depredarem os três poderes da República. “Não tenho dúvidas que Bolsonaro tentou dar um golpe”, disse o presidente Lula em entrevista ao jornal El País, da Espanha. Mas não só. A minuta que roteirizava a intentona e que foi encontrada na casa do ex-ministro da justiça Anderson Torres é um dos fios do novelo.
A participação por ação ou omissão do antigo chefe do GSI Augusto Heleno, bem como de outros altos oficiais merecem pela gravidade a mais ampla investigação e se comprovado o cometimento de crime de lesa-pátria, a prisão.
Bolsonaro apesar de ser o personagem principal da patranha, não agiu sozinho. As conexões internacionais da extrema-direita tupiniquim também merecem o escrutínio da sociedade brasileira.
É inegável as digitais do trumpismo representado por Steve Bannon na disseminação da indústria das fales News que inundaram as eleições de 2018, com claro transbordamento para o pleito recém realizado.
O fenômeno da emergência do fascismo ultrapassa em muito as fronteiras nacionais. É uma praga que se expande nos quatro cantos do mundo.
É hora das forças democráticas e progressistas se unirem cada vez mais em uma grande concertação global, na luta contra a xenofobia, o machismo, o racismo que compõem a espinha-dorsal dessa camarilha.
a exclusão e a concentração de rendas e riquezas. O esvaziamento econômico dos países centrais e a luta de todos contra todos estimuladas por eles, não pode perdurar.
A chance de ouro das forças progressistas brasileiras é a CPMI e para isso devemos contar com nossos parlamentares dispostos a fazer o enfrentamento a luz do dia. Os porta vozes da mentira não podem prevalecer.
Agro é golpe - Proprietários de terra devem quase R$ 1 trilhão à União (dívida no governo Temer que se multiplicou no governo corupto militar de Bolsonaro)
Relatório da Oxfam revela dívidas astronômicas, que, se pagas, assentariam 214 mil famílias; e governo Temer quer anistiar setor
O agronegócio leva nas costas, como alegam seus defensores, as contas do Estado brasileiro? Segundo o relatórioTerrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdade no Brasil rural, publicado pela Oxfam, não. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que 4.013 pessoas físicas e jurídicas detentoras de terra devem R$ 906 bilhões, uma dívida maior que o PIB de 26 estados.
O montante é equivalente ametadedo que todo o estado brasileiro arrecadou em 2015. Ou aproximadamente 22 petrolões.
Cada um dos 4.013 devedores tem dívidas acima de R$ 50 milhões. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), há um grupo ainda mais seleto de 729 proprietários que declararam possuir 4.057 imóveis rurais, somando uma dívida de R$ 200 bilhões. As terras pertencentes a esse grupo abrangem mais de 6,5 milhões de hectares, segundo informações cadastradas no Sistema Nacional de Cadastro Rural.
O Incra estima que com essas terras seria possível assentar 214.827 famílias – considerando o tamanho médio do lote de 30,58 ha/famílias assentadas. Em outras palavras, seria possível atender, com as terras dos maiores devedores do Estado brasileiro, o dobro das 120 mil famílias que estavam acampadas demandando reforma agrária em 2015.
Em vez de cobrar os débitos, porém, o governo Temer editou em junho a Medida Provisória nº 733, concedendo mais privilégios ao setor. Segundo o relatório da Oxam, a MP permite que produtores rurais inscritos em Dívida Ativa da União e com débitos originários das operações de securitização e Programa Especial de Saneamento de Ativos liquidem o saldo devedor com bônus entre 60% a 95%. Por exemplo, dívidas acima de R$ 1 milhão devem ter descontos de 65%.
INJUSTIÇA FISCAL COM DESONERAÇÃO
O relatório aponta outra peculiaridade: a isenção de diversos impostos. A Lei Kandir, editada em 1996, isentou o pagamento de ICMS aos produtos primários e produtos industrializados e semielaborados destinados à exportação. Segundo o relatório, essa desoneração gera perdas em torno de R$ 22 bilhões por ano aos estados. Com promessa de ressarcimento. Entretanto, só são ressarcidos 12% da isenção. Em 2014, a bancada ruralista emplacou mais uma benesse fiscal para o setor: a isenção de 9,25% na cobrança do PIS e Confins na venda de soja para todos os fins comerciais.
O relatório alerta também para a ineficácia do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), principal tributo no meio rural brasileiro. Apesar da progressividade do imposto em relação ao tamanho e utilização do terreno, a cobrança é responsável por apenas 0,0887% da carga tributária em 2014, porcentual médio constatado desde os anos 1990.
A injustiça fiscal do ITR fez com que os grandes e médios proprietários passassem a pagar menos imposto por hectare, caindo a média de R$ 1,59 por hectare em 2003 para R$ 1,52 em 2010, segundo os dados das áreas totais cadastradas no SNCR.
Ligada à Universidade de Oxford, a Oxfam está presente em 94 países. Publicado in 30/11/2016.
Para ler mais detalhes do relatórioTerrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdade no Brasil ruralacesse aqui.
O Copom (Comitê de Política Monetária) passou dos limites nesta quarta-feira (23), e o problema vai além da manutenção da taxa básica de juros, a Selic, no patamar estratosférico de 13,75% ao ano. O comunicado que o órgão do Banco Central divulgou após o anúncio do índice é uma provocação inaceitável ao governo Lula – e até mesmo uma tentativa de desmoralizar o presidente.
Não foi a primeira vez. Da reunião anterior, em janeiro, o Copom, autoproclamando-se “vigilante”, acusou o governo, sutilmente, de tumultuar o ambiente econômico. “O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”, dizia o comunicado.
O texto prosseguia: “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião”. Ainda havia, no fim do comunicado, uma ameaça de juros mais altos: o Copom agregava que, sem uma “desinflação” em curso, “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste”.
A nova reunião, 45 dias após a de janeiro, é a primeira que o Copom realiza sob o fogo cruzado do governo, dos empresários e dos movimentos sociais. Desde então, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avançou na elaboração de um arcabouço fiscal que substitua com ampla vantagem o teto de gasto, sem prejuízo às áreas sociais. Vários anúncios oficiais do governo estão sendo adiados, em nome, justamente, da tal responsabilidade fiscal. A reoneração parcial dos combustíveis, à revelia da opinião da base social do governo, confirmou a disposição do governo Lula em pôr o pé no freio.
Mas, para o Copom, nada disso ocorreu, e a “incerteza” prevalece. Por preguiça ou descuido, a nota repete,ipsis litteris, o mesmo recado do comunicado da reunião anterior: “O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”, além de não hesitar “em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.
Não é apenas Lula que esbraveja contra os juros altos e contra o descaso do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Na segunda-feira (20), ao participar de um seminário organizado BNDES, o norte-americano Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de Economia de 2011, criticou a condução da política monetária pelo Copom.
“A taxa de juros de vocês é, de fato, chocante. Uma taxa de 13,75%, ou 8% real(descontada a inflação), é o tipo de taxa de juros que vai matar qualquer economia”, analisou o economista. “É impressionante que o Brasil tenha sobrevivido a isso, que seria uma pena de morte.”
No mesmo evento, Josué Gomes, presidente da todo-poderosa Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, disse que falta ao Copom “uma boa explicação para as pornográficas taxas de juros que praticamos no Brasil”. Para o líder empresarial, não há premissa mais falsa do que a ideia de que o País vive um “abismo fiscal”. Ainda menos num país com “73% do PIB de dívida bruta” e reservas cambiais consideráveis.
Haddad, sempre moderado nas palavras, qualificou o comunicado do Copom como “muito preocupante”, na medida em que parece ignorar deliberadamente o esforço governamental. “Hoje divulgamos um relatório bimestral mostrando que nossas projeções de janeiro estão se confirmando sobre as contas públicas”, disse o ministro.
Juros altos travam investimentos, inviabilizam a retomada do crescimento e asfixiam lentamente a economia. Ao “pagar para ver” e ainda voltar a ameaçar taxas de juros ainda mais altas, o Copom fez um movimento para reforçar sua independência e contra-atacar Lula. É como se tratassem a opinião do presidente como um mero esperneio.
Mudar a composição do Banco Central e rever independência tão tóxica se tornam medidas urgentes para o governo. De todos os opositores de Lula, nenhum está mais ativo e forte hoje do que o Copom.
As classes dominantes no Brasil são filhas naturais da Casa Grande, conservadoras, reacionárias, preconceituosas, autoritárias, violentas
por Francisco Calmon
As classes dominantes no Brasil são filhas naturais da Casa Grande, conservadoras, reacionárias, preconceituosas, autoritárias, violentas, entreguistas e cruéis.
É produto de um histórico de dominação/exploração e impunidade, desde os tempos da colônia.
Os mais de três séculos de trabalho escravo (foi o último país da América Latina a abolir, no papel, a escravatura), deixaram sequelas intensas na sociedade e marcas ideológicas nas classes dominantes.
Soma-se a esses 388 anos as tentativas de golpes contra a democracia e as ditaduras geradas e teremos como resultado a impunidade como marca nuclear e DNA da nossa história.
O que esperar dessas classes de cinco séculos de impunidade?
O capitalismo tardio, dependente, herdeiro de um feudalismo com características escravocratas, não incorporou a participação popular e nem rompeu por completo com as velhas estruturas sociais, o que explica, em parte, ainda no presente haver relações de trabalho escravistas, como agora os 200 trabalhadores, recrutados na Bahia para a safra da uva no RG. Descobertos por conta da denúncia de três deles que conseguiram fugir.
Uma operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), escoltada pela Polícia Federal (PF), libertou 212 trabalhadores que labutavam em condições análogas à escravidão na lavoura de cana-de-açúcar, em Goiás, nesta sexta-feira, 17.
Não são casos isolados, na década 1970/80 o emprego de trabalho escravo numa fazenda da Volks no sul do Pará foi descoberto, denunciado durante a ditadura, nada aconteceu, agora o caso voltou a ser investigado pelo MTE, é outro exemplo entre vários.
Novos ares com a derrota do ex-capitão genocida, vem estimulando as instituições e os movimentos socias a mais investigações, denúncias e processos.
Nos 388 anos de escravidão, os escravos se organizaram em diferentes e criativas formas de luta e resistência, nas fugas e na constituição de quilombos, mas, essa história foi abafada, falsificada. Ainda desconhecida da maioria da população.
O fim oficial da escravidão foi paradoxalmente desumano, pois os libertos de toda ordem se viram sem amparo e sem mercado de trabalho que os acolhessem dignamente.
A compleição de leis e regras do mundo do trabalho foi tardia e autoritária como também a conquista de direitos e de organizações sindicais.
A tutela do Estado nessa construção aparece como de cima para baixo, como dádivas dos governos.
Esperar das classes dominantes do Brasil, compromisso, entusiasmo ou apoio ao governo Lula, não é só por conciliação de classes e pensamento desejoso, mas, outrossim, por ingenuidade teórica ou má fé política de quinta-coluna.
Esperar empatia e bondade dessas classes com os necessitados é crer em Papai Noel.
A burguesa no mundo é cruel e sanguinária.
Quanto melhor for o governo para o povo e para o Brasil, mais engrossarão as críticas e tentativas de desestabilização.
Elas temem o sucesso do Lula e do PT.
Os ministros não têm correspondido em postura e narrativas as de Lula. Felizmente a presidenta do PT faz o contraditório no tom certo e necessário.
Uma das causas e talvez a principal é que muitos deles são pretensos presidenciáveis. O que tem levado Lula a deixar aberta a possiblidade da sua reeleição. Isso segura alguns, mas, estimula a outros do campo à direita.
A mídia golpista procura abrir uma cunha entre os ministros do governo, estereotipando uns e outros, formando imagens de ocasião à luz de seus interesses a serviço, notadamente, do mercado financeiro.
Nesse diapasão vão imprimindo estereótipos de bonzinho, de mauzinho e de feinho, em relação aos seus parâmetros.
Getúlio tentou fazer uma revolução social, levaram-no ao suicídio. Jango tentou, golpearam. Lula e Dilma foram tentando devagarinho, uma foi golpeada e o outro preso.
E Lula só concorreu em 2023 porque não encontraram outro com potencial para derrotar o genocida.
Não foi a súbita lucidez jurídica do STF e nem o arrependimento por terem sido partícipes do golpismo a redenção do Lula, foi por razões políticas.
Mesmo assim, a direita não se engajou na transferência de votos, pelo contrário, arriscaram a eleição, para que o resultado não empoderasse demais o Lula e o PT.
Merval Pereira levantou esse “perigo”, de uma vitória larga, várias vezes, no jornal Globo e na Globo News, sugerindo dosar o apoio.
E a vitória foi por uma diferença estreita de 1.8%, pouco mais de dois milhões de votos.
A semente da discórdia será exatamente o futuro 2026 no presente 2023.
Temo por tantos suplentes no Congresso, substitutos dos ministros convidados para compor o governo.
Congressistas de esquerda experientes estão no governo. Ocorre que o parlamento, as ruas e as redes sociais constituem os palcos principais na marcha da reconstrução da democracia.
Nos governos I e II de Lula o PT foi desfalcado, atrofiou-se, no III é a bancada da esquerda a subtraída.
Se por um lado, os ministros eleitos para o Congresso frustram em parte seus eleitores, que votaram para vê-los no Parlamento, por outro, no governo, são mais fortes no desempenho de suas funções, exatamente pela mesma razão. Enquanto os ministros sem voto necessitam mais do respaldo do Lula.
Com ou sem votos, todos os ministros precisam conhecer a história, para não esquecerem as lições e também dos protagonistas de outrora.
Conversar, sim, fazer acordos quando necessários, sim, ceder quando inevitável, sim, mas tratar adversários ideológicos a pão de ló, nem na curva da encruzilhada da desesperança.
Sem incorporar a participação popular não se rompe com as velhas estruturas sociais. Para isso, as pautas e embates institucionais devem ser também dos movimentos sociais. E cabe aos partidos fornecerem o combustível de agitprop às suas militâncias inseridas nesses movimentos.
Quando dormem e esquecem a hora, os militantes devem despertar as suas lideranças.
A hora é baixar imediatamente os juros!
Quem é favor dos juros baixos? Todos! Quem é favor dos juros altos? O mercado rentista.
A sociedade tem que ser a musculatura dessa empreitada contra os juros exorbitantes e por uma reforma tributária socialmente justa, e os movimentos sociais a sua vanguarda. A frente partidária de esquerda a direção.
E os sindicatos, quando vão despertar da burocracia?
A oportunidade de conjugar luta institucional com a luta social está dada.
E o presidente do Banco Central, bolsonarista desafeto do Lula, carece de escracho da sociedade civil organizada.
Nesse sentido saúdo a CUT que está convocando trabalhadores(as) e lutadoras(os) sociais para se manifestarem no dia 21, terça feira, em frente a cada sede regional do Banco Central, e, onde não houver, em local assemelhado, para exigir #jurosbaixos e #ForaCamposNeto.
Em meio a inúmeros resgates de trabalhadores em situação análoga a escravos, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, autointitulado “príncipe do Brasil”, tem colhido assinaturas para aprovar uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que prevê a extinção do Ministério Público do Trabalho (MPT) e das cortes de Justiça especializadas na área trabalhista. A proposta recolheu 66 assinaturas de parlamentares. A maioria dos apoiadores da proposta é composta por deputados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, estados onde ocorreram os casos mais recentes de violação dos direitos trabalhistas. Estará o Congresso de acordo com a impunidade do trabalho escravo no País? E mais: O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu que há grandes possibilidades de que ele seja condenado pelas mentiras contadas durante a reunião com embaixadores em Brasília e fique inelegível após julgamento do caso no Tribunal Superior Eleitoral. E ainda: As investigações sobre os atos golpistas em 8 de Janeiro fecham o cerco. E CPI no DF aprova a convocação do general Augusto Heleno.
Acompanhei pari passu os atos de terrorismo desde os primeiros momentos. Inacreditável o que se viu. Uma choldra, um valhacouto toma conta da capital federal. Mas uma súcia que tem gente por trás. Alguém financia.
Há prolegômenos. Dias antes, um juiz concedeu um mandado de segurança reconhecendo, a um "patriota do bem" (sic), o direito fundamental de pedir golpe de estado em frente de um quartel em Belo Horizonte, levando o Brasil inexoravelmente aos píncaros do patético.
Um deputado vestindo farda do Exército rindo com os atos terroristas. Um sujeito enrolado na bandeira grita palavras de ordens bolsonaristas na frente do Supremo Tribunal com a Constituição de cabeça para baixo que acabara de roubar do interior do prédio da Suprema Corte. Eis o retrato do Brasil dos "patriotas do bem".
O dia 8 foi pior do que os episódios do Capitólio dos EUA. Aqui, foram os três palácios. Depredados. Quebraram, roubaram. Tinham granadas. E armas. A imitação saiu pior que o molde.
Simbolicamente mostrou a vergonha nossa ao mundo. Terroristas (uso no sentido comum, político-sociológico do conceito) escoltados pelos guardas do DF. O Brasil vai ganhar o prêmio ig-Nobel. Vergonha nacional que se torna internacional. Papel de ridículo no palco do mundo.
O bizarro: descobriram — e a notícia é do Guilherme Amado, repetida pela CNN — que no acampamento principal em frente ao comando do Exército havia a esposa de um ex-comandante e parentes de outros militares. Estavam acampados, pedindo golpe. E, pior: por isso o Exército, em um primeiro momento, não permitiu o desmanche do acampamento na noite do dia 8. As forças de segurança do DF e da PF negociaram com o Exército para que isso fosse feito pela manhã. Isso ocorreu depois das onze da noite. Claro, parece que assim daria tempo para que os militares da reserva e parentes dos da ativa pudessem "puxar o carro".
Que coisa, não? O vivandeirismo assumindo um caráter nepotista, se me permitem. Parentes acampados na frente dos quartéis. Quem diria...
O dia 8 foi o dia, mesmo, da infâmia. O corolário do lavajatismo, o ovo da serpente dessa infâmia. Tudo começou com o amaldicionamento da política. E chegaram os outsiders. Os que "odeiam a política" e nela se metem. Para fazer o "bem". Influencers de quinta categoria, bombadões quebradores de placas e defensores de armamentos e sedizentes defensores da segurança pública tomaram conta do parlamento. A antipolítica assumiu a pauta da política após sua criminalização, num longo processo ao qual eu e tantos outros já viemos avisando de há muito. Será que ainda existe quem negue o vínculo entre os dois fenômenos?
Eis o resultado: as urnas eletrônicas são colocadas em dúvida ainda hoje, mesmo depois de tantas eleições. Cá entre nós, se as urnas foram fraudadas para dar vitória à Lula, os manipuladores devem ser punidos por incompetência. Afinal, esqueceram de fraudar a eleição de Ibaneis, por exemplo. Os manipuladores são gozadores? E por que deixaram Zambelli fazer mais de 800 mil votos? Esses fraudadores são uns pândegos. Tem um senso de humor bárbaro.
Houve um episódio no dia 8 que bem mostra o que quero dizer: o ex-líder do governo, Ricardo Barros, chegou a justificar os atos do dia 8, dizendo que, afinal, o código fonte não foi mostrado etc. e que as pessoas tinham motivos para lá estarem porque não tinham confiança no processo eleitoral. Ao que levou uma carraspana da jornalista da CNN Daniela Lima, que deu uma aula para o parlamentar.
Essa discussão entre a jornalista e o deputado simboliza o estado da arte do bolsonarismo. Vejam: bolsonarismo usado aqui como um conceito sócio-político que está para além de Jair Bolsonaro. O bolsonarismo antecede Jair. E é muito maior que ele. Assim como o lavajatismo está para além da operação em si e dos desmandos que perpetrou. Eis a questão. Quem não perceber essa fenomenologia não conseguirá compreender a dimensão do reacionarismo que exsurgiu no país nos últimos anos. Tanto quanto Moro e Deltan são sintomas de um punitivismo seletivo, mequetrefe, fruto de um direito sem epistemologia e pessimamente ensinado nas faculdades, Bolsonaro é sintoma de uma fascistização do discurso público. A tempestade tinha sua crônica anunciada de há muito. A política foi criminalizada. Poderíamos falar aqui sobre várias consequências gravíssimas para o país. O dia 8 foi um resumo perfeito da tragédia.
Se alguém duvida do que estou dizendo, não assistiu aos atos do dia 8. Eles espancam... nossa cara e nossas dúvidas.
O rescaldo do dia da infâmia: mais de 1.500 presos. Investigações em andamento. Há muitos tipos penais a serem colocados em denúncias do MP (por sinal, o grande ausente no caos desde há muito, tornando letra morta o artigo 127 da CF, infelizmente).
Intervenção federal no DF; afastamento do governador; quadro de R$ 8 milhões destruído. Prejuízos de centenas de milhões. E tantas outras coisas.
Onde foi que erramos? Como deixamos chegar a esse ponto?
O direito fracassou? Não serve para nada? Não existe nenhum senso de vergonha institucional?
Nada disso era para ter acontecido. Avisos não faltaram. Mas "não era bem assim". A Lava Jato "prendeu corruptos". E Bolsonaro "só falava algumas bobagens". Tsk tsk. Enganou-se quem quis. E que agora assuma a bronca. E a responsabilidade.
E claro, nesse cenário todo não se pode esquecer o "doisladismo". A tese dos dois demônios. Ingenuidade, talvez? Será? Só aceita a leitura da ingenuidade quem é um tanto ingênuo.
O resultado está aí para quem quiser ver. Avacalharam os três Poderes. Destruíram, pilharam, saquearam, fizeram fiasco. Alguém podia ter se machucado gravemente.
E agora ameaçam com os caminhoneiros. Tudo armado no submundo das neocavernas. E financiadas pelos "novos patriotas". Pobre Brasil. Devemos ter jogado na Cruz de Cabrália. Ou algo assim.
O horror. O horror, como na peça shakespeareana.
Mas o maior prejuízo é o simbólico. A democracia foi violentada. Em seu nome. O direito foi ridicularizado. Também em seu nome. Parafraseando os filósofos de minha terra, quem não compreender isso é a mulher do padre.
E, atenção: nada mais de passapanismo, um dos erros históricos constantemente repetidos.
Aliás, precisamos aperfeiçoar o sistema legal: a lei antiterrorismo, consertar alguns crimes como o de prevaricação (veja-se o escândalo das milhares de atitudes criminosas ocorridas nos últimos tempos no país) que, para além da pena ridícula, tem um índice baixíssimo de aplicação — parece que há um monumento ao último condenado por prevaricação em algum lugar do país. E, como venho cobrando de há muito — mas de há muito mesmo — há que se construir mecanismos para punir autoridades omissas — para além da mera prevaricação.
Enfim, a tarefa é hercúlea.
Como a frase final da peroração do promotor do filme 1985, estrelado por Darin, "nunca más".
Com quase 100 anos de historiografia e fortuna crítica, há diversas correntes interpretativas sobre o fascismo, seja como conceito, seja como o movimento de Mussolini. Algumas são contraditórias entre si, mas outras se contaminam, possuem pontos de consenso. Entre as principais correntes que se opõe, vale chamar a atenção para duas em particular: fascismo hermético e fascismo maleável.
O nome em si já indica o que esperar. Uma corrente que interpreta o fascismo como um movimento limitado a sua manifestação italiana com Mussolini (ou, se muito, a Europa de entreguerras), o outro que o entende como um conceito mais amplo, passível de deslocamento no tempo-espaço. Isto é, um fascismo x vários fascismos. O movimento se forma a partir do conceito, ou o conceito se forma a partir do movimento? Como o dilema do ovo e a galinha, transposto à teoria política.
Para os adeptos do fascismo hermético, o fascismo deve ser congelado em sua versão italiana, e qualquer outro movimento posterior, por mais semelhante que seja, não será reconhecido dentro do mesmo conceito. Ou seja, o conceito não deve absorver características novas. Por mais parecido que seja, é algo novo. Ou, como diz Michael Mann, “o fascismo de entreguerras não é um fenômeno genérico, mas de um período específico da Europa. Seu legado sobrevive, hoje, sobretudo num tipo diferente de movimento social: os etnonacionalistas”. Ignora Michael Mann, porém, que o fascismo sempre foi justamente uma forma de etnonacionalismo, um nacionalismo populista de massas.
Essa corrente também convenientemente ignora um aspecto chave: qualquer conceito político se reconstrói. A democracia brasileira é a mesma em 2022 que era em 2002? Ou a democracia estadunidense é igual a democracia francesa em 2022? Por certo que não. O conceito é o mesmo, mas os adjetivos sobre democracia beiram o infinito: procedimental, liberal, agonística, minimalista… Liberais dolaissez-fairefranceses olhariam horrorizados para os estadunidenses que se denominam liberais e, no entanto, o conceito é o mesmo. Se falamos em várias democracias, vários autoritarismos, vários nacionalismos, vários populismos, vários conservadorismos, por que não falamos em vários fascismos? Ou aceitamos o fascismo como um conceito elástico, ou teremos que empregar adjetivações consecutivas sempre que nos referirmos a democracias, conservadorismos, e outras noções políticas.
Outro ponto: como podemos falar em fascismo ou Fascismo, quando foram muitos fascismos? Lembremos que o Fascismo de Mussolini sobreviveu por mais de 20 anos, e certamente não foi estanque. Foram muitos movimentos, dentro de uma matriz. O fascismo italiano se reinventou, perpassou distintos estágios, evoluiu, retrocedeu em alguns momentos, intensificou em outros. Teve uma experiência liberal, no início, surgiu como uma dissidência do Partido Socialista Italiano (e em seus primeiros momentos ainda mantinha preocupações sociais semelhantes), um período de ditadura declarada após o assassinato de Giacomo Matteotti, as campanhas coloniais na década de 1930 e a tentativa de institucionalização com a publicação daDoutrina, e, por fim, a fusão com o nazismo durante a Guerra. Como falar, então, que o movimento de Mussolini foi uno? Sobre qual fascismo nos referimos quando falamos de Mussolini?
Se tomarmos a interpretação de Robert Paxton, de um fascismo “elástico”, ou “etapista”, então não há nada sobre o conceito que o impeça de se espalhar para além da Itália ou da Europa entre 1919 e 1945. Em outras palavras, movimentos equivalentes do mesmo período, como o Integralismo, poderiam ser considerados como fascistas. É evidente que quando se desloca um conceito da Europa para o Brasil diferenças significativas aparecerão. Todavia, pontos básicos de consenso permanecem, de forma que nos permitem chamar uma versão brasileira de liberalismo como tal, e o mesmo com fascismo. Em outras palavras, é preciso trabalhar os pontos de consenso e dissenso, quando da política comparada, para apreender essas reconstruções.
Dado esses argumentos, o que impediria que fascismos aparecessem no contemporâneo? Se o Integralismo foi uma versão de fascismo brasileiro, por exemplo, por que o bolsonarismo não o poderia? O argumento da política econômica é insuficiente, considerando que o próprio fascismo de Mussolini perpassou um período liberal. Como sugere Paxton em seu livro, é preciso resgatar o conceito da má utilização que sofreu desde a III Internacional, quando foi alargado a ponto de classificar os sociais-democratas como “sociais-fascistas”, mas não descartá-lo completamente. Pois é preciso um conceito que dê conta de englobar a forma de política inédita que surge no alvorecer do século XX, uma política de massas, populista, reacionária, autoritária e profundamente nacionalista, distinto de tudo que se via até então. Um movimento que mescla características simultâneas, condensadas dentro desses outros conceitos, como messianismo, rejeição da democracia agonística, desejo de retorno a um passado idealizado, inimigos objetivos desumanizados por terem imposto suposta degenerescência à nação, conspiracionismo paranoico e base de massas. Na falta de um conceito melhor, usa-se fascismo.
Em um artigo sem tradução para o português, mas depois condensado em seu livro, Paxton destaca que todo fascismo obedece a uma lógica pautada por cinco estágios, que vão da criação dos movimentos a entropia ou radicalização. O que impede que vejamos novos Hitlers e Mussolinis surgindo todos os dias, da mesma forma que impediu que o fascismo chegasse ao Executivo Federal no Brasil em 1938, não é um milagre, mas a junção de variáveis como resiliência democrática, cultura política, disposição doestablishmentem abraçar o movimento, o sentimento de crise, entre outros. A maior parte dos fascismos, como ressalta o autor, morrem ainda no primeiro ou no segundo estágio, sem conseguir adquirir relevância política suficiente. Alguns, como o Integralismo ou o Falangismo, vão além, e chegam ao poder. Mas falham no terceiro estágio, pois chegam como participantes secundários, forçados a obedecer a um movimento protagonista paralelo como o Franquismo ou o Varguismo.
Importante sempre lembrar, todavia, que conceitos como reacionarismo e autoritarismo por óbvio existem de forma independente, não sendo necessariamente fascismos. Mas quando aparecem em simultâneo, cresce o aroma.
O bloqueio das estradas e as manifestações em frente dos quartéis ocorridas depois da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmaram algo cada vez mais óbvio. O País não está rachado apenas porque as pessoas têm opiniões divergentes, mas porque enxergam os fatos usando lentes distintas, como se vivessem em realidades paralelas.
A discussão política no Brasil sempre foi polarizada, mas a maioria das pessoas partia de um solo comum. Desde a redemocratização, em 1985, tanto esquerda como direita abandonaram pretensões golpistas ou antissistema. A democracia parecia se consolidar como um caminho sem volta e o debate se restringia ao tipo de reforma a ser feita para melhorar o sistema. Apesar dos problemas, a racionalidade pautava os debates sobre políticas públicas, que giravam em torno de temas sem graça, como a Previdência, privatização, déficit público etc.
Os primeiros sintomas de que mudanças estruturais estavam em curso na política nacional vieram com as Jornadas de Junho, em 2013. Multidões tomaram as ruas em protestos virulentos. Havia uma novidade na cena dos protestos. As redes sociais surgiam e possibilitavam um tipo de comunicação mais horizontal, dando voz e visibilidade aos que não tinham, o que parecia ampliar as ferramentas de participação popular.
Eram tempos alvissareiros, vistos como otimismo em diversos lugares do mundo. As revoltas populares, iniciadas em 2010, que ficaram conhecidas como Primavera Árabe, propagaram uma onda de protestos que pareciam colocar em xeque governos autoritários que mantinham sua população calada. As manifestações nas redes e nas ruas se multiplicavam com a ação do mídia-ativismo, que começava a despontar e a pautar as bandeiras até então represadas pelos grandes veículos de comunicação, donos das prensas e dos equipamentos de rádio e de televisão. A transformação era profunda. Para os novos protagonistas da informação nas redes, bastava um laptop ou um celular para arrasar na luta política.
Segundo a tese defendida pelo mídia-ativismo, o que estava em jogo era a chamada “guerra das narrativas”, que seria vencida pelos mais capazes de disseminar suas versões dos fatos. A suposta imparcialidade da grande imprensa – repleta de defeitos e vieses –, segundo os críticos, ao invés de promover racionalidade nos debates públicos, apenas servia para disfarçar uma visão de mundo conservadora e elitista, que precisava ser desconstruída para mudar a realidade.
As revoltas nas redes e nas ruas do Brasil provocaram reboliço em 2013. Os manifestantes derrubaram inicialmente o aumento do valor da tarifa do transporte público, numa vitória surpreendente. No ano seguinte, continuaram nas ruas contra a Copa do Mundo e o preço alto da construção dos estádios. Os grupos progressistas controlavam a situação, mas a reação conservadora já vinha sendo articulada, não apenas no Brasil, mas em outras partes do planeta.
Em menos de uma década, o reacionarismo se mostrou mais capaz de seduzir mentes e corações aflitos com tantas mudanças. Havia medo de desordem, incertezas sobre o futuro e insegurança. No Brasil e no mundo, os empregos estavam acabando, com as vagas sendo substituídas pela tecnologia. As mulheres assumiam um protagonismo inédito, os movimentos negros recontavam a história e cobravam reparação. As famílias se transformavam e a comunidade LGBTQIA+ exigia respeito.
A extrema-direita, como começou a ficar cada vez mais evidente, tinha grandes vantagens para avançar e vencer a guerra das narrativas. As transformações profundas que tomavam o planeta de assalto abriam brechas para o fortalecimento dos discursos que pregavam o retorno ao passado, mais seguro e compreensível. As mudanças defendidas pelos progressistas eram facilmente associadas ao caos, à anomia e à imprevisibilidade.
No Brasil, a crise econômica e política aprofundada depois da reeleição de Dilma Rousseff, somada aos quatro anos de denúncias da Lava Jato, atingiram em cheio à Nova República. A política e o sistema caíram em descrédito, empurrando o discurso disruptivo para os braços da extrema-direita. Era preciso reestabelecer a autoridade com alguém disposto a liderar uma guerra, que ingressava com força no cenário político nacional.
O outsider Jair Bolsonaro surfou nessa onda e revelou ao Brasil a força sedutora do discurso do ódio e da defesa da luta contra os inimigos. O mídia-ativismo da extrema-direita passou a engajar mais gente a partir da exploração da revolta e do medo das pessoas diante das incertezas quando ao futuro. Seitas foram sendo criadas em bolhas que compartilhavam distorções da realidade que apenas reforçavam seus preconceitos. O antipetismo ganhou força não apenas por causa das denúncias de corrupção contra o partido, já que escândalos parecidos nunca colaram no governo corrupto de Bolsonaro. Lula não era perdoado porque simbolizava as transformações que atemorizavam os que queriam que o mundo andasse em marcha à ré.
O reacionarismo de Bolsonaro seduz e desperta paixões, como ocorre com outros fundamentalismos reacionários pelo mundo afora. A promessa de ordem e previsibilidade, mesmo que imposta pela violência, produz conforto aos bolsonaristas, enquanto as mudanças geram medo. Não deixa de ser surpreendente, nove anos depois de 2013, acompanhar uma revolta reacionária usando instrumentos e vocabulário semelhantes ao da esquerda autonomista, bloqueando vias e falando em desobediência civil. A revolução apaixonada da extrema-direita pretende parar o tempo, interromper as transformações, regressar ao passado para um mundo previsível.
As transformações, contudo, chegaram para ficar e se aprofundar. Não podem ser barradas porque são legítimas. O homem não terá de volta o protagonismo das sociedades patriarcais e tradicionais. Também não existe espaço para retrocessos em relação às pautas de raça e de gênero. O debate sobre o meio ambiente e a vida no planeta deve se tornar prioritário para que o mundo não acabe. Caberá à política e às instituições democráticas garantirem que esses avanços prossigam, sem potencializar medos e conflitos.
Para exorcizar o espírito golpista e conspiratório que tomou conta de parte da população, o avanço deve prosseguir com diálogo e compaixão aos desesperados. Os que estão com medo e com raiva devem se conformar e entender os benefícios das mudanças. Caso contrário, é necessário usar a força na legítima defesa do contrato coletivo.
Os crimes contra a ordem democrática devem ser punidos, para que o Estado de Direito e as instituições democráticas se fortaleçam. Mas a moderação de uma frente ampla precisa liderar o processo de construção da ponte que conecte o País cindido, contemplando os partidos compromissados com a democracia. Será necessária uma política de redução de danos. É preciso curar os traumas que afloraram no Brasil.
O discurso antissistema, portanto, precisa dar um tempo, tanto à esquerda como à direita. As reformas devem ocorrer dentro da estrutura republicana e democrática. Esse consenso precisa voltar a ganhar apoio. As informações falsas e conspiratórias podem perder força conforme os ânimos se esfriem. A normalização das mudanças no mundo vai permitir que as paixões doentias sejam exorcizadas para a volta do juízo e da racionalidade.
Nesse momento da história, no Brasil, Lula é uma liderança capaz de assumir esse processo de pacificação dos espíritos. Ele vai precisar se desdobrar para restabelecer o solo comum para que todos voltem a enxergar a realidade a partir das mesmas lentes, sem delírios. Existe um papel de reconstrução de pontes. Serão quatro anos decisivos, em que moderação e o diálogo são os melhores caminhos para fortalecer o progresso civilizatório.