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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

03
Ago22

Menos de 40% dos homicídios praticados no Brasil são esclarecidos

Talis Andrade

Ex-capitão do Bope do Rio, Adriano Magalhães da Nóbrega morreu, na Bahia

 

 

Um levantamento do Instituto Sou da Paz, divulgado nesta terça-feira (2), mostra que de cada dez homicídios, em apenas quatro um suspeito é identificado e levado à Justiça no Brasil. O Jornal Hoje mostrou casos não resolvidos.

O estudo compilou dados sobre homicídios dolosos, quando há intenção de matar, registrados em 2019. O instituto usa uma metodologia que considera "esclarecido" um assassinato que tenha resultado em ação penal até o fim do ano seguinte, ou seja, quando a investigação identificou um suspeito que foi levado à Justiça. Dos 39 mil assassinatos em 2019, só 37% geraram denúncia.

 

É muito grave o fato do Brasil esclarecer tão pouco os homicídios, porque gera uma série de consequências negativas. Primeiro, as famílias dessas vítimas ficam sem direito à justiça, sem direito a verdade, essa sensação de impunidade num crime que é dos mais graves. E aí, um criminoso contumaz, aquele que mata sempre, ou o crime organizado sabendo que esse é um crime que não vai ser esclarecido, não vai haver responsabilização, também se sente muito mais à vontade para continuar matando. Então é negativo por muitos aspectos e é uma pena que a gente ainda não consiga avançar mais na resposta aos homicídios do nosso país”, explica Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

 

 

O levantamento usou dados de 18 estados e do Distrito Federal. Oito estados não enviaram informações suficientes. Rondônia e Mato Grosso do Sul foram os que mais conseguiram apontar culpados. Amapá e Rio de Janeiro são os que menos denunciam suspeitos.

Sobre a morte do adolescente Igor Bernardo, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que o inquérito foi finalizado em julho - sem indiciamento - e remetido para análise do Poder Judiciário.

[Coronéis deputados federais e estaduais dão o exemplo. Matar rende votos. Os assassinos juram crimes de lesa-majestade, ameaçam Lula de morte, enquanto Bolsonaro promete um golpe de estado neste Brasil republiqueta de bananas. Viva a sangreira!, bando de homicidas em massa.

Ameaçaram matar Lula os deputados general Eliezer Girão Monteiro, os coronéis Marcio Tadeu Anhaia de Lemos, André Luiz Vieira de Azevedo, Washington Lee Abe, Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, cabo Junio Amaral. Até Carla Zambelli por ser esposa de um coronel, Aginaldo de Oliveira. Pasmem! o pastor Otoni de Paula. Na lista criminosa o sargento vereador Anderson Simões, o delegado Paulo Bilynskj e outros safados. Vide tags]

 
Rastro de assassinatos do Escritório do Crime
 
Supostas vítimas do Escritório do Crime — Foto: Editoria de Arte/G1
 

 

por Rafael Soares /Extra

- - -

Morto por policiais militares na Bahia, o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega deixou um rastro de assassinatos sem solução no Rio. O Escritório do Crime, consórcio de matadores que criou com outros dois agentes que também haviam sido expulsos da PM, é suspeito de participar de 18 homicídios desde 2004. O EXTRA teve acesso a inquéritos e à ficha disciplinar de Adriano na corporação e consultou agentes que investigaram a quadrilha para montar a linha do tempo das mortes. A lista de vítimas tem bicheiros, policiais militares, presidentes de escolas de samba, políticos e até um casal executado por engano.

Há casos já arquivados sem solução em que há a menção, em depoimentos, da participação do grupo. Outros seguem em andamento, sem denúncia à Justiça. Os inquéritos mais recentes estão no Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do MP do Rio, que investiga a atuação do consórcio de matadores. Adriano morreu sem nenhuma condenação por homicídio.

Seis das mortes, entre 2004 e 2009, se relacionam com a guerra pelo espólio criminoso do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho. A execução do contraventor, aliás, é a primeira da lista: o caso foi arquivado em 2018 sem que ninguém fosse indiciado. Na época, Adriano era ligado a um dos melhores amigos do bicheiro, o pecuarista Rogério Mesquita, a quem chamava de “padrinho”. Mesquita acabou ficando com parte dos bens e recrutou Adriano para sua quadrilha em 2006.

Anos depois, ameaçado pelo “afilhado”, ele apontou, em depoimento à polícia, Adriano como autor das mortes de Carlos Alberto Alano, o Carlinhos Bacalhau, funcionário de Maninho assassinado no Centro do Rio, e do ex-deputado Ary Brum, executado na Linha Amarela — ambas em 2007.

 

A quadrilha fundadores mortos

 

Os fundadores do Escritório do Crime: Capitão Adriano, tenente João e o ex-PM Batoré — Foto: Reprodução

Os fundadores do Escritório do Crime: Capitão Adriano, tenente João e o ex-PM Batoré

Os três fundadores do Escritório do Crime foram mortos num intervalo de pouco mais de três anos em situações distintas. Adriano foi baleado numa ação do Bope da Bahia. O ex-tenente João foi executado perto da casa onde morava, na Ilha do Governador. Já Bator é foi morto num carro junto com o traficante Fernando Gomes de Freiras, o Fernandinho Guarabu, por PMs na Ilha do Governador.

 

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Novo chefe

 

A polícia e o MP já sabem que o grupo tem um novo chefe. Ele não é policial. É ligado à milícia que domina a Praça Seca e já foi alvo da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco.

 

O nome

 

A quadrilha foi batizada em referência ao local onde os integrantes se encontravam: um bar na Favela Rio das Pedras, chamado de “escritório” pelos matadores.

 

Outras mortes

 

Velório do dirigente portelense Marcos Falcon, que foi morto dentro de seu comitê de campanha

Velório do dirigente portelense Marcos Falcon, que foi morto dentro de seu comitê de campanha Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

 

Entre as mortes em que há suspeita de participação do grupo, há um caso em que o tráfico é investigado por encomendar o crime. É o assassinato do major Alan Luna, lotado no batalhão da Ilha do Governador. Ele foi executado em Nova Iguaçu,na Baixada Fluminense, a caminho da unidade. O MP apura se o chefe do tráfico da Ilha, Fernandinho Guarabu, contratou o grupo para matar o oficial. Outras mortes investigadas por ligação com o grupo são a do subtenente reformado Geraldo Pereira, a do soldado Márcio Allevato e do comerciante Marcos Souza.

 

Executados por engano

 

Quando foi recrutado por Mesquita, Adriano chamou seu melhor amigo para trabalhar com ele, o ex-tenente João André Martins — com quem se formou no curso de Operações Especiais. Os dois foram apontados, em relatos à polícia, como responsáveis pelas mortes do casal Rafael Mendes Figueiredo, de 24 anos, e Juliana Roberto Alves, de 25, na Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, em 2007.

De acordo com o depoimento de Rogério Mesquita, os dois “fizeram merda”. Ambos foram contratados pelo genro de Maninho, José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, para matar Guaracy Paes Falcão, então vice-presidente do Salgueiro e postulante a uma parte do espólio. Na saída de um ensaio da escola, a dupla perseguiu um carro errado e acabou matando o casal a tiros. Guaracy e sua mulher, Simone Moujarkian, foram executados no Andaraí semanas depois. As quatro mortes seguem sem esclarecimento.

Guaracy Falcão, vice-presidente do Salgueiro, foi fuzilado com a mulher no carro

Guaracy Falcão, vice-presidente do Salgueiro, foi fuzilado com a mulher no carro Foto: Fernando Quevedo

 

Adriano e João ainda eram suspeitos de matar um funcionário de Maninho num haras, Rogério Mesquita e também Zé Personal. O objetivo era ascender na quadrilha.

 

R$ 200 mil por crime

 

Após Adriano e João serem expulsos da PM, em 2014, por envolvimento com a contravenção, os dois se juntaram com o também ex-PM Antônio Eugênio Freitas, o Batoré, e formaram o Escritório do Crime. A partir daí, deixaram de trabalhar exclusivamente para herdeiros de Maninho. Já famoso no submundo do crime pelos assassinatos “perfeitos”, o trio passou a cobrar até R$ 200 mil pelos serviços.

Ex-deputado Ary Brum foi executado na Linha Amarela, em 2007

Ex-deputado Ary Brum foi executado na Linha Amarela, em 2007 Foto: Fábio Guimarães

 

Segundo o MP, as mortes cometidas pelo grupo têm o mesmo ‘‘modus operandi’’. São disparados muitos tiros nas vítimas, quase sempre com fuzil. Quatro assassinatos sob investigação no Gaeco se encaixam neste roteiro: o de Marcos Falcon, presidente da Portela e candidato a vereador, executado em seu comitê de campanha; os de Haylton Escafura, filho do bicheiro José Escafura, o Piruinha, e sua namorada, a PM Franciene Soares, mortos num quarto de hotel; e o do empresário Marcelo Diotti, fuzilado no estacionamento de um restaurante. Nos dois primeiros casos, a suspeita é que bicheiros tenham pago pelos crimes. No último, a hipótese mais forte é a de guerra entre milícias.

Num relato à polícia, um comparsa expôs o método de Adriano para cometer “crimes perfeitos”: “Ele usa um fuzil com a coronha cortada e se coloca no banco de trás do veículo, de forma que posiciona somente o cano da arma para o lado de fora, evitando assim que as cápsulas deflagradas sejam ejetadas para fora do veículo”.

 

 

 

12
Jun22

PRF-SE, um histórico de violências e violações

Talis Andrade

www.brasil247.com - Genivaldo de Jesus

 

Colunista Marcelo Auler cita o caso Genivaldo e afirma que 'outros moradores de Umbaúba sofreram truculência parecida por motivos idênticos: o uso de motos'

 

 

por Marcelo Auler

A violenta e criminosa abordagem que policiais rodoviários federais promoveram, em 25 de maio, aplicando torturas que levaram ao assassinato de Genivaldo Jesus dos Santos, um sergipano negro, de 38 anos, que vivia sob tratamento de distúrbios mentais, não foi fato isolado. Truculência parecida já tinha sido praticada contra outros moradores da cidade, por motivos idênticos: o uso de motos, transporte utilizado na cidade até mesmo por crianças.

A diferença é que no caso de Genivaldo a abordagem que terminou em um homicídio – provavelmente qualificado – foi registrada em vídeos por transeuntes. Filmagens que viralizaram nas redes sociais e desmontaram a “versão oficial” apresentada no Boletim de Ocorrência, na Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba, cidade distante 102 quilômetros da capital sergipana, ao sul do estado. Uma versão prontamente encampada pela administração da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que chegou a falar no emprego de “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” na contenção da vítima. Diante dos vídeos que desmentiam tal afirmativa, a corporação se viu obrigada a recuar.

Quase dois anos antes, por exemplo, em 1 de agosto de 2020, dois dos policiais rodoviários federais que aparecem no Boletim de Ocorrência em torno da prisão de Genivaldo – Paulo Rodolpho Lima Nascimento (matrícula: 1318594) e Clenilson José dos Santos (matrícula: 1510422) – registraram, na PRF, o Boletim de Ocorrência Circunstanciado Nº 1510422200731105030. Nele narram a apreensão da menor M.D.N., então com 17 anos, por trafegar em uma moto sem habilitação para tal.

Seria, aparentemente, um caso corriqueiro, em que a irmã mais velha da detida, E. N. J., proprietária da motocicleta, respondeu ao processo nº 202087001409, no Juizado de Umbaúba, no qual foi condenada a uma multa de um salário mínimo por ter permitido o uso de sua Honda BlZ 110 por uma pessoa não habilitada.

 

Verdade omitida

 

Na realidade, porém, o caso foi bem diferente do relatado pelos policiais rodoviários federais no Boletim de Ocorrência. Deliberadamente omitiram informações importantes e incluíram fatos contestados pelas duas irmãs, como de que a perseguição teve início na rodovia, onde M.D.N. diz não ter passado.

A omissão maior está nas conseqüências daquela abordagem policial, que deixou em M.D.N, uma sequela para o resto da vida. Ela teve uma fratura do fêmur direito, em consequência da queda da motocicleta que, segundo diz, foi provocada pelos próprios PRFs. No BO o fêmur fraturado transformou-se em “dores no joelho direito, não conseguindo movimentá-lo”.

 

O fêmur fraturado de M.D.N. no Boletim de Ocorrência feito pelos PRFs virou uma “dor de joelho”.

 

Na ocorrência os policiais dizem que a queda foi fruto de uma trombada da moto, desgovernada, “contra a parede de uma casa”. Na versão da vítima e seus familiares, o tombo foi provocado pelos próprios policiais, dentro do perímetro urbano da cidade, área que foge à jurisdição da PRF. Por não ter parado diante da sirene das motos dos policiais – segundo diz, achou que não era com ela – os dois a perseguiram e a derrubaram da moto com chutes, provocando o acidente, conforme relatou M.D.N. na entrevista que nos concedeu (vídeo abaixo).

Além de fraturar o fêmur, a menor diz que com a queda quase se sufocou, pois o capacete a apertava ao mesmo tempo em que expelia sangue pela boca. Uma transeunte a salvou, retirando a proteção de sua cabeça, sem respeitar a ordem dos policiais que quiseram impedir tal providência:

“Eu estava meio que agonizando, porque o capacete estava apertando pela boca e uma moça falou ‘vamos retirar o capacete dela’. Os policiais disseram ‘não vai retirar não. Deixa ela assim mesmo’. Aí a moça esperou ele se distrair e puxou o capacete. No que ela puxou o capacete ela disse que eu dei um suspiro”, relata D.N. no depoimento gravado no último dia 3 de junho.

 

 

Também não existe nenhuma referência ao incidente com A.D.N., pai da M.D.N. Como narra no depoimento que nos prestou, ele circulava nas proximidades ao saber que os policiais rodoviários federais estavam “enrabando” (termo usado na região para descrever uma perseguição policial) uma menina.

 

 

A.D.N. não imaginava ser sua filha, mas ao vê-la caída, meio que desmaiada, expelindo sangue pela boca, questionou em voz alta: “É preciso isso?” Foi o suficiente para desagradar um dos policiais que lhe respondeu com spray de pimenta no rosto e na barriga, recomendando que “não colocasse mais suas patas ali”. Embora se calasse, não arredou pé do local até a ambulância do SAMU recolher sua filha, que foi acompanhada da mãe para o hospital. Nada disso, porém, foi levado ao Boletim de Ocorrência que apenas registra a presença do genitor da menor.

 

 

Violência se repetiu

 

Episódio parecido ao de M.D.N – uma queda da moto provocada pela ação policial – foi relatado na Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba por outro jovem morador da cidade, no dia 27 de maio, isto é, dois dias após o assassinato de Genivaldo.

Encorajado pela repercussão do assassinato no dia 25, J., de 21 anos, procurou a polícia alegando ter sido perseguido e derrubado da motocicleta, mesmo depois de parar de fugir e se render a dois policiais rodoviários federais. Foi o que narrou com exclusividade a jornalista Thaísa Oliveira, da Folha de S.Paulo, na reportagem Jovens dizem terem sido agredidos por PRFs em Umbaúba dois dias antes da morte de Genivaldo, dando conta do registro tardio do fato ocorrido em 23 de maio:

Nos documentos, um homem de 21 anos e um adolescente de 16 relatam que, mesmo algemados com as mãos para trás, receberam chutes, tapas e pisões no rosto. Segundo os jovens, a abordagem contou com quatro agentes.(…)

Depois, os agentes mandaram que ele ‘ficasse sentado e começaram a lhe dar tapas no rosto’. O homem, então, relata ter pedido para que os policiais não o matassem. ‘Não me mate não, me leve preso’; que um dos policiais disse: ‘Vou te levar pra mata pra você aprender!’, consta em trecho do boletim de ocorrência. Ele diz que ‘sofreu lesões do lado esquerdo do rosto e nos lábios, em decorrência da pressão feita pelos pés do policial no seu rosto, pressionando a sua face contra o chão’.

Em depoimento à TV Sergipe o mesmo jovem, não identificado por questões de segurança, confirmou que ao decidir parar de fugir e se entregar, foi derrubado da moto e sofreu agressões, como reportado no Jornal local do dia 1 passado, pela repórter Lays Rocha, como pode ser visto nesse vídeo:

Quando eu parei a moto, eles vieram e colidiram na minha moto. Bateram no fundo da minha moto e eu caí. Quando eu caí… eu estava com mais um colega meu. Quando eu caí, ele também caiu… com medo ele correu ainda um pouco, aí eu comecei a chamar ele. Ele parou, um policial foi até ele e o outro veio por trás de mim e me deu um golpe e eu caí. Assim que eu caí começaram as agressões. Foi chute, tapa… as agressões que eles fizeram comigo eu não consegui nem perceber tanto pois eu estava tentando proteger meu rosto, tentando proteger o corpo, né?… alguns arranhões.. eu pedia e eles não pararam. Eles não paravam. Achava eu que eles iam me matar de pancada”.

 

Fraude processual

 

Estes episódios apenas reforçam que a violência com que policiais rodoviários federais atuam naquela região é rotineira e antiga. Demonstram ainda que esses mesmos policiais cometeram, em outras oportunidades, a chamada “fraude processual”, tal como classificou o advogado Ivis Melo de Souza, que representando a mãe, Maria Vicente de Jesus, e as irmãs, Alice e Valdice de Jesus Santos, de Genivaldo atuará como assistente de acusação no processo criminal a ser instaurado em conseqüência do assassinato do sergipano.

Com base no fato de os policiais registrarem um Boletim de Ocorrência, na Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba com relato totalmente diferente do que realmente ocorreu na abordagem do dia 25 de maio, Melo de Souza entende que ocorreu a fraude processual. Respaldado nela, ingressou junto à 7ª Vara Federal Criminal de Sergipe, sediada no município de Estância (jurisdição à qual pertence Umbaúba), com o pedido de prisão preventiva dos três agentes que teriam tido relação direta com o homicídio: Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia.

 

Apesar de a PRF omitir o nome dos agentes que participaram do homicídio de Genivaldo, a identidade deles foi revelada pelo Fantástico da TV Globo.

 

Rodoviários Federais – Clenilson José dos Santos e Adeilton dos Santos Nunes – também faziam parte da equipe mas o envolvimento deles não está totalmente esclarecido. Clenilson, porém, também esteve envolvido na abordagem da menor M.D.N., em agosto de 2020, juntamente com Paulo Rodolpho o qual, por sua vez, já se envolveu em um caso de injúria com um vizinho,

O advogado entende que tanto o delegado de Polícia Federal responsável pelo caso, Fredson Vital, como os membros do Ministério Público Federal (MPF) erram ao não solicitar a prisão preventiva dos envolvidos. Para ele existe “demonstração cabal de que há clara tentativa de dificultar a livre produção probatória e, portanto, um risco a conveniência da instrução criminal”. Na petição ajuizada ele insiste:

“Diferente do que os Agentes registraram na Comunicação de Ocorrência Policial, a vítima atendeu todos os comandos, inclusive informando que usava medicamentos controlados.” O advogado ainda afirma que os policiais tentaram evitar que o corpo de Genivaldo fosse para o Instituto Médico Legal, onde os exames comprovaram sua morte por asfixia. Teriam tentado levá-lo diretamente à funerária.

Primeira Contradição

Transcreve-se da petição apresentada pelo representante da mãe e das irmãs de Genivaldo ao juiz federal Rafael Soares Souza:

“No registro de ocorrência policial, foi relatado que: ‘foi dado o comando para que o condutor desembarcasse da moto e levantasse a camisa, como medida de segurança, no entanto a ordem foi desobedecida, levantando o nível de suspeita da equipe. Ato contínuo determinou-se que o indivíduo colocasse as mãos na cabeça e abrisse as penas, de modo a possibilitar a busca pessoal, porém esta ordem foi igualmente desobedecida, agravando-se pelo fato de que o abordado a todo o momento passava as mãos pela linha da cintura e pelos bolsos.

DAS IMAGENS CAPTADAS

Link do início da abordagem:

https://www.youtube.com/watch?v=MpwWOIMyiOg

https://www.youtube.com/watch?v=rP_dP8lEbo0

Excelência, o vídeo é claro ao demonstrar que não houve desobediência. A vítima colou as mãos para cima de forma pacífica e EM NENHUM MOMENTO passou as mãos pela linha da cintura, nem pelos bolsos. O VÍDEO NÃO DEIXA NENHUMA DÚVIDA de que o relato de ocorrência não reflete a verdade.

Segunda Contradição

Ainda no registro de ocorrência, consta que a vítima foi algemada e contida, mas que “ao tentar colocá-lo no compartimento de presos da viatura, novamente o abordado resistiu, se debateu e deu chutes a esmo, deixando as pernas do lado de fora, sendo necessário mais uma vez o uso das tecnologias. Em seguida a equipe abriu o compartimento para que o indivíduo se acalmasse e cooperasse com a condução, momento em que a contenção das pernas se tornou possível. Nesse momento, o abordado, plenamente consciente, posicionou-se de forma sentada, sendo conduzido começou a passar mal, sendo socorrido prontamente”

Meritíssimo, o vídeo mostra claramente que a vítima já contida, um dos policiais lança uma granada de gás lacrimogêneo dentro do porta-malas, sendo possível ouvir Genivaldo gritando desesperadamente, enquanto pessoas que presenciavam o fato, diziam aos policiais que eles iriam matar a vítima, mas isso não foi suficiente para sensibilizar os Agentes e fazer cessar a agressão.

Ainda consta do registro de ocorrência, que “o abordado, plenamente consciente, posicionou-se de forma sentada, sendo conduzido começou a passar mal, sendo socorrido prontamente”

Este fato é mais uma inverdade contida na Comunicação de Ocorrência. É possível verificar dos vídeos que a vítima não estava consciente quando os agentes abriram o porta-malas e que não foi posicionado sentado.

Como se pode extrair do vídeo, enquanto inalava o gás, Genivaldo se debatia de desespero eantes mesmo de abrirem a “câmara de gás” a vítima não tinha mais reação, momento em que os policiais pegaram suas pernas e colocaram para dentro e fecharam.

Terceira Contradição

Consta do registro de ocorrência que “imediatamente a equipe seguiu para a delegacia de Polícia Civil da cidade e, durante o trajeto, o conduzido começou a passar mal, sendo socorrido prontamente. A equipe seguiu prontamente para o hospital local, onde foram adotados os procedimentos médicos necessários, porém, possivelmente devido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo veio a óbito.”

Não houve imediato socorro, pelo contrário, há informações de que os policiais ainda demoraram no local, enquanto as pessoas reclamavam que a vítima precisava de atendimento.

Após algum tempo, entraram na viatura e saíram. Ao chegarem na Delegacia e constatarem o óbito, os Agentes quiseram encaminhar o corpo diretamente para funerária, sem que fosse levado para o Instituto Médico Legal, de modo a evitar a realização do exame tanatoscópico, pois sabiam que a causa da morte foi em decorrência da câmara de gás.

Portanto, há clara demonstração de que os Agentes, desde o início, buscaram alterar as informações, prejudicando a livre produção probatória para se chegar à verdade real dos fatos. (grifos do original)

Ao peticionarem ao juízo na segunda-feira (0/06) os representantes da família de Genivaldo ainda desconheciam os detalhes dos outros dois casos narrados nesta reportagem que demonstram a pratica abusiva recorrente dos agentes da Polícia Rodoviária Federal naquela região, ao sul de Sergipe.

Ainda assim, no pedido que fizeram da decretação da prisão preventiva dos três policiais diretamente relacionados ao homicídio qualificado de Genivaldo, eles destacam a periculosidade dos mesmos, a justificar a prisão cautelar deles:

“Excelência, a manutenção da liberdade dos agentes, quando certa a autoria e materialidade, causa descrédito social da Justiça. Não se pretende a prisão para atender o clamor público ou a repercussão social do fato, isoladamente. A periculosidade dos agentes é inerente na própria ação criminosa praticada. Não se trata de presunção de periculosidade dos agentes, a periculosidade decorre da forma como o crime foi praticado (modus operandi)”.

 

Senadores desembarcam em Sergipe

 

Antes de decidir, o juízo pediu a manifestação do Ministério Público Federal, mas os próprios advogados representantes dos familiares de Genivaldo não acreditam que o pedido encontrará respaldo SOS procuradores da República que analisam o caso.

Nesta segunda-feira (12/06) desembarca em Sergipe a Comissão de Direitos Humanos do Senado, capitaneada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) autor do requerimento da diligência no estado para verificar o assassinato de Genivaldo. Os senadores estarão, na terça-feira, em Umbaúba. Seria conveniente que além de falarem com os familiares do morto e possíveis testemunhas do ocorrido no dia 25 de maio, eles tratasse de ouvir as vítimas dos outros casos relacionados às ações violentas dos Policiais Rodoviários Federais. Talvez isso, inclusive, atraia novos relatos de outros episódios parecidos que muitos na cidade dizem existir, mas não revelam os detalhes. Esta na hora desses outros casos serem levantados.

01
Fev22

Moïse Kabamgabe: Milícia matou cruel e covardemente congolês no Rio sem governo e lei

Talis Andrade

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Moïse, de 24 anos, veio para o Brasil em 2014 com a mãe e os irmãos, como refugiado político, para fugir da guerra e da fome. Ele trabalhava por diárias em um quiosque perto do Posto 8, na Barra da Tijuca.

A família disse que o responsável pelo quiosque estava devendo dois dias de pagamento para Moïse e que, quando o congolês foi cobrar, foi espancado até a morte.

Mãe pede justiça

Ivana Lay, mãe de Moïse Kabamgabe, jovem congolês morto na Barra da Tijuca — Foto: Reprodução/ TV Globo

Ivana Lay, mãe de Moïse Kabamgabe, jovem congolês morto na Barra da Tijuca — Foto: Reprodução/ TV Globo

 

O corpo foi enterrado no Cemitério de Irajá, na Zona Norte do Rio, no domingo (30). O sepultamento foi marcado por protestos. A família de Moïse pediu justiça.

“Meu filho cresceu aqui, estudou aqui. Todos os amigos dele são brasileiros. Mas hoje é vergonha. Morreu no Brasil. Quero justiça”, afirmou Ivana Lay, mãe de Moïse.

“Uma pessoa de outro país que veio no seu país para ser acolhido. E vocês vão matá-lo porque ele pediu o salário dele? Porque ele disse: ‘Estão me devendo’?”, questionou Chadrac Kembilu, primo de Moïse.Image

Agressões filmadas

As agressões teriam durado pelo menos 15 minutos e foram gravadas pelas câmeras de segurança do quiosque. Moïse apanhou de homens que, segundo testemunhas, usaram pedaços de madeira e um taco de beisebol.

"O início da gravação que eu vi é ele reclamando com o gerente do quiosque. Alguns minutos seguintes, o gerente pegou um pedaço de madeira para ameaçar ele. Até então, ele estava só recuando. E o cara foi atrás dele. Como ele estava reivindicando alguma coisa, ele pegou uma cadeira e dobrou para se defender. Ele não chegou a atacar ninguém. O gerente chamou uma galera que estava na frente do quiosque. Até então tinha só um sentado", contou Yannick Kamanda, primo da vítima.

Segundo o familiar, as agressões se agravaram.

"Veio uma galera que o arremessou no chão, tentando dar um golpe de mata-leão nele. Vieram mais algumas pessoas bater nele com madeira, veio outro com uma corda, amarrou as mãos e as pernas para trás, passou a corda pelo pescoço. Ficou amarrado no mata-leão, apanhando. Tomando soco e taco de beisebol nas costelas. Até ele desmaiar", disse o primo.

De acordo com o relato do primo que viu as imagens, o dia de trabalho continuou, mesmo com a morte de Moïse.

"Eles foram embora e ficou só o gerente do quiosque. E ele deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo. Trabalhando, atendendo cliente. E o corpo lá”, afirmou Yannick.

Os parentes só souberam da morte na manhã de terça-feira (25), quase 12 horas após o crime.

'Ele foi morto por R$ 200. Esse é o valor de uma vida', diz deputada

Dani Monteiro, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, afirmou que Moïse foi morto ao cobrar R$ 200 reais, diária de dois dias de trabalho.

— É difícil falar desse tema. Negros e negras daqui, e também os asilados, não são vistos como cidadão. Ele foi morto por R$ 200. Por R$ 200. Quanto vale a nossa vida negra? Estamos falando de um trabalhador que vendeu sua força de trabalho e foi apenas receber. No entanto foi morto. O corpo dele foi amarrado, espancado na rua e tudo foi naturalizado. As pessoas passavam e não falavam nada. Temos o relato (das agressões) da família e todas as informações da perspectiva cabe àa Polícia Civil — disse a parlamentar, que completou:

— A comunidade congolesa está conversando com a embaixada e estamos à disposição. (No Rio) São cerca de cinco mil imigrantes do Congo e boa parte deles são refugiados. O caso do Moïse mostra o quanto esse estado é racista.

Milícia da Barra da Tijuca tortura e mata

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Moises Kabagambe, 24 anos, foi amarrado e espancado até a morte por 5 homens quando foi cobrar o seu salário atrasado em um quiosque no RJ. O quiosque se chama TROPICALIA, e situado em área de milicia. ISSO NÃO PODE SER CONSIDERADO NORMAL. NÃO PODE FICAR IMPUNE.

Renato Antonini
Imaginem espancaram alguém com bastão de basebol até a morte, por causa de dois dias de trabalho. A vida do negro, do pobre sendo desrespeitada por nada, todo dia. Por gente covarde, racista, cruel. Dois dias de trabalho!!!!! #justicaparaMoises
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CristianaFC
Para entender o que aconteceu com Moïse, para entender como a milícia está se espalhando pelo Brasil, em metástase, incontrolável, vale ler e ouvir e e LER, como livro de cabeceira, A República das Milícias, do Bruno Paes Manso
 
Rudá Morcillo
A foto mostra selo de contribuinte que a milícia usa para marcar território. Percebam que não é escondido. Possuem lojas de gatonet e Internet no comércio - entre outras coisas - sem fiscalização. Milícia é autoridade estabelecida no Rio de Janeiro. O último a sair apague a luz.
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Nilto Tatto - #ForaBolsonaro 
O assassinato do jovem congolês Moïse Kabamgabe, tem as digitais da milícia, facção criminosa apoiada por autoridades que as defendem e empregam seus familiares. Outras facções criminosas exploram garimpo em terras indígenas, também c/ a cumplicidade de autoridades. Coincidência?
Marianna Araujo
na alerj, na câmara, no leblon, na tijuca, na lapa (pra cacete!), em dezenas de secretarias, em tudo quando é praia do estado do rio. a milícia da "zona oeste" é um conto de três temporadas atrás, gente.
Orlando Calheiros
Pelamor, apenas parem de falar que "as milícias controlam a Zona Oeste carioca e a baixada fluminense". As milícias controlam o estado, controlam a capital, tudo. Não tem só milícia na Barra da Tijuca, tem milícia em Laranjeiras, em Copacabana, em condomínio chique em Angra...
Orlando Calheiros
A pergunta se tal lugar é "área de milícia" não faz sentido algum - e no fundo só reforça estereótipos racistas, demofóbicos e classistas sobre a cidade. Todo o Rio de Janeiro é área de milícia, da Gávea até Santa Cruz, de Macaé até a Morro Agudo.

09
Dez21

Série Pistoleiros: os sucessores do Escritório do Crime e a guerra sem fim do jogo do bicho

Talis Andrade

Leonardo Gouveia da Silva, o Mad ou Paraíba, preso em Vila Valqueire — Foto: Reprodução/TV Globo

Leonardo Gouveia da Silva, o Mad ou Paraíba, preso em Vila Valqueire — Foto: Reprodução/TV Globo

 
Por Rafael Soares /Extra

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A Praça Miguel Osório, no Recreio, Zona Oeste do Rio, estava vazia quando o PM reformado Anderson Cláudio da Silva, o Andinho, abriu a porta de seu BMW preto. Era noite de 10 de abril de 2018, e Andinho, que era dono de uma empresa de segurança, tinha acabado de sair de uma reunião de negócios que teve com sua sócia num prédio próximo. Ele não conseguiu dar a partida no veículo para ir para casa: seu carro foi alvo de dezenas de disparos de fuzil e pistola, e o PM morreu na hora.

A primeira linha de investigação apontava para uma cena de execução: homens encapuzados teriam passado num carro atirando na vítima. No entanto, provas coletadas no local causaram uma reviravolta no inquérito. Peritos da Delegacia de Homicídios (DH) concluíram que ali também aconteceu um tiroteio: dois grupos diferentes de pistoleiros foram executar Andinho ao mesmo tempo, no mesmo local. E, como um bando não sabia do outro, os dois acabaram trocando tiros entre si.

Série Pistoleiros: a caminhada em busca das histórias de assassinos

Um dos grupos foi descoberto e teve seus integrantes presos: o Escritório do Crime. Já o outro não foi identificado até hoje. O quinto e último episódio de Pistoleiros, um podcast original Globoplay produzido pelo GLOBO, mostra que, após prisões e mortes de todos os chefes do Escritório do Crime, novos grupos especializados em matar seguem sendo recrutados. Ao longo de cinco capítulos diários, a série — resultado de um trabalho de um ano e meio de apuração — revelou histórias inéditas sobre o submundo da pistolagem carioca. O primeiro episódio conta a história de Ronnie Lessa, principal suspeito de assassinato de Marielle Franco. Já o segundo, fala sobre o capitão Adriano, chefe do Escritório do Crime. O terceiro, conta a história de Batoré, o assassino de confiança do capitão Adriano, e o quarto, a de Mad, sucessor de Batoré no cargo de principal matador do Escritório do Crime.

Série PistoleirosTranscrição do Episódio 5

Dois carros na cena do crime

As marcas de tiro encontradas no BMW de Andinho e nos outros carros que estavam estacionados na praça na noite da execução levantaram a suspeita dos peritos: havia marcas em várias direções — um sinal de que havia acontecido um confronto. Só que a pistola que Andinho portava estava travada e municiada, o que levou a perícia a concluir que o PM não teve tempo para reagir. Como ele havia ido sozinho à reunião, a polícia começou a acreditar que o crime envolvia dois grupos de atiradores.

A suspeita virou certeza quando os agentes da DH descobriram que havia dois carros na cena do crime. Um deles era um HB20 vermelho, que foi abandonado por um dos grupos de pistoleiros na mesma noite a 1 km de distância. O veículo foi deixado no local porque um dos atiradores havia sido baleado: o ex-PM David Soares Batista, que foi preso em flagrante naquela noite porque portava ilegalmente uma pistola 9mm. Após abandonarem o carro e o ferido, os outros quatro homens renderam um motorista que passava, roubaram outro carro e fugiram. A vítima do roubo afirmou que todos os homens portavam fuzis.

Série Pistoleiros: Conheça a Patamo 500, patrulha que formou Ronnie Lessa, acusado de assassinar Marielle Franco

Já o carro usado pelo outro bando era um Honda Fit prata. O veículo foi descoberto depois que os peritos levaram para análise um fragmento de vidro, quebrado no tiroteio e apreendido no local do crime. O código FZ201308 impresso no vidro levou a polícia a concluir que ele pertencia a um Honda Fit que havia sido roubado meses antes do crime. Para o Ministério Público, esse foi o carro usado pelo Escritório do Crime para executar Andinho.

Grupo ainda não descoberto

As provas contra o consórcio de matadores chefiado pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega foram encontradas pelos promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) na internet. Nas contas de e-mail de um dos integrantes do grupo, o MP encontrou um dossiê sobre Andinho, com dados pessoais, endereços da casa e de trabalho, informações sobre suas empresas, referências aos filhos, veículos, e fotos do PM e de fachadas de imóveis relacionados a ele.

Série Pistoleiros: Adriano, o prodígio da turma de galáticos do Bope que virou matador de aluguel

Dados das contas também revelaram que os pistoleiros sob comando de Adriano seguiram os passos de Andinho nos meses anteriores ao crime e chegaram até a filmar a fachada de sua casa. Além disso, a presença do Escritório do Crime na praça foi comprovada por uma prova pericial: cartuchos encontrados no local foram disparados pelo mesmo fuzil usado pelo grupo em outro homicídio um mês antes: o assassinato do bicheiro Marcelo Diotti.

Essas provas foram apresentadas pelo MP à Justiça em junho de 2020, quando Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, teve a prisão decretada. Mad era braço direito de Adriano e o sucedeu na chefia da quadrilha de matadores, depois que o ex-capitão foi morto na Bahia, em fevereiro de 2020. Hoje, Mad está preso e responde pelo homicídio de Andinho. Já o outro grupo, integrado pelo ex-PM David Batista e que usou o HB20 vermelho para o ataque, ainda não foi descoberto. Nenhum dos outros integrantes foi identificado e não há informação sobre outros crimes que eles tenham cometido.

Série Pistoleiros: Batoré, o assassino de confiança do capitão Adriano

Para o MP, Andinho foi assassinado em meio a uma guerra entre herdeiros do espólio criminoso do capo Castor de Andrade. Uma testemunha revelou à polícia que o PM era segurança do genro de Castor, Fernando Iggnácio, um dos postulantes aos pontos de jogo. De acordo com o depoimento, Andinho sabia que estava com a cabeça a prêmio porque cumpriu uma ordem de Iggnácio para “quebrar máquinas caça-níqueis na comunidade de Vila Vintém, as quais seriam pertencentes ao contraventor Rogério Andrade”, sobrinho de Castor e rival de Iggnácio.Juíza que soltou Rogério Andrade manda bicheiro comprovar trabalho lícito |  Rio de Janeiro | O DiaSTF suspende prisão preventiva do bicheiro Rogério Andrade

Ainda de acordo com o depoimento, a quebra das máquinas “deixou Rogério Andrade furioso, a ponto de elaborar uma emboscada para tentar matar Anderson”. O mandante do crime, entretanto, ainda não foi denunciado à Justiça. Policiais que investigaram o crime acreditam que o mesmo mandante enviou dois grupos diferentes ao local, sem avisá-los da existência um do outro.

Série Pistoleiros: Mad e a execução de Haylton Escafura num hotel na Barra da Tijuca

Sete meses depois do segurança, o chefe foi executado: Fernando Iggnácio foi morto num heliponto na Barra da Tijuca, em novembro de 2020. Com o Escritório do Crime fora do mapa, um novo bando de pistoleiros foi recrutado a jato para a missão. Seus integrantes foram identificados, e todos eles estavam fora do radar da polícia; nunca haviam sido apontados como matadores. Hoje, Rogério Andrade responde pelo crime.

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08
Dez21

Série Pistoleiros: Mad e a execução de Haylton Escafura num hotel na Barra da Tijuca

Talis Andrade

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por Rafael Soares /Extra

Era madrugada quando um carro com pelo menos três ocupantes embicou na entrada do estacionamento do Hotel Transamérica, na frente da praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Um funcionário fez um sinal com o polegar para o motorista, e a porta da garagem se abriu. Lá dentro, dois homens encapuzados e armados com fuzis desembarcaram do veículo e foram em direção à escada. Subiram oito andares e se encaminharam, sem sequer olhar o número, para um dos quartos. A porta foi arrombada a chutes e tiros e, lá dentro, novas rajadas foram disparadas. Os hóspedes, que foram alvo de mais de 20 tiros e morreram na hora, eram um bicheiro e uma policial militar: Haylton Escafura, herdeiro de um dos clãs que dominam pontos de jogo ilegal no Rio, e sua então namorada, a soldado Franciene de Souza.

Depois da execução, os atiradores saíram do quarto, desceram as escadas e fugiram do hotel pela garagem, sem serem incomodados. O crime aconteceu em 14 de junho de 2017 e, até hoje, ninguém responde por ele. No entanto, o Ministério Público encontrou, espalhados na internet, rastros que apontam para a participação da segunda geração do Escritório do Crime no assassinato.

Série Pistoleiros: a caminhada em busca das histórias de assassinos

O quarto episódio de Pistoleiros, um podcast original Globoplay produzido pelo GLOBO, revela que o homicídio no hotel marca uma transformação no consórcio de matadores de aluguel criado pelo ex-capitão Adriano da Nóbrega. Com os antigos capangas mortos ou foragidos, o ex-caveira passou a recrutar numa das milícias mais antigas do Rio a mão de obra que precisava para renovar sua quadrilha. Ao longo de cinco capítulos diários, a série — resultado de um trabalho de um ano e meio de apuração — vai revelar histórias inéditas sobre o submundo da pistolagem carioca. O primeiro episódio conta a história de Ronnie Lessa, principal suspeito de assassinato de Marielle Franco. Já o segundo, fala sobre o capitão Adriano, chefe do Escritório do Crime. O terceiro, conta a história de Batoré, o assassino de confiança do capitão Adriano.

Série PistoleirosTranscrição do Episódio 4

Segunda geração

No dia 3 de fevereiro de 2017, quatro meses antes do crime, Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, fez buscas no Google por “Haylton Escafura”. Ele sabia quem estava procurando, afinal acertou a grafia incomum do primeiro nome. Já em 17 de abril daquele ano, Mad — que quer dizer “louco” em inglês — procurou, num aplicativo de mapas, a rota até o Hotel Transamérica, local onde o crime aconteceria dois meses depois. Os dados fazem parte de um relatório do MP obtido com exclusividade pelo GLOBO.

O homem por trás das buscas, segundo o MP do Rio, é o chefe da segunda geração do Escritório do Crime, o matador de aluguel que virou o braço direito de Adriano a partir de 2017. Para policiais que investigaram o crime, ele era um dos dois encapuzados que subiram as escadas do hotel naquela madrugada. Esse homicídio, inclusive, marca o início da atuação de Mad como homem de confiança do chefão do consórcio de pistoleiros.

Até então, cabia ao ex-PM Antônio Eugênio de Souza Freitas, o Batoré, a função de número dois do grupo. Batoré e Adriano se conheciam, há décadas, da Polícia Militar e, de acordo com o MP, cometeram dezenas de homicídios juntos entre 2007 e 2017 — a primeira fase do Escritório do Crime. Ao final desse período, no entanto, Batoré seria afastado das ações do grupo. Em abril de 2017, ele foi alvo de uma operação da polícia — não por sua atuação como pistoleiro, mas sim por ser chefe de uma quadrilha que extorquia motoristas de vans — e virou um foragido da Justiça. Com o rosto do comparsa estampado nos jornais e TVs, Adriano precisou procurar novos matadores, criminosos que estivessem fora do radar da polícia.

E Mad se encaixava perfeitamente no perfil: na época, ele era um ilustre desconhecido para a polícia. No submundo do crime, porém, ele tinha alguma fama graças à sua atuação como um dos mais ativos soldados da milícia de Campinho, na Zona Norte. Mad era chefe de seu próprio grupo de mercenários, que agia a serviço do grupo paramilitar e, por vezes, também atuava como “freelancer”, recebendo “serviços” de outros interessados. Foi assim que o nome de Mad foi parar nos ouvidos de Adriano. Começava, então, a segunda fase do Escritório do Crime.

— A gente não sabe precisar quando nem como, mas o Mad é cooptado pelo Adriano e passa então a se tornar um matador do grupo dele, com características bem profissionais de atuação. O Mad é um peixe fora d'água, porque é um dos poucos não-policiais que a gente vê realmente galgando posições na hierarquia do grupo do Adriano — explica Marcelo Pasqualetti, policial Federal que investigou o Escritório do Crime.

Série Pistoleiros: Adriano, o prodígio da turma de galáticos do Bope que virou matador de aluguel

Carros clonados e celulares trocados

O período em que o consórcio de matadores foi encabeçado por Mad se caracterizou pela sofisticação das ações. Mesmo sem nunca ter sido policial, ele sabia como a polícia investigava crimes, e o que fazer para não ser pego. O bando só usava carros clonados, seus integrantes trocavam de celular todo semana e passavam meses monitorando suas vítimas. Mas as buscas que Mad e seus comparsas faziam na internet acabariam conectando a nova geração do Escritório do Crime a vários homicídios.

No caso do assassinato no hotel — que é apontado como o primeiro crime dessa fase do grupo —, não foi só Mad que procurou por informações sobre a vítima: outros dois integrantes do bando também fizeram buscas por fotos de Haylton Escafura. Um deles é o irmão de Mad, Leandro Gouvêa da Silva, o Tonhão, que é acusado de ser seu braço direito, e procurou reportagens sobre o crime poucas horas após a execução. Além dos indícios que apontam para Mad como executor, o Ministério Público também tem pistas sobre o que motivou o homicídio.

Série Pistoleiros: Batoré, o assassino de confiança do capitão Adriano

Num depoimento que deu no presídio federal de Mossoró durante a investigação do caso Marielle, o miliciano Orlando Araújo, o Orlando Curicica, forneceu várias informações sobre homicídios que teriam sido cometidos pelo Escritório do Crime. Um deles foi o de Haylton Escafura. Segundo Curicica, a execução foi encomendada a Adriano e Mad por um dos capos do jogo do bicho no Rio, Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade. De acordo com o relato, o interesse de Andrade seria dominar a área sob controle de Haylton — bairros da Zona Norte, como Cascadura e Madureira —, já que ele era o único herdeiro de um outro chefão do bicho, José Caruzzo Escafura, o Piruinha.

“Um dos motivos da morte do Haylton é justamente isso: Haylton é o herdeiro do (José) Escafura. Com a morte do Haylton, o Escafura não tem herdeiros… Então a intenção do Rogério foi de botar, de arrendar a área do Escafura. E com o poder que ele tá, ele vai arrendar. Só vai aumentar o poderio dele”, disse o miliciano. O inquérito sobre o crime ainda está em andamento.

Atualmente, Mad está preso. Em junho de 2020, ele foi alvo da operação Tânatos — referência ao deus da morte da mitologia grega —, que foi gerada a partir da investigação do caso Marielle. Mad e seus comparsas respondem, na Justiça, por dois outros homicídios que sucederam a ação no hotel: a execução de um bicheiro, Marcelo Diotti, no estacionamento de um restaurante, na Barra da Tijuca; e a de um PM, Anderson Claudio da Silva, o Andinho, também ligado a contraventores, no Recreio dos Bandeirantes.

08
Dez21

Série Pistoleiros: Batoré, o assassino de confiança do capitão Adriano

Talis Andrade

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Antônio Eugenio, o Batoré

por Rafael Soares /Extra

Há cinco anos, a execução do presidente da Portela, subtenente aposentado da PM e candidato a vereador Marcos Vieira de Souza, o Falcon, chocou o Rio. O policial foi assassinado a tiros dentro de seu comitê de campanha, em Oswaldo Cruz, na Zona Norte. Na tarde de 29 de setembro de 2016, dois homens desembarcaram de um carro, apontaram fuzis para dentro do imóvel, atiraram e fugiram. Foram cerca de 30 tiros, e sete acertaram Falcon, nas costas, rosto, braços e pernas.

O lugar estava cheio de funcionários, mas só o candidato foi atingido. Apesar de geralmente circular cercado de seguranças, naquele dia não havia nenhum no comitê. No dia seguinte, compareceram ao velório de Falcon, na quadra da Portela, baluartes do mundo do samba, oficiais da cúpula da PM do Rio, e personalidades da política carioca.

A comoção não teve efeito no inquérito que investigou o crime. O homicídio segue sem esclarecimento até hoje. No entanto, um depoimento prestado em setembro de 2018, durante a investigação de outro crime, o que vitimou a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, ajuda a jogar luz sobre o que está por trás da morte de Falcon. No Penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, expôs a trilha que liga o Escritório do Crime, consórcio de matadores chefiado pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, ao assassinato em Oswaldo Cruz.

O terceiro episódio de Pistoleiros, um podcast original Globoplay produzido pelo GLOBO, revela detalhes inéditos sobre dois homicídios que chocaram o Rio em 2016 e causaram mudanças profundas na geopolítica do crime na cidade: os assassinatos à luz do dia de Falcon e o do sargento PM e bicheiro Geraldo Pereira, no Recreio. Ao longo de cinco capítulos diários, a série — resultado de um trabalho de um ano e meio de apuração — vai revelar histórias inéditas sobre o submundo da pistolagem carioca. O primeiro episódio conta a história de Ronnie Lessa, principal suspeito de assassinato de Marielle Franco. Já o segundo, fala sobre o capitão Adriano, chefe do Escritório do Crime.

Série PistoleirosTranscrição do episodio 3

A delação

No segundo semestre de 2018, Curicica achava que seria condenado por um crime que não cometeu. O miliciano havia sido apontado, por uma testemunha plantada para prejudicar a investigação, como um dos mentores do assassinato de Marielle Franco. Meses depois, uma investigação da Polícia Federal comprovaria que ele não havia participado do crime. Mas, no dia 29 de setembro daquele ano, quando as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile, então responsáveis pelo inquérito, foram ouvi-lo no Rio Grande do Norte, Curicica estava desesperado. E, para convencer o Ministério Público de que ele não havia cometido o crime, resolveu falar o que sabia sobre o submundo do crime no Rio.

O GLOBO teve acesso à íntegra da transcrição do depoimento de Curicica. Ao longo de 98 páginas, o miliciano conta que o Escritório do Crime, criado por Adriano da Nóbrega, é responsável por vários crimes de repercussão no Rio na última década. Segundo Curicica, o ex-capitão criou o grupo quando passou a trabalhar como segurança de bicheiros. Mas, depois que cresceu na hierarquia da contravenção, Adriano virou uma espécie de “agenciador”: era contratado, recebia as missões e passava para seus “funcionários”. O principal deles, segundo Curicica, era o ex-PM Antônio Eugênio de Souza Freitas, o Batoré: “O Capitão Adriano meio que se afasta dessas coisas de matar, ele até recebe as missões, mas passa pro Batoré. Quem desenrola, quem resolve, quem vê, quem vai é o Batoré”, disse o miliciano.

Batoré é um personagem central no relato de Curicica. Segundo ele, o ex-PM é um dos pistoleiros responsáveis pelos disparos que mataram o bicheiro Geraldo Pereira, em maio de 2016, e o presidente da Portela Marcos Falcon, quatro meses depois. O miliciano afirma que os dois crimes estão relacionados e que sabe detalhes sobre ambos porque era amigo íntimo da primeira vítima. Pereira é uma espécie de mentor de Curicica: o miliciano começou sua trajetória no crime como segurança do bicheiro. Com o tempo, eles viraram sócios e passaram a dividir o poder em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio: Curicica era o chefe da milícia, explorava taxas de segurança e serviços como gás, gatonet e transporte alternativo; já Pereira controlava o jogo ilegal (bingos, máquinas caça-níquel e o bicho).

'Vão te matar na academia'

De acordo com o depoimento de Curicica, Pereira arrendava o jogo na região. Ou seja, ele explorava mediante o pagamento de um aluguel a um dos capos do jogo na cidade, Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade. No entanto, os dois racharam pouco antes do homicídio porque Pereira descumpriu o acordo depois de apreensões de máquinas pela PF que causaram prejuízos na quadrilha.

“O Rogério ficou insatisfeito porque a Polícia Federal deu uns baques muito grandes na área de Jacarepaguá e Recreio. Pegou máquinas e bingo. Então o Pereira descontou do valor arrendado da área, o prejuízo. E o Rogério Andrade não ficou satisfeito, devolveu o dinheiro e falou: ‘Ou vem o que tem que vir ou não manda nada!’. Aquilo revoltou o Pereira, virou um estresse, uma guerra verbal né, entre um e outro”, contou Curicica às promotoras.

Logo depois da briga, o miliciano começou a ouvir um comentário de que seu amigo seria morto e que o Escritório do Crime teria sido contratado para o homicídio. O local do crime até já tinha sido escolhido: a academia que Pereira mantinha no Recreio dos Bandeirantes. Ele afirma que alertou o bicheiro: “Eu tive com ele duas vezes pessoalmente e falei: 'Vão te matar na academia', mas ele não acreditava. Ele achava que não... E acabou acontecendo, ele acabou sendo morto na academia, mataram ele lá”.

Pereira de fato foi executado quando chegava à academia por homens que o aguardavam dentro de um carro estacionado em frente ao local. Os atiradores foram flagrados por câmeras de segurança da academia, e parentes do bicheiro mostraram as imagens a Curicica. Ele identificou um dos pistoleiros: “O Batoré, entendeu? Ele é o atirador, é ele que, que desce atirando no Pereira, entendeu?”, disse o miliciano no depoimento.

Ex-PMs

Em outro momento de seu relato, Curicica relaciona o homicídio de Pereira com o crime o sucedeu: “O homicídio do Pereira, eu reconheço o assassino, o cara que desembarca do carro com fuzil atirando, eu sei quem é. É o mesmo cara que matou o Falcon”. Segundo Curicica, Batoré também foi um dos homens que fez disparos para dentro do comitê de campanha do então presidente da Portela. E o miliciano ainda vai além. Quando questionado se o mandante dos dois crimes foi o mesmo, ele confirma: “Mesmo mandante, por motivos diferentes”. Em seguida, as promotoras perguntam quem ordenou as execuções. Curicica pergunta se está sendo gravado e, em seguida, a gravação é interrompida.

Pereira e Falcon eram dois personagens bem próximos do submundo do Rio. Os dois tiveram carreiras semelhantes na Polícia Militar: eram policiais operacionais que acabaram passando a maior parte de suas carreiras trabalhando em delegacias, cedidos para a Polícia Civil. Eles eram amigos e trabalharam juntos no início dos anos 2000 na Delegacia de Antissequestro (DAS). Após se aposentarem, ambos foram acusados de ligação com o crime. Falcon chegou a ser preso acusado de integrar uma milícia na Zona Norte, e Pereira acabou fazendo carreira na contravenção.

Além do depoimento de Curicica, o Ministério Público tem outra prova de que as duas execuções estão relacionadas. Testemunhas ligadas a Falcon contaram, em depoimento, que, após a morte de Pereira, o presidente da Portela teria dito a amigos próximos: “O próximo sou eu”. A polícia trabalha com a hipótese de que, antes do homicídio na academia, Falcon e Pereira estariam tramando, juntos, o homicídio do bicheiro Rogério Andrade. Os inquéritos que investigam os dois crimes seguem em aberto.

06
Dez21

Série Pistoleiros: conheça a Patamo 500, patrulha que formou Ronnie Lessa, acusado de assassinar Marielle Franco

Talis Andrade

 

 

A Patamo 500, grupo que Ronnie Lessa integrou
A Patamo 500, grupo que Ronnie Lessa integrou 
 
por Rafael Soares /Extra
 

Em outubro de 2018, cinco meses antes de ser preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, o sargento da PM Ronnie Lessa enviou uma foto a um amigo policial pelo WhatsApp. Na imagem, aparecem oito PMs fardados na frente de um parque infantil. Lessa é o segundo da esquerda para a direita e, ao lado dele, está o tenente-coronel — na época, capitão — Cláudio Luiz Oliveira, que atualmente cumpre pena de 30 anos de prisão por ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli. Anos antes de seus nomes frequentarem manchetes de jornal e serem conhecidos nacionalmente, os dois homens apontados como autores dos dois crimes de maior repercussão da história recente do Rio trabalhavam juntos, numa mesma viatura, como comandante e comandado.

Série PistoleirosTranscrição do primeiro episódio

A foto foi descoberta no celular de Lessa, apreendido pela polícia no dia de sua prisão, em março de 2019. Ela é um registro raro dos integrantes da Patamo 500 — uma patrulha que, ao mesmo tempo em que virou uma lenda dentro da PM, provocava terror nos moradores de favelas da Zona Norte do Rio no fim dos anos 1990. Em cinco anos, Lessa, Oliveira e seus colegas participaram de ocorrências que terminaram em pelo menos 22 mortes, duas vítimas feridas após uma sessão de tortura e o desaparecimento de um homem, após ser colocado no xadrez da viatura.

A trajetória de crimes de Ronnie Lessa na PM é reconstituída em detalhes no primeiro episódio de “Pistoleiros”, um podcast original Globoplay produzido pelo GLOBO. Ao longo de cinco episódios, a série — resultado de um trabalho de um ano e meio de apuração — vai revelar histórias inéditas sobre o submundo da “pistolagem” carioca.

O nome pelo qual o grupamento de Lessa e Oliveira ficou conhecido vem de “Patrulhamento Tático Móvel”, o jargão policial usado para nomear o conjunto de agentes, armados com fuzis, responsável por atuar em casos de maior gravidade, como assaltos a bancos. O número 500 era o que estava estampado na viatura usada pelos PMs. Até hoje, Lessa tem saudade do período de pouco mais de cinco anos em que serviu na patrulha chefiada por Oliveira: “Patamo 500. Formação original, 1997. Das antigas”, escreveu o sargento, num tom saudosista, ao enviar a foto ao amigo.

 

Chacina de Vigário

A história da patrulha tem início em janeiro de 1997, quando o então capitão Cláudio Oliveira foi transferido para o 9º BPM, em Rocha Miranda, quartel responsável por policiar uma área que, à época, cobria mais de 30 bairros e mais de 20 favelas, sendo três complexos de comunidades: Chapadão, Pedreira e Serrinha — dominados por três facções diferentes. O batalhão já tinha um histórico de violência policial: antes da Patamo 500, o quartel teve os Cavalos Corredores, grupo de PMs que participou da Chacina de Vigário Geral, em 1993. Na ocasião, 21 pessoas foram mortas numa incursão na favela, em represália à morte de quatro policiais. Quatro anos após o massacre, Oliveira, formado pelo Bope, chegou ao 9º BPM com a missão de criar uma equipe especializada em confrontos.

O objetivo inicial era fazer uma ocupação na Favela de Acari. E, para isso, o oficial foi buscar seus homens de confiança para integrar a patrulha. Lessa, considerado um de seus “pupilos” no Bope, foi uma escolha óbvia.

Os demais selecionados foram os PMs Guilherme Tell Mega, Roberto Luiz de Oliveira Dias, Marcelo Ferreira Rodrigues e Floriano Jorge Evangelista de Araújo — todos eles policiais operacionais, egressos de unidades que atuavam em áreas conflagradas, como o próprio Bope, a Companhia de Cães e o 16º BPM (Olaria), responsável por patrulhar o Complexo do Alemão.

Juntos, Lessa e Oliveira trilharam uma trajetória de homenagens na Patamo 500. Entre 1997 e 1998, os elogios nas fichas funcionais de ambos chegaram à média de um por mês. A atuação da dupla na patrulha rendeu moções de aplausos e congratulações da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) — propostas pelo então deputado Pedro Fernandes, que tinha sua base eleitoral na área do batalhão.

Uma política pública que apostava nos confrontos como estratégia para combater o crime praticamente deu carta branca para a atuação da Patamo 500: a “gratificação faroeste”, como ficou apelidada a premiação por bravura criada pelo governador Marcello Alencar (PSDB) em 1995. Na prática, a medida concedia bonificações salariais a policiais envolvidos em ocorrências com mortes. Lessa e Oliveira viram seus salários aumentarem, respectivamente, 40% e 90% em 1998. A gratificação gerou uma explosão nos homicídios em operações e, por isso, foi derrubada pela Alerj três anos após sua criação.

 

Ascensão meteórica

Os integrantes da Patamo 500 não ganharam só bonificações, mas também progrediram na carreira dentro da PM graças às ocorrências com mortes e apreensões. Antes de entrar na patrulha, Lessa era soldado. Em menos de um ano, teve uma ascensão meteórica: foi promovido por bravura duas vezes e, no fim de 1997, já era sargento. Em dezembro daquele ano, aliás, todos os integrantes da Patamo foram promovidos: Oliveira virou major, e os demais passaram de cabos a sargentos. Os boletins da PM mencionavam “a dedicação à causa pública, o preparo profissional, moral e o cometimento de atos não comuns de audácia e coragem” de Lessa e seus colegas.

Ao mesmo tempo em que era premiada pelo governo, a Patamo 500 deixava um rastro de sangue. Um levantamento feito pelo GLOBO em documentos internos da PM — sindicâncias, boletins e fichas funcionais dos agentes — contabilizou pelo menos 22 mortes durante operações da Patamo 500 entre 1998 e 2002. Numa só incursão, em 21 de julho de 2001, na Favela Faz-Quem-Quer, em Rocha Miranda, sete homens foram mortos. Os policiais da Patamo 500 ganharam elogios internos pela ocorrência: “demonstraram irrepreensível formação profissional, pois aplicaram um golpe contundente contra a criminalidade”. Foram identificadas ocorrências com mortes nas favelas do Chapadão, Guaxindiba, Acari, Morro da Caixa D’Água, Serrinha, Fubá e Parque Colúmbia.

 

‘Injusta agressão’

Na maioria dos registros, a dinâmica se repete: os agentes afirmam que “foram recebidos com disparos de arma de fogo pelos marginais e revidaram a injusta agressão”. As justificativas dos agentes eram aceitas, e os casos acabavam arquivados. Só três inquéritos contra PMs da Patamo 500 chegaram à Justiça e, até hoje, não há condenação.

No início de 2003, a equipe foi dissolvida e seus integrantes, promovidos. Lessa acabou sendo emprestado para a Polícia Civil, o que era um prêmio à época. Os “adidos”, como eram chamados os PMs que trabalhavam em delegacias, tinham prestígio, ganhavam bonificações salariais e não precisavam se subordinar à hierarquia da Polícia Militar. Já Oliveira chegaria a cargos de subcomandante e comandante de mais de um batalhão.

Nas décadas seguintes, todos os integrantes da Patamo 500 acabariam sendo mortos ou presos sob diferentes acusações de ligação com o crime organizado — de recebimento de propina de traficantes a desvio de armas. O sargento Marcelo Rodrigues foi executado a tiros de fuzil, em Jacarepaguá, na Zona Oeste, em 2004. O caso nunca foi solucionado.

O sargento Guilherme Tell Mega foi um dos alvos, em 2006, da Operação Tingui, da PF, que investigou a ligação de PMs com traficantes da Favela do Muquiço, na Zona Norte. Mega foi solto no ano seguinte e absolvido em 2011. Já os subtenentes Floriano Araújo, o Xexa, e Roberto Luiz Dias, o Beto Cachorro, foram presos em 2011 na Operação Guilhotina, que teve como alvo PMs que trabalhavam cedidos à Polícia Civil e eram acusados de receber propina e desviar armas apreendidas. Ambos também foram absolvidos.Blog do Garotinho - Exclusivo! A história do “cala a boca” que Beltrame e  Cabral deram ao delegado Allan TurnowskiBlog do Garotinho - A Operação Guilhotina na imprensa do Rio

06
Dez21

Série Pistoleiros: a caminhada em busca das histórias de assassinos

Talis Andrade

Rafael em frente à casa onde o ex-PM Adriano da Nóbrega foi morto, em Esplanada, na Bahia: um olhar novo sobre personagens conhecidos

Rafael Soares em frente à casa onde o PM Adriano da Nóbrega foi morto, em Esplanada, na Bahia: um olhar novo sobre personagens conhecidos. Foto Fernando Lemos 

 

por Gabriel Sabóia

Extra - Um ano e meio após ter começado a desarquivar processos, sindicâncias e boletins da PM que foram utilizados no podcast “Pistoleiros”, o jornalista Rafael Soares consegue fazer, hoje, um balanço do produto final do seu trabalho.

— O nosso principal objetivo sempre foi contar como o mercado dos matadores de aluguel se formou e mostrar como esses personagens foram sendo moldados com a anuência do Estado, que chegou a incentivá-los a matar, enquanto trabalhavam para as forças de segurança. Contar as suas histórias é explicar como o quadro atual da segurança pública se formou. A escolha pela política do enfrentamento trouxe resultados que podem ser vistos hoje — explica.

Em cada uma das reportagens publicadas ao longo desta semana, o repórter trará mais detalhes sobre as histórias contadas no podcast original da Globoplay, produzido pelo GLOBO. Durante a apuração, Rafael esteve na Bahia, no local onde o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega — um dos personagens — foi morto.

Por meio de nomes como o do policial militar reformado Ronnie Lessa, preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, o trabalho investigativo descreve uma linha do tempo, na qual as políticas de segurança pública foram mudando, mas mantendo em comum o reconhecimento por bravura a policiais que tinham como característica a truculência nas operações.

— Os personagens da série são verdadeiros fenômenos do submundo. Por anos, foram desconhecidos da população, mas participaram de alguns dos principais crimes da cidade. Não se trata de uma biografia sobre cada um dos matadores de aluguel, mas de um apanhado de histórias que descrevem o quadro de violência visto ao longo dos últimos 25 anos. A série parte de uma história peculiar, descrevendo a atuação da Patamo 500, na qual trabalharam juntos Ronnie Lessa e Cláudio Luiz Oliveira, que atualmente cumpre pena de 30 anos de prisão por ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli. Os dois, envolvidos nos maiores crimes recentes do Rio, já patrulharam as ruas da cidade e foram reconhecidos por “serviços prestados” — ressalta.

Premiado internacionalmente por seu trabalho investigativo, Rafael confessa o “frio na barriga” ao se aventurar em um podcast:

— Eu nunca tinha feito uma locução, o que foi uma experiência ótima e nova. Do ponto de vista prático, o podcast também impõe alguns desafios únicos: precisei convencer pessoas a participar do trabalho, tive de trazer vozes e relatos para esse trabalho. Muitos dos convidados tiveram medo, mas outros tantos toparam o desafio e deram forma ao produto final.

De frente para o microfone, o jornalista contou com o apoio da diretora do podcast, Marianna Romano, que o acompanhou no estúdio e soube conduzi-lo para que o trabalho ganhasse um quê de coloquialidade:

— A diretora me entrevistou sobre os temas apurados para que eu explicasse, em tom de conversa, cada um dos pontos apurados. Com esse material em mãos, juntamos as entrevistas feitas e montamos um podcast. O resultado ficou incrível.

Além da direção, Marianna Romano assina montagem, trilha sonora e roteiro — este último, com o próprio Rafael e Edu Araujo. A supervisão do projeto é de Alexandre Maron. A produção executiva é de André Miranda e Alan Gripp.

 

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